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As relações diplomáticas entre Brasil e Venezuela que já estavam tensionadas, por causa das diferentes expectativas das lideranças de ambos países, ficaram ainda mais abaladas nos últimos dias por causa do debate sobre o status da Embaixada da Argentina em Caracas.
Na prática, a crise se inicia em março de 2024 com a concessão de “asilo político” a 6 cidadãos venezuelanos investigados por crimes graves no terreno da embaixada argentina. Os cidadãos em questão, ligados à oposição venezuelana, seriam Pedro Urruchurtu, Humberto Villalobos, Claudia Macero, Omar González, Fernando Martínez e Magalli Meda.
O caso foi simplesmente tratado como um de “perseguição política”, tanto pelo governo argentino como por parte da maioria das mídias de massa do Ocidente (e de países alinhados), mas a situação é bem mais complexa. De fato, a esses cidadãos foram imputados diversos crimes contra a segurança nacional venezuelana pelo Procurador-Geral Tarek William Saab.
Em um sentido específico, mas resumido, Pedro Urruchurtu foi acusado de ser financiado pela ExxonMobil (e de ser seu lobista), bem como de “traição à pátria”, “associação criminosa”, “conspiração” e “legitimação de capitais”. Magalli Meda, Fernando Martínez, que foi um dos assessores do golpista Juan Guaidó, Omar González, Humberto Villalobos e Claudia Macero receberam acusações semelhantes.
Segundo informou Saab, após a prisão de Emil Brandt, coordenador do partido Vente Venezuela, também por acusações de conspiração, associação criminosa e outras, descobriu-se provas da existência de um plano de instrumentalização da violência, através de grêmios estudantis e sindicatos para desestabilizar a Venezuela, inclusive com ataques ao setor energético.
As autoridades venezuelanas apresentaram um vídeo do próprio Emil em que ele comenta sobre o plano, que estaria sendo financiado pela USAID (a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional). Com base nesse vídeo e em outras evidências coletadas que se pôde chegar no envolvimento dos outros personagens já citados. Tudo isso teria como um de seus objetivos principais o de forçar a validação da candidatura de Maria Corina Machado, inabilitada para concorrer a cargos políticos na Venezuela por decisão judicial, graças a sua participação ativa nos crimes cometidos por Juan Guaidó.
Haveria, ainda, um plano para a introdução no país de militares exilados, possivelmente armados no exterior para acrescentar uma dimensão paramilitar à desestabilização da Venezuela.
Todos os que receberam “asilo político” na Embaixada da Argentina em Caracas tinham algum grau de participação nesses eventos. Magalli Meda, por exemplo, era uma das dirigentes do plano. Fernando Martínez, por sua vez, estava encarregado de controlar a matriz comunicacional nacional e internacional durante as ações de desestabilização para manter todo o esquema bem integrado.
Vê-se, assim, que não se trata de meros “opositores políticos”.
A decisão de acolhê-los tampouco foi uma mera “decisão humanitária”, mas parte da estratégia de antagonismo direto assumida pelo novo governo argentino após a posse de Javier Milei. O novo governo argentino não se importa minimamente com o devido processo legal venezuelano, pretendendo impor a Caracas, primeiro, a participação de Maria Corina Machado, e depois, a vitória de Edmundo González.
Observe-se, por exemplo, o fato de que os personagens recebidos na embaixada são todos acusados de crimes que não são, necessariamente, crimes políticos. Mas o governo argentino nem mesmo solicitou o encaminhamento da investigação criminal dirigida contra eles para analisar as provas. Simplesmente considerou-os perseguidos políticos a priori.
A situação se agravou após as eleições, quando antes mesmo da divulgação de qualquer resultado, Javier Milei afirmou que se recusaria a aceitar qualquer resultado oficial e reconheceu a vitória de Edmundo González, convocando também os militares venezuelanos a darem um golpe. Essa foi a gota d’água nas relações diplomáticas entre Argentina e Venezuela.
Depois disso a Argentina retirou o seu pessoal diplomático e acusou a Venezuela de estar cercando o prédio da embaixada. Milei solicitou, então, que o Brasil assumisse a direção da Embaixada da Argentina. E isso foi feito, como costuma ser, com o beneplácito do governo venezuelano, e não unilateralmente.
Não obstante, segundo as autoridades venezuelanas, há provas de que os opositores resguardados na embaixada seguiram buscando coordenar atos de desestabilização e de terrorismo na Venezuela, inclusive para o fim de magnicídio do Presidente e da Vice-Presidente do país.
Nesse sentido é que, em setembro, a Venezuela revogou o beneplácito concedido ao Brasil para custodiar a embaixada argentina, o que chocou e causou revolta entre algumas autoridades brasileiras.
Pela perspectiva brasileira, essa decisão atrapalharia a busca pela estabilidade e pela harmonia no continente ibero-americano – uma das prioridades diplomáticas do Brasil. Não obstante, como apresentamos nos parágrafos anteriores, a partir do momento em que o local da embaixada argentina seguiu sendo usado pelos opositores para promover o caos e a instabilidade no país, restavam poucas alternativas para fazer cessar os atos criminosos.
De fato, pela legislação argentina que trata do tema do “asilo político”, bem como com base na jurisprudência, o território argentino não pode ser usado por asilados políticos para a prática de delitos contra o país de origem.
Não obstante essas circunstâncias, o Brasil insiste na permanência da custódia até que a embaixada seja transferida para outro país, perdurando, portanto, o impasse diplomático.
De um modo geral, pode-se dizer que a atuação dos EUA na América do Sul, seja de forma direta ou indireta, está provocando uma grave fragmentação política regional, que levará tempo para solucionar.