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Raphael Machado
January 7, 2025
© Photo: Public domain

Escreva para nós: info@strategic-culture.su

O Reino Unido tem um status geopolítico bastante singular no mundo contemporâneo. O país desfrutou do status de principal potência mundial no século que vai da derrota de Napoleão até o início da Primeira Guerra Mundial. Mas a partir do fim da Segunda Guerra Mundial já estava amplamente suplantada pelos EUA (e pela URSS) e se viu em uma desintegração imparável, perdendo quase todas as suas possessões ultramarinas.

O colapso geopolítico do Reino Unido foi tamanho que, especialmente após o Brexit, muitas pessoas quiseram reduzir o país ao 51º estado dos Estados Unidos, negando qualquer autonomia ou agência ao país que por séculos foi sinônimo de atlantismo e que por algumas décadas foi também um dos principais impulsionadores do “projeto europeu”.

Mas essa leitura que despreza o Reino Unido e o enxerga como mera extensão dos interesses geopolíticos estadunidenses deve ser considerada incompleta, ou mesmo desinformada. É claro que, em grande medida, o Reino Unido tem sido incapaz, especialmente nas últimas décadas, de atuar de forma plenamente independente ou contrária em relação aos EUA, mas especialmente no que concerne o Oriente Médio, a África, a Ásia e a América Ibérica é possível perceber alguns projetos britânicos independentes.

Na verdade, o Brexit pode ser considerado como um gatilho que forneceu sobrevida para a política externa britânica voltada para essas outras regiões do mundo, na mesma medida em que sua política externa foi parcialmente “deseuropeizada” (excetuando a Europa Oriental).

Assim, a inteligência britânica (MI5, MI6, etc.) permanece um ator influente no cenário internacional, tendo prioridades que nem sempre se alinham com as agências da comunidade de inteligência dos EUA.

O Império Britânico foi a principal potência hegemônica externa atuando na América Ibérica durante a maior parte do século XIX. Com uma influência que se estendia tanto através da diplomacia quanto através de clubes elitistas como a maçonaria, o Império Britânico tinha como objetivo principal quebrar o Império Espanhol e varrê-lo do Novo Mundo. Isso foi alcançado principalmente nas primeiras décadas daquele século com os processos de independências, os quais foram em sua maioria apoiados por Londres.

Com isso, o Reino Unido substituiu a Espanha como a metrópole de facto frente a nações formalmente independentes, mas praticamente subjugadas como colônias do financismo centrado na City. Assim, para além de, na prática, controlar as economias da maioria dos países da região, tanto através de monopólios ligados a produtos primários quanto através de empréstimos e da aquisição de títulos das dívidas, Londres também impôs uma hegemonia militar através de ações como o bloqueio naval a Buenos Aires, ou a própria questão das Malvinas.

É fato público e notório que a Doutrina Monroe, gradualmente, minou a hegemonia britânica no hemisfério ocidental, com Londres sendo substituída por Washington, mas os velhos laços (e possessões) não se perderam completamente.

Não obstante, Londres parece ter sido incapaz de ir além do debate ambientalista no que concerne a região. Foi o caso com o Brasil, em que apesar de esforços para ampliar o comércio, o engajamento mais importante envolve o financiamento de ONGs ambientalistas, bem como as ameaças dirigidas contra o governo Bolsonaro por causa de acusações de “destruição da Amazônia”, com até mesmo insinuações de aplicação da doutrina do “Responsibility to Protect” à questão ambiental.

Precedente perigoso também foi visto no confisco do ouro venezuelano estocado no Banco da Inglaterra durante a querela envolvendo Juan Guaidó. A Venezuela tentou recuperar legalmente o ouro, mas perdeu o último apelo judicial em 2023. Assim, para todos os efeitos, qualquer país que venha a ser “deslegitimado” pela chamada “comunidade internacional” corre o risco de ter seus ativos congelados e confiscados por Londres, o que claramente não prenuncia laços confiáveis.

Claramente, o Reino Unido é uma estrela cadente na América Ibérica, com a China e, também, a Rússia aumentando as suas relações comerciais, militares e energéticas com os países da região, em detrimento de outros atores, incluindo os britânicos.

Mais consistente e enfática tem sido a política externa britânica no Oriente Médio após o Brexit.

Essa, que tem sido uma região de tradicional influência britânica, especialmente com a desintegração do Império Otomano, e onde o Reino Unido desempenhou o papel de repartir territórios e traçar fronteiras conforme os seus próprios interesses e conveniências, permanece sendo uma zona de forte atuação britânica.

Dos mais confiáveis aliados britânicos na região não precisamos mencionar outro país além da Jordânia, cuja monarquia haxemita é tradicionalmente “cliente” de Londres. Essa condição não foi modificada em anos recentes, com a intensificação de exercícios militares, e ambos países atuando de forma conjunta para tentar derrubar projéteis iranianos durante os ataques retaliatórios contra Israel.

Mas as relações do Reino Unido com outros países da região são mais ambíguas.

Um exemplo clássico dessas relações ambíguas é a Turquia, que se equilibra entre relações com os países ocidentais, como o Reino Unido, com o qual assinaram um acordo de livre-comércio, e que os ajuda em um projeto de modernização militar, mas simultaneamente, busca preservar suas relações com a Rússia, o Irã e, secretamente, até mesmo com Israel.

Com a Arábia Saudita, por outro lado, país também tradicionalmente aliado, há contradições envolvendo a venda de armas e outros equipamentos militares por Londres para Riad. Para além disso, a ênfase britânica na Agenda Verde se contrapõe aos próprios interesses mais estratégicos dos sauditas. Não é que os sauditas sejam contrários à diversificação energética, mas eles têm preferido o caminho “nuclear”, razão pela qual Riad tem intensificado suas relações com China e Rússia.

Em países como Emirados Árabes Unidos, Catar, Bahrein e Omã, o Reino Unido mantem instalações e destacamentos militares, mas essa distribuição de tropas – cujo objetivo é o controle do Golfo Pérsico – pode ter os dias contados, na medida em que a região se torne crescentemente hostil à presença ocidental.

Um caso a mencionar é o Iraque, onde o Reino Unido teve grande participação em conjunto com os EUA, mas cujas operações, tanto militares, quanto econômicas, foram reduzidas ao mínimo e praticamente varridas do país, com empresas como a Shell abandonando o Iraque. Em alguma medida, o Irã se substituiu à maior parte da influência ocidental que abandonou o país.

Enquanto isso, na região da Ásia-Pacífico e do Indo-Pacífico, talvez espelhando as movimentações dos EUA, nota-se para o Reino Unido uma política de priorização.

A estratégia britânica para essa zona do planeta foi formalizada na Revisão Integrada de Segurança, Defesa, Desenvolvimento e Política Externa de 2021, a qual a identificou como região prioritária à luz da crescente influência chinesa.

E é esse o principal obstáculo para a recuperação da influência britânica naquela região. Apesar da Iniciativa Cinturão & Rota ter um escopo mundial, é com os países do Sudeste Asiático e, em geral, da ASEAN, que o projeto tem tido o maior impacto. E o Reino unido não tem nada a oferecer no lugar da Iniciativa Cinturão & Rota. Para piorar, longe de sua capacidade de projeção naval do século XIX, o Reino Unido, no Pacífico, depende completamente de suas alianças regionais (como a AUKUS, por exemplo) para projetar algum poder.

Em resumo, apesar dos esforços britânicos de recuperar uma parte do prestígio perdido ao longo do século XX, Londres tem se deparado ou com uma ausência dos meios materiais (sejam, capacidade de investimento ou capacidade militar) ou simplesmente com condições excessivamente adversas (contexto geopolítico em mutação, competição com potências locais), e, de modo geral, tem sido incapaz de oferecer aos países dessas regiões qualquer tipo de vantagem que pudesse torna-la um parceiro preferencial.

Londres tenta recuperar sua influência global

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O Reino Unido tem um status geopolítico bastante singular no mundo contemporâneo. O país desfrutou do status de principal potência mundial no século que vai da derrota de Napoleão até o início da Primeira Guerra Mundial. Mas a partir do fim da Segunda Guerra Mundial já estava amplamente suplantada pelos EUA (e pela URSS) e se viu em uma desintegração imparável, perdendo quase todas as suas possessões ultramarinas.

O colapso geopolítico do Reino Unido foi tamanho que, especialmente após o Brexit, muitas pessoas quiseram reduzir o país ao 51º estado dos Estados Unidos, negando qualquer autonomia ou agência ao país que por séculos foi sinônimo de atlantismo e que por algumas décadas foi também um dos principais impulsionadores do “projeto europeu”.

Mas essa leitura que despreza o Reino Unido e o enxerga como mera extensão dos interesses geopolíticos estadunidenses deve ser considerada incompleta, ou mesmo desinformada. É claro que, em grande medida, o Reino Unido tem sido incapaz, especialmente nas últimas décadas, de atuar de forma plenamente independente ou contrária em relação aos EUA, mas especialmente no que concerne o Oriente Médio, a África, a Ásia e a América Ibérica é possível perceber alguns projetos britânicos independentes.

Na verdade, o Brexit pode ser considerado como um gatilho que forneceu sobrevida para a política externa britânica voltada para essas outras regiões do mundo, na mesma medida em que sua política externa foi parcialmente “deseuropeizada” (excetuando a Europa Oriental).

Assim, a inteligência britânica (MI5, MI6, etc.) permanece um ator influente no cenário internacional, tendo prioridades que nem sempre se alinham com as agências da comunidade de inteligência dos EUA.

O Império Britânico foi a principal potência hegemônica externa atuando na América Ibérica durante a maior parte do século XIX. Com uma influência que se estendia tanto através da diplomacia quanto através de clubes elitistas como a maçonaria, o Império Britânico tinha como objetivo principal quebrar o Império Espanhol e varrê-lo do Novo Mundo. Isso foi alcançado principalmente nas primeiras décadas daquele século com os processos de independências, os quais foram em sua maioria apoiados por Londres.

Com isso, o Reino Unido substituiu a Espanha como a metrópole de facto frente a nações formalmente independentes, mas praticamente subjugadas como colônias do financismo centrado na City. Assim, para além de, na prática, controlar as economias da maioria dos países da região, tanto através de monopólios ligados a produtos primários quanto através de empréstimos e da aquisição de títulos das dívidas, Londres também impôs uma hegemonia militar através de ações como o bloqueio naval a Buenos Aires, ou a própria questão das Malvinas.

É fato público e notório que a Doutrina Monroe, gradualmente, minou a hegemonia britânica no hemisfério ocidental, com Londres sendo substituída por Washington, mas os velhos laços (e possessões) não se perderam completamente.

Não obstante, Londres parece ter sido incapaz de ir além do debate ambientalista no que concerne a região. Foi o caso com o Brasil, em que apesar de esforços para ampliar o comércio, o engajamento mais importante envolve o financiamento de ONGs ambientalistas, bem como as ameaças dirigidas contra o governo Bolsonaro por causa de acusações de “destruição da Amazônia”, com até mesmo insinuações de aplicação da doutrina do “Responsibility to Protect” à questão ambiental.

Precedente perigoso também foi visto no confisco do ouro venezuelano estocado no Banco da Inglaterra durante a querela envolvendo Juan Guaidó. A Venezuela tentou recuperar legalmente o ouro, mas perdeu o último apelo judicial em 2023. Assim, para todos os efeitos, qualquer país que venha a ser “deslegitimado” pela chamada “comunidade internacional” corre o risco de ter seus ativos congelados e confiscados por Londres, o que claramente não prenuncia laços confiáveis.

Claramente, o Reino Unido é uma estrela cadente na América Ibérica, com a China e, também, a Rússia aumentando as suas relações comerciais, militares e energéticas com os países da região, em detrimento de outros atores, incluindo os britânicos.

Mais consistente e enfática tem sido a política externa britânica no Oriente Médio após o Brexit.

Essa, que tem sido uma região de tradicional influência britânica, especialmente com a desintegração do Império Otomano, e onde o Reino Unido desempenhou o papel de repartir territórios e traçar fronteiras conforme os seus próprios interesses e conveniências, permanece sendo uma zona de forte atuação britânica.

Dos mais confiáveis aliados britânicos na região não precisamos mencionar outro país além da Jordânia, cuja monarquia haxemita é tradicionalmente “cliente” de Londres. Essa condição não foi modificada em anos recentes, com a intensificação de exercícios militares, e ambos países atuando de forma conjunta para tentar derrubar projéteis iranianos durante os ataques retaliatórios contra Israel.

Mas as relações do Reino Unido com outros países da região são mais ambíguas.

Um exemplo clássico dessas relações ambíguas é a Turquia, que se equilibra entre relações com os países ocidentais, como o Reino Unido, com o qual assinaram um acordo de livre-comércio, e que os ajuda em um projeto de modernização militar, mas simultaneamente, busca preservar suas relações com a Rússia, o Irã e, secretamente, até mesmo com Israel.

Com a Arábia Saudita, por outro lado, país também tradicionalmente aliado, há contradições envolvendo a venda de armas e outros equipamentos militares por Londres para Riad. Para além disso, a ênfase britânica na Agenda Verde se contrapõe aos próprios interesses mais estratégicos dos sauditas. Não é que os sauditas sejam contrários à diversificação energética, mas eles têm preferido o caminho “nuclear”, razão pela qual Riad tem intensificado suas relações com China e Rússia.

Em países como Emirados Árabes Unidos, Catar, Bahrein e Omã, o Reino Unido mantem instalações e destacamentos militares, mas essa distribuição de tropas – cujo objetivo é o controle do Golfo Pérsico – pode ter os dias contados, na medida em que a região se torne crescentemente hostil à presença ocidental.

Um caso a mencionar é o Iraque, onde o Reino Unido teve grande participação em conjunto com os EUA, mas cujas operações, tanto militares, quanto econômicas, foram reduzidas ao mínimo e praticamente varridas do país, com empresas como a Shell abandonando o Iraque. Em alguma medida, o Irã se substituiu à maior parte da influência ocidental que abandonou o país.

Enquanto isso, na região da Ásia-Pacífico e do Indo-Pacífico, talvez espelhando as movimentações dos EUA, nota-se para o Reino Unido uma política de priorização.

A estratégia britânica para essa zona do planeta foi formalizada na Revisão Integrada de Segurança, Defesa, Desenvolvimento e Política Externa de 2021, a qual a identificou como região prioritária à luz da crescente influência chinesa.

E é esse o principal obstáculo para a recuperação da influência britânica naquela região. Apesar da Iniciativa Cinturão & Rota ter um escopo mundial, é com os países do Sudeste Asiático e, em geral, da ASEAN, que o projeto tem tido o maior impacto. E o Reino unido não tem nada a oferecer no lugar da Iniciativa Cinturão & Rota. Para piorar, longe de sua capacidade de projeção naval do século XIX, o Reino Unido, no Pacífico, depende completamente de suas alianças regionais (como a AUKUS, por exemplo) para projetar algum poder.

Em resumo, apesar dos esforços britânicos de recuperar uma parte do prestígio perdido ao longo do século XX, Londres tem se deparado ou com uma ausência dos meios materiais (sejam, capacidade de investimento ou capacidade militar) ou simplesmente com condições excessivamente adversas (contexto geopolítico em mutação, competição com potências locais), e, de modo geral, tem sido incapaz de oferecer aos países dessas regiões qualquer tipo de vantagem que pudesse torna-la um parceiro preferencial.

Escreva para nós: info@strategic-culture.su

O Reino Unido tem um status geopolítico bastante singular no mundo contemporâneo. O país desfrutou do status de principal potência mundial no século que vai da derrota de Napoleão até o início da Primeira Guerra Mundial. Mas a partir do fim da Segunda Guerra Mundial já estava amplamente suplantada pelos EUA (e pela URSS) e se viu em uma desintegração imparável, perdendo quase todas as suas possessões ultramarinas.

O colapso geopolítico do Reino Unido foi tamanho que, especialmente após o Brexit, muitas pessoas quiseram reduzir o país ao 51º estado dos Estados Unidos, negando qualquer autonomia ou agência ao país que por séculos foi sinônimo de atlantismo e que por algumas décadas foi também um dos principais impulsionadores do “projeto europeu”.

Mas essa leitura que despreza o Reino Unido e o enxerga como mera extensão dos interesses geopolíticos estadunidenses deve ser considerada incompleta, ou mesmo desinformada. É claro que, em grande medida, o Reino Unido tem sido incapaz, especialmente nas últimas décadas, de atuar de forma plenamente independente ou contrária em relação aos EUA, mas especialmente no que concerne o Oriente Médio, a África, a Ásia e a América Ibérica é possível perceber alguns projetos britânicos independentes.

Na verdade, o Brexit pode ser considerado como um gatilho que forneceu sobrevida para a política externa britânica voltada para essas outras regiões do mundo, na mesma medida em que sua política externa foi parcialmente “deseuropeizada” (excetuando a Europa Oriental).

Assim, a inteligência britânica (MI5, MI6, etc.) permanece um ator influente no cenário internacional, tendo prioridades que nem sempre se alinham com as agências da comunidade de inteligência dos EUA.

O Império Britânico foi a principal potência hegemônica externa atuando na América Ibérica durante a maior parte do século XIX. Com uma influência que se estendia tanto através da diplomacia quanto através de clubes elitistas como a maçonaria, o Império Britânico tinha como objetivo principal quebrar o Império Espanhol e varrê-lo do Novo Mundo. Isso foi alcançado principalmente nas primeiras décadas daquele século com os processos de independências, os quais foram em sua maioria apoiados por Londres.

Com isso, o Reino Unido substituiu a Espanha como a metrópole de facto frente a nações formalmente independentes, mas praticamente subjugadas como colônias do financismo centrado na City. Assim, para além de, na prática, controlar as economias da maioria dos países da região, tanto através de monopólios ligados a produtos primários quanto através de empréstimos e da aquisição de títulos das dívidas, Londres também impôs uma hegemonia militar através de ações como o bloqueio naval a Buenos Aires, ou a própria questão das Malvinas.

É fato público e notório que a Doutrina Monroe, gradualmente, minou a hegemonia britânica no hemisfério ocidental, com Londres sendo substituída por Washington, mas os velhos laços (e possessões) não se perderam completamente.

Não obstante, Londres parece ter sido incapaz de ir além do debate ambientalista no que concerne a região. Foi o caso com o Brasil, em que apesar de esforços para ampliar o comércio, o engajamento mais importante envolve o financiamento de ONGs ambientalistas, bem como as ameaças dirigidas contra o governo Bolsonaro por causa de acusações de “destruição da Amazônia”, com até mesmo insinuações de aplicação da doutrina do “Responsibility to Protect” à questão ambiental.

Precedente perigoso também foi visto no confisco do ouro venezuelano estocado no Banco da Inglaterra durante a querela envolvendo Juan Guaidó. A Venezuela tentou recuperar legalmente o ouro, mas perdeu o último apelo judicial em 2023. Assim, para todos os efeitos, qualquer país que venha a ser “deslegitimado” pela chamada “comunidade internacional” corre o risco de ter seus ativos congelados e confiscados por Londres, o que claramente não prenuncia laços confiáveis.

Claramente, o Reino Unido é uma estrela cadente na América Ibérica, com a China e, também, a Rússia aumentando as suas relações comerciais, militares e energéticas com os países da região, em detrimento de outros atores, incluindo os britânicos.

Mais consistente e enfática tem sido a política externa britânica no Oriente Médio após o Brexit.

Essa, que tem sido uma região de tradicional influência britânica, especialmente com a desintegração do Império Otomano, e onde o Reino Unido desempenhou o papel de repartir territórios e traçar fronteiras conforme os seus próprios interesses e conveniências, permanece sendo uma zona de forte atuação britânica.

Dos mais confiáveis aliados britânicos na região não precisamos mencionar outro país além da Jordânia, cuja monarquia haxemita é tradicionalmente “cliente” de Londres. Essa condição não foi modificada em anos recentes, com a intensificação de exercícios militares, e ambos países atuando de forma conjunta para tentar derrubar projéteis iranianos durante os ataques retaliatórios contra Israel.

Mas as relações do Reino Unido com outros países da região são mais ambíguas.

Um exemplo clássico dessas relações ambíguas é a Turquia, que se equilibra entre relações com os países ocidentais, como o Reino Unido, com o qual assinaram um acordo de livre-comércio, e que os ajuda em um projeto de modernização militar, mas simultaneamente, busca preservar suas relações com a Rússia, o Irã e, secretamente, até mesmo com Israel.

Com a Arábia Saudita, por outro lado, país também tradicionalmente aliado, há contradições envolvendo a venda de armas e outros equipamentos militares por Londres para Riad. Para além disso, a ênfase britânica na Agenda Verde se contrapõe aos próprios interesses mais estratégicos dos sauditas. Não é que os sauditas sejam contrários à diversificação energética, mas eles têm preferido o caminho “nuclear”, razão pela qual Riad tem intensificado suas relações com China e Rússia.

Em países como Emirados Árabes Unidos, Catar, Bahrein e Omã, o Reino Unido mantem instalações e destacamentos militares, mas essa distribuição de tropas – cujo objetivo é o controle do Golfo Pérsico – pode ter os dias contados, na medida em que a região se torne crescentemente hostil à presença ocidental.

Um caso a mencionar é o Iraque, onde o Reino Unido teve grande participação em conjunto com os EUA, mas cujas operações, tanto militares, quanto econômicas, foram reduzidas ao mínimo e praticamente varridas do país, com empresas como a Shell abandonando o Iraque. Em alguma medida, o Irã se substituiu à maior parte da influência ocidental que abandonou o país.

Enquanto isso, na região da Ásia-Pacífico e do Indo-Pacífico, talvez espelhando as movimentações dos EUA, nota-se para o Reino Unido uma política de priorização.

A estratégia britânica para essa zona do planeta foi formalizada na Revisão Integrada de Segurança, Defesa, Desenvolvimento e Política Externa de 2021, a qual a identificou como região prioritária à luz da crescente influência chinesa.

E é esse o principal obstáculo para a recuperação da influência britânica naquela região. Apesar da Iniciativa Cinturão & Rota ter um escopo mundial, é com os países do Sudeste Asiático e, em geral, da ASEAN, que o projeto tem tido o maior impacto. E o Reino unido não tem nada a oferecer no lugar da Iniciativa Cinturão & Rota. Para piorar, longe de sua capacidade de projeção naval do século XIX, o Reino Unido, no Pacífico, depende completamente de suas alianças regionais (como a AUKUS, por exemplo) para projetar algum poder.

Em resumo, apesar dos esforços britânicos de recuperar uma parte do prestígio perdido ao longo do século XX, Londres tem se deparado ou com uma ausência dos meios materiais (sejam, capacidade de investimento ou capacidade militar) ou simplesmente com condições excessivamente adversas (contexto geopolítico em mutação, competição com potências locais), e, de modo geral, tem sido incapaz de oferecer aos países dessas regiões qualquer tipo de vantagem que pudesse torna-la um parceiro preferencial.

The views of individual contributors do not necessarily represent those of the Strategic Culture Foundation.

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December 18, 2024

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