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Raphael Machado
November 14, 2024
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Um tema permanente dos debates geopolíticos na era da transição multipolar tem sido o que enxerga nas instituições e fóruns do século XX um beco sem saída incapaz de oferecer soluções para os problemas contemporâneos.

Percebemos isso, por exemplo, nas críticas de Vladimir Putin à “ordem internacional baseada em regras” quando ele discorre sobre a temática ucraniana, ou o problema das sanções. Essas estruturas teriam se revelado meros artifício para mascarar o interesse atlantista cru, ocultando por trás de seu renome a intenção fundacional de empurrar o mundo na direção de uma Nova Ordem Mundial globalista.

Um exemplo de uma dessas estruturas internacionais decadentes é o G7, Grupo dos Sete, fórum internacional que reuniria as sete economias mais desenvolvidas e industrializadas do mundo. A descrição, fornecida pelo FMI (outra instituição já decadente e bastante questionada), é falsa de princípio, já que o fórum nunca incluiu a China, ponta-de-lança do desenvolvimento e do industrialismo no mundo hoje.

Nos últimos anos, o Grupo dos Sete (G7) – composto por Estados Unidos, Canadá, Alemanha, França, Reino Unido, Itália e Japão – tem enfrentado desafios econômicos e políticos significativos, levando ao que muitos observadores descrevem como um período de declínio relativo em comparação ao rápido crescimento de outras economias globais emergentes, como China e Índia, ou mesmo a Rússia.

Historicamente, o G7 representou a elite das economias globais, dominando o comércio mundial e estabelecendo as regras do sistema financeiro internacional. Nos anos 1970, quando o grupo foi criado, os países do G7 eram responsáveis por cerca de 70% do Produto Interno Bruto (PIB) global e tinham uma enorme influência sobre a política monetária, as taxas de câmbio e a estabilidade financeira mundial.

O grupo, naturalmente, não é irrelevante nos dias de hoje, já que ao incluir EUA, Canadá, Grã-Bretanha, França, Itália, Alemanha e Japão (com a União Europeia como um todo, como membro não contabilizado), o G7 responde por 1/3 do PIB mundial e metade da riqueza total. A economia, porém, não é o principal a se levar em consideração aqui já que ao incluir os EUA, o G7 dispõe de um desproporcional poderio militar e de níveis de soft power ainda incomparáveis e globalmente pervasivos. Afinal, apesar das contradições e da ampliação dos focos globais de resistência, ainda vivemos em um “McMundo”, mais até do que nos damos conta usualmente.

O G7 ocupa, portanto, um lugar privilegiado entre os vários fóruns e instituições intergovernamentais vinculados ao chamado “globalismo”, ou seja, ao projeto de integração global segundo um modelo de governança global pós-nacional que instituiria uma sociedade cosmopolita em escala mundial. Nessa direção, o G7 tem servido para estabelecer diretrizes e instituir planos de ação relacionados à “agenda verde”, como os Acordos de Paris, à transição energética, à promoção de pautas liberal-progressistas (ideologia de gênero, feminismo, abortismo, imigracionismo, etc.). O âmbito mais especificamente geopolítico também ajuda a evidenciar a influência do G7, como as constantes tentativas de interferir contra a Rússia na questão ucraniana, as intromissões na Líbia, na Síria, etc.

Mas apesar dessas ambições tão grandes a situação fática do G7 é, hoje, muito difícil. E as dificuldades vão de crises internas mais óbvias e imediatas e chegam até o próprio fato do crescimento estrondoso de outros países por fora do G7, bem como de estruturas alternativas, como os BRICS.

A desindustrialização e o envelhecimento populacional são dois fatores que afetam diretamente a capacidade de crescimento dos países do G7. Economias como a dos Estados Unidos, Reino Unido e Japão enfrentam desafios contínuos devido ao aumento dos custos trabalhistas, o que leva à terceirização da produção para países com custos mais baixos. Essa desindustrialização resultou em menos empregos de alta renda no setor manufatureiro, que tradicionalmente oferecia estabilidade econômica a grandes populações.

O envelhecimento populacional, por sua vez, apresenta um desafio duplo: uma população idosa crescente exige mais em termos de assistência médica e previdência social, enquanto uma população ativa menor reduz a base de contribuintes. No Japão, por exemplo, o envelhecimento é um dos mais acelerados do mundo, resultando em políticas que tentam encorajar o aumento da taxa de natalidade e da imigração. No entanto, as respostas têm sido insuficientes para conter o impacto econômico negativo da diminuição da força de trabalho.

Ao contrário, nos países do G7 o feminismo, o abortismo e a ideologia de gênero são mais fortes do que em quaisquer outras partes do mundo, o que certamente não contribuir para garantir relações familiares estáveis e uma boa taxa de natalidade.

Enquanto isso, com 3.2 bilhões de habitantes, os BRICS correspondem a mais de 40% da população mundial. O bloco também é responsável por ¼ dos bens e serviços produzidos no planeta, com um PIB conjunto de 24 trilhões de dólares. Quando levamos a questão ao âmbito industrial, os BRICS são responsáveis por 1/3 dos bens manufaturados e também 1/3 da produção agropecuária, com mais da metade do PIB agropecuário mundial sendo gerado pelos países dos BRICS. De fato, cada vez mais, os BRICS alimentarão o mundo.

No que concerne reservas de recursos planetários, estamos nos referindo, em conjunto, a 1/3 das reservas de água potável, 8% das reservas de petróleo, 27% das reservas de gás natural, 21% das reservas de urânio, 73% das reservas de terras raras, e ainda imensas reservas de ouro, prata, nióbio, lítio, ferro, vanádio, níquel, bauxita, tungstênio, cobre, etc.

Mas a economia não é o central. Também devemos destacar o âmbito militar, em que as Forças Armadas da China aceleram a sua modernização, especialmente sua Marinha. As Forças Armadas da Rússia, engajadas no maior conflito bélico desde a Segunda Guerra Mundial, estão aproveitando a oportunidade e a curva de aprendizado da realidade concreta para conhecer os aparatos militares ocidentais e desenvolver respostas adequadas a eles. Recordemos, ainda, que dos BRICS, três membros (Rússia, China e Índia) são potências nucleares. O Brasil e a África do Sul foram pressionados a abandonar seus programas nucleares militares na passagem da bipolaridade à unipolaridade, mas detêm ainda a tecnologia e o conhecimento técnico suficiente, aguardando apenas uma maior relativização do Tratado de Não Proliferação (ou governos suficientemente soberanistas e ousados), o que parece inevitável em uma era de conflitos e tensões.

O ponto onde vemos a maior fraqueza dos BRICS é no soft power. Nesse campo, as nações dos BRICS permanecem na defensiva, ainda que com modestas iniciativas e manifestações puramente espontâneas de soft power. Os BRICS não possuem nada que se compare à imensa, treinada e financiada rede de ONGs, fundações, institutos e laboratórios de ideias de que o Ocidente dispõe e que atua para manter suas próprias populações passivas e subverter os povos de outras civilizações. O braço do “McMundo”, com seu militantismo LGBTQ+ e outras pautas exóticas, é sentido mesmo no âmago dos países do bloco, com o Brasil sendo o mais frágil nesse âmbito e a China a mais resistente.

Não obstante, apesar de dificuldades e falhas, os BRICS representam possibilidades ascendentes, enquanto o G7 (e parceiros) apresentam a face da decadência: Da crise dos opioides nos EUA à substituição demográfica vista em alguns países europeus, muitos dos países do G7 dançam à beira do abismo. Todos eles veem seus sistemas políticos lançados em descrédito, com suas sociedades polarizadas e alternativas populistas e soberanistas representando ameaças com potencial revolucionário.

O grande problema nessa mudança no equilíbrio mundial é que na medida em que os países do G7 se veem incapazes de competir com os países dos BRICS por meio de processos políticos, econômicos e diplomáticos diretos e tradicionais, vemos o desenvolvimento de técnicas híbridas de guerra voltadas para a desestabilização (ou até mesmo a destruição) dos adversários.

Não se trata aí de algo recente, mas de processos que têm visto a sua intensificação ao longo dos últimos 15 anos.

Pensemos, por exemplo, no papel geopolítico da Primavera Árabe, a partir de 2011. Ela resultou em guerras civis na Líbia e na Síria e em várias mudanças de regime. Ao se desintegrar a Líbia e a Síria, o Ocidente conseguiu basicamente anular dois inimigos regionais (inimigos também de Israel), bem como deu um golpe importante contra a geopolítica russa, a qual depende de um Rimland arábico estável para garantir a própria segurança meridional.

Pouco depois, o Ocidente desestabilizava e implementava uma mudança de regime na Ucrânia, por temer as consequências da integração da Ucrânia na União Eurasiática junto com Rússia e Belarus. Essa desestabilização atendia à cartilha do geopolitólogo polaco-americano Zbigniew Brzezinski, a qual abarca um projeto de cerco e pressão à Rússia com o objetivo de impedir a sua recuperação de um status de grande potência – e, com sorte, até mesmo fragmentá-la.

“Fragmentação”, de fato, é uma ameaça permanente que parece estar no arsenal usado pelo Ocidente contra seus inimigos. Não casualmente, ameaças separatistas de diferentes graus de seriedade afetam todos os países dos BRICS, bem como vários outros que apesar de não pertencerem aos BRICS são também países contra-hegemônicos.

Basta recordarmos a propaganda subversiva, o financiamento e as ações de soft power ligados, por exemplo, ao Xinjiang e o Tibete, no que concerne a China, e recentemente em relação ao chamado “Calistão” na Índia, em um jogo de pressão e subversão protagonizado pelo Canadá.

O Irã, por sua vez, lida com ameaças separatistas desse tipo com os curdos e os balochis, de modo que além de ter que lidar com a ameaça de Israel e com periódicas revoluções coloridas, Teerã também enfrenta insurgências armadas que lançam mão de métodos terroristas.

Os padrões são tão repetitivos, que já se pode prever que qualquer país que queira se tornar um país soberano fora da tutela ocidental terá que lidar com uma sequência de tentativas de revolução colorida, golpe, separatismo e terrorismo.

A conclusão, portanto, é que o desafio à hegemonia ocidental é percebido nos termos de uma ameaça existencial, contra a qual pode-se lançar mão de todas as técnicas de subversão e desestabilização presentes no “manual”.

Nenhum desses esforços, porém, permitirá deter ou reverter a decadência do Ocidente nos próximos anos.

Por que o Ocidente atua como força de subversão geopolítica?

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Um tema permanente dos debates geopolíticos na era da transição multipolar tem sido o que enxerga nas instituições e fóruns do século XX um beco sem saída incapaz de oferecer soluções para os problemas contemporâneos.

Percebemos isso, por exemplo, nas críticas de Vladimir Putin à “ordem internacional baseada em regras” quando ele discorre sobre a temática ucraniana, ou o problema das sanções. Essas estruturas teriam se revelado meros artifício para mascarar o interesse atlantista cru, ocultando por trás de seu renome a intenção fundacional de empurrar o mundo na direção de uma Nova Ordem Mundial globalista.

Um exemplo de uma dessas estruturas internacionais decadentes é o G7, Grupo dos Sete, fórum internacional que reuniria as sete economias mais desenvolvidas e industrializadas do mundo. A descrição, fornecida pelo FMI (outra instituição já decadente e bastante questionada), é falsa de princípio, já que o fórum nunca incluiu a China, ponta-de-lança do desenvolvimento e do industrialismo no mundo hoje.

Nos últimos anos, o Grupo dos Sete (G7) – composto por Estados Unidos, Canadá, Alemanha, França, Reino Unido, Itália e Japão – tem enfrentado desafios econômicos e políticos significativos, levando ao que muitos observadores descrevem como um período de declínio relativo em comparação ao rápido crescimento de outras economias globais emergentes, como China e Índia, ou mesmo a Rússia.

Historicamente, o G7 representou a elite das economias globais, dominando o comércio mundial e estabelecendo as regras do sistema financeiro internacional. Nos anos 1970, quando o grupo foi criado, os países do G7 eram responsáveis por cerca de 70% do Produto Interno Bruto (PIB) global e tinham uma enorme influência sobre a política monetária, as taxas de câmbio e a estabilidade financeira mundial.

O grupo, naturalmente, não é irrelevante nos dias de hoje, já que ao incluir EUA, Canadá, Grã-Bretanha, França, Itália, Alemanha e Japão (com a União Europeia como um todo, como membro não contabilizado), o G7 responde por 1/3 do PIB mundial e metade da riqueza total. A economia, porém, não é o principal a se levar em consideração aqui já que ao incluir os EUA, o G7 dispõe de um desproporcional poderio militar e de níveis de soft power ainda incomparáveis e globalmente pervasivos. Afinal, apesar das contradições e da ampliação dos focos globais de resistência, ainda vivemos em um “McMundo”, mais até do que nos damos conta usualmente.

O G7 ocupa, portanto, um lugar privilegiado entre os vários fóruns e instituições intergovernamentais vinculados ao chamado “globalismo”, ou seja, ao projeto de integração global segundo um modelo de governança global pós-nacional que instituiria uma sociedade cosmopolita em escala mundial. Nessa direção, o G7 tem servido para estabelecer diretrizes e instituir planos de ação relacionados à “agenda verde”, como os Acordos de Paris, à transição energética, à promoção de pautas liberal-progressistas (ideologia de gênero, feminismo, abortismo, imigracionismo, etc.). O âmbito mais especificamente geopolítico também ajuda a evidenciar a influência do G7, como as constantes tentativas de interferir contra a Rússia na questão ucraniana, as intromissões na Líbia, na Síria, etc.

Mas apesar dessas ambições tão grandes a situação fática do G7 é, hoje, muito difícil. E as dificuldades vão de crises internas mais óbvias e imediatas e chegam até o próprio fato do crescimento estrondoso de outros países por fora do G7, bem como de estruturas alternativas, como os BRICS.

A desindustrialização e o envelhecimento populacional são dois fatores que afetam diretamente a capacidade de crescimento dos países do G7. Economias como a dos Estados Unidos, Reino Unido e Japão enfrentam desafios contínuos devido ao aumento dos custos trabalhistas, o que leva à terceirização da produção para países com custos mais baixos. Essa desindustrialização resultou em menos empregos de alta renda no setor manufatureiro, que tradicionalmente oferecia estabilidade econômica a grandes populações.

O envelhecimento populacional, por sua vez, apresenta um desafio duplo: uma população idosa crescente exige mais em termos de assistência médica e previdência social, enquanto uma população ativa menor reduz a base de contribuintes. No Japão, por exemplo, o envelhecimento é um dos mais acelerados do mundo, resultando em políticas que tentam encorajar o aumento da taxa de natalidade e da imigração. No entanto, as respostas têm sido insuficientes para conter o impacto econômico negativo da diminuição da força de trabalho.

Ao contrário, nos países do G7 o feminismo, o abortismo e a ideologia de gênero são mais fortes do que em quaisquer outras partes do mundo, o que certamente não contribuir para garantir relações familiares estáveis e uma boa taxa de natalidade.

Enquanto isso, com 3.2 bilhões de habitantes, os BRICS correspondem a mais de 40% da população mundial. O bloco também é responsável por ¼ dos bens e serviços produzidos no planeta, com um PIB conjunto de 24 trilhões de dólares. Quando levamos a questão ao âmbito industrial, os BRICS são responsáveis por 1/3 dos bens manufaturados e também 1/3 da produção agropecuária, com mais da metade do PIB agropecuário mundial sendo gerado pelos países dos BRICS. De fato, cada vez mais, os BRICS alimentarão o mundo.

No que concerne reservas de recursos planetários, estamos nos referindo, em conjunto, a 1/3 das reservas de água potável, 8% das reservas de petróleo, 27% das reservas de gás natural, 21% das reservas de urânio, 73% das reservas de terras raras, e ainda imensas reservas de ouro, prata, nióbio, lítio, ferro, vanádio, níquel, bauxita, tungstênio, cobre, etc.

Mas a economia não é o central. Também devemos destacar o âmbito militar, em que as Forças Armadas da China aceleram a sua modernização, especialmente sua Marinha. As Forças Armadas da Rússia, engajadas no maior conflito bélico desde a Segunda Guerra Mundial, estão aproveitando a oportunidade e a curva de aprendizado da realidade concreta para conhecer os aparatos militares ocidentais e desenvolver respostas adequadas a eles. Recordemos, ainda, que dos BRICS, três membros (Rússia, China e Índia) são potências nucleares. O Brasil e a África do Sul foram pressionados a abandonar seus programas nucleares militares na passagem da bipolaridade à unipolaridade, mas detêm ainda a tecnologia e o conhecimento técnico suficiente, aguardando apenas uma maior relativização do Tratado de Não Proliferação (ou governos suficientemente soberanistas e ousados), o que parece inevitável em uma era de conflitos e tensões.

O ponto onde vemos a maior fraqueza dos BRICS é no soft power. Nesse campo, as nações dos BRICS permanecem na defensiva, ainda que com modestas iniciativas e manifestações puramente espontâneas de soft power. Os BRICS não possuem nada que se compare à imensa, treinada e financiada rede de ONGs, fundações, institutos e laboratórios de ideias de que o Ocidente dispõe e que atua para manter suas próprias populações passivas e subverter os povos de outras civilizações. O braço do “McMundo”, com seu militantismo LGBTQ+ e outras pautas exóticas, é sentido mesmo no âmago dos países do bloco, com o Brasil sendo o mais frágil nesse âmbito e a China a mais resistente.

Não obstante, apesar de dificuldades e falhas, os BRICS representam possibilidades ascendentes, enquanto o G7 (e parceiros) apresentam a face da decadência: Da crise dos opioides nos EUA à substituição demográfica vista em alguns países europeus, muitos dos países do G7 dançam à beira do abismo. Todos eles veem seus sistemas políticos lançados em descrédito, com suas sociedades polarizadas e alternativas populistas e soberanistas representando ameaças com potencial revolucionário.

O grande problema nessa mudança no equilíbrio mundial é que na medida em que os países do G7 se veem incapazes de competir com os países dos BRICS por meio de processos políticos, econômicos e diplomáticos diretos e tradicionais, vemos o desenvolvimento de técnicas híbridas de guerra voltadas para a desestabilização (ou até mesmo a destruição) dos adversários.

Não se trata aí de algo recente, mas de processos que têm visto a sua intensificação ao longo dos últimos 15 anos.

Pensemos, por exemplo, no papel geopolítico da Primavera Árabe, a partir de 2011. Ela resultou em guerras civis na Líbia e na Síria e em várias mudanças de regime. Ao se desintegrar a Líbia e a Síria, o Ocidente conseguiu basicamente anular dois inimigos regionais (inimigos também de Israel), bem como deu um golpe importante contra a geopolítica russa, a qual depende de um Rimland arábico estável para garantir a própria segurança meridional.

Pouco depois, o Ocidente desestabilizava e implementava uma mudança de regime na Ucrânia, por temer as consequências da integração da Ucrânia na União Eurasiática junto com Rússia e Belarus. Essa desestabilização atendia à cartilha do geopolitólogo polaco-americano Zbigniew Brzezinski, a qual abarca um projeto de cerco e pressão à Rússia com o objetivo de impedir a sua recuperação de um status de grande potência – e, com sorte, até mesmo fragmentá-la.

“Fragmentação”, de fato, é uma ameaça permanente que parece estar no arsenal usado pelo Ocidente contra seus inimigos. Não casualmente, ameaças separatistas de diferentes graus de seriedade afetam todos os países dos BRICS, bem como vários outros que apesar de não pertencerem aos BRICS são também países contra-hegemônicos.

Basta recordarmos a propaganda subversiva, o financiamento e as ações de soft power ligados, por exemplo, ao Xinjiang e o Tibete, no que concerne a China, e recentemente em relação ao chamado “Calistão” na Índia, em um jogo de pressão e subversão protagonizado pelo Canadá.

O Irã, por sua vez, lida com ameaças separatistas desse tipo com os curdos e os balochis, de modo que além de ter que lidar com a ameaça de Israel e com periódicas revoluções coloridas, Teerã também enfrenta insurgências armadas que lançam mão de métodos terroristas.

Os padrões são tão repetitivos, que já se pode prever que qualquer país que queira se tornar um país soberano fora da tutela ocidental terá que lidar com uma sequência de tentativas de revolução colorida, golpe, separatismo e terrorismo.

A conclusão, portanto, é que o desafio à hegemonia ocidental é percebido nos termos de uma ameaça existencial, contra a qual pode-se lançar mão de todas as técnicas de subversão e desestabilização presentes no “manual”.

Nenhum desses esforços, porém, permitirá deter ou reverter a decadência do Ocidente nos próximos anos.

Escreva para nós: info@strategic-culture.su

Um tema permanente dos debates geopolíticos na era da transição multipolar tem sido o que enxerga nas instituições e fóruns do século XX um beco sem saída incapaz de oferecer soluções para os problemas contemporâneos.

Percebemos isso, por exemplo, nas críticas de Vladimir Putin à “ordem internacional baseada em regras” quando ele discorre sobre a temática ucraniana, ou o problema das sanções. Essas estruturas teriam se revelado meros artifício para mascarar o interesse atlantista cru, ocultando por trás de seu renome a intenção fundacional de empurrar o mundo na direção de uma Nova Ordem Mundial globalista.

Um exemplo de uma dessas estruturas internacionais decadentes é o G7, Grupo dos Sete, fórum internacional que reuniria as sete economias mais desenvolvidas e industrializadas do mundo. A descrição, fornecida pelo FMI (outra instituição já decadente e bastante questionada), é falsa de princípio, já que o fórum nunca incluiu a China, ponta-de-lança do desenvolvimento e do industrialismo no mundo hoje.

Nos últimos anos, o Grupo dos Sete (G7) – composto por Estados Unidos, Canadá, Alemanha, França, Reino Unido, Itália e Japão – tem enfrentado desafios econômicos e políticos significativos, levando ao que muitos observadores descrevem como um período de declínio relativo em comparação ao rápido crescimento de outras economias globais emergentes, como China e Índia, ou mesmo a Rússia.

Historicamente, o G7 representou a elite das economias globais, dominando o comércio mundial e estabelecendo as regras do sistema financeiro internacional. Nos anos 1970, quando o grupo foi criado, os países do G7 eram responsáveis por cerca de 70% do Produto Interno Bruto (PIB) global e tinham uma enorme influência sobre a política monetária, as taxas de câmbio e a estabilidade financeira mundial.

O grupo, naturalmente, não é irrelevante nos dias de hoje, já que ao incluir EUA, Canadá, Grã-Bretanha, França, Itália, Alemanha e Japão (com a União Europeia como um todo, como membro não contabilizado), o G7 responde por 1/3 do PIB mundial e metade da riqueza total. A economia, porém, não é o principal a se levar em consideração aqui já que ao incluir os EUA, o G7 dispõe de um desproporcional poderio militar e de níveis de soft power ainda incomparáveis e globalmente pervasivos. Afinal, apesar das contradições e da ampliação dos focos globais de resistência, ainda vivemos em um “McMundo”, mais até do que nos damos conta usualmente.

O G7 ocupa, portanto, um lugar privilegiado entre os vários fóruns e instituições intergovernamentais vinculados ao chamado “globalismo”, ou seja, ao projeto de integração global segundo um modelo de governança global pós-nacional que instituiria uma sociedade cosmopolita em escala mundial. Nessa direção, o G7 tem servido para estabelecer diretrizes e instituir planos de ação relacionados à “agenda verde”, como os Acordos de Paris, à transição energética, à promoção de pautas liberal-progressistas (ideologia de gênero, feminismo, abortismo, imigracionismo, etc.). O âmbito mais especificamente geopolítico também ajuda a evidenciar a influência do G7, como as constantes tentativas de interferir contra a Rússia na questão ucraniana, as intromissões na Líbia, na Síria, etc.

Mas apesar dessas ambições tão grandes a situação fática do G7 é, hoje, muito difícil. E as dificuldades vão de crises internas mais óbvias e imediatas e chegam até o próprio fato do crescimento estrondoso de outros países por fora do G7, bem como de estruturas alternativas, como os BRICS.

A desindustrialização e o envelhecimento populacional são dois fatores que afetam diretamente a capacidade de crescimento dos países do G7. Economias como a dos Estados Unidos, Reino Unido e Japão enfrentam desafios contínuos devido ao aumento dos custos trabalhistas, o que leva à terceirização da produção para países com custos mais baixos. Essa desindustrialização resultou em menos empregos de alta renda no setor manufatureiro, que tradicionalmente oferecia estabilidade econômica a grandes populações.

O envelhecimento populacional, por sua vez, apresenta um desafio duplo: uma população idosa crescente exige mais em termos de assistência médica e previdência social, enquanto uma população ativa menor reduz a base de contribuintes. No Japão, por exemplo, o envelhecimento é um dos mais acelerados do mundo, resultando em políticas que tentam encorajar o aumento da taxa de natalidade e da imigração. No entanto, as respostas têm sido insuficientes para conter o impacto econômico negativo da diminuição da força de trabalho.

Ao contrário, nos países do G7 o feminismo, o abortismo e a ideologia de gênero são mais fortes do que em quaisquer outras partes do mundo, o que certamente não contribuir para garantir relações familiares estáveis e uma boa taxa de natalidade.

Enquanto isso, com 3.2 bilhões de habitantes, os BRICS correspondem a mais de 40% da população mundial. O bloco também é responsável por ¼ dos bens e serviços produzidos no planeta, com um PIB conjunto de 24 trilhões de dólares. Quando levamos a questão ao âmbito industrial, os BRICS são responsáveis por 1/3 dos bens manufaturados e também 1/3 da produção agropecuária, com mais da metade do PIB agropecuário mundial sendo gerado pelos países dos BRICS. De fato, cada vez mais, os BRICS alimentarão o mundo.

No que concerne reservas de recursos planetários, estamos nos referindo, em conjunto, a 1/3 das reservas de água potável, 8% das reservas de petróleo, 27% das reservas de gás natural, 21% das reservas de urânio, 73% das reservas de terras raras, e ainda imensas reservas de ouro, prata, nióbio, lítio, ferro, vanádio, níquel, bauxita, tungstênio, cobre, etc.

Mas a economia não é o central. Também devemos destacar o âmbito militar, em que as Forças Armadas da China aceleram a sua modernização, especialmente sua Marinha. As Forças Armadas da Rússia, engajadas no maior conflito bélico desde a Segunda Guerra Mundial, estão aproveitando a oportunidade e a curva de aprendizado da realidade concreta para conhecer os aparatos militares ocidentais e desenvolver respostas adequadas a eles. Recordemos, ainda, que dos BRICS, três membros (Rússia, China e Índia) são potências nucleares. O Brasil e a África do Sul foram pressionados a abandonar seus programas nucleares militares na passagem da bipolaridade à unipolaridade, mas detêm ainda a tecnologia e o conhecimento técnico suficiente, aguardando apenas uma maior relativização do Tratado de Não Proliferação (ou governos suficientemente soberanistas e ousados), o que parece inevitável em uma era de conflitos e tensões.

O ponto onde vemos a maior fraqueza dos BRICS é no soft power. Nesse campo, as nações dos BRICS permanecem na defensiva, ainda que com modestas iniciativas e manifestações puramente espontâneas de soft power. Os BRICS não possuem nada que se compare à imensa, treinada e financiada rede de ONGs, fundações, institutos e laboratórios de ideias de que o Ocidente dispõe e que atua para manter suas próprias populações passivas e subverter os povos de outras civilizações. O braço do “McMundo”, com seu militantismo LGBTQ+ e outras pautas exóticas, é sentido mesmo no âmago dos países do bloco, com o Brasil sendo o mais frágil nesse âmbito e a China a mais resistente.

Não obstante, apesar de dificuldades e falhas, os BRICS representam possibilidades ascendentes, enquanto o G7 (e parceiros) apresentam a face da decadência: Da crise dos opioides nos EUA à substituição demográfica vista em alguns países europeus, muitos dos países do G7 dançam à beira do abismo. Todos eles veem seus sistemas políticos lançados em descrédito, com suas sociedades polarizadas e alternativas populistas e soberanistas representando ameaças com potencial revolucionário.

O grande problema nessa mudança no equilíbrio mundial é que na medida em que os países do G7 se veem incapazes de competir com os países dos BRICS por meio de processos políticos, econômicos e diplomáticos diretos e tradicionais, vemos o desenvolvimento de técnicas híbridas de guerra voltadas para a desestabilização (ou até mesmo a destruição) dos adversários.

Não se trata aí de algo recente, mas de processos que têm visto a sua intensificação ao longo dos últimos 15 anos.

Pensemos, por exemplo, no papel geopolítico da Primavera Árabe, a partir de 2011. Ela resultou em guerras civis na Líbia e na Síria e em várias mudanças de regime. Ao se desintegrar a Líbia e a Síria, o Ocidente conseguiu basicamente anular dois inimigos regionais (inimigos também de Israel), bem como deu um golpe importante contra a geopolítica russa, a qual depende de um Rimland arábico estável para garantir a própria segurança meridional.

Pouco depois, o Ocidente desestabilizava e implementava uma mudança de regime na Ucrânia, por temer as consequências da integração da Ucrânia na União Eurasiática junto com Rússia e Belarus. Essa desestabilização atendia à cartilha do geopolitólogo polaco-americano Zbigniew Brzezinski, a qual abarca um projeto de cerco e pressão à Rússia com o objetivo de impedir a sua recuperação de um status de grande potência – e, com sorte, até mesmo fragmentá-la.

“Fragmentação”, de fato, é uma ameaça permanente que parece estar no arsenal usado pelo Ocidente contra seus inimigos. Não casualmente, ameaças separatistas de diferentes graus de seriedade afetam todos os países dos BRICS, bem como vários outros que apesar de não pertencerem aos BRICS são também países contra-hegemônicos.

Basta recordarmos a propaganda subversiva, o financiamento e as ações de soft power ligados, por exemplo, ao Xinjiang e o Tibete, no que concerne a China, e recentemente em relação ao chamado “Calistão” na Índia, em um jogo de pressão e subversão protagonizado pelo Canadá.

O Irã, por sua vez, lida com ameaças separatistas desse tipo com os curdos e os balochis, de modo que além de ter que lidar com a ameaça de Israel e com periódicas revoluções coloridas, Teerã também enfrenta insurgências armadas que lançam mão de métodos terroristas.

Os padrões são tão repetitivos, que já se pode prever que qualquer país que queira se tornar um país soberano fora da tutela ocidental terá que lidar com uma sequência de tentativas de revolução colorida, golpe, separatismo e terrorismo.

A conclusão, portanto, é que o desafio à hegemonia ocidental é percebido nos termos de uma ameaça existencial, contra a qual pode-se lançar mão de todas as técnicas de subversão e desestabilização presentes no “manual”.

Nenhum desses esforços, porém, permitirá deter ou reverter a decadência do Ocidente nos próximos anos.

The views of individual contributors do not necessarily represent those of the Strategic Culture Foundation.

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