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Quando parte dos legisladores brasileiros tomou a iniciativa simples e urgente de equiparar aborto tardio a homicídio, os lulistas devem ter ficado aliviados, porque isso lhes deu uma bela desculpa para abandonar prematuramente o espinhoso assunto da greve dos professores, bem como das catastróficas palavras e ações de Lula relativas ao assunto. Agora os lulistas poderão voltar a cantilena habitual, segundo a qual o legislativo é muito mau e só por isso Lula governa para a direita neoliberal. Se dependesse da vontade de Lula, os professores estariam milionários e o Brasil teria passado Pequim em matéria de avanço científico!
Eu não acredito nisso. Lula e Dilma fizeram o possível e o impossível para destruir a universidade pública brasileira, o que é o mesmo que dizer, simplesmente, que fizeram o possível e o impossível para destruir a produção brasileira de conhecimento.
Um breve histórico
Até os anos 1960, podemos dizer que o Brasil estava muito atrás dos seus vizinhos hispânicos no que concerne à institucionalização do conhecimento. Enquanto a Espanha abriu universidades na América já no século XVI, Portugal fez questão de concentrar a formação superior em Coimbra. Não é que a gente do Brasil não pudesse se diplomar; o que acontecia é que elas iam para Coimbra. Tampouco significa que o Brasil fosse um deserto institucional: havia pelo país colégios jesuíticos de boa qualidade. O da Bahia mesmo formou Antônio Vieira, que chegou no Brasil criança, e seu contemporâneo Gregório de Mattos representou os baianos numa tentativa frustrada de transformar o Colégio numa instituição de ensino superior ainda no s. XVII (veja-se a “Re-visão biográfica”, 1983, de Fernando Peres). Só quando a Corte veio para o Brasil, em 1808, o antigo prédio do Colégio (abandonado com a expulsão dos jesuítas) se tornou a primeira faculdade do Brasil, a Faculdade de Medicina na Bahia. São Paulo e Recife teriam pouco depois, cada qual, a sua Faculdade de Direito.
Ainda assim, seria necessário esperar pelo século XX para que o Brasil finalmente tivesse universidades. No Império, floresceram as associações literárias, os institutos humanísticos e as escolas politécnicas. Ao que parece, D. Pedro II considerou as universidades instituições medievais e preferiu que o Brasil seguisse o modelo napoleônico.
É em 1951, com o impulso de Anísio Teixeira, que o Brasil cria seus órgãos estatais de fomento à pesquisa: o CNPq, para pesquisa, e a CAPES, para a pós-graduação. Anísio Teixeira era um grande admirador das universidades dos EUA, e tinha a intenção não só de criar a universidade (a partir das faculdades pré-existentes) e a pós-graduação no Brasil, coisas que ele chegou a fazer, como acabar com o sistema de cátedras e para implementar o de departamentos. Quem fez essa mudança foram os militares, que deram um golpe de Estado em 1964 e governaram até 1985. Eles de fato levaram a pesquisa muito a sério: criaram universidades pelo Brasil, abriram programas de pós, deram dinheiro para a pesquisa e, fora da seara universitária, não podemos deixar de mencionar a criação da Embrapa, cuja tecnologia permitiu que o Brasil cultivasse o Centro-Oeste e se tornasse uma potência em produção de grãos. Sem sombra de dúvidas, o regime militar foi muito bom para a produção de ciência no Brasil. O nosso país se tornou, então, o maior produtor de ciência e tecnologia da América do Sul.
Desde o regime militar, a universidade brasileira (enquanto produtora de conhecimento) é praticamente a universidade pública federal, mais as estaduais paulistas (vale lembrar que os militares criaram a Unicamp). A pesquisa é tocada pelas federais é financiada pela CAPES e CNPq. Os alunos estudam de graça e é muito difícil dar dinheiro à pesquisa pública – exceto, infelizmente, se você for a Fundação Ford.
Depois do regime militar veio a Nova República. Nela, FHC, o presidente neoliberal que chegou a fazer uma apologia das ONGs estrangeiras chamando-as de “organizações neo-governamentais”, cortou as verbas das universidades e foi universalmente odiado pela esquerda por isso. Ele era acusado, com razão de sucatear a universidade. E depois, com Lula, veio o PT.
O PT
O PT também sucateou a universidade pública. Em vez de simplesmente cortar os gastos, porém, ele cortou os gastos per capita ao tempo que aumentou muito os gastos públicos – tudo isso enquanto baixava o nível do alunado, e ainda entregou o dinheiro da pesquisa brasileira às universidades públicas e privadas do primeiro mundo.
Em 2007, já no segundo governo Lula, o Ministro da Educação Fernando Haddad (o mesmo que hoje é Ministro da Fazenda e quer cumprir metas fiscais subindo impostos) criou o REUNI, um plano de reestruturação que visava a aumentar o número de alunos por professor, ampliar a oferta de vagas por meio da abertura de cursos e universidades, além de ampliar as políticas de “inclusão”. Chamava a atenção, também, a introdução de um ideário woke, pois a universidade modernizada deveria visar à “construção de novos saberes e de vivência de outras culturas, de valorização e de respeito ao diferente”.
Como sempre esteve evidente que a expansão implicaria a redução relativa dos gastos com a universidade – noutras palavras, como estava claro que a expansão se daria pari passu com o sucateamento –, houve muita resistência das universidades federais em aderir ao REUNI. Mas havia um problema: a adesão ao REUNI era condição necessária para as federais finalmente receberem mais verbas, em vez de se manterem congeladas frente a inflação. O resultado foi que todas as federais acabaram aderindo ao REUNI.
No entanto, o maior atentado contra a universidade foi a implementação de cotas de 50%. Antes do REUNI, cada universidade fazia seu exame vestibular e selecionava, sem ver os candidatos nem saber de suas origens sociais, aqueles que tivessem as melhores notas. Com o REUNI, os vestibulares foram substituídos pelo ENEM, uma imitação do SAT estadunidense. Foram criadas também cotas raciais, de renda e para alunos egressos da escola pública (que desde o regime militar têm a reputação de serem piores do que as privadas). Diferentemente dos EUA, ninguém é considerado branco ou negro (nem pobre, nem egresso de escolas públicas) durante as provas. Somente se o candidato não conseguir atingir a nota mínima para entrar pela concorrência ampla, ele reivindica usar as suas condições para entrar por cotas – e, se escolher usar o critério racial, passará por uma banca que irá examiná-lo para decidir se ele é negro ou não. (Não cabe nos alongarmos aqui, mas vale esclarecer que o Brasil é um país de mestiços que conta também com muito sangue ameríndio, mas a burocracia decidiu que os pardos, ou seja, os que não são brancos nem negros, devem ser contados como negros. Aí o tribunal racial usa a ambiguidade para fazer o que quiser.)
Todo professor sabe que o nível do alunado é fundamental para determinar o nível da qualidade da aula. Assim, o que as cotas fizeram foi baixar artificialmente a qualidade do alunado brasileiro das melhores universidades brasileiras, que são públicas e gratuitas. Alunos negros e pobres que tiram notas boas não contam como “inclusão”. A única “inclusão” que as quotas criaram foi a dos alunos com notas ruins.
Mas isso não é tudo. O maior crime contra a pesquisa brasileira foi cometido por Dilma Rousseff, e atende pelo nome de Ciência Sem Fronteiras, embora tenha sido apelidado como Turismo Sem Fronteiras. Nele, os Ministérios da Educação e da Ciência e Tecnologia usaram dinheiro da CAPES e do CNPq para financiar a ida de graduandos para universidades estrangeiras públicas e privadas, pagando mensalidades em Harvard etc. Não raro, os alunos nem sequer sabiam falar idioma estrangeiro. Alguns estudantes beneficiados criaram o Samba Rousseff, grupo de samba que rodou a Europa. O custo do programa foi bilionário.
Pois bem: agora os professores estão em greve, e o que Lula oferece à categoria é um PAC, ou Programa de Aceleração do Crescimento, voltado às universidades federais. O crescimento, outra vez, será via expansão, aumentando ainda mais o sucateamento, sem dar nada aos professores. Naturalmente, quando não há aumentos para compensar a inflação, o salário do professor, na prática, diminui. O que o PT tem contra a universidade brasileira?