Português
Hugo Dionísio
February 8, 2025
© Photo: Public domain

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Ao invés do que fez Biden com a Palestina, a nova administração norte-americana assume que, nas questões fundamentais, o poder da Grande América é para ser exercido com toda a frontalidade e direcção. Tal significa que, à EU será difícil continuar a fazer o que fazia até aqui, em que nas questões internamente difíceis para os estados membros europeus, os “líderes” europeus encontravam refúgio na ambiguidade e “moderação” do discurso oficial da casa branca, chefiada por Biden/Harris, que ora aparecia como financiadora e promotora do agressor, ora como muito solidária com o agredido. Desde que seguissem a narrativa do “mínimo denominador europeu comum”, que são os EUA, tudo faria sentido e a EU sobreviveria à provação.

Mais preocupados com as aparências, os “líderes” europeus pautaram sempre a sua actuação pela dissimulação. Caso tivessem dúvidas, era simples: ancoravam o seu discurso nas premissas fundamentais do discurso da casa branca e tudo correria bem, pois nenhuma nação europeia teria coragem para o afrontar, ou, caso o fizesse, o discurso ambíguo e “moderado” de Biden, forneceria sempre as necessárias âncoras, por mais contraditórias que fossem.

Mas esta nova atitude da casa branca não aceita segundas interpretações, âncoras discursivas contraditórias entre si. Como acomodar o discurso europeu a propostas que ferem tão directamente tudo o que a EU diz defender e estar em causa, por exemplo, na Ucrânia? Com a proposta de Trump para Gaza, ou para a Groenlândia, para o Canadá, não são fornecidas as fugas discursivas que Biden e a sua equipa forneciam. São tais orientações que permitiam à presidente da comissão europeia, num mesmo evento, espumar o seu louco ódio russófobo, a propósito da Ucrânia, para, logo de seguida, tal explosão histérica emocional passa a dar origem ao mais sereno e compreensivo dos discursos de complacência, para com a brutalidade sionista em Gaza.

Como da noite para o dia, Úrsula estava habituada a que toda a veemência manifestada contra o que designava ser a “grave violação do direito internacional”, “a brutal invasão da Ucrânia pela Federação Russa”, a “invasão não provocada de um país soberano”, tal atitude persecutória, julgadora e punitiva, dava subitamente lugar a um discurso complacente, compreensivo e cauteloso, quando se tratava de comentar a agressão Israelita à Palestina, ou as inúmeras intervenções dos EUA pelo mundo.

Este pântano de contradição, imagem de marca da EU, não tinha em si a origem. A origem era Washington e isso dava uma segurança tremenda, apesar das aparências negativas. A mesma União Europeia que sem provas acusou a Federação Russa de influenciar eleições no ocidente, era a mesma que foi parte do projecto Geórgia, em que a USAID usou dezenas de milhões de dólares para desestabilizar este – e muitos outros – país, interferindo nas suas eleições, financiando ONG, partidos e “comunicação social independente”.

A atitude dos políticos europeus, da Comissão aos Estados-Membros, com raríssimas excepções, oscilava consoante as necessidades de submissão de todo o bloco europeu, aos mais vis interesses do que os EUA convencionam designar como “o seu interesse nacional” – de que o ocidente colectivo é a esfera de protecção – e que se confunde com as suas organizações de “segurança”, como a NATO ou o AUKUS. O interesse europeu, pelo menos até aqui – e certamente continuará – nunca existiu, não é defendido e representou uma mera extensão do “mínimo denominador europeu comum”, os EUA.

Esta oscilação comportamental, embora planeada, expõe toda a contradição em que se movimenta a política da união europeia, e não apenas acarreta consigo uma contradição interna, antagónica entre as várias facetas assumidas, em função dos acusados e da sua posição face aos EUA, como, acima de tudo, acarreta um comportamento contraditório para com os interesses europeus no mundo. Se, em relação à Federação Russa, a União Europeia passou a assumir o belicismo, como discurso preferencial, ao invés da diplomacia; no caso de Israel e Palestina, a mesma União Europeia já defende o contrário, ou seja, a diplomacia. Num e outro caso, de formas diferentes e antagónicas entre si, a EU surge em contradição com os movimentos mundiais criados em relação a cada um dos conflitos.

Já para a generalidade da maioria global, para quem está de fora, o que se observa é uma EU em movimento contrário ao da rotação terrestre. A partir de Trump, esta EU não passou apenas a estar em movimento contrário ao do seu “mínimo denominador comum”, os EUA, mas em relação a todo o mundo e de formas muito contraditórias.

No caso Rússia-Ucrânia, o mundo, medido pela quantidade de chefes de estado que afluem à Rússia, mostrou perceber, com excepção do “ocidente colectivo” liderado pelos EUA, que o que estava em causa era uma confrontação entre NATO e a Federação Russa, originado pela pressão que a expansão da NATO provocou sobre o que Moscovo considerava constituir a sua linha de segurança. Em contradição com esta percepção geral, a EU assumiu sempre uma postura belicista, alienando pontes, entendimentos e aliados, radicalizando posições em relação a antigos parceiros. Toda a aposta passou por uma derrota militar da Federação Russa.

Já no caso da agressão Israelita, o movimento mundial, bem evidente nos processos judiciais internacionais, nas votações na Assembleia Geral da ONU, nas pretensões democráticas dos povos europeus, vai no sentido de forçar Israel a parar a agressão. Neste caso, a União Europeia entrou em contradição consigo própria e os estados membros assumiram posições antagónicas entre si, dividindo-se e resumindo-se à insignificância. O vociferar agressivo e pretensamente liderante que assumiu contra a Federação Russa, actuando em “bloco” e dando uma imagem de “coesão”, deu lugar ao fragmentarismo, ao antagonismo e contradição.

Um e outro comportamento, não apenas colocam a Europa em maus lençóis perante si mesma, obrigando-a a prescindir de um entendimento com a Federação Russa, o qual lhe traria maior capacidade competitiva, mercado mais vasto e condições para o progresso, como, perante o mundo, faz com que os outros países olhem para este bloco europeu como errático e incongruente, ao ponto de se conseguir sabotar a si próprio. Pelas mesmas razões que não respeitam Zelensky, por ter sido capaz de trair o seu povo e aceitar a destruição do seu país, não respeitam também a “liderança” europeia. Para agravar as coisas, também Trump vem associar-se a ideia de “negociar” com a federação Russa e à ideia de “não negociar” em relação a Gaza, invertendo-se aqui as posições de apoio em relação à maioria global, que opta por não negociar, mas com “Israel”.

Apanhada nesta contradição insanável, a EU revela ao mundo que as posições públicas que assume, muito pouco, ou quase nada, têm que ver com o interesse europeu. Sob Biden, a característica mais evidente e expressiva da política da EU, consistiu na sua capacidade de auto-boicote. Primeiro, boicotou-se perante si e os outros países, com os quais partilha o continente; segundo, entre si e o mundo em desenvolvimento, o Sul ou a maioria global, incapazes de perceber, em cada momento, com que europa falam, com que europa se relacionam, se a conciliatória ou a trauliteira, se a que defende o seu espaço, ou a que se auto mutila. A China, sempre cuidadosa e interessada numa autonomização europeia, queixa-se dessa postura errática, tentando levar a que os “líderes” europeus se assumam como tal; a Federação Russa, mais veementemente e de forma pragmática, diz logo que o conflito com a EU só se resolve negociando com… Os EUA!

Mas algo de mais profundo e estável está na base deste comportamento errático e oscilante. O que este comportamento europeu tem revelado é, acima de tudo, que quando os EUA estão no comando, a “europa” surge com uma imagem de coesão; já quando os EUA são o alvo, ou, por interesse próprio, preferem uma europa sem voz e se retiram dessa posição de liderança, a “europa” surge desconectada e desorganizada, não conseguindo compor a tal “frente unida”. Num ou outro caso, a EU está sempre, sempre, desarmada face aos EUA. Desarmada porque a narrativa que assume é dominada pelos EUA, seja ainda porque se desintegra e deixa de poder ser ameaça, quando os EUA não dominam a narrativa ou quando adoptam uma narrativa ambígua, aberta às várias sensibilidades, como sucedeu com Gaza. A suposta “coesão”, “reforço” e “união”, só existe no quadro da NATO e na EU, enquanto extensão da NATO. No caso de Gaza e da Palestina, não estando a NATO em causa, logo essa “coesão” se esvai.

Se isto diz muito das razões pelas quais esta organização se afunda de forma rápida e visível, muito mais diz sobre o que está por vir. E por vir estão tempos muito difíceis para a União Europeia, a Europa e os Europeus. E pelas mesmas razões de sempre. Uma elite política reaccionária, oportunista, vendida, individualista e egoísta, mas sempre preparada para obedecer ao que considera ser o mais forte, o seu chefe natural, o inquilino temporário e o aparato plutocrático permanente da Casa Branca.

E é neste quadro que a situação está para se tornar ainda mais contraditória e penalizadora para a UE. Se os comportamentos que atrás identifiquei, por parte dos “líderes” europeus, revelam algo, é que o interesse dos EUA, face a um determinado acontecimento, é que determina a forma organizada ou desorganizada como respondem. Esta bipolaridade está presente em tudo. Em sectores de enorme importância para Washington, a União Europeia chama a si a coordenação e compõe uma “frente unida”, nos restantes, a EU abandona-se ao critério de cada um. Sempre que os EUA, sob Biden, sabiam ter numa europa unida um possível obstáculo, deixam-na à sua desorganização e acefalia, fornecendo no seu discurso as necessárias fugas.

Se, com Biden, a EU, a Comissão Europeia e os políticos europeus viam mais facilitada a sua tarefa, nomeadamente de discursarem segundo o teleponto enviado da Casa Branca, com Trump tudo muda, agravando o estado de letargia internacional da EU. Biden fazia da sua imagem de marca a dissimulação, um pântano de incongruência em que os “líderes” europeus sabiam, oportunisticamente, movimentar-se. Trump, impondo uma direcção clara e inequívoca, nunca se furtando a acções decisivas e decididas, mesmo em aspectos profundamente dolorosos para a EU, traz consigo um desafio insuportável. Enquanto a dupla Biden/Harris sinalizava, pela acção ou omissão, como se deveria a EU comportar, Trump, omite, simplesmente, esses sinais. Para Trump a EU não conta, não dirige, não intervém, logo, o único sinal disponível é o da acção unilateral, sem consultas, sem contemplações e, acima de tudo, sem fazer depender a sua decisão de uma qualquer pretensão europeia. Ora, os líderes europeus estavam habituados a que os EUA fizessem parecer que a Europa também importava. O que farão agora?

Trump, após a constatação de que a “liderança” europeia estava, massivamente, em oposição à sua eleição e de forma disciplinada, a favor da continuidade da administração democrata (o que faz Soros, a USAID e a CIA), percebeu que a melhor forma de neutralizar este exército de oportunistas, a própria União Europeia e de lhe retirar toda e qualquer influência, consiste em retirar-se, a ele e à casa branca, da sua liderança expressa. Sem a liderança por parte da casa branca, EU fica entregue à acefalia de gente como Von Der Leyen e António Costa, completamente desconcertados quanto ao facto de deixarem de ser interlocutores, consultados e formados sobre o que fazer, em cada momento, relativamente às acções da casa branca. É neste momento que deixarão de surgir aquelas tabelas, made in state department, em que, para cada situação corresponde uma resposta, um argumento, uma acção. Para uma EU habituada a sinalizarem-lhe o que fazer, toda a actuação de Trump representa um desafio no escuro, no desconhecido. É como se Trump lhes dissesse “não me pisem os calos”, mas não lhes dissesse onde estão os seus pés. De repente, a realidade exige que gente acéfala pense por si própria, mas sem quaisquer pistas.

Esta oferenda trumpista representa tudo menos a liberdade. Representa a imprevisibilidade, o que, refira-se, é como dar a estes líderes europeus a mesma imprevisibilidade e instabilidade com que eles presenteiam os povos europeus com as suas acções. Sem a Casa Branca, a EU não pode ter a pretensão de constituir um bloco unido, seja para o que for. É como se Trump revelasse ao mundo a verdadeira natureza da União Europeia e a sua condição de apêndice democrata, neoliberal, neoconservador e globalista.

Num acto de vingança também pessoal, Trump tenta fazer implodir a União Europeia, senão na realidade (ainda), pelo menos figuradamente. Trump neutraliza a EU actuando nação a nação, dividindo ainda mais, beneficiando uns (o Reino Unido) e prejudicando outros, agravando o estado letárgico, fragmentado e acéfalo, próprio de uma organização que ficou sem direcção política e estratégica. E como é fácil fazê-lo. Com o tempo, com a sucessão de testes como o de Gaza, esta Eu necessitará, mais do que nunca, de um chefe, de um mestre. Alguém que lhe diga o que pensar, o que fazer. O seu “mínimo denominador europeu comum”. Um que todos aceitem.

Em Portugal, sempre um “bom” aluno nestas manigâncias, perante esta autêntica decapitação da hidra europeia, logo os mais “europeus” dos europeus, os mais “europeístas” dos europeístas, deram sinal de aceitar esta nova existência. O governo chefiado por Montenegro veio logo fazer propaganda pró Trump, de que vai reduzir o gás Russo importado, de 5% para próximo de zero. Ao invés de vir, defendendo os portugueses e as suas condições de vida, dizer que o governo vai comprar o gás mais barato que puder comprar, principalmente num período em que o Índice de produção industrial voltou a cair pelo segundo ano consecutivo, a Ministra do Ambiente e Energia, aceitou a nova realidade em que que a amizade com os EUA será individualmente considerada e será medida pela submissão económica directa e já não através da mediação de Bruxelas.

Já Nuno Melo, o ministro dos Negócios Estrangeiros (Relações Exteriores), talvez dos políticos portugueses com pior registo de assiduidade e empenho parlamentar, veio dizer, a propósito de Gaza, que “não lhe compete comentar política norte-americana”, como que dizendo, “Mestre, se for para falar dos inimigos, estou cá eu, se for para falar de si, faça de conta que eu não existo”. Que é como quem diz, é simplesmente deixá-lo à sua insignificância.

Neste quadro, como irá a EU sobreviver ao choque e recuperar da sua própria decapitação, será um desafio bom de assistir. Mas, com Trump, acabaram-se as dissimulações. O Mestre exige respeito absoluto pelas suas acções, goste-se delas, ou não. Ao contrário, sujeitam-se à mais penosa das irrelevâncias! Para Nuno Melo, um dos mais reaccionários políticos portugueses, foi fácil mudar de campo. Mas, para aquela elite pantanosa do centrão neoliberal, que vai da social democracia à democracia cristã, vai ser um festival de contorcionismo! Do Imobilismo desconfortável aos movimentos de 180 graus, teremos de tudo um pouco.

Começou com o empreendimento de Gaza. A paz com a Federação Russa ditará, definitivamente, que Putin tinha toda a razão. A paz na Europa será negociada com os EUA! Os “líderes” Europeus, primeiro atónitos de acefalia, depois por receio resistentes, por fim abanarão as suas caudas e, à procura da liderança perdida, beijarão a mão ao seu novo mestre!

Trump será o “minimo denominador europeu comum”

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Ao invés do que fez Biden com a Palestina, a nova administração norte-americana assume que, nas questões fundamentais, o poder da Grande América é para ser exercido com toda a frontalidade e direcção. Tal significa que, à EU será difícil continuar a fazer o que fazia até aqui, em que nas questões internamente difíceis para os estados membros europeus, os “líderes” europeus encontravam refúgio na ambiguidade e “moderação” do discurso oficial da casa branca, chefiada por Biden/Harris, que ora aparecia como financiadora e promotora do agressor, ora como muito solidária com o agredido. Desde que seguissem a narrativa do “mínimo denominador europeu comum”, que são os EUA, tudo faria sentido e a EU sobreviveria à provação.

Mais preocupados com as aparências, os “líderes” europeus pautaram sempre a sua actuação pela dissimulação. Caso tivessem dúvidas, era simples: ancoravam o seu discurso nas premissas fundamentais do discurso da casa branca e tudo correria bem, pois nenhuma nação europeia teria coragem para o afrontar, ou, caso o fizesse, o discurso ambíguo e “moderado” de Biden, forneceria sempre as necessárias âncoras, por mais contraditórias que fossem.

Mas esta nova atitude da casa branca não aceita segundas interpretações, âncoras discursivas contraditórias entre si. Como acomodar o discurso europeu a propostas que ferem tão directamente tudo o que a EU diz defender e estar em causa, por exemplo, na Ucrânia? Com a proposta de Trump para Gaza, ou para a Groenlândia, para o Canadá, não são fornecidas as fugas discursivas que Biden e a sua equipa forneciam. São tais orientações que permitiam à presidente da comissão europeia, num mesmo evento, espumar o seu louco ódio russófobo, a propósito da Ucrânia, para, logo de seguida, tal explosão histérica emocional passa a dar origem ao mais sereno e compreensivo dos discursos de complacência, para com a brutalidade sionista em Gaza.

Como da noite para o dia, Úrsula estava habituada a que toda a veemência manifestada contra o que designava ser a “grave violação do direito internacional”, “a brutal invasão da Ucrânia pela Federação Russa”, a “invasão não provocada de um país soberano”, tal atitude persecutória, julgadora e punitiva, dava subitamente lugar a um discurso complacente, compreensivo e cauteloso, quando se tratava de comentar a agressão Israelita à Palestina, ou as inúmeras intervenções dos EUA pelo mundo.

Este pântano de contradição, imagem de marca da EU, não tinha em si a origem. A origem era Washington e isso dava uma segurança tremenda, apesar das aparências negativas. A mesma União Europeia que sem provas acusou a Federação Russa de influenciar eleições no ocidente, era a mesma que foi parte do projecto Geórgia, em que a USAID usou dezenas de milhões de dólares para desestabilizar este – e muitos outros – país, interferindo nas suas eleições, financiando ONG, partidos e “comunicação social independente”.

A atitude dos políticos europeus, da Comissão aos Estados-Membros, com raríssimas excepções, oscilava consoante as necessidades de submissão de todo o bloco europeu, aos mais vis interesses do que os EUA convencionam designar como “o seu interesse nacional” – de que o ocidente colectivo é a esfera de protecção – e que se confunde com as suas organizações de “segurança”, como a NATO ou o AUKUS. O interesse europeu, pelo menos até aqui – e certamente continuará – nunca existiu, não é defendido e representou uma mera extensão do “mínimo denominador europeu comum”, os EUA.

Esta oscilação comportamental, embora planeada, expõe toda a contradição em que se movimenta a política da união europeia, e não apenas acarreta consigo uma contradição interna, antagónica entre as várias facetas assumidas, em função dos acusados e da sua posição face aos EUA, como, acima de tudo, acarreta um comportamento contraditório para com os interesses europeus no mundo. Se, em relação à Federação Russa, a União Europeia passou a assumir o belicismo, como discurso preferencial, ao invés da diplomacia; no caso de Israel e Palestina, a mesma União Europeia já defende o contrário, ou seja, a diplomacia. Num e outro caso, de formas diferentes e antagónicas entre si, a EU surge em contradição com os movimentos mundiais criados em relação a cada um dos conflitos.

Já para a generalidade da maioria global, para quem está de fora, o que se observa é uma EU em movimento contrário ao da rotação terrestre. A partir de Trump, esta EU não passou apenas a estar em movimento contrário ao do seu “mínimo denominador comum”, os EUA, mas em relação a todo o mundo e de formas muito contraditórias.

No caso Rússia-Ucrânia, o mundo, medido pela quantidade de chefes de estado que afluem à Rússia, mostrou perceber, com excepção do “ocidente colectivo” liderado pelos EUA, que o que estava em causa era uma confrontação entre NATO e a Federação Russa, originado pela pressão que a expansão da NATO provocou sobre o que Moscovo considerava constituir a sua linha de segurança. Em contradição com esta percepção geral, a EU assumiu sempre uma postura belicista, alienando pontes, entendimentos e aliados, radicalizando posições em relação a antigos parceiros. Toda a aposta passou por uma derrota militar da Federação Russa.

Já no caso da agressão Israelita, o movimento mundial, bem evidente nos processos judiciais internacionais, nas votações na Assembleia Geral da ONU, nas pretensões democráticas dos povos europeus, vai no sentido de forçar Israel a parar a agressão. Neste caso, a União Europeia entrou em contradição consigo própria e os estados membros assumiram posições antagónicas entre si, dividindo-se e resumindo-se à insignificância. O vociferar agressivo e pretensamente liderante que assumiu contra a Federação Russa, actuando em “bloco” e dando uma imagem de “coesão”, deu lugar ao fragmentarismo, ao antagonismo e contradição.

Um e outro comportamento, não apenas colocam a Europa em maus lençóis perante si mesma, obrigando-a a prescindir de um entendimento com a Federação Russa, o qual lhe traria maior capacidade competitiva, mercado mais vasto e condições para o progresso, como, perante o mundo, faz com que os outros países olhem para este bloco europeu como errático e incongruente, ao ponto de se conseguir sabotar a si próprio. Pelas mesmas razões que não respeitam Zelensky, por ter sido capaz de trair o seu povo e aceitar a destruição do seu país, não respeitam também a “liderança” europeia. Para agravar as coisas, também Trump vem associar-se a ideia de “negociar” com a federação Russa e à ideia de “não negociar” em relação a Gaza, invertendo-se aqui as posições de apoio em relação à maioria global, que opta por não negociar, mas com “Israel”.

Apanhada nesta contradição insanável, a EU revela ao mundo que as posições públicas que assume, muito pouco, ou quase nada, têm que ver com o interesse europeu. Sob Biden, a característica mais evidente e expressiva da política da EU, consistiu na sua capacidade de auto-boicote. Primeiro, boicotou-se perante si e os outros países, com os quais partilha o continente; segundo, entre si e o mundo em desenvolvimento, o Sul ou a maioria global, incapazes de perceber, em cada momento, com que europa falam, com que europa se relacionam, se a conciliatória ou a trauliteira, se a que defende o seu espaço, ou a que se auto mutila. A China, sempre cuidadosa e interessada numa autonomização europeia, queixa-se dessa postura errática, tentando levar a que os “líderes” europeus se assumam como tal; a Federação Russa, mais veementemente e de forma pragmática, diz logo que o conflito com a EU só se resolve negociando com… Os EUA!

Mas algo de mais profundo e estável está na base deste comportamento errático e oscilante. O que este comportamento europeu tem revelado é, acima de tudo, que quando os EUA estão no comando, a “europa” surge com uma imagem de coesão; já quando os EUA são o alvo, ou, por interesse próprio, preferem uma europa sem voz e se retiram dessa posição de liderança, a “europa” surge desconectada e desorganizada, não conseguindo compor a tal “frente unida”. Num ou outro caso, a EU está sempre, sempre, desarmada face aos EUA. Desarmada porque a narrativa que assume é dominada pelos EUA, seja ainda porque se desintegra e deixa de poder ser ameaça, quando os EUA não dominam a narrativa ou quando adoptam uma narrativa ambígua, aberta às várias sensibilidades, como sucedeu com Gaza. A suposta “coesão”, “reforço” e “união”, só existe no quadro da NATO e na EU, enquanto extensão da NATO. No caso de Gaza e da Palestina, não estando a NATO em causa, logo essa “coesão” se esvai.

Se isto diz muito das razões pelas quais esta organização se afunda de forma rápida e visível, muito mais diz sobre o que está por vir. E por vir estão tempos muito difíceis para a União Europeia, a Europa e os Europeus. E pelas mesmas razões de sempre. Uma elite política reaccionária, oportunista, vendida, individualista e egoísta, mas sempre preparada para obedecer ao que considera ser o mais forte, o seu chefe natural, o inquilino temporário e o aparato plutocrático permanente da Casa Branca.

E é neste quadro que a situação está para se tornar ainda mais contraditória e penalizadora para a UE. Se os comportamentos que atrás identifiquei, por parte dos “líderes” europeus, revelam algo, é que o interesse dos EUA, face a um determinado acontecimento, é que determina a forma organizada ou desorganizada como respondem. Esta bipolaridade está presente em tudo. Em sectores de enorme importância para Washington, a União Europeia chama a si a coordenação e compõe uma “frente unida”, nos restantes, a EU abandona-se ao critério de cada um. Sempre que os EUA, sob Biden, sabiam ter numa europa unida um possível obstáculo, deixam-na à sua desorganização e acefalia, fornecendo no seu discurso as necessárias fugas.

Se, com Biden, a EU, a Comissão Europeia e os políticos europeus viam mais facilitada a sua tarefa, nomeadamente de discursarem segundo o teleponto enviado da Casa Branca, com Trump tudo muda, agravando o estado de letargia internacional da EU. Biden fazia da sua imagem de marca a dissimulação, um pântano de incongruência em que os “líderes” europeus sabiam, oportunisticamente, movimentar-se. Trump, impondo uma direcção clara e inequívoca, nunca se furtando a acções decisivas e decididas, mesmo em aspectos profundamente dolorosos para a EU, traz consigo um desafio insuportável. Enquanto a dupla Biden/Harris sinalizava, pela acção ou omissão, como se deveria a EU comportar, Trump, omite, simplesmente, esses sinais. Para Trump a EU não conta, não dirige, não intervém, logo, o único sinal disponível é o da acção unilateral, sem consultas, sem contemplações e, acima de tudo, sem fazer depender a sua decisão de uma qualquer pretensão europeia. Ora, os líderes europeus estavam habituados a que os EUA fizessem parecer que a Europa também importava. O que farão agora?

Trump, após a constatação de que a “liderança” europeia estava, massivamente, em oposição à sua eleição e de forma disciplinada, a favor da continuidade da administração democrata (o que faz Soros, a USAID e a CIA), percebeu que a melhor forma de neutralizar este exército de oportunistas, a própria União Europeia e de lhe retirar toda e qualquer influência, consiste em retirar-se, a ele e à casa branca, da sua liderança expressa. Sem a liderança por parte da casa branca, EU fica entregue à acefalia de gente como Von Der Leyen e António Costa, completamente desconcertados quanto ao facto de deixarem de ser interlocutores, consultados e formados sobre o que fazer, em cada momento, relativamente às acções da casa branca. É neste momento que deixarão de surgir aquelas tabelas, made in state department, em que, para cada situação corresponde uma resposta, um argumento, uma acção. Para uma EU habituada a sinalizarem-lhe o que fazer, toda a actuação de Trump representa um desafio no escuro, no desconhecido. É como se Trump lhes dissesse “não me pisem os calos”, mas não lhes dissesse onde estão os seus pés. De repente, a realidade exige que gente acéfala pense por si própria, mas sem quaisquer pistas.

Esta oferenda trumpista representa tudo menos a liberdade. Representa a imprevisibilidade, o que, refira-se, é como dar a estes líderes europeus a mesma imprevisibilidade e instabilidade com que eles presenteiam os povos europeus com as suas acções. Sem a Casa Branca, a EU não pode ter a pretensão de constituir um bloco unido, seja para o que for. É como se Trump revelasse ao mundo a verdadeira natureza da União Europeia e a sua condição de apêndice democrata, neoliberal, neoconservador e globalista.

Num acto de vingança também pessoal, Trump tenta fazer implodir a União Europeia, senão na realidade (ainda), pelo menos figuradamente. Trump neutraliza a EU actuando nação a nação, dividindo ainda mais, beneficiando uns (o Reino Unido) e prejudicando outros, agravando o estado letárgico, fragmentado e acéfalo, próprio de uma organização que ficou sem direcção política e estratégica. E como é fácil fazê-lo. Com o tempo, com a sucessão de testes como o de Gaza, esta Eu necessitará, mais do que nunca, de um chefe, de um mestre. Alguém que lhe diga o que pensar, o que fazer. O seu “mínimo denominador europeu comum”. Um que todos aceitem.

Em Portugal, sempre um “bom” aluno nestas manigâncias, perante esta autêntica decapitação da hidra europeia, logo os mais “europeus” dos europeus, os mais “europeístas” dos europeístas, deram sinal de aceitar esta nova existência. O governo chefiado por Montenegro veio logo fazer propaganda pró Trump, de que vai reduzir o gás Russo importado, de 5% para próximo de zero. Ao invés de vir, defendendo os portugueses e as suas condições de vida, dizer que o governo vai comprar o gás mais barato que puder comprar, principalmente num período em que o Índice de produção industrial voltou a cair pelo segundo ano consecutivo, a Ministra do Ambiente e Energia, aceitou a nova realidade em que que a amizade com os EUA será individualmente considerada e será medida pela submissão económica directa e já não através da mediação de Bruxelas.

Já Nuno Melo, o ministro dos Negócios Estrangeiros (Relações Exteriores), talvez dos políticos portugueses com pior registo de assiduidade e empenho parlamentar, veio dizer, a propósito de Gaza, que “não lhe compete comentar política norte-americana”, como que dizendo, “Mestre, se for para falar dos inimigos, estou cá eu, se for para falar de si, faça de conta que eu não existo”. Que é como quem diz, é simplesmente deixá-lo à sua insignificância.

Neste quadro, como irá a EU sobreviver ao choque e recuperar da sua própria decapitação, será um desafio bom de assistir. Mas, com Trump, acabaram-se as dissimulações. O Mestre exige respeito absoluto pelas suas acções, goste-se delas, ou não. Ao contrário, sujeitam-se à mais penosa das irrelevâncias! Para Nuno Melo, um dos mais reaccionários políticos portugueses, foi fácil mudar de campo. Mas, para aquela elite pantanosa do centrão neoliberal, que vai da social democracia à democracia cristã, vai ser um festival de contorcionismo! Do Imobilismo desconfortável aos movimentos de 180 graus, teremos de tudo um pouco.

Começou com o empreendimento de Gaza. A paz com a Federação Russa ditará, definitivamente, que Putin tinha toda a razão. A paz na Europa será negociada com os EUA! Os “líderes” Europeus, primeiro atónitos de acefalia, depois por receio resistentes, por fim abanarão as suas caudas e, à procura da liderança perdida, beijarão a mão ao seu novo mestre!

Escreva para nós: info@strategic-culture.su

Ao invés do que fez Biden com a Palestina, a nova administração norte-americana assume que, nas questões fundamentais, o poder da Grande América é para ser exercido com toda a frontalidade e direcção. Tal significa que, à EU será difícil continuar a fazer o que fazia até aqui, em que nas questões internamente difíceis para os estados membros europeus, os “líderes” europeus encontravam refúgio na ambiguidade e “moderação” do discurso oficial da casa branca, chefiada por Biden/Harris, que ora aparecia como financiadora e promotora do agressor, ora como muito solidária com o agredido. Desde que seguissem a narrativa do “mínimo denominador europeu comum”, que são os EUA, tudo faria sentido e a EU sobreviveria à provação.

Mais preocupados com as aparências, os “líderes” europeus pautaram sempre a sua actuação pela dissimulação. Caso tivessem dúvidas, era simples: ancoravam o seu discurso nas premissas fundamentais do discurso da casa branca e tudo correria bem, pois nenhuma nação europeia teria coragem para o afrontar, ou, caso o fizesse, o discurso ambíguo e “moderado” de Biden, forneceria sempre as necessárias âncoras, por mais contraditórias que fossem.

Mas esta nova atitude da casa branca não aceita segundas interpretações, âncoras discursivas contraditórias entre si. Como acomodar o discurso europeu a propostas que ferem tão directamente tudo o que a EU diz defender e estar em causa, por exemplo, na Ucrânia? Com a proposta de Trump para Gaza, ou para a Groenlândia, para o Canadá, não são fornecidas as fugas discursivas que Biden e a sua equipa forneciam. São tais orientações que permitiam à presidente da comissão europeia, num mesmo evento, espumar o seu louco ódio russófobo, a propósito da Ucrânia, para, logo de seguida, tal explosão histérica emocional passa a dar origem ao mais sereno e compreensivo dos discursos de complacência, para com a brutalidade sionista em Gaza.

Como da noite para o dia, Úrsula estava habituada a que toda a veemência manifestada contra o que designava ser a “grave violação do direito internacional”, “a brutal invasão da Ucrânia pela Federação Russa”, a “invasão não provocada de um país soberano”, tal atitude persecutória, julgadora e punitiva, dava subitamente lugar a um discurso complacente, compreensivo e cauteloso, quando se tratava de comentar a agressão Israelita à Palestina, ou as inúmeras intervenções dos EUA pelo mundo.

Este pântano de contradição, imagem de marca da EU, não tinha em si a origem. A origem era Washington e isso dava uma segurança tremenda, apesar das aparências negativas. A mesma União Europeia que sem provas acusou a Federação Russa de influenciar eleições no ocidente, era a mesma que foi parte do projecto Geórgia, em que a USAID usou dezenas de milhões de dólares para desestabilizar este – e muitos outros – país, interferindo nas suas eleições, financiando ONG, partidos e “comunicação social independente”.

A atitude dos políticos europeus, da Comissão aos Estados-Membros, com raríssimas excepções, oscilava consoante as necessidades de submissão de todo o bloco europeu, aos mais vis interesses do que os EUA convencionam designar como “o seu interesse nacional” – de que o ocidente colectivo é a esfera de protecção – e que se confunde com as suas organizações de “segurança”, como a NATO ou o AUKUS. O interesse europeu, pelo menos até aqui – e certamente continuará – nunca existiu, não é defendido e representou uma mera extensão do “mínimo denominador europeu comum”, os EUA.

Esta oscilação comportamental, embora planeada, expõe toda a contradição em que se movimenta a política da união europeia, e não apenas acarreta consigo uma contradição interna, antagónica entre as várias facetas assumidas, em função dos acusados e da sua posição face aos EUA, como, acima de tudo, acarreta um comportamento contraditório para com os interesses europeus no mundo. Se, em relação à Federação Russa, a União Europeia passou a assumir o belicismo, como discurso preferencial, ao invés da diplomacia; no caso de Israel e Palestina, a mesma União Europeia já defende o contrário, ou seja, a diplomacia. Num e outro caso, de formas diferentes e antagónicas entre si, a EU surge em contradição com os movimentos mundiais criados em relação a cada um dos conflitos.

Já para a generalidade da maioria global, para quem está de fora, o que se observa é uma EU em movimento contrário ao da rotação terrestre. A partir de Trump, esta EU não passou apenas a estar em movimento contrário ao do seu “mínimo denominador comum”, os EUA, mas em relação a todo o mundo e de formas muito contraditórias.

No caso Rússia-Ucrânia, o mundo, medido pela quantidade de chefes de estado que afluem à Rússia, mostrou perceber, com excepção do “ocidente colectivo” liderado pelos EUA, que o que estava em causa era uma confrontação entre NATO e a Federação Russa, originado pela pressão que a expansão da NATO provocou sobre o que Moscovo considerava constituir a sua linha de segurança. Em contradição com esta percepção geral, a EU assumiu sempre uma postura belicista, alienando pontes, entendimentos e aliados, radicalizando posições em relação a antigos parceiros. Toda a aposta passou por uma derrota militar da Federação Russa.

Já no caso da agressão Israelita, o movimento mundial, bem evidente nos processos judiciais internacionais, nas votações na Assembleia Geral da ONU, nas pretensões democráticas dos povos europeus, vai no sentido de forçar Israel a parar a agressão. Neste caso, a União Europeia entrou em contradição consigo própria e os estados membros assumiram posições antagónicas entre si, dividindo-se e resumindo-se à insignificância. O vociferar agressivo e pretensamente liderante que assumiu contra a Federação Russa, actuando em “bloco” e dando uma imagem de “coesão”, deu lugar ao fragmentarismo, ao antagonismo e contradição.

Um e outro comportamento, não apenas colocam a Europa em maus lençóis perante si mesma, obrigando-a a prescindir de um entendimento com a Federação Russa, o qual lhe traria maior capacidade competitiva, mercado mais vasto e condições para o progresso, como, perante o mundo, faz com que os outros países olhem para este bloco europeu como errático e incongruente, ao ponto de se conseguir sabotar a si próprio. Pelas mesmas razões que não respeitam Zelensky, por ter sido capaz de trair o seu povo e aceitar a destruição do seu país, não respeitam também a “liderança” europeia. Para agravar as coisas, também Trump vem associar-se a ideia de “negociar” com a federação Russa e à ideia de “não negociar” em relação a Gaza, invertendo-se aqui as posições de apoio em relação à maioria global, que opta por não negociar, mas com “Israel”.

Apanhada nesta contradição insanável, a EU revela ao mundo que as posições públicas que assume, muito pouco, ou quase nada, têm que ver com o interesse europeu. Sob Biden, a característica mais evidente e expressiva da política da EU, consistiu na sua capacidade de auto-boicote. Primeiro, boicotou-se perante si e os outros países, com os quais partilha o continente; segundo, entre si e o mundo em desenvolvimento, o Sul ou a maioria global, incapazes de perceber, em cada momento, com que europa falam, com que europa se relacionam, se a conciliatória ou a trauliteira, se a que defende o seu espaço, ou a que se auto mutila. A China, sempre cuidadosa e interessada numa autonomização europeia, queixa-se dessa postura errática, tentando levar a que os “líderes” europeus se assumam como tal; a Federação Russa, mais veementemente e de forma pragmática, diz logo que o conflito com a EU só se resolve negociando com… Os EUA!

Mas algo de mais profundo e estável está na base deste comportamento errático e oscilante. O que este comportamento europeu tem revelado é, acima de tudo, que quando os EUA estão no comando, a “europa” surge com uma imagem de coesão; já quando os EUA são o alvo, ou, por interesse próprio, preferem uma europa sem voz e se retiram dessa posição de liderança, a “europa” surge desconectada e desorganizada, não conseguindo compor a tal “frente unida”. Num ou outro caso, a EU está sempre, sempre, desarmada face aos EUA. Desarmada porque a narrativa que assume é dominada pelos EUA, seja ainda porque se desintegra e deixa de poder ser ameaça, quando os EUA não dominam a narrativa ou quando adoptam uma narrativa ambígua, aberta às várias sensibilidades, como sucedeu com Gaza. A suposta “coesão”, “reforço” e “união”, só existe no quadro da NATO e na EU, enquanto extensão da NATO. No caso de Gaza e da Palestina, não estando a NATO em causa, logo essa “coesão” se esvai.

Se isto diz muito das razões pelas quais esta organização se afunda de forma rápida e visível, muito mais diz sobre o que está por vir. E por vir estão tempos muito difíceis para a União Europeia, a Europa e os Europeus. E pelas mesmas razões de sempre. Uma elite política reaccionária, oportunista, vendida, individualista e egoísta, mas sempre preparada para obedecer ao que considera ser o mais forte, o seu chefe natural, o inquilino temporário e o aparato plutocrático permanente da Casa Branca.

E é neste quadro que a situação está para se tornar ainda mais contraditória e penalizadora para a UE. Se os comportamentos que atrás identifiquei, por parte dos “líderes” europeus, revelam algo, é que o interesse dos EUA, face a um determinado acontecimento, é que determina a forma organizada ou desorganizada como respondem. Esta bipolaridade está presente em tudo. Em sectores de enorme importância para Washington, a União Europeia chama a si a coordenação e compõe uma “frente unida”, nos restantes, a EU abandona-se ao critério de cada um. Sempre que os EUA, sob Biden, sabiam ter numa europa unida um possível obstáculo, deixam-na à sua desorganização e acefalia, fornecendo no seu discurso as necessárias fugas.

Se, com Biden, a EU, a Comissão Europeia e os políticos europeus viam mais facilitada a sua tarefa, nomeadamente de discursarem segundo o teleponto enviado da Casa Branca, com Trump tudo muda, agravando o estado de letargia internacional da EU. Biden fazia da sua imagem de marca a dissimulação, um pântano de incongruência em que os “líderes” europeus sabiam, oportunisticamente, movimentar-se. Trump, impondo uma direcção clara e inequívoca, nunca se furtando a acções decisivas e decididas, mesmo em aspectos profundamente dolorosos para a EU, traz consigo um desafio insuportável. Enquanto a dupla Biden/Harris sinalizava, pela acção ou omissão, como se deveria a EU comportar, Trump, omite, simplesmente, esses sinais. Para Trump a EU não conta, não dirige, não intervém, logo, o único sinal disponível é o da acção unilateral, sem consultas, sem contemplações e, acima de tudo, sem fazer depender a sua decisão de uma qualquer pretensão europeia. Ora, os líderes europeus estavam habituados a que os EUA fizessem parecer que a Europa também importava. O que farão agora?

Trump, após a constatação de que a “liderança” europeia estava, massivamente, em oposição à sua eleição e de forma disciplinada, a favor da continuidade da administração democrata (o que faz Soros, a USAID e a CIA), percebeu que a melhor forma de neutralizar este exército de oportunistas, a própria União Europeia e de lhe retirar toda e qualquer influência, consiste em retirar-se, a ele e à casa branca, da sua liderança expressa. Sem a liderança por parte da casa branca, EU fica entregue à acefalia de gente como Von Der Leyen e António Costa, completamente desconcertados quanto ao facto de deixarem de ser interlocutores, consultados e formados sobre o que fazer, em cada momento, relativamente às acções da casa branca. É neste momento que deixarão de surgir aquelas tabelas, made in state department, em que, para cada situação corresponde uma resposta, um argumento, uma acção. Para uma EU habituada a sinalizarem-lhe o que fazer, toda a actuação de Trump representa um desafio no escuro, no desconhecido. É como se Trump lhes dissesse “não me pisem os calos”, mas não lhes dissesse onde estão os seus pés. De repente, a realidade exige que gente acéfala pense por si própria, mas sem quaisquer pistas.

Esta oferenda trumpista representa tudo menos a liberdade. Representa a imprevisibilidade, o que, refira-se, é como dar a estes líderes europeus a mesma imprevisibilidade e instabilidade com que eles presenteiam os povos europeus com as suas acções. Sem a Casa Branca, a EU não pode ter a pretensão de constituir um bloco unido, seja para o que for. É como se Trump revelasse ao mundo a verdadeira natureza da União Europeia e a sua condição de apêndice democrata, neoliberal, neoconservador e globalista.

Num acto de vingança também pessoal, Trump tenta fazer implodir a União Europeia, senão na realidade (ainda), pelo menos figuradamente. Trump neutraliza a EU actuando nação a nação, dividindo ainda mais, beneficiando uns (o Reino Unido) e prejudicando outros, agravando o estado letárgico, fragmentado e acéfalo, próprio de uma organização que ficou sem direcção política e estratégica. E como é fácil fazê-lo. Com o tempo, com a sucessão de testes como o de Gaza, esta Eu necessitará, mais do que nunca, de um chefe, de um mestre. Alguém que lhe diga o que pensar, o que fazer. O seu “mínimo denominador europeu comum”. Um que todos aceitem.

Em Portugal, sempre um “bom” aluno nestas manigâncias, perante esta autêntica decapitação da hidra europeia, logo os mais “europeus” dos europeus, os mais “europeístas” dos europeístas, deram sinal de aceitar esta nova existência. O governo chefiado por Montenegro veio logo fazer propaganda pró Trump, de que vai reduzir o gás Russo importado, de 5% para próximo de zero. Ao invés de vir, defendendo os portugueses e as suas condições de vida, dizer que o governo vai comprar o gás mais barato que puder comprar, principalmente num período em que o Índice de produção industrial voltou a cair pelo segundo ano consecutivo, a Ministra do Ambiente e Energia, aceitou a nova realidade em que que a amizade com os EUA será individualmente considerada e será medida pela submissão económica directa e já não através da mediação de Bruxelas.

Já Nuno Melo, o ministro dos Negócios Estrangeiros (Relações Exteriores), talvez dos políticos portugueses com pior registo de assiduidade e empenho parlamentar, veio dizer, a propósito de Gaza, que “não lhe compete comentar política norte-americana”, como que dizendo, “Mestre, se for para falar dos inimigos, estou cá eu, se for para falar de si, faça de conta que eu não existo”. Que é como quem diz, é simplesmente deixá-lo à sua insignificância.

Neste quadro, como irá a EU sobreviver ao choque e recuperar da sua própria decapitação, será um desafio bom de assistir. Mas, com Trump, acabaram-se as dissimulações. O Mestre exige respeito absoluto pelas suas acções, goste-se delas, ou não. Ao contrário, sujeitam-se à mais penosa das irrelevâncias! Para Nuno Melo, um dos mais reaccionários políticos portugueses, foi fácil mudar de campo. Mas, para aquela elite pantanosa do centrão neoliberal, que vai da social democracia à democracia cristã, vai ser um festival de contorcionismo! Do Imobilismo desconfortável aos movimentos de 180 graus, teremos de tudo um pouco.

Começou com o empreendimento de Gaza. A paz com a Federação Russa ditará, definitivamente, que Putin tinha toda a razão. A paz na Europa será negociada com os EUA! Os “líderes” Europeus, primeiro atónitos de acefalia, depois por receio resistentes, por fim abanarão as suas caudas e, à procura da liderança perdida, beijarão a mão ao seu novo mestre!

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