Alan MACLEOD
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O Wall Street Journal publicou um artigo de opinião intitulado “O dever moral de destruir o Hamas”, que insistia junto dos leitores que “Israel tem o direito de fazer o que for preciso para extirpar esta cultura maligna e depravada que reside ao seu lado”. Assim, o jornal deu implicitamente a Israel um livre-trânsito para realizar quaisquer crimes de guerra que quisesse contra a população civil […]
Depois de o Hamas ter lançado um ataque surpresa contra Israel, as forças das IDF [Israel Defense Forces] responderam com ataques aéreos, arrasando os edifícios de Gaza. A violência até agora já custou a vida de mais de 2 500 pessoas. A media ocidental, no entanto, mostra muito mais interesse e tem muito mais simpatia pelos mortos israelitas do que pelos palestinianos e tem desempenhado o seu papel habitual como porta-vozes não oficiais das Forças de Defesa de Israel (IDF).
ALEGAÇÕES EXTRAORDINÁRIAS, ZERO PROVAS
A narrativa do bebé decapitado era tão popular que até o presidente Biden a referiu, alegando ter visto imagens “confirmadas” do Hamas matando crianças. Essa afirmação, no entanto, foi retirada à pressa pelos seus funcionários na Casa Branca, que observaram que Biden estava simplesmente a fazer referência à reportagem do i24 News.
A história parecia ainda mais uma peça de propaganda barata depois de ter sido revelado que a principal fonte para a alegação era o soldado israelita David Ben Zion, um colono extremista que incitou distúrbios raciais contra palestinianos no início deste ano, descrevendo-os como “animais” sem coração que precisam ser “dizimados”.
Manipular o público dos EUA para apoiar a guerra, alimentando-os com propaganda de atrocidades como a mutilação de bebés, tem uma longa história. Em 1990, por exemplo, uma menina que pretendia ser uma enfermeira local foi levada ao Congresso, onde testemunhou que os homens do ditador iraquiano Saddam Hussein tinham arrancado centenas de bebés kuwaitianos das suas incubadoras e os tinha deixado a morrer. A história ajudou a levar o público americano a um fervor pró-guerra. Mais tarde, foi revelado que era uma farsa completa inventada por uma empresa de relações públicas.
A MENINA ASSASSINADA QUE VOLTOU À VIDA
Outra notícia flagrantemente falsa é o caso de Shani Louk. Louk participou no Festival Supernova, emboscado pelo Hamas. Foi amplamente divulgado que o Hamas a assassinou (por exemplo, o Daily Mail, a Marca, a Yahoo! News, a TMZ, o Business Insider), a despiu e expôs o seu corpo nu pelas ruas nas traseiras de um camião como um troféu. O caso de Louk incitou a raiva global e apela a uma resposta militar israelita esmagadora.
Só havia um problema: Louk foi posteriormente confirmada como viva e no hospital, um facto que sugere que os vídeos dela na traseira do camião eram, na verdade, imagens de pessoas a salvar a sua vida ao levá-la em busca de assistência médica.
Poucos órgãos de comunicação social que publicaram irresponsavelmente essas histórias incendiárias pediram desculpas ou sequer fizeram retratações. O Los Angeles Times foi uma exceção: depois de publicar uma reportagem afirmando que palestinianos tinham violado civis israelitas, mais tarde informou os leitores de que “tais relatos não foram comprovados”.
Um exemplo é a alegação de que, durante uma incursão no sul de Israel, combatentes do Hamas pararam para cercar, matar e mutilar 40 bebés israelitas, decapitando-os e deixando para trás os seus corpos.
A afirmação extraordinária foi originalmente relatada pelo canal israelita i24 News, que a baseou em fontes militares israelitas anónimas. Apesar de não apresentar nenhuma prova, essa alegação altamente inflamatória sobre um inimigo feita por um participante ativo num conflito foi captada e repetida em todo o mundo por uma série de meios de comunicação (por exemplo, nos Estados Unidos a Fox News,a CNN, o MSN, o Business Insider e o The New York Post).
Entretanto, as primeiras páginas dos maiores jornais do Reino Unido estavam ornamentadas com a história, a imprensa indignada com a atrocidade e convidando os seus leitores a sentirem o mesmo.
Alegações extraordinárias deveriam exigir provas extraordinárias, e uma história como esta deveria ter sido recebida com sério ceticismo, dado quem estava a fazer a alegação. A primeira pergunta que qualquer repórter deveria ter feito era: “Onde estão as provas?” Dadas as múltiplas oportunidades de apoiá-lo, o IDF distanciou-se continuamente das afirmações. No entanto, a história era simplesmente útil demais para não ser publicada.
Manipular o público dos EUA para apoiar a guerra, alimentando-os com propaganda de atrocidade sobre a mutilação de bebés tem uma longa história. Em 1990, por exemplo, uma menina que pretendia ser uma enfermeira local foi levada ao Congresso, onde testemunhou que os homens do ditador iraquiano Saddam Hussein tinham arrancado centenas de bebés kuwaitianos das suas incubadoras e os tinham abandonado para morrerem. A história ajudou a levar o público americano a um fervor pró-guerra. Mais tarde, foi revelado que era uma farsa completa inventada por uma empresa de relações públicas.
IDOLATRANDO ISRAEL, DESUMANIZANDO OS PALESTINIANOS
Poucos leitores, no entanto, veem essas retratações. Em vez disso, ficam com sentimentos viscerais de raiva e repulsa em relação ao Hamas, preparando-os para apoiar a ação militar ocidental contra a Palestina ou até a região .
Caso o público não entendesse a mensagem, artigos de opinião e editoriais de grandes jornais martelavam essa ideia. O Wall Street Journal publicou um artigo de opinião intitulado “O dever moral de destruir o Hamas”, que insistia junto dos leitores que “Israel tem o direito de fazer o que for preciso para extirpar esta cultura maligna e depravada que reside ao seu lado”. Assim, o jornal deu implicitamente a Israel um livre-trânsito para realizar quaisquer crimes de guerra que quisesse contra a população civil, seja usando armas químicas proibidas, cortando a eletricidade e a água ou atacando ambulâncias ou funcionários das Nações Unidas.
O conselho editorial da National Review tinha a mesma opinião, e afirma va que “Israel precisa de um largo campo de manobra para destruir o Hamas”. Esse campo de manobra, explicaram, significava dar a Israel muito mais tempo para realizar a destruição de Gaza. Os líderes ocidentais teriam que se abster de criticar Israel ou de pedir calma e paz.
A mensagem era clara: a unidade internacional era primordial neste momento. Meras ninharias, como crimes de guerra, devem ser negligenciadas. E enquanto Israel e seu povo eram tratados com especial simpatia (por exemplo, o Washington Post), o outro lado era excluído como radical sanguinário. Embora a expressão “terroristas palestinianos” pudesse ser encontrada em todo o espectro da media (por exemplo, Fox News, New York Post, New York Times), o seu oposto, “terroristas israelitas” estava completamente ausente da media corporativa. Isto apesar de as baixas do lado palestiniano superarem as israelitas.
Sublinhando o facto de que as vidas israelitas são consideradas mais importantes é a maneira como as mortes de cada lado são relatadas. A BBC, por exemplo, disse aos seus leitores que israelitas foram “mortos”, enquanto as pessoas em Gaza simplesmente “morreram”, omitindo qualquer ação dos seus perpetradores e quase sugerindo que as suas mortes eram naturais.
VIOLÊNCIA SEM CONTEXTO
O pano de fundo factual básico do ataque estava ausente da maioria das reportagens. Poucos artigos mencionaram que Israel foi construído sobre um Estado palestiniano existente, e que a maioria dos habitantes de Gaza descende de refugiados etnicamente expulsos do sul de Israel, a fim de dar lugar a um Estado judeu. Também não foi mencionado que Israel controla quase todos os aspetos da vida de Gaza. Isso inclui decidir quem pode entrar ou sair da faixa densamente povoada e limitar a importação de alimentos, medicamentos e outros bens cruciais. Grupos humanitários chamaram a Gaza “a maior prisão a céu aberto do mundo”. As Nações Unidas declararam que as condições em Gaza são tão más que a tornam o inabitável.
Uma das principais razões pelas quais esse contexto crucial não é dado é que ele poderia influenciar o público ocidental no sentido de simpatizar com os palestinianos ou apoiar a libertação palestiniana. As grandes corporações de media são em grande parte propriedade de oligarcas ricos ou de corporações transnacionais, e ambos têm interesse na preservação do status quo e nenhum deseja ver os movimentos de libertação nacional bem-sucedidos.
Alguns meios de comunicação deixam isso explícito. Axel Springer – o enorme emissor alemão dono do Politico – exige que os seus funcionários assinem uma declaração de missão apoiando “a aliança transatlântica e Israel” e disse a todos os membros da equipe que apoiam a Palestina que deixassem o seu emprego.
Outros órgãos de comunicação social são um pouco menos ostensivos, mas ainda assim têm linhas vermelhas que os funcionários não podem ultrapassar. A CNN despediu o pivô Marc Lamont Hill por ter apelado a uma Palestina livre. Katie Halper foi despedida do The Hill por (precisamente) ter chamado a Israel Estado de apartheid. A Associated Press despediu Emily Wilder depois de ter sabido que ela tinha sido uma ativista pró-Palestina durante os seus anos de faculdade. E o The Guardian despediu Nathan J. Robinson depois de ter feito uma piada a satirizar a ajuda militar dos EUA a Israel. Esses casos servem de exemplo para o resto do mundo jornalístico. A mensagem é que não se pode criticar o violento sistema de apartheid do governo israelita ou mostrar solidariedade para com a Palestina sem correr o risco de perder os meios de subsistência.
Em última análise, então, a media corporativa desempenha um papel fundamental na manutenção da ocupação, manipulando a opinião pública. Se o povo americano estivesse ciente da história e da realidade de Israel/Palestina, a situação seria insustentável. Para aqueles que desejam manter as desigualdades através das quais um governo de apartheid expulsa ou aprisiona a sua população nativa, a caneta é tão importante como a espada.
Fonte: Blitz de propaganda: como a grandemedia está empurrando histórias falsas sobre a Palestina – MLToday , colocado e acedido em 30.10.2023