Todas as tentativas de intervenção ou intimidação internacional por parte do Trump resultaram na consolidação dos governos dos países afetados.
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Como comentamos em artigos anteriores, a ida do deputado federal Eduardo Bolsonaro, filho do ex-presidente Jair Bolsonaro, para os EUA tinha como finalidade organizar naquele país um lóbi antibrasileiro. O objetivo principal deve ser visto como recolocar Jair Bolsonaro no poder no Brasil, e os bolsonaristas acreditam que conseguirão fazer isso através de Trump.
Quanto aos meios táticos com os quais eles pretendem alcançar isso, os bolsonaristas organizaram várias narrativas e objetivos menores, todos eles voltados para facilitar o retorno de Bolsonaro ou torna-lo inevitável.
Um dos enfoques é a questão da “censura às Big Techs”. Segundo essa narrativa, em suas atribuições no Supremo Tribunal Federal, o juiz Alexandre de Moraes teria tentado censurar contas de redes sociais de pessoas situadas nos EUA – portanto, fora de sua competência territorial.
Para além disso, existe a questão do processo contra Jair Bolsonaro por “tentativa de golpe de Estado”, devido às agitações ocorridas entre o final de 2022 e o início de 2023. Tudo aponta para uma condenação certa de Jair Bolsonaro, até porque – segundo fontes – os juízes do Supremo estão com ânimo de vingança, especialmente pela invasão de seu prédio nos protestos do 8 de janeiro de 2023.
Existe, ainda, um tema mais amplo em torno das controvérsias entre Brasil e EUA. Segundo algumas narrativas bolsonaristas, o projeto de desdolarização promovido pelos BRICS e citado ocasionalmente por Lula estaria gerando incômodo em Washington. A narrativa é curiosa já que, como todos sabem, o Brasil tem sido um dos “elos fracos” nos BRICS graças à ambiguidade de Lula em relação a uma série de pautas importantes, tanto dentro dos BRICS (como sua expansão e evolução), quanto em relação a questões internacionais (como a postura confusa em relação à operação militar especial, e o distanciamento em relação à defesa da multipolaridade em sentido estrito).
De todo modo, de fato, Donald Trump na última semana anunciou tarifas de 50% para a importação de todos os produtos brasileiros, as quais passarão a valer a partir de 1 de agosto. E ao fazê-lo, alegou que o Brasil estava “perseguindo” Bolsonaro de maneira injusta, bem como que as relações Brasil-EUA não estavam boas.
Nas relações comerciais entre Brasil e EUA, os norte-americanos estão em posição de vantagem. Em 2024, o Brasil exportou 40,3 bilhões de dólares em bens e importou 40,5 bilhões de dólares, indicando superávit estadunidense. Os EUA, dessa forma, tiveram uma participação de 12% nas exportações brasileiras e de 15,5% nas importações. Não se trata, porém, de nosso principal parceiro comercial, já que a China supera os EUA tanto nas importações quanto nas exportações. Os anos anteriores também viram superávits em benefício dos EUA: 5.6 bilhões de dólares em 2023, 2 bilhões de dólares em 2022 e 8.6 bilhões de dólares em 2021.
Durante o 1º semestre de 2025, aliás, o superávit dos EUA tem sido ainda maior, já que neste período o Brasil exportou 20 bilhões de dólares em bens e importou 21,7 bilhões de dólares, resultando em um superávit de 1,7 bilhão de dólares em favor dos EUA. Confirma-se, com isso, que essas tarifas não fazem sentido sob uma ótica exclusivamente comercial.
O anúncio levou a uma pequena valorização do dólar em face do real, mas nenhuma outra consequência mais relevante imediata. Não obstante, de fato, ele gerou preocupação entre empresários de alguns setores econômicos específicos da agropecuária e da indústria. Em 2024, os produtos mais exportados para os EUA foram café, carne, suco de laranja, petróleo, aeronaves, semimanufaturados de ferro ou aço, materiais de construção e engenharia e madeira. Especificamente no setor industrial (e o Brasil luta contra um processo de desindustrialização que já vem de 40 anos), as empresas mais afetadas serão a fabricante de aeronaves Embraer (Exportações para os EUA = 60% da receita), a metalúrgica Tupy (23% da receita), a fabricante de máquinas WEG (22% da receita), a produtora de peças Iochpe-Maxion (20% da receita) e a produtora de papel e celulose Suzano (15% da receita).
O caso da Embraer é trágico porque trata-se de uma empresa que vinha despontando como concorrente da Boeing no atual período de crise da empresa estadunidense, e que possui um importante braço militar.
Diante dessa ameaça de tarifas, Lula prometeu tentar negociar para evita-las, mas que se elas forem confirmadas e aplicadas, o Brasil aplicaria o princípio da reciprocidade. Entre as medidas de retaliação previstas estão tarifas de 50% para todos os produtos importados dos EUA. Além disso, cogita-se a ruptura de alguns tratados comerciais e a suspensão do reconhecimento de patentes e royalties dos EUA.
Não obstante, devemos recordar que o Brasil sob Lula tem tido uma política externa ambígua e conciliacionista em relação aos EUA, de modo que ninguém deverá se surpreender caso o Brasil evite retaliar na mesma medida para não antagonizar os EUA.
Mas e quanto ao objetivo principal declarado das tarifas, ou seja, “salvar Bolsonaro”?
Em um primeiro momento, na verdade, seria possível dizer que o tiro saiu pela culatra. O primeiro indício de que o plano fracassou é o fato de que o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, decidiu negociar por conta própria com os EUA (já que o estado de São Paulo será o mais afetado pelas tarifas), solicitando o cancelamento das tarifas. Tarcísio era visto como um aliado da Família Bolsonaro e como o político de direita mais bem posicionado para disputar eleições presidenciais pelo bolsonarismo, já que Bolsonaro está inelegível. Após a sua tentativa de negociar de maneira independente, porém, Tarcísio foi criticado por Eduardo Bolsonaro e por vários influenciadores ligados ao bolsonarismo, indicando uma possível ruptura. O problema, para o bolsonarismo, é que como Tarcísio é uma figura de uma direita mais “moderada”, ele era um fator de atração para as forças políticas do “Centro”, que no Brasil são determinantes para garantir a vitória nas eleições presidenciais.
Nesse âmbito, é importante ressaltar que os magnatas da agropecuária também demonstraram insatisfação com o lóbi tarifário de Bolsonaro nos EUA, buscando uma aproximação com o governo Lula para uma resposta conjunta.
Para além disso, no âmbito da opinião pública, as reações foram desfavoráveis à atuação de Eduardo Bolsonaro nesse lóbi por tarifas. De um modo geral, mesmo os brasileiros de direita não consideram a libertação de Bolsonaro como mais importante do que seus empregos e bem-estar. É possível que o governo Lula, cuja popularidade estava em queda livre, recupere um pouco de fôlego.
Na Câmara dos Deputados havia, de fato, um projeto visando conceder anistia a Jair Bolsonaro e a todos os presos por participar nos atos do 8 de janeiro de 2023. O projeto, agora, foi engavetado graças à ameaça tarifária de Trump.
No longo prazo, porém, caso haja prejuízos econômicos verificáveis em uma guerra tarifária com os EUA, por exemplo, sob a forma de aumento do desemprego, realmente é possível que se alcance o resultado de impedir a reeleição de Lula. Não obstante, por enquanto, nem o Bolsonaro será anistiado, nem a direita ganhará as próximas eleições.
É importante apontar, ainda, que todas as tentativas de intervenção ou intimidação internacional por parte do Trump resultaram na consolidação dos governos dos países afetados, o que nos leva à conclusão de que a estratégia bolsonarista não foi objeto de reflexão suficiente.