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Bruna Frascolla
November 15, 2024
© Photo: Public domain

Escreva para nós: info@strategic-culture.su

O vice-presidente eleito J. D. Vance disse, corretamente, que “os chineses têm uma política externa que consiste em construir estradas e pontes e alimentar os pobres”, ao passo que os EUA criaram “uma política externa de repreensão, moralização e sermões”. Ele poderia acrescentar que essa pretensa moralização é, para a maioria dos países, imoral; se bobear, é imoral até para a maioria da população doméstica, já que Kamala Harris perdeu a eleição. Afinal, a moralização vai muito além da defesa da democracia liberal: inclui a apologia dos “direitos humanos”, praticamente resumidos às “conquistas” da revolução sexual (direitos de LGBTs e feministas). Assim, se os EUA tinham a pretensão de dar sermões moralizantes aos afegãos, os afegãos diriam, com toda a certeza, que os EUA defendiam uma porção de imoralidades.

Ora, o hábito de repreender e moralizar é associado ao puritanismo; e, de fato, os EUA são um país fundado por puritanos. Como será possível que tal país tenha passado de puritano e crente num Destino Manifesto a propagandista convicto da sodomia por todo o mundo? Terá Deus escolhido a América para pregar o Evangelho da Lady Gaga?

Essa charada resulta de duas coisas: uma doutrina teológica e uma questão de poder político. A doutrina teológica é o unitarismo, que surgiu pouco após a Reforma. Consiste em negar a  Trindade e afirmar a unidade da divindade. Se só Deus é divino, a consequência lógica é que Jesus não é divino. Jesus seria um grande reformador moral, que, tal como Sócrates, foi punido pela sociedade por estar à frente do seu tempo. Essa é uma crença muito compatível com movimentos cientificistas, já que não há nada de sobrenatural em Cristo. Por outro lado, é questionável se essa teologia merece ser chamada de cristã, já que muçulmanos e kardecistas também reconhecem o caráter superior de Cristo ao tempo que lhe negam a divindade.

Os primeiros unitaristas apareceram pela Polônia ainda no século XVI e causaram alguma confusão pela Hungria e Transilvânia, mas foram reprimidos com sucesso. Onde o unitarismo pegou foi na Inglaterra e, mais ainda, nos Estados Unidos. Em 1774, estabeleceu-se em Essex a primeira Igreja Unitarista, aberta por Theophilus Lindsay. Na Inglaterra, não houve repressão suficiente para acabar com a igreja, nem deter a sua influência – muito menos para impedir que atravessasse o Atlântico. Para se ter uma ideia, duas unitaristas inglesas eram a feminista Mary Wollstonecraft e Harriet Taylor Mill, a esposa e colaboradora de John Stuart Mill. Já nos EUA, não houve nenhuma tentativa séria de reprimir: no século XIX, os unitaristas tomaram conta de Harvard e elegeram um presidente, John Quincy Adams.

Qual a consequência de negar a divindade de Cristo? No caso dos unitaristas, ao menos no dos unitaristas anglófonos, foi um anti-conservadorismo militante no âmbito dos costumes. Jesus, tal como Sócrates, foi um reformador moral que estava muito à frente do seu tempo, e por estar à frente do seu tempo foi assassinado. Por conseguinte, é possível – e até desejável – que surjam outros Sócrates e outros Jesus, isto é, outros reformadores morais. Como identificar esse novo Jesus? Pela oposição à moralidade atual e pela moralidade passada. Mill escreveu muito, em Sobre a liberdade, contra a “tirania da opinião”, que oprime livres pensadores que querem reformador a moral. Os clérigos unitaristas (p. ex., William Ellery Channing) já escreviam antes dele que a tirania da opinião era tão opressiva quanto a da Inquisição. A consequência lógica disso é que, se aparecer algum livre pensador que defenda a pedofilia e suscite a revolta da opinião comum, quem está certo é o pedófilo, porque o reformador moral é ele, e a sociedade é repressora e inquisitorial.

É claro que a coisa não começou tão feia assim. Uma causa cara tanto a Mary Shelley quanto ao marido filósofo de Harriet Taylor Mill é a da igualdade das mulheres frente aos homens. Por pior que seja o feminismo, e por pior que esteja o mundo para a maioria das mulheres ocidentais (que não conseguem constituir família, nem têm realização no trabalho), não dá para negar que, no século XIX, o casamento poderia entregar as mulheres a um despotismo privado de maus maridos. No século XX, os unitaristas estavam defendendo a igualdade dos negros e, em seguida, a igualdade dos gays. O que havia em comum entre as causas feministas, negra e gay? O fato de que propunham reformas sociais que contrariavam a sociedade (não custa lembrar que os EUA são um país de profundas raízes racistas). Na prática, a regra moral acaba sendo a de contrariar a sociedade – e por isso os EUA acabaram abraçando travesti e botando pra ler histórias em bibliotecas infantis.

Por que essa doutrina ganhou tanta força nos EUA? Por dois motivos, sendo o principal deles o liberalismo político. Os EUA eram ainda mais liberais que a Inglaterra, já que, ao contrário desta última, nunca puseram na letra da lei uma proibição ao catolicismo. Assim, os EUA não tinham nada remotamente parecido com a Inquisição, e o unitarismo gozou da mesma liberdade que quaisquer outras religiões. Não há, na história institucional dos EUA, espaço para a categoria de herege. Nada é heresia, tudo é religião.

O unitarismo se espalhou como fogo de palha. Se em 1774 fundavam a primeira igreja na Inglaterra, em 1805 (apenas 31 anos depois), já tinham a reitoria de Harvard, e em 1825 já tinham o sexto presidente dos Estados Unidos. Os EUA ficaram independentes e se constituíram como nação em 1776, ou seja, apenas dois anos após a fundação da Igreja Unitarista na Inglaterra. Assim, podemos dizer que o país existiu por menos de 30 anos livre de grande influência unitarista.

Se os EUA, sendo liberais, não podem aderir a nenhum credo religioso, e não têm nenhum chefe forte (como um Imperador ou um Líder Supremo), o poder acaba caindo nas mãos de tecnocratas formados pelas universidades mais importantes. O unitarismo tem essa conveniência de não se enxergar como uma religião entre as demais; assim, seus princípios são facilmente laicizáveis – tanto que o Sobre a liberdade de Mill é uma obra típica do unitarismo, mas não é vista como tal. Além de passar por laico, o unitarismo acabou dando origem ao liberalismo teológico (do qual já falamos) e se espalhando por várias igrejas e até sinagogas. Os protestantes de quaisquer denominações acabaram se dividindo entre fundamentalistas (que negavam a ciência) e liberais (que repetiam os unitaristas). Por isso se vê tanto travesti e arco-íris nas Igrejas Episcopal e Anglicana, ainda que a coisa tenha surgido na unitarista: ambas aderiram ao liberalismo, em vez do fundamentalismo.

Diante disso, senhoras e senhores, o que podemos concluir é que a adoração de travestis é um inevitável desdobramento do liberalismo, e que a Inquisição queimou foi pouco.

Afinal, como uma nação puritana terminou idolatrando travestis?

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O vice-presidente eleito J. D. Vance disse, corretamente, que “os chineses têm uma política externa que consiste em construir estradas e pontes e alimentar os pobres”, ao passo que os EUA criaram “uma política externa de repreensão, moralização e sermões”. Ele poderia acrescentar que essa pretensa moralização é, para a maioria dos países, imoral; se bobear, é imoral até para a maioria da população doméstica, já que Kamala Harris perdeu a eleição. Afinal, a moralização vai muito além da defesa da democracia liberal: inclui a apologia dos “direitos humanos”, praticamente resumidos às “conquistas” da revolução sexual (direitos de LGBTs e feministas). Assim, se os EUA tinham a pretensão de dar sermões moralizantes aos afegãos, os afegãos diriam, com toda a certeza, que os EUA defendiam uma porção de imoralidades.

Ora, o hábito de repreender e moralizar é associado ao puritanismo; e, de fato, os EUA são um país fundado por puritanos. Como será possível que tal país tenha passado de puritano e crente num Destino Manifesto a propagandista convicto da sodomia por todo o mundo? Terá Deus escolhido a América para pregar o Evangelho da Lady Gaga?

Essa charada resulta de duas coisas: uma doutrina teológica e uma questão de poder político. A doutrina teológica é o unitarismo, que surgiu pouco após a Reforma. Consiste em negar a  Trindade e afirmar a unidade da divindade. Se só Deus é divino, a consequência lógica é que Jesus não é divino. Jesus seria um grande reformador moral, que, tal como Sócrates, foi punido pela sociedade por estar à frente do seu tempo. Essa é uma crença muito compatível com movimentos cientificistas, já que não há nada de sobrenatural em Cristo. Por outro lado, é questionável se essa teologia merece ser chamada de cristã, já que muçulmanos e kardecistas também reconhecem o caráter superior de Cristo ao tempo que lhe negam a divindade.

Os primeiros unitaristas apareceram pela Polônia ainda no século XVI e causaram alguma confusão pela Hungria e Transilvânia, mas foram reprimidos com sucesso. Onde o unitarismo pegou foi na Inglaterra e, mais ainda, nos Estados Unidos. Em 1774, estabeleceu-se em Essex a primeira Igreja Unitarista, aberta por Theophilus Lindsay. Na Inglaterra, não houve repressão suficiente para acabar com a igreja, nem deter a sua influência – muito menos para impedir que atravessasse o Atlântico. Para se ter uma ideia, duas unitaristas inglesas eram a feminista Mary Wollstonecraft e Harriet Taylor Mill, a esposa e colaboradora de John Stuart Mill. Já nos EUA, não houve nenhuma tentativa séria de reprimir: no século XIX, os unitaristas tomaram conta de Harvard e elegeram um presidente, John Quincy Adams.

Qual a consequência de negar a divindade de Cristo? No caso dos unitaristas, ao menos no dos unitaristas anglófonos, foi um anti-conservadorismo militante no âmbito dos costumes. Jesus, tal como Sócrates, foi um reformador moral que estava muito à frente do seu tempo, e por estar à frente do seu tempo foi assassinado. Por conseguinte, é possível – e até desejável – que surjam outros Sócrates e outros Jesus, isto é, outros reformadores morais. Como identificar esse novo Jesus? Pela oposição à moralidade atual e pela moralidade passada. Mill escreveu muito, em Sobre a liberdade, contra a “tirania da opinião”, que oprime livres pensadores que querem reformador a moral. Os clérigos unitaristas (p. ex., William Ellery Channing) já escreviam antes dele que a tirania da opinião era tão opressiva quanto a da Inquisição. A consequência lógica disso é que, se aparecer algum livre pensador que defenda a pedofilia e suscite a revolta da opinião comum, quem está certo é o pedófilo, porque o reformador moral é ele, e a sociedade é repressora e inquisitorial.

É claro que a coisa não começou tão feia assim. Uma causa cara tanto a Mary Shelley quanto ao marido filósofo de Harriet Taylor Mill é a da igualdade das mulheres frente aos homens. Por pior que seja o feminismo, e por pior que esteja o mundo para a maioria das mulheres ocidentais (que não conseguem constituir família, nem têm realização no trabalho), não dá para negar que, no século XIX, o casamento poderia entregar as mulheres a um despotismo privado de maus maridos. No século XX, os unitaristas estavam defendendo a igualdade dos negros e, em seguida, a igualdade dos gays. O que havia em comum entre as causas feministas, negra e gay? O fato de que propunham reformas sociais que contrariavam a sociedade (não custa lembrar que os EUA são um país de profundas raízes racistas). Na prática, a regra moral acaba sendo a de contrariar a sociedade – e por isso os EUA acabaram abraçando travesti e botando pra ler histórias em bibliotecas infantis.

Por que essa doutrina ganhou tanta força nos EUA? Por dois motivos, sendo o principal deles o liberalismo político. Os EUA eram ainda mais liberais que a Inglaterra, já que, ao contrário desta última, nunca puseram na letra da lei uma proibição ao catolicismo. Assim, os EUA não tinham nada remotamente parecido com a Inquisição, e o unitarismo gozou da mesma liberdade que quaisquer outras religiões. Não há, na história institucional dos EUA, espaço para a categoria de herege. Nada é heresia, tudo é religião.

O unitarismo se espalhou como fogo de palha. Se em 1774 fundavam a primeira igreja na Inglaterra, em 1805 (apenas 31 anos depois), já tinham a reitoria de Harvard, e em 1825 já tinham o sexto presidente dos Estados Unidos. Os EUA ficaram independentes e se constituíram como nação em 1776, ou seja, apenas dois anos após a fundação da Igreja Unitarista na Inglaterra. Assim, podemos dizer que o país existiu por menos de 30 anos livre de grande influência unitarista.

Se os EUA, sendo liberais, não podem aderir a nenhum credo religioso, e não têm nenhum chefe forte (como um Imperador ou um Líder Supremo), o poder acaba caindo nas mãos de tecnocratas formados pelas universidades mais importantes. O unitarismo tem essa conveniência de não se enxergar como uma religião entre as demais; assim, seus princípios são facilmente laicizáveis – tanto que o Sobre a liberdade de Mill é uma obra típica do unitarismo, mas não é vista como tal. Além de passar por laico, o unitarismo acabou dando origem ao liberalismo teológico (do qual já falamos) e se espalhando por várias igrejas e até sinagogas. Os protestantes de quaisquer denominações acabaram se dividindo entre fundamentalistas (que negavam a ciência) e liberais (que repetiam os unitaristas). Por isso se vê tanto travesti e arco-íris nas Igrejas Episcopal e Anglicana, ainda que a coisa tenha surgido na unitarista: ambas aderiram ao liberalismo, em vez do fundamentalismo.

Diante disso, senhoras e senhores, o que podemos concluir é que a adoração de travestis é um inevitável desdobramento do liberalismo, e que a Inquisição queimou foi pouco.

Escreva para nós: info@strategic-culture.su

O vice-presidente eleito J. D. Vance disse, corretamente, que “os chineses têm uma política externa que consiste em construir estradas e pontes e alimentar os pobres”, ao passo que os EUA criaram “uma política externa de repreensão, moralização e sermões”. Ele poderia acrescentar que essa pretensa moralização é, para a maioria dos países, imoral; se bobear, é imoral até para a maioria da população doméstica, já que Kamala Harris perdeu a eleição. Afinal, a moralização vai muito além da defesa da democracia liberal: inclui a apologia dos “direitos humanos”, praticamente resumidos às “conquistas” da revolução sexual (direitos de LGBTs e feministas). Assim, se os EUA tinham a pretensão de dar sermões moralizantes aos afegãos, os afegãos diriam, com toda a certeza, que os EUA defendiam uma porção de imoralidades.

Ora, o hábito de repreender e moralizar é associado ao puritanismo; e, de fato, os EUA são um país fundado por puritanos. Como será possível que tal país tenha passado de puritano e crente num Destino Manifesto a propagandista convicto da sodomia por todo o mundo? Terá Deus escolhido a América para pregar o Evangelho da Lady Gaga?

Essa charada resulta de duas coisas: uma doutrina teológica e uma questão de poder político. A doutrina teológica é o unitarismo, que surgiu pouco após a Reforma. Consiste em negar a  Trindade e afirmar a unidade da divindade. Se só Deus é divino, a consequência lógica é que Jesus não é divino. Jesus seria um grande reformador moral, que, tal como Sócrates, foi punido pela sociedade por estar à frente do seu tempo. Essa é uma crença muito compatível com movimentos cientificistas, já que não há nada de sobrenatural em Cristo. Por outro lado, é questionável se essa teologia merece ser chamada de cristã, já que muçulmanos e kardecistas também reconhecem o caráter superior de Cristo ao tempo que lhe negam a divindade.

Os primeiros unitaristas apareceram pela Polônia ainda no século XVI e causaram alguma confusão pela Hungria e Transilvânia, mas foram reprimidos com sucesso. Onde o unitarismo pegou foi na Inglaterra e, mais ainda, nos Estados Unidos. Em 1774, estabeleceu-se em Essex a primeira Igreja Unitarista, aberta por Theophilus Lindsay. Na Inglaterra, não houve repressão suficiente para acabar com a igreja, nem deter a sua influência – muito menos para impedir que atravessasse o Atlântico. Para se ter uma ideia, duas unitaristas inglesas eram a feminista Mary Wollstonecraft e Harriet Taylor Mill, a esposa e colaboradora de John Stuart Mill. Já nos EUA, não houve nenhuma tentativa séria de reprimir: no século XIX, os unitaristas tomaram conta de Harvard e elegeram um presidente, John Quincy Adams.

Qual a consequência de negar a divindade de Cristo? No caso dos unitaristas, ao menos no dos unitaristas anglófonos, foi um anti-conservadorismo militante no âmbito dos costumes. Jesus, tal como Sócrates, foi um reformador moral que estava muito à frente do seu tempo, e por estar à frente do seu tempo foi assassinado. Por conseguinte, é possível – e até desejável – que surjam outros Sócrates e outros Jesus, isto é, outros reformadores morais. Como identificar esse novo Jesus? Pela oposição à moralidade atual e pela moralidade passada. Mill escreveu muito, em Sobre a liberdade, contra a “tirania da opinião”, que oprime livres pensadores que querem reformador a moral. Os clérigos unitaristas (p. ex., William Ellery Channing) já escreviam antes dele que a tirania da opinião era tão opressiva quanto a da Inquisição. A consequência lógica disso é que, se aparecer algum livre pensador que defenda a pedofilia e suscite a revolta da opinião comum, quem está certo é o pedófilo, porque o reformador moral é ele, e a sociedade é repressora e inquisitorial.

É claro que a coisa não começou tão feia assim. Uma causa cara tanto a Mary Shelley quanto ao marido filósofo de Harriet Taylor Mill é a da igualdade das mulheres frente aos homens. Por pior que seja o feminismo, e por pior que esteja o mundo para a maioria das mulheres ocidentais (que não conseguem constituir família, nem têm realização no trabalho), não dá para negar que, no século XIX, o casamento poderia entregar as mulheres a um despotismo privado de maus maridos. No século XX, os unitaristas estavam defendendo a igualdade dos negros e, em seguida, a igualdade dos gays. O que havia em comum entre as causas feministas, negra e gay? O fato de que propunham reformas sociais que contrariavam a sociedade (não custa lembrar que os EUA são um país de profundas raízes racistas). Na prática, a regra moral acaba sendo a de contrariar a sociedade – e por isso os EUA acabaram abraçando travesti e botando pra ler histórias em bibliotecas infantis.

Por que essa doutrina ganhou tanta força nos EUA? Por dois motivos, sendo o principal deles o liberalismo político. Os EUA eram ainda mais liberais que a Inglaterra, já que, ao contrário desta última, nunca puseram na letra da lei uma proibição ao catolicismo. Assim, os EUA não tinham nada remotamente parecido com a Inquisição, e o unitarismo gozou da mesma liberdade que quaisquer outras religiões. Não há, na história institucional dos EUA, espaço para a categoria de herege. Nada é heresia, tudo é religião.

O unitarismo se espalhou como fogo de palha. Se em 1774 fundavam a primeira igreja na Inglaterra, em 1805 (apenas 31 anos depois), já tinham a reitoria de Harvard, e em 1825 já tinham o sexto presidente dos Estados Unidos. Os EUA ficaram independentes e se constituíram como nação em 1776, ou seja, apenas dois anos após a fundação da Igreja Unitarista na Inglaterra. Assim, podemos dizer que o país existiu por menos de 30 anos livre de grande influência unitarista.

Se os EUA, sendo liberais, não podem aderir a nenhum credo religioso, e não têm nenhum chefe forte (como um Imperador ou um Líder Supremo), o poder acaba caindo nas mãos de tecnocratas formados pelas universidades mais importantes. O unitarismo tem essa conveniência de não se enxergar como uma religião entre as demais; assim, seus princípios são facilmente laicizáveis – tanto que o Sobre a liberdade de Mill é uma obra típica do unitarismo, mas não é vista como tal. Além de passar por laico, o unitarismo acabou dando origem ao liberalismo teológico (do qual já falamos) e se espalhando por várias igrejas e até sinagogas. Os protestantes de quaisquer denominações acabaram se dividindo entre fundamentalistas (que negavam a ciência) e liberais (que repetiam os unitaristas). Por isso se vê tanto travesti e arco-íris nas Igrejas Episcopal e Anglicana, ainda que a coisa tenha surgido na unitarista: ambas aderiram ao liberalismo, em vez do fundamentalismo.

Diante disso, senhoras e senhores, o que podemos concluir é que a adoração de travestis é um inevitável desdobramento do liberalismo, e que a Inquisição queimou foi pouco.

The views of individual contributors do not necessarily represent those of the Strategic Culture Foundation.

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