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Bruna Frascolla
August 17, 2024
© Photo: Public domain

Escreva para nós: info@strategic-culture.su

Como caracterizar o atual regime político brasileiro? Segundo os governistas, o Brasil é uma democracia que há pouco escapou de um golpe. Segundo a parte mais estridente da oposição, não há dúvidas de que o Brasil vive uma ditadura totalitária, que em nada deve à Alemanha Nazista. O pivô da questão são os vândalos do 8 de janeiro de 2023, data em que, num repeteco do assalto ao Capitólio nos EUA, uma multidão de manifestantes invadiu as sedes dos Três Poderes em Brasília.

Direita e esquerda têm razão para enxergar uma tentativa de golpe de Estado entre o outubro de 2022 e janeiro de 2023. À direita, temos basicamente um repeteco dos EUA mesmo: ninguém sabe aonde foi parar a segurança dos prédios, e boa parte da população não estava convencida da lisura do pleito. Se nos EUA havia a questão da votação pelos correios, no Brasil havia a sacralização das urnas eletrônicas. Antes, todos queriam o voto impresso, com urnas eletrônicas iguais às da Venezuela – o STF é quem não deixou. De repente, a demanda pelo voto impresso se tornou um símbolo de radicalismo de direita e ameaça à democracia. Desde sempre, a possibilidade de ambos os lados auditarem votos é elementar em qualquer coisa que queira parecer decente. A direita não pôde dizer um “a” sobre as urnas, sob pena de ir parar em algum inquérito kafkiano do STF e ganhar tornozeleira eletrônica.

Do lado esquerdo, tem-se que um desses direitistas de tornozeleira eletrônica tentou explodir um caminhão de querosene ao lado do aeroporto em Brasília na véspera do natal de 2024. Tentativa de refazer o atentado do Aeroporto de Guararapes em 1966, que justificou o endurecimento da ditadura no Brasil? Seria um pretexto para Bolsonaro ou o vice, Mourão, decretar estado de sítio e não passar a faixa? Não bastasse isso, as controvérsias nas eleições venezuelanas, bem como com a sinergia entre a oposição venezuelana e os bolsonaristas, tornam plausível a ideia de um golpe sendo articulado – sobretudo se levarmos em conta que o lendário pendrive de Eduardo Bolsonaro poderia ter algo como as falsas votações que a oposição venezuelana subiu num site estrangeiro.

É possível haver muita discussão interessante à medida que mais informações vão aparecendo. No entanto, o STF apresentou à sociedade como exemplar de golpista a Dona Fátima de Tubarão (uma cidade do interior de Santa Catarina). A idosa não fez jus aos seus cabelos brancos, participou da invasão e do vandalismo de 8 de janeiro, e viralizou nas redes se gabando de quebrar tudo e de defecar no local. Pois bem, o STF condenou essa senhora a 17 anos de prisão por abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado, deterioração do patrimônio tombado e associação criminosa armada. Venhamos e convenhamos, se uma velha sem prisão de ventre que invade o prédio para quebrar móveis e “fazer sujeira” é um instrumento capaz de dar um golpe de Estado e abolir o Estado Democrático de Direito, os exércitos e as agências de inteligência do mundo deveriam repensar os seus métodos e orçamento.

Assim, a confusão entre intenção ditatorial e ditadura real parece ter se espalhado do STF para a sociedade em geral. E as consequências disso são as limitações mais irrazoáveis à liberdade de expressão, já que a expressão de qualquer intenção antidemocrática pode pôr a democracia em risco.

***

O golpe temido pela esquerda com certeza não aconteceu. Mas e o temido pela direita? Em tese, o golpe seria eleitoral, mas as acusações de ditador recaem sobre o ministro do STF Alexandre de Moraes. No frigir dos ovos, embora a direita creia que a eleição de Lula foi um golpe, ela não crê que Lula seja um ditador. Lula é xingado de “amigo de ditadores”; Alexandre de Moraes, de “ditador”. Ora, se Bolsonaro seguisse governando, Alexandre de Moraes continuaria exatamente onde está.

Para complicar ainda mais a situação, o preso político símbolo da direita, Filipe Martins, acabou de sair da cadeia, embora proibido de usar as redes sociais e obrigado a usar tornozeleira eletrônica. Quem o prendeu? Alexandre de Moraes. Quem o soltou? Alexandre de Moraes. Por que ele soltou? A direita não sabe explicar. Um dos seus estridentes deputados, Marcel Van Hattem, não tem peias de chamar Alexandre de Moraes de torturador em suas redes sociais. Ora, se vivemos uma ditadura, não convém xingar nem acusar o ditador, sob pena de ir parar numa masmorra. A direita brasileira decididamente não age como quem vive sob uma ditadura.

A rigor, toda ditadura tem um ditador. No Brasil, não há clareza quanto a quem manda. Alexandre de Moraes se parece mais com um agente de repressão do que com um governante de fato. O governo Lula tampouco parece ser soberano – vide os ministérios loteados para as ONGs e embaixadas, como os de Marina Silva, Sônia Guajajara e Anielle Franco. Se a autoridade no Brasil tivesse uma face, isso seria já um avanço.

A direita só diz que vivemos numa ditadura porque usa os critérios liberais, que são maniqueístas e binários. Os liberais fazem um check-list de coisas que toda democracia tem que ter ou deixar de ter; e, se o regime falhar em algum item, é considerado ditadura. Assim, se no Brasil há restrições à liberdade de expressão e há violações ao devido processo legal, isso basta para a direita concluir que o Brasil, segundo os critérios liberais, é uma ditadura. Acontece, porém, que só regimes que não aderem apaixonadamente aos EUA e à OTAN passam por tal check-list, já que os liberais enchem a boca para falar que Israel é a única democracia do Oriente Médio…

No frigir dos ovos, quem quer que adote a definição liberal de democracia conseguirá considerar o seu país uma ditadura (pode-se, por exemplo, dizer que os EUA são uma ditadura por causa de Guantánamo). O problema é que isso deixa o cidadão de cérebro paralisado e mãos atadas. Afinal, se toda a análise se limita à caracterização binária, não há mais nada a dizer do Brasil além de que ele é uma ditadura. E, dada a constatação, o passo seguinte é clamar por intervenção do “Mundo Livre”, para que estrangeiros venham nos salvar enquanto esperamos sentados.

PS: Mal havia acabado de escrever este artigo, e o poder de Alexandre de Moraes finalmente foi enfrentado. Glenn Greenwald teve acesso a mais de 9 gigas de mensagens privadas do ministro em conversas de WhatsApp e publicou uma denúncia das arbitariedades no maior jornal do país. Há anos se sabia que o ministro cometia arbitrariedades publicamente (por exemplo, ser juiz e vítima num mesmo processo). Agora, de repente, o establishment se faz de escandalizado.

O Brasil é uma ditadura? Depende dos critérios e da arbitragem

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Como caracterizar o atual regime político brasileiro? Segundo os governistas, o Brasil é uma democracia que há pouco escapou de um golpe. Segundo a parte mais estridente da oposição, não há dúvidas de que o Brasil vive uma ditadura totalitária, que em nada deve à Alemanha Nazista. O pivô da questão são os vândalos do 8 de janeiro de 2023, data em que, num repeteco do assalto ao Capitólio nos EUA, uma multidão de manifestantes invadiu as sedes dos Três Poderes em Brasília.

Direita e esquerda têm razão para enxergar uma tentativa de golpe de Estado entre o outubro de 2022 e janeiro de 2023. À direita, temos basicamente um repeteco dos EUA mesmo: ninguém sabe aonde foi parar a segurança dos prédios, e boa parte da população não estava convencida da lisura do pleito. Se nos EUA havia a questão da votação pelos correios, no Brasil havia a sacralização das urnas eletrônicas. Antes, todos queriam o voto impresso, com urnas eletrônicas iguais às da Venezuela – o STF é quem não deixou. De repente, a demanda pelo voto impresso se tornou um símbolo de radicalismo de direita e ameaça à democracia. Desde sempre, a possibilidade de ambos os lados auditarem votos é elementar em qualquer coisa que queira parecer decente. A direita não pôde dizer um “a” sobre as urnas, sob pena de ir parar em algum inquérito kafkiano do STF e ganhar tornozeleira eletrônica.

Do lado esquerdo, tem-se que um desses direitistas de tornozeleira eletrônica tentou explodir um caminhão de querosene ao lado do aeroporto em Brasília na véspera do natal de 2024. Tentativa de refazer o atentado do Aeroporto de Guararapes em 1966, que justificou o endurecimento da ditadura no Brasil? Seria um pretexto para Bolsonaro ou o vice, Mourão, decretar estado de sítio e não passar a faixa? Não bastasse isso, as controvérsias nas eleições venezuelanas, bem como com a sinergia entre a oposição venezuelana e os bolsonaristas, tornam plausível a ideia de um golpe sendo articulado – sobretudo se levarmos em conta que o lendário pendrive de Eduardo Bolsonaro poderia ter algo como as falsas votações que a oposição venezuelana subiu num site estrangeiro.

É possível haver muita discussão interessante à medida que mais informações vão aparecendo. No entanto, o STF apresentou à sociedade como exemplar de golpista a Dona Fátima de Tubarão (uma cidade do interior de Santa Catarina). A idosa não fez jus aos seus cabelos brancos, participou da invasão e do vandalismo de 8 de janeiro, e viralizou nas redes se gabando de quebrar tudo e de defecar no local. Pois bem, o STF condenou essa senhora a 17 anos de prisão por abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado, deterioração do patrimônio tombado e associação criminosa armada. Venhamos e convenhamos, se uma velha sem prisão de ventre que invade o prédio para quebrar móveis e “fazer sujeira” é um instrumento capaz de dar um golpe de Estado e abolir o Estado Democrático de Direito, os exércitos e as agências de inteligência do mundo deveriam repensar os seus métodos e orçamento.

Assim, a confusão entre intenção ditatorial e ditadura real parece ter se espalhado do STF para a sociedade em geral. E as consequências disso são as limitações mais irrazoáveis à liberdade de expressão, já que a expressão de qualquer intenção antidemocrática pode pôr a democracia em risco.

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O golpe temido pela esquerda com certeza não aconteceu. Mas e o temido pela direita? Em tese, o golpe seria eleitoral, mas as acusações de ditador recaem sobre o ministro do STF Alexandre de Moraes. No frigir dos ovos, embora a direita creia que a eleição de Lula foi um golpe, ela não crê que Lula seja um ditador. Lula é xingado de “amigo de ditadores”; Alexandre de Moraes, de “ditador”. Ora, se Bolsonaro seguisse governando, Alexandre de Moraes continuaria exatamente onde está.

Para complicar ainda mais a situação, o preso político símbolo da direita, Filipe Martins, acabou de sair da cadeia, embora proibido de usar as redes sociais e obrigado a usar tornozeleira eletrônica. Quem o prendeu? Alexandre de Moraes. Quem o soltou? Alexandre de Moraes. Por que ele soltou? A direita não sabe explicar. Um dos seus estridentes deputados, Marcel Van Hattem, não tem peias de chamar Alexandre de Moraes de torturador em suas redes sociais. Ora, se vivemos uma ditadura, não convém xingar nem acusar o ditador, sob pena de ir parar numa masmorra. A direita brasileira decididamente não age como quem vive sob uma ditadura.

A rigor, toda ditadura tem um ditador. No Brasil, não há clareza quanto a quem manda. Alexandre de Moraes se parece mais com um agente de repressão do que com um governante de fato. O governo Lula tampouco parece ser soberano – vide os ministérios loteados para as ONGs e embaixadas, como os de Marina Silva, Sônia Guajajara e Anielle Franco. Se a autoridade no Brasil tivesse uma face, isso seria já um avanço.

A direita só diz que vivemos numa ditadura porque usa os critérios liberais, que são maniqueístas e binários. Os liberais fazem um check-list de coisas que toda democracia tem que ter ou deixar de ter; e, se o regime falhar em algum item, é considerado ditadura. Assim, se no Brasil há restrições à liberdade de expressão e há violações ao devido processo legal, isso basta para a direita concluir que o Brasil, segundo os critérios liberais, é uma ditadura. Acontece, porém, que só regimes que não aderem apaixonadamente aos EUA e à OTAN passam por tal check-list, já que os liberais enchem a boca para falar que Israel é a única democracia do Oriente Médio…

No frigir dos ovos, quem quer que adote a definição liberal de democracia conseguirá considerar o seu país uma ditadura (pode-se, por exemplo, dizer que os EUA são uma ditadura por causa de Guantánamo). O problema é que isso deixa o cidadão de cérebro paralisado e mãos atadas. Afinal, se toda a análise se limita à caracterização binária, não há mais nada a dizer do Brasil além de que ele é uma ditadura. E, dada a constatação, o passo seguinte é clamar por intervenção do “Mundo Livre”, para que estrangeiros venham nos salvar enquanto esperamos sentados.

PS: Mal havia acabado de escrever este artigo, e o poder de Alexandre de Moraes finalmente foi enfrentado. Glenn Greenwald teve acesso a mais de 9 gigas de mensagens privadas do ministro em conversas de WhatsApp e publicou uma denúncia das arbitariedades no maior jornal do país. Há anos se sabia que o ministro cometia arbitrariedades publicamente (por exemplo, ser juiz e vítima num mesmo processo). Agora, de repente, o establishment se faz de escandalizado.

Escreva para nós: info@strategic-culture.su

Como caracterizar o atual regime político brasileiro? Segundo os governistas, o Brasil é uma democracia que há pouco escapou de um golpe. Segundo a parte mais estridente da oposição, não há dúvidas de que o Brasil vive uma ditadura totalitária, que em nada deve à Alemanha Nazista. O pivô da questão são os vândalos do 8 de janeiro de 2023, data em que, num repeteco do assalto ao Capitólio nos EUA, uma multidão de manifestantes invadiu as sedes dos Três Poderes em Brasília.

Direita e esquerda têm razão para enxergar uma tentativa de golpe de Estado entre o outubro de 2022 e janeiro de 2023. À direita, temos basicamente um repeteco dos EUA mesmo: ninguém sabe aonde foi parar a segurança dos prédios, e boa parte da população não estava convencida da lisura do pleito. Se nos EUA havia a questão da votação pelos correios, no Brasil havia a sacralização das urnas eletrônicas. Antes, todos queriam o voto impresso, com urnas eletrônicas iguais às da Venezuela – o STF é quem não deixou. De repente, a demanda pelo voto impresso se tornou um símbolo de radicalismo de direita e ameaça à democracia. Desde sempre, a possibilidade de ambos os lados auditarem votos é elementar em qualquer coisa que queira parecer decente. A direita não pôde dizer um “a” sobre as urnas, sob pena de ir parar em algum inquérito kafkiano do STF e ganhar tornozeleira eletrônica.

Do lado esquerdo, tem-se que um desses direitistas de tornozeleira eletrônica tentou explodir um caminhão de querosene ao lado do aeroporto em Brasília na véspera do natal de 2024. Tentativa de refazer o atentado do Aeroporto de Guararapes em 1966, que justificou o endurecimento da ditadura no Brasil? Seria um pretexto para Bolsonaro ou o vice, Mourão, decretar estado de sítio e não passar a faixa? Não bastasse isso, as controvérsias nas eleições venezuelanas, bem como com a sinergia entre a oposição venezuelana e os bolsonaristas, tornam plausível a ideia de um golpe sendo articulado – sobretudo se levarmos em conta que o lendário pendrive de Eduardo Bolsonaro poderia ter algo como as falsas votações que a oposição venezuelana subiu num site estrangeiro.

É possível haver muita discussão interessante à medida que mais informações vão aparecendo. No entanto, o STF apresentou à sociedade como exemplar de golpista a Dona Fátima de Tubarão (uma cidade do interior de Santa Catarina). A idosa não fez jus aos seus cabelos brancos, participou da invasão e do vandalismo de 8 de janeiro, e viralizou nas redes se gabando de quebrar tudo e de defecar no local. Pois bem, o STF condenou essa senhora a 17 anos de prisão por abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado, deterioração do patrimônio tombado e associação criminosa armada. Venhamos e convenhamos, se uma velha sem prisão de ventre que invade o prédio para quebrar móveis e “fazer sujeira” é um instrumento capaz de dar um golpe de Estado e abolir o Estado Democrático de Direito, os exércitos e as agências de inteligência do mundo deveriam repensar os seus métodos e orçamento.

Assim, a confusão entre intenção ditatorial e ditadura real parece ter se espalhado do STF para a sociedade em geral. E as consequências disso são as limitações mais irrazoáveis à liberdade de expressão, já que a expressão de qualquer intenção antidemocrática pode pôr a democracia em risco.

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O golpe temido pela esquerda com certeza não aconteceu. Mas e o temido pela direita? Em tese, o golpe seria eleitoral, mas as acusações de ditador recaem sobre o ministro do STF Alexandre de Moraes. No frigir dos ovos, embora a direita creia que a eleição de Lula foi um golpe, ela não crê que Lula seja um ditador. Lula é xingado de “amigo de ditadores”; Alexandre de Moraes, de “ditador”. Ora, se Bolsonaro seguisse governando, Alexandre de Moraes continuaria exatamente onde está.

Para complicar ainda mais a situação, o preso político símbolo da direita, Filipe Martins, acabou de sair da cadeia, embora proibido de usar as redes sociais e obrigado a usar tornozeleira eletrônica. Quem o prendeu? Alexandre de Moraes. Quem o soltou? Alexandre de Moraes. Por que ele soltou? A direita não sabe explicar. Um dos seus estridentes deputados, Marcel Van Hattem, não tem peias de chamar Alexandre de Moraes de torturador em suas redes sociais. Ora, se vivemos uma ditadura, não convém xingar nem acusar o ditador, sob pena de ir parar numa masmorra. A direita brasileira decididamente não age como quem vive sob uma ditadura.

A rigor, toda ditadura tem um ditador. No Brasil, não há clareza quanto a quem manda. Alexandre de Moraes se parece mais com um agente de repressão do que com um governante de fato. O governo Lula tampouco parece ser soberano – vide os ministérios loteados para as ONGs e embaixadas, como os de Marina Silva, Sônia Guajajara e Anielle Franco. Se a autoridade no Brasil tivesse uma face, isso seria já um avanço.

A direita só diz que vivemos numa ditadura porque usa os critérios liberais, que são maniqueístas e binários. Os liberais fazem um check-list de coisas que toda democracia tem que ter ou deixar de ter; e, se o regime falhar em algum item, é considerado ditadura. Assim, se no Brasil há restrições à liberdade de expressão e há violações ao devido processo legal, isso basta para a direita concluir que o Brasil, segundo os critérios liberais, é uma ditadura. Acontece, porém, que só regimes que não aderem apaixonadamente aos EUA e à OTAN passam por tal check-list, já que os liberais enchem a boca para falar que Israel é a única democracia do Oriente Médio…

No frigir dos ovos, quem quer que adote a definição liberal de democracia conseguirá considerar o seu país uma ditadura (pode-se, por exemplo, dizer que os EUA são uma ditadura por causa de Guantánamo). O problema é que isso deixa o cidadão de cérebro paralisado e mãos atadas. Afinal, se toda a análise se limita à caracterização binária, não há mais nada a dizer do Brasil além de que ele é uma ditadura. E, dada a constatação, o passo seguinte é clamar por intervenção do “Mundo Livre”, para que estrangeiros venham nos salvar enquanto esperamos sentados.

PS: Mal havia acabado de escrever este artigo, e o poder de Alexandre de Moraes finalmente foi enfrentado. Glenn Greenwald teve acesso a mais de 9 gigas de mensagens privadas do ministro em conversas de WhatsApp e publicou uma denúncia das arbitariedades no maior jornal do país. Há anos se sabia que o ministro cometia arbitrariedades publicamente (por exemplo, ser juiz e vítima num mesmo processo). Agora, de repente, o establishment se faz de escandalizado.

The views of individual contributors do not necessarily represent those of the Strategic Culture Foundation.

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