Português
Raphael Machado
May 14, 2024
© Photo: Public domain

Os indícios apontam para uma operação de subversão híbrida cuja finalidade é “suavizar” a América Latina para a geopolítica anglo-sionista.

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Cristãos antissionistas nos EUA receberam, espantados, a notícia de que a Câmara dos Representantes dos EUA estaria votando um projeto que consagraria como definição de “antissemitismo” aquela oferecida pela Aliança Internacional de Memória do Holocausto.

O espanto é causado pelo fato de que em meio à enorme lista de críticas que o lóbi em questão considera expressão prática de antissemitismo, para além de um punhado que não passam de críticas políticas corriqueiras, encontra-se também a atribuição do assassinato de Jesus Cristo aos judeus.

O problema é que na Bíblia Sagrada encontra-se pelo menos 22 passagens em que se responsabiliza os judeus pela crucificação. Para muitos cristãos, isso equivale a uma proibição da Bíblia e, portanto, a uma perseguição ao Cristianismo, já que a Bíblia é um dos elementos centrais da religião como “palavra de Deus” e ela constitui uma “totalidade”. A tradução e interpretação correta da Bíblia tem a sua relevância teológica por causa das suas consequências.

O tema não é sem controvérsias históricas, porém. Essa questão jaz no âmago de conflitos entre fariseus e cristãos que datam ainda do período imperial romano, quando os cristãos não eram mais que uma “seita herética” da religião hebreia do Segundo Templo de Jerusalém. Para muitos judeus, versos como esses e a teologia fundada neles estaria na base do “antissemitismo religioso” típico do Medievo. Poder-se-ia retrucar, porém, que não obstante discordâncias ou incômodos, esses versos e suas interpretações são respaldadas por direitos básicos de liberdade religiosa, de pensamento e de expressão.

Não fazemos menção a essa questão por acaso, porém. É que o governador do estado do Rio de Janeiro, no Brasil, assinou um acordo formal de adesão à definição de “antissemitismo” propagada pela mesma ONG sionista, a Aliança Internacional para a Memória do Holocausto, o mesmo tendo sido feito, também, pelo governo do estado de São Paulo.

Se nos últimos anos quem tem se destacado (negativamente) no Brasil pela defesa da perseguição criminal contra quem comete “crime de pensamento” (especialmente contra as vacas sagradas do chamado “wokismo”) tem sido a esquerda, chama a atenção precisamente o fato de que essas normativas, que implicam virtualmente em uma censura ao Cristianismo, foram assinadas por representantes de uma direita que se considera “cristã” e “conservadora”.

E ao contrário dos EUA, onde pelo menos parece haver certo grau de indignação por parte de alguns jornalistas e influenciadores importantes, no Brasil isso foi recebido com silêncio, exceto por alguns pequenos grupos católicos e por antissionistas de orientação mais “tradicionalista”.

Agora, bem, tem sido um elemento central do estudo da influência do sionismo nas Américas buscar refletir sobre o papel do “sionismo cristão”, ou seja, a poderosa fração cristã evangélica que acredita ter o dever de defender o moderno Estado de Israel por razões supostamente proféticas. Os sionistas cristãos seriam aí o elemento intermediário, de ligação entre uma pequena elite sionista e as instituições estadunidenses. A elite sionista, judaica, constituiria aí um elemento “estratégico” do lóbi sionista, enquanto as lideranças cristãs sionistas constituiriam o elemento “tático” desse lóbi.

Seria um erro, porém, acha que isso diz respeito apenas aos EUA. Ao contrário, mudanças recentes na política externa brasileira só podem ser explicadas pelo estudo do crescimento do “sionismo cristão” no Brasil.

Isso nos força a comentar sobre uma dimensão do Brasil atual que usualmente parece desconhecida para a maioria dos analistas estrangeiros, que ainda pensam o Brasil fundamentalmente como um país mais ou menos “socialista católico”. Não é que a Catolicidade não deve mais ser pensada como estando ligada à essência da identidade brasileira, mas que a realidade é que ao longo do século XX e especialmente no fim daquele século e início do século XXI, o Brasil passou por um processo de modificação radical em sua estrutura religiosa, com o Catolicismo sendo gradualmente substituído pelo Protestantismo evangélico neopentecostal.

Para que se tenha noção do impacto, em 1980 os evangélicos eram 6.6% da população, enquanto hoje são 22%. Se nos anos 60 havia 100 templos evangélicos no Brasil, hoje são mais de 60 mil.

Naturalmente, Protestantismo não é, necessariamente, sinônimo de sionismo — apesar de devermos também atentar para os vínculos indicados entre Protestantismo e Judaísmo já por Max Weber — mas especificamente no Brasil os vínculos são profundos por causa da forma como o protestantismo evangélico chegou ao Brasil e pelas influências que sofreu.

Para entender isso é necessário atentar que aquilo que aproxima os evangélicos neopentecostais do sionismo é uma postura teológica chamada “dispensacionalismo”, a qual, entre outras coisas, nega que a “Igreja” tenha suplantado a Israel do Velho Testamento e, portanto, absorvido o seu papel histórico-profético. Assim, onde o Velho Testamento narra alguma profecia sobre “Israel”, enquanto católicos, ortodoxos, luteranos, anglicanos e boa parte dos calvinistas tradicionais entende “a Igreja”, os evangélicos neopentecostais insistem que só se pode estar falando aí do Estado de Israel e/ou dos judeus.

Isso acaba tendo implicações geopolíticas sérias quando se reflete sobre passagens bíblicas que, por exemplo, narram sobre quais territórios levantinos deveriam ser ocupados por Israel, ou que ditam como Israel deve lidar com seus inimigos, ou sobre os “filhos de Ismael” (associados aos árabes, no específico, e aos muçulmanos em geral).

No Brasil, por causa de sua tradição fundamentalmente católica, todas as formas de protestantismo foram mantidas à distância pelo poder central, com a guerra contra os holandeses no século XVII assumindo verdadeiramente caráter de guerra religiosa. Assim, o século XIX viu exígua presença de luteranos no Brasil, quase sempre colonos alemães, com a maioria dos outros esforços missionários protestantes fracassando.

O protestantismo, quando chega com força no Brasil, no início do século XX, é já um protestantismo evangélico pentecostal já em vias de receber o dispensacionalismo, tendo sido bastante influenciado pela chamada Bíblia de Scofield, uma tradução anotada de 1909, extremamente controversa por seu literalismo. Essa tradução deve o seu nome ao seu autor, Cyrus Scofield, um homem sem qualquer formação em teologia e que, segundo vários biógrafos, teve sua carreira de tradutor e escritor financiada por Samuel Untermeyer, presidente do Keren Heyesod, principal instituição sionista nos EUA à época.

O protestantismo evangélico neopentecostal que só aparece no Brasil no início do século XX já era, portanto, uma espécie de espaço propenso à instrumentalização pelo sionismo político.

Esse potencial permanece, porém, essencialmente dormente até o auge da Guerra Fria nos anos 60. Nessa época, segundo autores como Delcio Monteiro de Lima, o Departamento de Estado dos EUA incluía a dimensão religiosa em suas análises de risco de países latino-americanos “cederem” à “ameaça comunista”. Essa é a época dos “golpes preventivos” no continente, por meio dos quais os EUA pretendiam assegurar as Américas como seu “quintal” e impedir a difusão da experiência nacional-revolucionária cubana, e que conduziu, por exemplo, ao golpe de 1964 no Brasil.

Segundo o Departamento de Estado dos EUA, o Cristianismo latino-americano não constituía barreira suficientemente forte contra o avanço do “comunismo” (ou de qualquer projeto soberanista antiliberal), por causa do compromisso social de muitos padres católicos de base que buscavam vivar na prática o credo apostólico e levavam a sério as bulas papais antiliberais, como a Rerum Novarum e a Quadragesimo Anno. E isso antes ainda do surgimento da Teologia da Libertação.

Mesmo os protestantismos tradicionais presentes na América Latina despertavam desconfiança no Departamento de Estado dos EUA, especialmente os luteranos, que desempenharam em alguns lugares do Brasil um papel relevante na defesa da reforma agrária.

Nos anos 80, porém, já era notável para os bispos católicos brasileiros que ventos de mudança se erguiam no horizonte. Um documento redigido em 1984 pelo Conselho Episcopal Latino-Americano, abordando os desafios da Igreja Católica na América Latina, aponta para o crescimento de “seitas fundamentalistas” no continente — seitas com tendências políticas marcadamente direitistas, e associa esse fenômeno a um trabalho intencional do Presidente dos EUA Ronald Reagan de impulsionar atividades missionárias na América Latina.

A análise dos bispos católicos parece dar conta de um processo que remonta, no mínimo, em sua dimensão formal, ao ensaio de 1969 do político estadunidense Nelson Rockefeller que trata da Igreja Católica (especialmente na América Latina) como inimiga e recomenda impulsionar a atividade missionária protestante, o que é reiterado em 1980, no chamado “Documento de Santa Fé”, produzido pelo “Conselho para a Segurança Interamericana”, laboratório de ideias ligado à antiga “Liga Anticomunista Mundial” (hoje “Liga Mundial pela Liberdade e a Democracia”, com sede em Taiwan).

De fato, os números do crescimento evangélico apontam para uma aceleração nessa época. Se em 1960, os evangélicos brasileiros eram 4%, em 1970 eram 5%, em 1980, como já dito, eram 6.6%, em 1990 já era de 9%, em 2000 eram 15%, em 2010 22% e em 2022, data do último censo, aparecem como 28% da população brasileira. As cifras entre 1980 e 2010, particularmente, apontam para um crescimento vertiginoso na população evangélica neopentecostal que não tem como se dever a diferentes taxas de natalidade, devendo-se, de fato à atividade missionária.

Agora, ao longo da maior parte desse período, Israel se fez presente entre os evangélicos brasileiros apenas como mito profético, e não necessariamente como narrativa política. Da obra “Maranata”, de 1920, de Alfredo Borges Teixeira, até o final dos anos 80, o “judeu” aparece na narrativa evangélica quase como figura mítica, e não como “agente da redenção” que deveria retornar a Israel e reconstruir o Templo de Jerusalém.

É interessante, porém, como a “sionização política” do protestantismo neopentecostal brasileiro parece acompanhar cronologicamente exatamente o interesse explícito dos EUA por promover essas seitas no Brasil. E isso se constata pelo fato de que é nos anos 80 que importantes pastores neopentecostais brasileiros começam a visitar Israel com frequência, e a travar relações com personagens daquele lugar.

A abertura política do Brasil, após o fim da ditadura militar, portanto, apresentou um cenário favorável para que um meio evangélico já enraizado e ideologizado em um liberalismo sionista, ingressasse na política, começando a construir uma “bancada evangélica” no Congresso Brasileiro — a qual alcança o auge de sua influência sob o governo Bolsonaro, um governo particularmente marcado por um recuo da tradicional posição pró-palestina do Brasil.

Nesse período, a liderança política brasileira foi instada a apoiar tanto a transferência de sua embaixada para Jerusalém, como participou de conferências com o Instituto do Templo (a associação responsável pelo desenvolvimento do projeto de reconstrução do Templo de Jerusalém), e o Brasil também estreitou laços comerciais com Israel.

O resultado desse investimento no proselitismo neopentecostal é que hoje, enquanto se vê um genocídio em Gaza, os principais apoiadores brasileiros de Israel nesse conflito é o setor evangélico brasileiro, tanto na política, quanto entre os cidadãos, o que significa que a expansão evangélica representou a aquisição de um “público cativo”, que seguirá apoiando Israel, por razões pseudo-messiânicas, independentemente das atrocidades sionistas.

Para concluir, para que se veja que não estamos falando de um caso isolado ou de um crescimento evangélico autônomo, o Brasil não é nem mesmo o país mais protestante da América Latina hoje, sendo superado por Guatemala, Honduras, Nicarágua, El Salvador, Belize e Porto Rico. Vê-se, porém, um crescimento estrondoso também, em países como a Argentina de Milei, em que a quantidade de evangélicos neopentecostais subiu de 10% (2010) para 15% (2014) em apenas meia década.

Os indícios apontam, portanto, para uma operação de subversão híbrida cuja finalidade é “suavizar” a América Latina para a geopolítica anglo-sionista.

O sionismo cristão no Brasil como guerra híbrida

Os indícios apontam para uma operação de subversão híbrida cuja finalidade é “suavizar” a América Latina para a geopolítica anglo-sionista.

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Cristãos antissionistas nos EUA receberam, espantados, a notícia de que a Câmara dos Representantes dos EUA estaria votando um projeto que consagraria como definição de “antissemitismo” aquela oferecida pela Aliança Internacional de Memória do Holocausto.

O espanto é causado pelo fato de que em meio à enorme lista de críticas que o lóbi em questão considera expressão prática de antissemitismo, para além de um punhado que não passam de críticas políticas corriqueiras, encontra-se também a atribuição do assassinato de Jesus Cristo aos judeus.

O problema é que na Bíblia Sagrada encontra-se pelo menos 22 passagens em que se responsabiliza os judeus pela crucificação. Para muitos cristãos, isso equivale a uma proibição da Bíblia e, portanto, a uma perseguição ao Cristianismo, já que a Bíblia é um dos elementos centrais da religião como “palavra de Deus” e ela constitui uma “totalidade”. A tradução e interpretação correta da Bíblia tem a sua relevância teológica por causa das suas consequências.

O tema não é sem controvérsias históricas, porém. Essa questão jaz no âmago de conflitos entre fariseus e cristãos que datam ainda do período imperial romano, quando os cristãos não eram mais que uma “seita herética” da religião hebreia do Segundo Templo de Jerusalém. Para muitos judeus, versos como esses e a teologia fundada neles estaria na base do “antissemitismo religioso” típico do Medievo. Poder-se-ia retrucar, porém, que não obstante discordâncias ou incômodos, esses versos e suas interpretações são respaldadas por direitos básicos de liberdade religiosa, de pensamento e de expressão.

Não fazemos menção a essa questão por acaso, porém. É que o governador do estado do Rio de Janeiro, no Brasil, assinou um acordo formal de adesão à definição de “antissemitismo” propagada pela mesma ONG sionista, a Aliança Internacional para a Memória do Holocausto, o mesmo tendo sido feito, também, pelo governo do estado de São Paulo.

Se nos últimos anos quem tem se destacado (negativamente) no Brasil pela defesa da perseguição criminal contra quem comete “crime de pensamento” (especialmente contra as vacas sagradas do chamado “wokismo”) tem sido a esquerda, chama a atenção precisamente o fato de que essas normativas, que implicam virtualmente em uma censura ao Cristianismo, foram assinadas por representantes de uma direita que se considera “cristã” e “conservadora”.

E ao contrário dos EUA, onde pelo menos parece haver certo grau de indignação por parte de alguns jornalistas e influenciadores importantes, no Brasil isso foi recebido com silêncio, exceto por alguns pequenos grupos católicos e por antissionistas de orientação mais “tradicionalista”.

Agora, bem, tem sido um elemento central do estudo da influência do sionismo nas Américas buscar refletir sobre o papel do “sionismo cristão”, ou seja, a poderosa fração cristã evangélica que acredita ter o dever de defender o moderno Estado de Israel por razões supostamente proféticas. Os sionistas cristãos seriam aí o elemento intermediário, de ligação entre uma pequena elite sionista e as instituições estadunidenses. A elite sionista, judaica, constituiria aí um elemento “estratégico” do lóbi sionista, enquanto as lideranças cristãs sionistas constituiriam o elemento “tático” desse lóbi.

Seria um erro, porém, acha que isso diz respeito apenas aos EUA. Ao contrário, mudanças recentes na política externa brasileira só podem ser explicadas pelo estudo do crescimento do “sionismo cristão” no Brasil.

Isso nos força a comentar sobre uma dimensão do Brasil atual que usualmente parece desconhecida para a maioria dos analistas estrangeiros, que ainda pensam o Brasil fundamentalmente como um país mais ou menos “socialista católico”. Não é que a Catolicidade não deve mais ser pensada como estando ligada à essência da identidade brasileira, mas que a realidade é que ao longo do século XX e especialmente no fim daquele século e início do século XXI, o Brasil passou por um processo de modificação radical em sua estrutura religiosa, com o Catolicismo sendo gradualmente substituído pelo Protestantismo evangélico neopentecostal.

Para que se tenha noção do impacto, em 1980 os evangélicos eram 6.6% da população, enquanto hoje são 22%. Se nos anos 60 havia 100 templos evangélicos no Brasil, hoje são mais de 60 mil.

Naturalmente, Protestantismo não é, necessariamente, sinônimo de sionismo — apesar de devermos também atentar para os vínculos indicados entre Protestantismo e Judaísmo já por Max Weber — mas especificamente no Brasil os vínculos são profundos por causa da forma como o protestantismo evangélico chegou ao Brasil e pelas influências que sofreu.

Para entender isso é necessário atentar que aquilo que aproxima os evangélicos neopentecostais do sionismo é uma postura teológica chamada “dispensacionalismo”, a qual, entre outras coisas, nega que a “Igreja” tenha suplantado a Israel do Velho Testamento e, portanto, absorvido o seu papel histórico-profético. Assim, onde o Velho Testamento narra alguma profecia sobre “Israel”, enquanto católicos, ortodoxos, luteranos, anglicanos e boa parte dos calvinistas tradicionais entende “a Igreja”, os evangélicos neopentecostais insistem que só se pode estar falando aí do Estado de Israel e/ou dos judeus.

Isso acaba tendo implicações geopolíticas sérias quando se reflete sobre passagens bíblicas que, por exemplo, narram sobre quais territórios levantinos deveriam ser ocupados por Israel, ou que ditam como Israel deve lidar com seus inimigos, ou sobre os “filhos de Ismael” (associados aos árabes, no específico, e aos muçulmanos em geral).

No Brasil, por causa de sua tradição fundamentalmente católica, todas as formas de protestantismo foram mantidas à distância pelo poder central, com a guerra contra os holandeses no século XVII assumindo verdadeiramente caráter de guerra religiosa. Assim, o século XIX viu exígua presença de luteranos no Brasil, quase sempre colonos alemães, com a maioria dos outros esforços missionários protestantes fracassando.

O protestantismo, quando chega com força no Brasil, no início do século XX, é já um protestantismo evangélico pentecostal já em vias de receber o dispensacionalismo, tendo sido bastante influenciado pela chamada Bíblia de Scofield, uma tradução anotada de 1909, extremamente controversa por seu literalismo. Essa tradução deve o seu nome ao seu autor, Cyrus Scofield, um homem sem qualquer formação em teologia e que, segundo vários biógrafos, teve sua carreira de tradutor e escritor financiada por Samuel Untermeyer, presidente do Keren Heyesod, principal instituição sionista nos EUA à época.

O protestantismo evangélico neopentecostal que só aparece no Brasil no início do século XX já era, portanto, uma espécie de espaço propenso à instrumentalização pelo sionismo político.

Esse potencial permanece, porém, essencialmente dormente até o auge da Guerra Fria nos anos 60. Nessa época, segundo autores como Delcio Monteiro de Lima, o Departamento de Estado dos EUA incluía a dimensão religiosa em suas análises de risco de países latino-americanos “cederem” à “ameaça comunista”. Essa é a época dos “golpes preventivos” no continente, por meio dos quais os EUA pretendiam assegurar as Américas como seu “quintal” e impedir a difusão da experiência nacional-revolucionária cubana, e que conduziu, por exemplo, ao golpe de 1964 no Brasil.

Segundo o Departamento de Estado dos EUA, o Cristianismo latino-americano não constituía barreira suficientemente forte contra o avanço do “comunismo” (ou de qualquer projeto soberanista antiliberal), por causa do compromisso social de muitos padres católicos de base que buscavam vivar na prática o credo apostólico e levavam a sério as bulas papais antiliberais, como a Rerum Novarum e a Quadragesimo Anno. E isso antes ainda do surgimento da Teologia da Libertação.

Mesmo os protestantismos tradicionais presentes na América Latina despertavam desconfiança no Departamento de Estado dos EUA, especialmente os luteranos, que desempenharam em alguns lugares do Brasil um papel relevante na defesa da reforma agrária.

Nos anos 80, porém, já era notável para os bispos católicos brasileiros que ventos de mudança se erguiam no horizonte. Um documento redigido em 1984 pelo Conselho Episcopal Latino-Americano, abordando os desafios da Igreja Católica na América Latina, aponta para o crescimento de “seitas fundamentalistas” no continente — seitas com tendências políticas marcadamente direitistas, e associa esse fenômeno a um trabalho intencional do Presidente dos EUA Ronald Reagan de impulsionar atividades missionárias na América Latina.

A análise dos bispos católicos parece dar conta de um processo que remonta, no mínimo, em sua dimensão formal, ao ensaio de 1969 do político estadunidense Nelson Rockefeller que trata da Igreja Católica (especialmente na América Latina) como inimiga e recomenda impulsionar a atividade missionária protestante, o que é reiterado em 1980, no chamado “Documento de Santa Fé”, produzido pelo “Conselho para a Segurança Interamericana”, laboratório de ideias ligado à antiga “Liga Anticomunista Mundial” (hoje “Liga Mundial pela Liberdade e a Democracia”, com sede em Taiwan).

De fato, os números do crescimento evangélico apontam para uma aceleração nessa época. Se em 1960, os evangélicos brasileiros eram 4%, em 1970 eram 5%, em 1980, como já dito, eram 6.6%, em 1990 já era de 9%, em 2000 eram 15%, em 2010 22% e em 2022, data do último censo, aparecem como 28% da população brasileira. As cifras entre 1980 e 2010, particularmente, apontam para um crescimento vertiginoso na população evangélica neopentecostal que não tem como se dever a diferentes taxas de natalidade, devendo-se, de fato à atividade missionária.

Agora, ao longo da maior parte desse período, Israel se fez presente entre os evangélicos brasileiros apenas como mito profético, e não necessariamente como narrativa política. Da obra “Maranata”, de 1920, de Alfredo Borges Teixeira, até o final dos anos 80, o “judeu” aparece na narrativa evangélica quase como figura mítica, e não como “agente da redenção” que deveria retornar a Israel e reconstruir o Templo de Jerusalém.

É interessante, porém, como a “sionização política” do protestantismo neopentecostal brasileiro parece acompanhar cronologicamente exatamente o interesse explícito dos EUA por promover essas seitas no Brasil. E isso se constata pelo fato de que é nos anos 80 que importantes pastores neopentecostais brasileiros começam a visitar Israel com frequência, e a travar relações com personagens daquele lugar.

A abertura política do Brasil, após o fim da ditadura militar, portanto, apresentou um cenário favorável para que um meio evangélico já enraizado e ideologizado em um liberalismo sionista, ingressasse na política, começando a construir uma “bancada evangélica” no Congresso Brasileiro — a qual alcança o auge de sua influência sob o governo Bolsonaro, um governo particularmente marcado por um recuo da tradicional posição pró-palestina do Brasil.

Nesse período, a liderança política brasileira foi instada a apoiar tanto a transferência de sua embaixada para Jerusalém, como participou de conferências com o Instituto do Templo (a associação responsável pelo desenvolvimento do projeto de reconstrução do Templo de Jerusalém), e o Brasil também estreitou laços comerciais com Israel.

O resultado desse investimento no proselitismo neopentecostal é que hoje, enquanto se vê um genocídio em Gaza, os principais apoiadores brasileiros de Israel nesse conflito é o setor evangélico brasileiro, tanto na política, quanto entre os cidadãos, o que significa que a expansão evangélica representou a aquisição de um “público cativo”, que seguirá apoiando Israel, por razões pseudo-messiânicas, independentemente das atrocidades sionistas.

Para concluir, para que se veja que não estamos falando de um caso isolado ou de um crescimento evangélico autônomo, o Brasil não é nem mesmo o país mais protestante da América Latina hoje, sendo superado por Guatemala, Honduras, Nicarágua, El Salvador, Belize e Porto Rico. Vê-se, porém, um crescimento estrondoso também, em países como a Argentina de Milei, em que a quantidade de evangélicos neopentecostais subiu de 10% (2010) para 15% (2014) em apenas meia década.

Os indícios apontam, portanto, para uma operação de subversão híbrida cuja finalidade é “suavizar” a América Latina para a geopolítica anglo-sionista.

Os indícios apontam para uma operação de subversão híbrida cuja finalidade é “suavizar” a América Latina para a geopolítica anglo-sionista.

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Escreva para nós: info@strategic-culture.su

Cristãos antissionistas nos EUA receberam, espantados, a notícia de que a Câmara dos Representantes dos EUA estaria votando um projeto que consagraria como definição de “antissemitismo” aquela oferecida pela Aliança Internacional de Memória do Holocausto.

O espanto é causado pelo fato de que em meio à enorme lista de críticas que o lóbi em questão considera expressão prática de antissemitismo, para além de um punhado que não passam de críticas políticas corriqueiras, encontra-se também a atribuição do assassinato de Jesus Cristo aos judeus.

O problema é que na Bíblia Sagrada encontra-se pelo menos 22 passagens em que se responsabiliza os judeus pela crucificação. Para muitos cristãos, isso equivale a uma proibição da Bíblia e, portanto, a uma perseguição ao Cristianismo, já que a Bíblia é um dos elementos centrais da religião como “palavra de Deus” e ela constitui uma “totalidade”. A tradução e interpretação correta da Bíblia tem a sua relevância teológica por causa das suas consequências.

O tema não é sem controvérsias históricas, porém. Essa questão jaz no âmago de conflitos entre fariseus e cristãos que datam ainda do período imperial romano, quando os cristãos não eram mais que uma “seita herética” da religião hebreia do Segundo Templo de Jerusalém. Para muitos judeus, versos como esses e a teologia fundada neles estaria na base do “antissemitismo religioso” típico do Medievo. Poder-se-ia retrucar, porém, que não obstante discordâncias ou incômodos, esses versos e suas interpretações são respaldadas por direitos básicos de liberdade religiosa, de pensamento e de expressão.

Não fazemos menção a essa questão por acaso, porém. É que o governador do estado do Rio de Janeiro, no Brasil, assinou um acordo formal de adesão à definição de “antissemitismo” propagada pela mesma ONG sionista, a Aliança Internacional para a Memória do Holocausto, o mesmo tendo sido feito, também, pelo governo do estado de São Paulo.

Se nos últimos anos quem tem se destacado (negativamente) no Brasil pela defesa da perseguição criminal contra quem comete “crime de pensamento” (especialmente contra as vacas sagradas do chamado “wokismo”) tem sido a esquerda, chama a atenção precisamente o fato de que essas normativas, que implicam virtualmente em uma censura ao Cristianismo, foram assinadas por representantes de uma direita que se considera “cristã” e “conservadora”.

E ao contrário dos EUA, onde pelo menos parece haver certo grau de indignação por parte de alguns jornalistas e influenciadores importantes, no Brasil isso foi recebido com silêncio, exceto por alguns pequenos grupos católicos e por antissionistas de orientação mais “tradicionalista”.

Agora, bem, tem sido um elemento central do estudo da influência do sionismo nas Américas buscar refletir sobre o papel do “sionismo cristão”, ou seja, a poderosa fração cristã evangélica que acredita ter o dever de defender o moderno Estado de Israel por razões supostamente proféticas. Os sionistas cristãos seriam aí o elemento intermediário, de ligação entre uma pequena elite sionista e as instituições estadunidenses. A elite sionista, judaica, constituiria aí um elemento “estratégico” do lóbi sionista, enquanto as lideranças cristãs sionistas constituiriam o elemento “tático” desse lóbi.

Seria um erro, porém, acha que isso diz respeito apenas aos EUA. Ao contrário, mudanças recentes na política externa brasileira só podem ser explicadas pelo estudo do crescimento do “sionismo cristão” no Brasil.

Isso nos força a comentar sobre uma dimensão do Brasil atual que usualmente parece desconhecida para a maioria dos analistas estrangeiros, que ainda pensam o Brasil fundamentalmente como um país mais ou menos “socialista católico”. Não é que a Catolicidade não deve mais ser pensada como estando ligada à essência da identidade brasileira, mas que a realidade é que ao longo do século XX e especialmente no fim daquele século e início do século XXI, o Brasil passou por um processo de modificação radical em sua estrutura religiosa, com o Catolicismo sendo gradualmente substituído pelo Protestantismo evangélico neopentecostal.

Para que se tenha noção do impacto, em 1980 os evangélicos eram 6.6% da população, enquanto hoje são 22%. Se nos anos 60 havia 100 templos evangélicos no Brasil, hoje são mais de 60 mil.

Naturalmente, Protestantismo não é, necessariamente, sinônimo de sionismo — apesar de devermos também atentar para os vínculos indicados entre Protestantismo e Judaísmo já por Max Weber — mas especificamente no Brasil os vínculos são profundos por causa da forma como o protestantismo evangélico chegou ao Brasil e pelas influências que sofreu.

Para entender isso é necessário atentar que aquilo que aproxima os evangélicos neopentecostais do sionismo é uma postura teológica chamada “dispensacionalismo”, a qual, entre outras coisas, nega que a “Igreja” tenha suplantado a Israel do Velho Testamento e, portanto, absorvido o seu papel histórico-profético. Assim, onde o Velho Testamento narra alguma profecia sobre “Israel”, enquanto católicos, ortodoxos, luteranos, anglicanos e boa parte dos calvinistas tradicionais entende “a Igreja”, os evangélicos neopentecostais insistem que só se pode estar falando aí do Estado de Israel e/ou dos judeus.

Isso acaba tendo implicações geopolíticas sérias quando se reflete sobre passagens bíblicas que, por exemplo, narram sobre quais territórios levantinos deveriam ser ocupados por Israel, ou que ditam como Israel deve lidar com seus inimigos, ou sobre os “filhos de Ismael” (associados aos árabes, no específico, e aos muçulmanos em geral).

No Brasil, por causa de sua tradição fundamentalmente católica, todas as formas de protestantismo foram mantidas à distância pelo poder central, com a guerra contra os holandeses no século XVII assumindo verdadeiramente caráter de guerra religiosa. Assim, o século XIX viu exígua presença de luteranos no Brasil, quase sempre colonos alemães, com a maioria dos outros esforços missionários protestantes fracassando.

O protestantismo, quando chega com força no Brasil, no início do século XX, é já um protestantismo evangélico pentecostal já em vias de receber o dispensacionalismo, tendo sido bastante influenciado pela chamada Bíblia de Scofield, uma tradução anotada de 1909, extremamente controversa por seu literalismo. Essa tradução deve o seu nome ao seu autor, Cyrus Scofield, um homem sem qualquer formação em teologia e que, segundo vários biógrafos, teve sua carreira de tradutor e escritor financiada por Samuel Untermeyer, presidente do Keren Heyesod, principal instituição sionista nos EUA à época.

O protestantismo evangélico neopentecostal que só aparece no Brasil no início do século XX já era, portanto, uma espécie de espaço propenso à instrumentalização pelo sionismo político.

Esse potencial permanece, porém, essencialmente dormente até o auge da Guerra Fria nos anos 60. Nessa época, segundo autores como Delcio Monteiro de Lima, o Departamento de Estado dos EUA incluía a dimensão religiosa em suas análises de risco de países latino-americanos “cederem” à “ameaça comunista”. Essa é a época dos “golpes preventivos” no continente, por meio dos quais os EUA pretendiam assegurar as Américas como seu “quintal” e impedir a difusão da experiência nacional-revolucionária cubana, e que conduziu, por exemplo, ao golpe de 1964 no Brasil.

Segundo o Departamento de Estado dos EUA, o Cristianismo latino-americano não constituía barreira suficientemente forte contra o avanço do “comunismo” (ou de qualquer projeto soberanista antiliberal), por causa do compromisso social de muitos padres católicos de base que buscavam vivar na prática o credo apostólico e levavam a sério as bulas papais antiliberais, como a Rerum Novarum e a Quadragesimo Anno. E isso antes ainda do surgimento da Teologia da Libertação.

Mesmo os protestantismos tradicionais presentes na América Latina despertavam desconfiança no Departamento de Estado dos EUA, especialmente os luteranos, que desempenharam em alguns lugares do Brasil um papel relevante na defesa da reforma agrária.

Nos anos 80, porém, já era notável para os bispos católicos brasileiros que ventos de mudança se erguiam no horizonte. Um documento redigido em 1984 pelo Conselho Episcopal Latino-Americano, abordando os desafios da Igreja Católica na América Latina, aponta para o crescimento de “seitas fundamentalistas” no continente — seitas com tendências políticas marcadamente direitistas, e associa esse fenômeno a um trabalho intencional do Presidente dos EUA Ronald Reagan de impulsionar atividades missionárias na América Latina.

A análise dos bispos católicos parece dar conta de um processo que remonta, no mínimo, em sua dimensão formal, ao ensaio de 1969 do político estadunidense Nelson Rockefeller que trata da Igreja Católica (especialmente na América Latina) como inimiga e recomenda impulsionar a atividade missionária protestante, o que é reiterado em 1980, no chamado “Documento de Santa Fé”, produzido pelo “Conselho para a Segurança Interamericana”, laboratório de ideias ligado à antiga “Liga Anticomunista Mundial” (hoje “Liga Mundial pela Liberdade e a Democracia”, com sede em Taiwan).

De fato, os números do crescimento evangélico apontam para uma aceleração nessa época. Se em 1960, os evangélicos brasileiros eram 4%, em 1970 eram 5%, em 1980, como já dito, eram 6.6%, em 1990 já era de 9%, em 2000 eram 15%, em 2010 22% e em 2022, data do último censo, aparecem como 28% da população brasileira. As cifras entre 1980 e 2010, particularmente, apontam para um crescimento vertiginoso na população evangélica neopentecostal que não tem como se dever a diferentes taxas de natalidade, devendo-se, de fato à atividade missionária.

Agora, ao longo da maior parte desse período, Israel se fez presente entre os evangélicos brasileiros apenas como mito profético, e não necessariamente como narrativa política. Da obra “Maranata”, de 1920, de Alfredo Borges Teixeira, até o final dos anos 80, o “judeu” aparece na narrativa evangélica quase como figura mítica, e não como “agente da redenção” que deveria retornar a Israel e reconstruir o Templo de Jerusalém.

É interessante, porém, como a “sionização política” do protestantismo neopentecostal brasileiro parece acompanhar cronologicamente exatamente o interesse explícito dos EUA por promover essas seitas no Brasil. E isso se constata pelo fato de que é nos anos 80 que importantes pastores neopentecostais brasileiros começam a visitar Israel com frequência, e a travar relações com personagens daquele lugar.

A abertura política do Brasil, após o fim da ditadura militar, portanto, apresentou um cenário favorável para que um meio evangélico já enraizado e ideologizado em um liberalismo sionista, ingressasse na política, começando a construir uma “bancada evangélica” no Congresso Brasileiro — a qual alcança o auge de sua influência sob o governo Bolsonaro, um governo particularmente marcado por um recuo da tradicional posição pró-palestina do Brasil.

Nesse período, a liderança política brasileira foi instada a apoiar tanto a transferência de sua embaixada para Jerusalém, como participou de conferências com o Instituto do Templo (a associação responsável pelo desenvolvimento do projeto de reconstrução do Templo de Jerusalém), e o Brasil também estreitou laços comerciais com Israel.

O resultado desse investimento no proselitismo neopentecostal é que hoje, enquanto se vê um genocídio em Gaza, os principais apoiadores brasileiros de Israel nesse conflito é o setor evangélico brasileiro, tanto na política, quanto entre os cidadãos, o que significa que a expansão evangélica representou a aquisição de um “público cativo”, que seguirá apoiando Israel, por razões pseudo-messiânicas, independentemente das atrocidades sionistas.

Para concluir, para que se veja que não estamos falando de um caso isolado ou de um crescimento evangélico autônomo, o Brasil não é nem mesmo o país mais protestante da América Latina hoje, sendo superado por Guatemala, Honduras, Nicarágua, El Salvador, Belize e Porto Rico. Vê-se, porém, um crescimento estrondoso também, em países como a Argentina de Milei, em que a quantidade de evangélicos neopentecostais subiu de 10% (2010) para 15% (2014) em apenas meia década.

Os indícios apontam, portanto, para uma operação de subversão híbrida cuja finalidade é “suavizar” a América Latina para a geopolítica anglo-sionista.

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