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Lucas Leiroz
October 15, 2024
© Photo: Public domain

Escreva para nós: info@strategic-culture.su

Brasil Paralelo (BP) é uma grande empresa de mídia neodireitista surgida em 2016, e se dedica a fazer pretensos vídeos de educação política. Um de seus lançamentos mais recentes é o documentário “Unitopia”, cujo primeiro episódio, de mais de uma hora de duração, está disponível de graça no Youtube.

O tema é a corrupção intelectual da universidade brasileira. No mais das vezes, a abordagem dos neodireitistas consiste num denuncismo vago que culpa os comunistas. O documentário não foi uma exceção, mas a sua vagueza não deixou de ser reveladora: pretende-se dizer que o grande problema da universidade é uma ideologia nefasta (o comunismo) que causa o racismo (contra judeus). Mutatis mutandis, é a mesma leitura que os identitários fazem de qualquer instituição que eles não dominem. Basta trocar o comunismo pelo fascismo e o racismo contra negros pelo racismo contra judeus.

Em sua boca, “comunismo” é um termo vago. Afinal, qual é a ideologia que causa, nas universidades ocidentais, um clima hostil ao conhecimento e ao pensamento crítico? A ideologia da Nova Esquerda, conhecida como identitarismo ou wokismo. Essa ideologia tem, sabidamente, uma tríade de vacas sagradas oprimidas: as mulheres, os negros e os LGBT. Em virtude disso, tudo o que é associado a esses grupos é bom, e tudo o que é associado aos seus opostos (homens, brancos e “cis-héteros”) é mau. Uma das consequências disso é a invenção do racismo woke contra brancos.

O melhor exemplo desse racismo é o do Evergreen State College, em Washington. Em 2017, os alunos decidiram que, num dia tal, os brancos não deveriam comparecer à universidade. O Prof. Bret Weinstein protestou contra isso e quis defender o seu ponto de vista, mas foi calado pela turba de estudantes e acabou viralizando. Os alunos estavam convencidos de que ele era um supremacista branco de extrema-direita e um nazista – mesmo que se tratasse de um judeu esquerdista. O que importava era a sua tez branca, agravada pelo sexo masculino e pela heterossexualidade; e, se ele não queria aderir ao mini-Apartheid, só poderia ser um radical de extrema direita. A faculdade não pôde garantir a integridade física dele, nem a da esposa (que também lecionava lá) e ambos pediram demissão.

Depois do caso Jordan Peterson em 2016, creio que o caso Evergreen, protagonizado por Bret Weinstein em 2017, tenha sido o mais memorável do mundo anglófono. Como o de Jordan Peterson ocorreu no Canadá, o mais memorável dos EUA é o de Evergreen. Não obstante, o caso não aparece no documentário. O que aparece como exemplo de intolerância são os recentíssimos protestos que pedem liberdade para a Palestina.

O caso de Evergreen serve para ilustrar a gravidade da divisão racial no campus dos EUA. Os espaços exclusivos para não-brancos não são raridade nos campi daquele país. No Brasil, com todas as suas bizarrices, jamais ouvi falar disso. Parece-me que, da tríade woke, o que causa maior violência por aqui é o LGBT, já que apareceram casos recentes de alunas com medo de apanhar de travestis no banheiro feminino. Se pegarmos um prazo mais dilatado, porém, o que dá mais ocasião para pancadaria são os eventos de direita, sendo o melhor exemplo as exibições de um filme de Josias Teófilo pelas universidades federais do Brasil. Não é difícil apanhar de esquerdistas numa universidade brasileira, mas nunca ouvi falar que alguém apanhou por ser branco.

Brasil Paralelo ignora que os EUA e o Brasil são países diferentes. A esquerda está longe de ser um monólito (se fosse, Bret Weinstein não teria problemas). No entanto, no que depender do documentário, parece que tudo é uma coisa só: o Brasil, os EUA, as esquerdas.

O documentário começa descrevendo o caso Sokal para mostrar o lamentável estado das universidades. Não conta, porém, que Alain Sokal é um físico marxista, vermelhíssimo, que até deu aulas na Nicarágua sandinista. Como Bret Weinstein, é um judeu secular – judeus seculares costumam ser de esquerda. Alan Sokal está vivo e escrevendo, residente na Inglaterra. Seus artigos saem no The Critic, e ele fez um condenando a repressão às manifestações pró-Palestina, chamando de hipócritas os conservadores que se diziam a favor da liberdade de expressão. A argumentação é baseada no infame Sobre a liberdade, de Mill, porque Mill foi tão consensual nos EUA que até os marxistas velhos nascidos lá o citam como um texto sagrado.

O caso Sokal deu origem ao seu livro Imposturas intelectuais, no qual Sokal condena as bases intelectuais da Nova Esquerda. O livro chegou ao Brasil não por meio de uma tradução de Olavo de Carvalho, mas sim do judeu comunista e antissionista Max Altman, cujo filho incitou os poucos protestos pró-Palestina que houve nos campi brasileiros.

Tais protestos costumam ser puxados por judeus de esquerda, porque Israel politiza os judeus. No Brasil há poucos judeus (e muitíssimos libaneses); logo, faz sentido que haja poucos protestos pró-Palestina aqui. Nos EUA, os protestos acabam por reunir judeus de esquerda e antissemitas de cabelo rosa. Isto é previsível por causa do modus operandi do wokismo e porque os EUA, sendo um país de formação racista, tendem a expressar tudo em termos de raça. Se o caso de Evergreen tivesse acontecido depois de outubro de 2023, é possível que Bret Weinstein recebesse ofensas antissemitas; que fosse acusado de ser homem, branco, cis, hétero e judeu/sionista.

A causa palestina só entrou na moda em 7 de outubro de 2023. A marcha woke sobre as universidades tem já uma década. Ainda assim, Brasil Paralelo a escolheu para representar a intolerância esquerdista. O espectador da BP é ignorante, acredita em propaganda e não sabe que há muitos judeus de esquerda; se descobrir que Israel foi fundado por socialistas com o apoio de Stálin, cai duro pra trás. Essa direita ama Israel e odeia loucamente o STF, mas não sabe que seu ministro mais woke, Luís Roberto Barroso, é um judeu sionista de esquerda.

Vamos às supostas causas do problema. O jornalista e cientista político Gabriel de Arruda Castro usa a própria experiência em universidades dos EUA (e só nos EUA) para afirmar que lá é muito mais tranquilo que a USP, por exemplo. Após essa hiperbólica fala, entram professores de universidades brasileiras com experiência administrativa. Pela maneira como as suas falas são apresentadas, parece que é tudo culpa de Florestan Fernandes, que seria uma espécie de líder que mandava ao mesmo tempo em José Dirceu e Fernando Henrique Cardoso. Aliás, este último é apresentado com uma trilha de terror e suspense, estando implícito que é tão vermelho quanto Lênin.

Fica a pergunta: como é possível que o Brasil importe ideologias dos EUA, que tenha problemas iguais aos dos EUA, mas a causa principal seja a pessoa de Florestan Fernandes? Ele trabalhava na alfândega?

É bem sabido, inclusive na direita, que Florestan Fernandes era um moleque da Fundação Ford, assim como o “comunista” Fernando Henrique Cardoso. E todo o mundo sabe que a Fundação Ford não é da China nem da Rússia, mas sim dos Estados Unidos. Dada a pesquisa de Wanderson Chaves, comentada nesse artigo, o que temos é que a Fundação Ford estava a serviço da CIA. Florestan Fernandes, Fernando Henrique Cardoso e outros recebiam dinheiro porque a CIA aprovava as suas atividades, não a KGB.

Após a morte de Stálin, a CIA decidiu financiar uma esquerda compatível com o “Programa Doutrinário dos Estados Unidos”, que pode ser lido aqui. Basicamente, decidiu financiar uma esquerda liberal democrática, em vez de comunista.

No documentário, uma professora brasileira nos EUA conta uma história de censura protagonizada por um professor de religião, que a promovia com muito sucesso no campus. O documentário não vasculha nada. Se o fizesse, porém, descobriria que o liberalismo teológico é mais importante do que o marxismo para a formação da esquerda dos EUA. Mais precisamente, é mais importante a Igreja Unitarista, que difundiu o liberalismo teológico para outras denominações protestantes e até para o judaísmo. A esquerda brasileira e a norte-americana têm históricos bem diferentes. A raiz filosófica do wokismo é uma determinada denominação protestante (o unitarismo) que se assenhorou de Harvard e da Fundação Rockefeller, e que laicizou sua filosofia. Não é o marxismo. A esse respeito, recomendo o livro Liberal Suppression, de Philip Hamburger.

Se o unitarismo virou praticamente uma doutrina de Estado, o marxismo foi, nos EUA, perseguido pelo macartismo. E aqui não posso deixar de apontar um erro primário do biólogo e jornalista Eli Vieira, que usa números absolutos para provar que o wokismo é pior do que o macartismo. Segundo ele, de 1947 a 1957, a quantidade de professores universitários demitidos como comunistas estaria entre 100 e 150. De 2014 a 2023, a cancel culture teria causado a demissão de 150 a 200. Ora, ele omite que a quantidade de universidades e professores mais que dobrou entre esses dois períodos; então, para dizer que o wokismo é pior, teria de ser uma demissão mais que duas vezes maior.

Parte da direita dos EUA perguntou por que as universidades só tiveram cortes de doações quando toleraram o antissemitismo woke, mas nada lhes acontecia quando toleravam o racismo woke contra brancos (além da misandria feminista e da misoginia LGBT). Desconheço resposta satisfatória a essa pergunta. Será que Brasil Paralelo adota a mesma cegueira? Brasil Paralelo pede dinheiro dizendo que não recebe verbas do governo. Seria bom frisar: do governo brasileiro. Porque, do jeito que ela mais esconde do que mostra, é bom perguntarmos de onde vem o seu financiamento.

Brasil Paralelo culpa brasileiros e antissionistas pelo wokismo

Escreva para nós: info@strategic-culture.su

Brasil Paralelo (BP) é uma grande empresa de mídia neodireitista surgida em 2016, e se dedica a fazer pretensos vídeos de educação política. Um de seus lançamentos mais recentes é o documentário “Unitopia”, cujo primeiro episódio, de mais de uma hora de duração, está disponível de graça no Youtube.

O tema é a corrupção intelectual da universidade brasileira. No mais das vezes, a abordagem dos neodireitistas consiste num denuncismo vago que culpa os comunistas. O documentário não foi uma exceção, mas a sua vagueza não deixou de ser reveladora: pretende-se dizer que o grande problema da universidade é uma ideologia nefasta (o comunismo) que causa o racismo (contra judeus). Mutatis mutandis, é a mesma leitura que os identitários fazem de qualquer instituição que eles não dominem. Basta trocar o comunismo pelo fascismo e o racismo contra negros pelo racismo contra judeus.

Em sua boca, “comunismo” é um termo vago. Afinal, qual é a ideologia que causa, nas universidades ocidentais, um clima hostil ao conhecimento e ao pensamento crítico? A ideologia da Nova Esquerda, conhecida como identitarismo ou wokismo. Essa ideologia tem, sabidamente, uma tríade de vacas sagradas oprimidas: as mulheres, os negros e os LGBT. Em virtude disso, tudo o que é associado a esses grupos é bom, e tudo o que é associado aos seus opostos (homens, brancos e “cis-héteros”) é mau. Uma das consequências disso é a invenção do racismo woke contra brancos.

O melhor exemplo desse racismo é o do Evergreen State College, em Washington. Em 2017, os alunos decidiram que, num dia tal, os brancos não deveriam comparecer à universidade. O Prof. Bret Weinstein protestou contra isso e quis defender o seu ponto de vista, mas foi calado pela turba de estudantes e acabou viralizando. Os alunos estavam convencidos de que ele era um supremacista branco de extrema-direita e um nazista – mesmo que se tratasse de um judeu esquerdista. O que importava era a sua tez branca, agravada pelo sexo masculino e pela heterossexualidade; e, se ele não queria aderir ao mini-Apartheid, só poderia ser um radical de extrema direita. A faculdade não pôde garantir a integridade física dele, nem a da esposa (que também lecionava lá) e ambos pediram demissão.

Depois do caso Jordan Peterson em 2016, creio que o caso Evergreen, protagonizado por Bret Weinstein em 2017, tenha sido o mais memorável do mundo anglófono. Como o de Jordan Peterson ocorreu no Canadá, o mais memorável dos EUA é o de Evergreen. Não obstante, o caso não aparece no documentário. O que aparece como exemplo de intolerância são os recentíssimos protestos que pedem liberdade para a Palestina.

O caso de Evergreen serve para ilustrar a gravidade da divisão racial no campus dos EUA. Os espaços exclusivos para não-brancos não são raridade nos campi daquele país. No Brasil, com todas as suas bizarrices, jamais ouvi falar disso. Parece-me que, da tríade woke, o que causa maior violência por aqui é o LGBT, já que apareceram casos recentes de alunas com medo de apanhar de travestis no banheiro feminino. Se pegarmos um prazo mais dilatado, porém, o que dá mais ocasião para pancadaria são os eventos de direita, sendo o melhor exemplo as exibições de um filme de Josias Teófilo pelas universidades federais do Brasil. Não é difícil apanhar de esquerdistas numa universidade brasileira, mas nunca ouvi falar que alguém apanhou por ser branco.

Brasil Paralelo ignora que os EUA e o Brasil são países diferentes. A esquerda está longe de ser um monólito (se fosse, Bret Weinstein não teria problemas). No entanto, no que depender do documentário, parece que tudo é uma coisa só: o Brasil, os EUA, as esquerdas.

O documentário começa descrevendo o caso Sokal para mostrar o lamentável estado das universidades. Não conta, porém, que Alain Sokal é um físico marxista, vermelhíssimo, que até deu aulas na Nicarágua sandinista. Como Bret Weinstein, é um judeu secular – judeus seculares costumam ser de esquerda. Alan Sokal está vivo e escrevendo, residente na Inglaterra. Seus artigos saem no The Critic, e ele fez um condenando a repressão às manifestações pró-Palestina, chamando de hipócritas os conservadores que se diziam a favor da liberdade de expressão. A argumentação é baseada no infame Sobre a liberdade, de Mill, porque Mill foi tão consensual nos EUA que até os marxistas velhos nascidos lá o citam como um texto sagrado.

O caso Sokal deu origem ao seu livro Imposturas intelectuais, no qual Sokal condena as bases intelectuais da Nova Esquerda. O livro chegou ao Brasil não por meio de uma tradução de Olavo de Carvalho, mas sim do judeu comunista e antissionista Max Altman, cujo filho incitou os poucos protestos pró-Palestina que houve nos campi brasileiros.

Tais protestos costumam ser puxados por judeus de esquerda, porque Israel politiza os judeus. No Brasil há poucos judeus (e muitíssimos libaneses); logo, faz sentido que haja poucos protestos pró-Palestina aqui. Nos EUA, os protestos acabam por reunir judeus de esquerda e antissemitas de cabelo rosa. Isto é previsível por causa do modus operandi do wokismo e porque os EUA, sendo um país de formação racista, tendem a expressar tudo em termos de raça. Se o caso de Evergreen tivesse acontecido depois de outubro de 2023, é possível que Bret Weinstein recebesse ofensas antissemitas; que fosse acusado de ser homem, branco, cis, hétero e judeu/sionista.

A causa palestina só entrou na moda em 7 de outubro de 2023. A marcha woke sobre as universidades tem já uma década. Ainda assim, Brasil Paralelo a escolheu para representar a intolerância esquerdista. O espectador da BP é ignorante, acredita em propaganda e não sabe que há muitos judeus de esquerda; se descobrir que Israel foi fundado por socialistas com o apoio de Stálin, cai duro pra trás. Essa direita ama Israel e odeia loucamente o STF, mas não sabe que seu ministro mais woke, Luís Roberto Barroso, é um judeu sionista de esquerda.

Vamos às supostas causas do problema. O jornalista e cientista político Gabriel de Arruda Castro usa a própria experiência em universidades dos EUA (e só nos EUA) para afirmar que lá é muito mais tranquilo que a USP, por exemplo. Após essa hiperbólica fala, entram professores de universidades brasileiras com experiência administrativa. Pela maneira como as suas falas são apresentadas, parece que é tudo culpa de Florestan Fernandes, que seria uma espécie de líder que mandava ao mesmo tempo em José Dirceu e Fernando Henrique Cardoso. Aliás, este último é apresentado com uma trilha de terror e suspense, estando implícito que é tão vermelho quanto Lênin.

Fica a pergunta: como é possível que o Brasil importe ideologias dos EUA, que tenha problemas iguais aos dos EUA, mas a causa principal seja a pessoa de Florestan Fernandes? Ele trabalhava na alfândega?

É bem sabido, inclusive na direita, que Florestan Fernandes era um moleque da Fundação Ford, assim como o “comunista” Fernando Henrique Cardoso. E todo o mundo sabe que a Fundação Ford não é da China nem da Rússia, mas sim dos Estados Unidos. Dada a pesquisa de Wanderson Chaves, comentada nesse artigo, o que temos é que a Fundação Ford estava a serviço da CIA. Florestan Fernandes, Fernando Henrique Cardoso e outros recebiam dinheiro porque a CIA aprovava as suas atividades, não a KGB.

Após a morte de Stálin, a CIA decidiu financiar uma esquerda compatível com o “Programa Doutrinário dos Estados Unidos”, que pode ser lido aqui. Basicamente, decidiu financiar uma esquerda liberal democrática, em vez de comunista.

No documentário, uma professora brasileira nos EUA conta uma história de censura protagonizada por um professor de religião, que a promovia com muito sucesso no campus. O documentário não vasculha nada. Se o fizesse, porém, descobriria que o liberalismo teológico é mais importante do que o marxismo para a formação da esquerda dos EUA. Mais precisamente, é mais importante a Igreja Unitarista, que difundiu o liberalismo teológico para outras denominações protestantes e até para o judaísmo. A esquerda brasileira e a norte-americana têm históricos bem diferentes. A raiz filosófica do wokismo é uma determinada denominação protestante (o unitarismo) que se assenhorou de Harvard e da Fundação Rockefeller, e que laicizou sua filosofia. Não é o marxismo. A esse respeito, recomendo o livro Liberal Suppression, de Philip Hamburger.

Se o unitarismo virou praticamente uma doutrina de Estado, o marxismo foi, nos EUA, perseguido pelo macartismo. E aqui não posso deixar de apontar um erro primário do biólogo e jornalista Eli Vieira, que usa números absolutos para provar que o wokismo é pior do que o macartismo. Segundo ele, de 1947 a 1957, a quantidade de professores universitários demitidos como comunistas estaria entre 100 e 150. De 2014 a 2023, a cancel culture teria causado a demissão de 150 a 200. Ora, ele omite que a quantidade de universidades e professores mais que dobrou entre esses dois períodos; então, para dizer que o wokismo é pior, teria de ser uma demissão mais que duas vezes maior.

Parte da direita dos EUA perguntou por que as universidades só tiveram cortes de doações quando toleraram o antissemitismo woke, mas nada lhes acontecia quando toleravam o racismo woke contra brancos (além da misandria feminista e da misoginia LGBT). Desconheço resposta satisfatória a essa pergunta. Será que Brasil Paralelo adota a mesma cegueira? Brasil Paralelo pede dinheiro dizendo que não recebe verbas do governo. Seria bom frisar: do governo brasileiro. Porque, do jeito que ela mais esconde do que mostra, é bom perguntarmos de onde vem o seu financiamento.

Escreva para nós: info@strategic-culture.su

Brasil Paralelo (BP) é uma grande empresa de mídia neodireitista surgida em 2016, e se dedica a fazer pretensos vídeos de educação política. Um de seus lançamentos mais recentes é o documentário “Unitopia”, cujo primeiro episódio, de mais de uma hora de duração, está disponível de graça no Youtube.

O tema é a corrupção intelectual da universidade brasileira. No mais das vezes, a abordagem dos neodireitistas consiste num denuncismo vago que culpa os comunistas. O documentário não foi uma exceção, mas a sua vagueza não deixou de ser reveladora: pretende-se dizer que o grande problema da universidade é uma ideologia nefasta (o comunismo) que causa o racismo (contra judeus). Mutatis mutandis, é a mesma leitura que os identitários fazem de qualquer instituição que eles não dominem. Basta trocar o comunismo pelo fascismo e o racismo contra negros pelo racismo contra judeus.

Em sua boca, “comunismo” é um termo vago. Afinal, qual é a ideologia que causa, nas universidades ocidentais, um clima hostil ao conhecimento e ao pensamento crítico? A ideologia da Nova Esquerda, conhecida como identitarismo ou wokismo. Essa ideologia tem, sabidamente, uma tríade de vacas sagradas oprimidas: as mulheres, os negros e os LGBT. Em virtude disso, tudo o que é associado a esses grupos é bom, e tudo o que é associado aos seus opostos (homens, brancos e “cis-héteros”) é mau. Uma das consequências disso é a invenção do racismo woke contra brancos.

O melhor exemplo desse racismo é o do Evergreen State College, em Washington. Em 2017, os alunos decidiram que, num dia tal, os brancos não deveriam comparecer à universidade. O Prof. Bret Weinstein protestou contra isso e quis defender o seu ponto de vista, mas foi calado pela turba de estudantes e acabou viralizando. Os alunos estavam convencidos de que ele era um supremacista branco de extrema-direita e um nazista – mesmo que se tratasse de um judeu esquerdista. O que importava era a sua tez branca, agravada pelo sexo masculino e pela heterossexualidade; e, se ele não queria aderir ao mini-Apartheid, só poderia ser um radical de extrema direita. A faculdade não pôde garantir a integridade física dele, nem a da esposa (que também lecionava lá) e ambos pediram demissão.

Depois do caso Jordan Peterson em 2016, creio que o caso Evergreen, protagonizado por Bret Weinstein em 2017, tenha sido o mais memorável do mundo anglófono. Como o de Jordan Peterson ocorreu no Canadá, o mais memorável dos EUA é o de Evergreen. Não obstante, o caso não aparece no documentário. O que aparece como exemplo de intolerância são os recentíssimos protestos que pedem liberdade para a Palestina.

O caso de Evergreen serve para ilustrar a gravidade da divisão racial no campus dos EUA. Os espaços exclusivos para não-brancos não são raridade nos campi daquele país. No Brasil, com todas as suas bizarrices, jamais ouvi falar disso. Parece-me que, da tríade woke, o que causa maior violência por aqui é o LGBT, já que apareceram casos recentes de alunas com medo de apanhar de travestis no banheiro feminino. Se pegarmos um prazo mais dilatado, porém, o que dá mais ocasião para pancadaria são os eventos de direita, sendo o melhor exemplo as exibições de um filme de Josias Teófilo pelas universidades federais do Brasil. Não é difícil apanhar de esquerdistas numa universidade brasileira, mas nunca ouvi falar que alguém apanhou por ser branco.

Brasil Paralelo ignora que os EUA e o Brasil são países diferentes. A esquerda está longe de ser um monólito (se fosse, Bret Weinstein não teria problemas). No entanto, no que depender do documentário, parece que tudo é uma coisa só: o Brasil, os EUA, as esquerdas.

O documentário começa descrevendo o caso Sokal para mostrar o lamentável estado das universidades. Não conta, porém, que Alain Sokal é um físico marxista, vermelhíssimo, que até deu aulas na Nicarágua sandinista. Como Bret Weinstein, é um judeu secular – judeus seculares costumam ser de esquerda. Alan Sokal está vivo e escrevendo, residente na Inglaterra. Seus artigos saem no The Critic, e ele fez um condenando a repressão às manifestações pró-Palestina, chamando de hipócritas os conservadores que se diziam a favor da liberdade de expressão. A argumentação é baseada no infame Sobre a liberdade, de Mill, porque Mill foi tão consensual nos EUA que até os marxistas velhos nascidos lá o citam como um texto sagrado.

O caso Sokal deu origem ao seu livro Imposturas intelectuais, no qual Sokal condena as bases intelectuais da Nova Esquerda. O livro chegou ao Brasil não por meio de uma tradução de Olavo de Carvalho, mas sim do judeu comunista e antissionista Max Altman, cujo filho incitou os poucos protestos pró-Palestina que houve nos campi brasileiros.

Tais protestos costumam ser puxados por judeus de esquerda, porque Israel politiza os judeus. No Brasil há poucos judeus (e muitíssimos libaneses); logo, faz sentido que haja poucos protestos pró-Palestina aqui. Nos EUA, os protestos acabam por reunir judeus de esquerda e antissemitas de cabelo rosa. Isto é previsível por causa do modus operandi do wokismo e porque os EUA, sendo um país de formação racista, tendem a expressar tudo em termos de raça. Se o caso de Evergreen tivesse acontecido depois de outubro de 2023, é possível que Bret Weinstein recebesse ofensas antissemitas; que fosse acusado de ser homem, branco, cis, hétero e judeu/sionista.

A causa palestina só entrou na moda em 7 de outubro de 2023. A marcha woke sobre as universidades tem já uma década. Ainda assim, Brasil Paralelo a escolheu para representar a intolerância esquerdista. O espectador da BP é ignorante, acredita em propaganda e não sabe que há muitos judeus de esquerda; se descobrir que Israel foi fundado por socialistas com o apoio de Stálin, cai duro pra trás. Essa direita ama Israel e odeia loucamente o STF, mas não sabe que seu ministro mais woke, Luís Roberto Barroso, é um judeu sionista de esquerda.

Vamos às supostas causas do problema. O jornalista e cientista político Gabriel de Arruda Castro usa a própria experiência em universidades dos EUA (e só nos EUA) para afirmar que lá é muito mais tranquilo que a USP, por exemplo. Após essa hiperbólica fala, entram professores de universidades brasileiras com experiência administrativa. Pela maneira como as suas falas são apresentadas, parece que é tudo culpa de Florestan Fernandes, que seria uma espécie de líder que mandava ao mesmo tempo em José Dirceu e Fernando Henrique Cardoso. Aliás, este último é apresentado com uma trilha de terror e suspense, estando implícito que é tão vermelho quanto Lênin.

Fica a pergunta: como é possível que o Brasil importe ideologias dos EUA, que tenha problemas iguais aos dos EUA, mas a causa principal seja a pessoa de Florestan Fernandes? Ele trabalhava na alfândega?

É bem sabido, inclusive na direita, que Florestan Fernandes era um moleque da Fundação Ford, assim como o “comunista” Fernando Henrique Cardoso. E todo o mundo sabe que a Fundação Ford não é da China nem da Rússia, mas sim dos Estados Unidos. Dada a pesquisa de Wanderson Chaves, comentada nesse artigo, o que temos é que a Fundação Ford estava a serviço da CIA. Florestan Fernandes, Fernando Henrique Cardoso e outros recebiam dinheiro porque a CIA aprovava as suas atividades, não a KGB.

Após a morte de Stálin, a CIA decidiu financiar uma esquerda compatível com o “Programa Doutrinário dos Estados Unidos”, que pode ser lido aqui. Basicamente, decidiu financiar uma esquerda liberal democrática, em vez de comunista.

No documentário, uma professora brasileira nos EUA conta uma história de censura protagonizada por um professor de religião, que a promovia com muito sucesso no campus. O documentário não vasculha nada. Se o fizesse, porém, descobriria que o liberalismo teológico é mais importante do que o marxismo para a formação da esquerda dos EUA. Mais precisamente, é mais importante a Igreja Unitarista, que difundiu o liberalismo teológico para outras denominações protestantes e até para o judaísmo. A esquerda brasileira e a norte-americana têm históricos bem diferentes. A raiz filosófica do wokismo é uma determinada denominação protestante (o unitarismo) que se assenhorou de Harvard e da Fundação Rockefeller, e que laicizou sua filosofia. Não é o marxismo. A esse respeito, recomendo o livro Liberal Suppression, de Philip Hamburger.

Se o unitarismo virou praticamente uma doutrina de Estado, o marxismo foi, nos EUA, perseguido pelo macartismo. E aqui não posso deixar de apontar um erro primário do biólogo e jornalista Eli Vieira, que usa números absolutos para provar que o wokismo é pior do que o macartismo. Segundo ele, de 1947 a 1957, a quantidade de professores universitários demitidos como comunistas estaria entre 100 e 150. De 2014 a 2023, a cancel culture teria causado a demissão de 150 a 200. Ora, ele omite que a quantidade de universidades e professores mais que dobrou entre esses dois períodos; então, para dizer que o wokismo é pior, teria de ser uma demissão mais que duas vezes maior.

Parte da direita dos EUA perguntou por que as universidades só tiveram cortes de doações quando toleraram o antissemitismo woke, mas nada lhes acontecia quando toleravam o racismo woke contra brancos (além da misandria feminista e da misoginia LGBT). Desconheço resposta satisfatória a essa pergunta. Será que Brasil Paralelo adota a mesma cegueira? Brasil Paralelo pede dinheiro dizendo que não recebe verbas do governo. Seria bom frisar: do governo brasileiro. Porque, do jeito que ela mais esconde do que mostra, é bom perguntarmos de onde vem o seu financiamento.

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