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O Presidente Xi Jinping, da China, esteve em novembro no Peru para inaugurar a primeira fase do Porto de Chancay, um imenso complexo portuário relativamente perto da capital Lima, no valor de 3.5 bilhões de dólares, cuja finalidade é facilitar o transporte de bens ibero-americanos para a Ásia.
O porto, que será administrado pela companhia chinesa Cosco junto com a peruana Volcan, é parte da Iniciativa Cinturão & Rota e sua ideia de integração das rotas comerciais mundiais por meio de projetos de infraestrutura que facilitem os fluxos de mercadoria. Prevê-se que o porto de Chancay, por exemplo, reduzirá em 10 dias o tempo de transporte entre a Ásia e a América Ibérica, economizando até 20% nos custos logísticos. A tendência é que este porto incremente as trocas comerciais entre Rússia e o continente ibero-americano, as quais estão já no nível de 450 bilhões de dólares.
A inauguração desse porto, aliás, motivou chamadas jornalísticas extremamente inadequadas nos jornais ocidentais. O The Telegraph e o Newsweek, por exemplo, se referiram ao Peru como “quintal dos EUA”, retomando o léxico dos tempos da Doutrina Monroe.
A Doutrina Monroe, que fez 200 anos em 2023, era aquela diretriz ideológica que impelia os EUA a afastarem a Europa da América Ibérica com o objetivo de serem a única grande potência a monopolizar e exercer influência sobre a região. Mas hoje a “ameaça” sentida por Washington não vem exatamente de Paris, Berlim ou Madri, ou mesmo Londres, mas de Moscou e Pequim.
E é tanto por causa do fortalecimento das relações russo-chinesas no continente quanto pela própria fragilização da hegemonia unipolar dos EUA – mais sentida na Eurásia, no Oriente Médio e na África – que os EUA se desdobram em um novo impulso monroísta na América Central e do Sul. Trata-se de tentar expulsar a “influência” russo-chinesa quanto de assegurar que a única potência americana serão os próprios EUA – nada de potências extracontinentais, nem da ascensão de qualquer país americano como potência.
Retornando, porém, ao porto de Chancay, agora que ele está pronto retoma-se no Brasil a discussão sobre a necessidade de avançar com as obras de infraestrutura que prometem ligar o Oceano Atlântico ao Oceano Pacífico por meio de um corredor logístico que atravesse o Brasil – em uma das hipóteses chegando precisamente até o porto de Chancay. A criação de uma rota transcontinental de transporte de mercadorias conectando o Pacífico ao Atlântico, como o “Corredor Bioceânico”, é uma ideia que vem ganhando força nos últimos anos e pode transformar o comércio entre os dois oceanos.
A ideia em si, como inclusive já abordamos em outra ocasião, se confunde com o próprio projeto secular de uma integração ibero-americana, mas reaparece nas últimas décadas junto com os projetos logísticos da UNASUL e, inevitavelmente, também da Iniciativa Cinturão & Rota.
O Brasil, atualmente, avança de forma gradual nessa direção com o projeto Rotas da Integração Sul-Americana, que visa ligar cidades brasileiras como Manaus, Santos, Campo Grande, Belém, Cuiabá e Porto Alegre com portos importantes como Coquimbo e Antofagasta (Chile), Chancay (Peru), Manta (Equador), Buenos Aires (Argentina) e Montevidéu (Uruguai). O projeto será financiado principalmente pelo BNDES, pelo BID e pelo CAF, em um valor total de 10 bilhões de dólares.
As rotas em questão estão previstas para serem entregues entre 2025 e 2027, mas será necessário acompanhar de perto para saber se elas serão completadas, porque, de fato, no Brasil se ouve falar em projetos de infraestrutura desse tipo há mais de 20 anos, com a maioria sem sair do papel.
De fato, as autoridades da região amazônica estão particularmente interessadas na conclusão dessas obras de infraestrutura conectando centros produtivos brasileiros ao porto de Chancay. O governador da Amazônia, Wilson Lima, tem feito diversas visitas à China para atrair mais investimentos para a região, onde já atuam pelo menos 10 empresas chinesas do setor eletroeletrônico. Vários prefeitos da região também visitaram o porto de Chancay e aguardam com expectativa o término desse projeto, com a rota Manaus-Chancay prometida para a COP30, no final de 2025.
É possível que essas autoridades locais, bem como os empresários, sentissem mais confiança, porém, se o Brasil se integrasse à Iniciativa Cinturão & Rota, recebendo, com isso, mais recursos para a execução das obras necessárias. Mas segundo temos acompanhado, o Brasil tem evitado a todo custo participar na “Nova Rota da Seda”, preferindo se relacionar com esse projeto de forma meramente tangencial.
De fato, quando Xi Jinping visitou o Brasil no G20 e se reuniu com Lula, assinou mais de 30 acordos e memorandos, mas nada sobre a Iniciativa Cinturão & Rota – excetuando uma declaração de intenção de que as obras de infraestrutura brasileiras tenham sinergia com os projetos da Nova Rota da Seda.
O motivo para isso é que o Brasil teme retaliações que poderiam vir dos EUA, já que a integração da Iniciativa Cinturão & Rota poderia ser lida como uma “escolha” pelo “bloco antiocidental” russo-chinês, o que afastaria o Brasil dos EUA e da União Europeia, parceiros dos quais o Brasil é, hoje, mais próximo ideologicamente.
Assim sendo, o Brasil parece não querer contar com a ajuda da China na integração logística da América do Sul, a qual sempre foi interrompida, entre outros motivos, pela incapacidade brasileira de enfrentar as ONGs ambientalistas e o próprio fato de que as elites brasileiras parecem alinhadas à “agenda verde”.