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A União Europeia demonstra todos os sintomas de uma estrutura em crise profunda. Tal como outras organizações, no passado, quanto mais tenta fazer passar uma imagem de coesão interna, maiores as fissuras que cria, a partir da exigência, cada vez mais férrea, de cumprimento das regras que tal aparência de coesão exige.
Para conseguir afirmar o seu poder político, Bruxelas é apresentada como um poder, tão distante quanto inatingível, de tal forma superior, que tudo o que dispõe é inquestionável. Colocando-se em tal pedestal, Bruxelas arroga-se de uma sapiência e omnisciência presumidas, apostando num processo de comunicação muito bem montado, assente na ideia de um poder acima de todos os outros, acima dos poderes eleitos, acima dos “governos do povo”: “A EU disse que…”; “a EU diz que não se pode…”; “o governo pediu à EU que…”; “a EU avisou que…”; “o governo foi obrigado, pela EU, a…” Tudo assim, sem questionamento, crítica ou reflexão. Uma espécie de extensão europeia da teoria da “única nação indispensável”.
Se até certa altura, estávamos perante um poder que se impunha por si próprio, que se bastava a si próprio, cuja inatingibilidade era suficiente para desencorajar qualquer ideia contraditória, face à monumentalidade da tarefa que consistia em enfrentar, não um governo, mas “o governo dos governos todos”; actualmente, Bruxelas deixou de se contentar com essa superioridade ontológica, passando a exigir provas inequívocas de lealdade.
Tal significa que aderir, ou não, à “realidade narrativa” apresentada pela burocracia europeia, há muito que deixou de ser um acto voluntário. A lealdade passou a ser demonstrada pelo vigor e rigor com que se interioriza a ideologia “comunitária” – a meu ver trata-se mais de uma idolatria. Houve um momento que funcionou como um sinal para a activação de mecanismos conformadores das opiniões, à “realidade narrativa” emanada da União. Esse momento está situado em 25/02/2022. Mesmo no Covid, embora já se sentisse a mão de ferro, na circulação de informação que questionasse as vacinas, métodos e políticas desenvolvidas, não assistimos, na europa, à utilização corrente de meios coercivos directos, para silenciar, condicionar ou responsabilizar quem não aderia à narrativa.
Mas, nos últimos dois anos e tal como noutros tempos, também bastante inquisitoriais, passou a ser exigida uma prova de lealdade, consubstanciada na adesão a um discurso, a uma narrativa, a uma idolatria. E se é verdade que os poderes deste tipo, ao longo da história, elegeram sempre a “desinformação” e “propaganda” dos inimigos, como semente originária do condicionamento!
Foi, portanto, ao som do trovejar da guerra que começámos a constatar a chegada do “estado de guerra” da EU e a necessidade de prestação de provas de lealdade. Não o noticiaram, não o questionaram ou analisaram. Como em tudo o que caracteriza o poder Europeu, nestes dias, apenas constatamos os factos, a sua inexorável existência. Já o discurso, esse, continua a ser o mais luminoso de sempre, ou talvez mais ainda.
Sabemo-lo, por exemplo, quando utilizamos uma ferramenta de Inteligência Artificial generativa de texto, questionando-a sobre “jornalistas perseguidos na União Europeia no quadro do conflito na Ucrânia”. A resposta é invariavelmente a mesma: “corajosos jornalistas perseguidos” só na Rússia, meus caros. Contudo, quando colocamos os nomes de jornalistas como Alina Lipp, Graham Phillips ou Pablo Gonzalez, descobrimos que, afinal, existem jornalistas: acusados de espionagem e preventivamente detidos (Pablo Gonzalez na Polónia, há mais de ano e meio); acusados e sujeitos a pena de prisão até 3 anos, por delito de opinião “apoio à invasão russa” (Alina Lipp da Alemanha); e, pasme-se, acusados de propagandismo e glorificação da “invasão russa e das atrocidades praticadas” (Graham Philips do Reino Unido), ao ponto de ter sido acusado por alguns políticos de ter “cometido crimes de guerra”, apenas por ter entrevistado Aiden Aslin, um mercenário britânico preso em Mariupol, e em consequência integrado numa lista de sanções pessoais que o impedem de reentrar no seu país de origem .
Estes foram alguns dos primeiros casos – nunca assumidos – de violação da prova de lealdade. Como que para dar o exemplo, um punhado de jornalistas experimentaram o peso com que a mão de Úrsula Von der Leyen trata a deslealdade para com a sua narrativa. Nem que seja aquela em que fala de chips de máquinas de lavar que equipam mísseis e economias em pedaços que afinal até crescem mais do que as da EU.
Consequentemente, como em todos os poderes que já não se bastam a si próprios, algures no tempo, a malha ficou ainda mais apertada, deixando de ser apenas os jornalistas e órgãos de grande mediatismo (como as Tv’s russas), a quedarem-se apanhadas nas redes do ministério europeu da verdade. A polícia da idolatria foi lançada ao ataque e fareja debaixo de todas as pedras pelo mínimo sinal de dissidência.
Recentemente, as autoridades checas decidiram perseguir com a entrada na lista de sanções uma entidade com o perfil virtual de “Voice of Europe”, bem como os seus dois responsáveis, acusando-os de pretenderem “minar a integridade territorial, soberania e independência da Ucrânia”, porque, no entendimento destas autoridades, glorificam a “invasão russa da Ucrânia”. Todos temos vindo a aprender que, na EU do nosso tempo, podemos idolatrar nazis, neonazis e até propagar notícias-falsas. É quando o nosso discurso coincide com o de algum russo, por mais insignificante que seja, que somos alvos da ira de Von der Leyen. Como disse, não se trata de “ser, ou não, verdade”; trata-se de lealdade ou traição.
Esta intransigência para com os discursos, mesmo quando proclamados por gente sem exposição mediática, apenas com uma limitada exposição virtual, é em si sintomática de que o nível de tolerância para com o pensamento diverso, crítico ou controverso, está no seu nível mais alto de sempre. Tal fundamentalismo discursivo – e comportamental – está em linha com o que depois nos é dado a ver no mundo real, sobretudo no epicentro da idolatria europeia: Bruxelas.
É em Bruxelas que encontramos o centro simbólico ao qual devemos ser leais. O “projeto ucraniano”, para os idólatras do poder central – e seus seguidores –, que assenta nos órgãos que compõem a União Europeia, tem uma dimensão fundadora, tendo-se tornado o símbolo máximo do regime; um regime que já não se afirma pelo que é, mas por aquilo que defende como símbolo máximo do antagonismo Russo: o apoio ao regime de Kiev. Quanto mais rígido, intransigente e exigente, no apoio a Kiev, mais anti-russo se é, sendo essa a prova última de lealdade. Será razão para dizermos que esta EU já não é a mesma. Ou será que… Agora é que é o que deveria ser?
Apresentada como projecto de paz, mas acabando a financiar a guerra, em Bruxelas, mesmo a um qualquer transeunte mais distraído, não passa despercebido o símbolo máximo do regime. Bruxelas passou a ser, especialmente desde 25 de Fevereiro de 2022, uma cidade banhada a azul e amarelo. Dos outdoors às vedações das obras públicas, tudo parece denunciar a verdade única à qual temos de ser leais. A Ucrânia de Zelensky é, de facto, um estado membro da EU! A legitimidade que lhe falta na lei formal, sobra-lhe na manifestação da parafernália simbólica e no frenesim perseguidor com que as instituições europeias abraçam a sua protecção.
Dispensando os usuais trâmites de acesso, os quais apenas visam conferir alguma legitimidade formal a todo um fenómeno (Ucrânia na “fast track” para a EU) observável de facto, a Ucrânia beneficia de todo um altar que constitui o símbolo máximo deste fundamentalismo idólatra e desta adopção de facto materializada.
Nada é mais esmagador do que uma ida à praça central do “Luxembourg”, local em que se situa o Parlamento Europeu, sob um olhar próximo de uma Comissão Europeia vigilante e de um Conselho Europeu amestrado, por poderes bastante mais distantes. O amarelo e o azul são tão intensamente proeminentes nesse local, que parece estarmos simultaneamente no céu e perto do sol. Dizem que são as cores da EU… A sua presença nunca foi tão forte como hoje. Também nas cores a Ucrânia e a EU se confundem.
A imagem de Zelensky sobressai desse mar duo cromático, inundado de mensagens como “stand with Ukraine” ou outdoors dizendo “the brave people of Ukraine, represented by their president (…).” Como que a provar que o que está fora, emana de dentro, o estado Ucraniano, sem qualquer respaldo democrático que não seja o gerado pela imensa propaganda que nos inunda os sentidos, tem, inclusive, o seu espaço no próprio hemiciclo do Parlamento Europeu. Para além de todas as cabinas de tradução simultânea, para cada uma das línguas que integram o projecto europeu, também o “projeto ucraniano” tem aí a sua. Mesmo que não tenha eurodeputados.
Até os 50 mil milhões de Euros recentemente aprovados pelo Conselho Europeu, para os 4 anos que faltam do Quadro Financeiro Plurianual (normalmente vai até um ano depois do período nominal, que é 21-27), retirados do respectivo bolo financeiro, parecem reproduzir, mais ou menos, aquilo que receberia um país, como 35 a 40 milhões de habitantes e com um rendimento per capita abaixo da média europeia. Ou seja, nem os fundos faltam para o desenvolvimento das metas da estratégia 2030. Agora, digam lá que a Ucrânia não é um estado-membro?
Poderíamos também tomar, como exemplo, a guerra que a EU comprou com os agricultores Húngaros, Búlgaros, Romenos, Polacos, Eslovacos, porque inunda os mercados europeus de produtos produzidos sem cumprir as mesmas regras a que os outros estão sujeitos. Desta forma, estes países são obrigados a reviver, em relação à Ucrânia, o mesmo sentimento de menorização que qualquer país europeu periférico sente, quando tem de se confrontar com interesses de países mais poderosos, como a Alemanha ou a França. Hoje, até estes dois se submetem aos ditames do tridente “banderista”.
Se, por toda a União Europeia, por todos os estados membros, deparamos com a propaganda do regime, relembrando-nos, a cada passo, de que tudo o que somos e temos se deve, tão só, à “divina” (ou diabólica) presença da “humana, inclusiva, democrática e livre EU”, é na capital e no seu centro nevrálgico que esta propaganda é mais esmagadora. Como um poder que se expande do centro para a periferia.
Perante a derrocada, mais do que anunciada, do regime de Kiev e de tudo o que ele significa, coloca-se à EU um desafio de sobrevivência. Pois as idolatrias têm destas coisas: falta-lhes substância. Por mais que tentem fazer aderir ao “estado-membro Ucraniano” a ideia de que este constitui um bastião dos “valores europeus”, tudo se esvai quando é, na Ucrânia de Bandera, que mais se negam os direitos que a EU diz representar. Por sua vez, foi a Rússia (na URSS) que mais contribuiu para defender tais valores. A única forma de isto não ser um completo equívoco, é se assumirmos, como premissa, que, afinal, esta EU não renega o nazi-fascismo e, ao contrário, odeia a Rússia por ter vencido aquele que havia sido criado para a derrotar.
Com efeito, admitindo a idolatria nazi ou neo-nazi que hoje constitui a coluna vertebral do poder político Ucraniano, mas não admitindo a idolatria da operação russa, a EU diz-nos algo de terrivelmente devastador: as elites ocidentais consideram mais grave o que designam de “invasão” da Ucrânia pela Rússia, do que a invasão nazi-fascista da Ucrânia, da Rússia, da URSS, França, Polónia e por aí fora. Os factos não deixam dúvidas: persegue quem acusa de “apoiar a invasão russa da Ucrânia”, mas apoia quem sabe idolatrar as forças que invadiram e destruíram a europa inteira. O que volta a fazer-me trazer à colação a sempre controversa questão: afinal, a EU é, ou não, anti-nazi?
Não se trata aqui de julgar a EU por condenar a operação russa na Ucrânia, trata-se de questionar, por que razão persegue quem diz apoiar esta operação e não perseguir, com muito maior força de razão, aqueles que idolatram poderes que destruíram a europa inteira.
Tal questão não assumiria tanta importância se a Ucrânia não fosse um estado membro. Agora, quando é, de facto, o mais importante de todos e à volta do qual roda toda a vida da União, pois nenhum nos enche as notícias, discursos políticos e colunas de opinião como este… Ao ponto de a EU tentar reproduzir, no seu comportamento, as práticas mais danosas a que o regime de Kiev obriga aos seus próprios concidadãos… Também aí, a adesão à narrativa, à língua, à idolatria de Bandera, à idolatria da EU, da NATO e dos EUA, não é uma escolha, é uma prova de lealdade. Acabam agarrados aos postes, embrulhados em celofane, aqueles que não a praticam. Vá lá que, por cá, ainda não se chegou a esse ponto… Mas, no meu caso, levo muito a sério aquele poema de Martin Niemöller, “primeiro levaram os comunistas…”
De forma, tão encapotada como a que foi utilizada para integrar, na União, um estado-membro que não lhe pertencia, entregando-lhe, como diz Emmanuel Todd, o ceptro de um poder que pertencia ao eixo franco-alemão, não porque contribua mais do que todos os restantes, para o orçamento comunitário, mas, pelo contrário, porque é necessário torná-lo no que mais contribuições recebe, a EU lança-se, também, numa sorrateira caça às bruxas, intensificando e generalizando, ainda mais, as provas de lealdade que já exigia. Uma vez mais, nunca assumindo que o faz. Uma outra característica que tão bem cola com Kiev. “Não foi Kiev que bombardeou a Energodar NPP”; “Não foi Kiev que bombardeou as ruas de Donetsk”; “Não foi Kiev que bombardeou a prisão em que estavam os seus próprios militares, enquanto prisioneiros de guerra”…
Consequentemente, foi o próprio primeiro ministro belga o encarregado de, em declarações ao New York Times, acusar parlamentares da França, Alemanha, Países Baixos e outros, de serem pagos para prosseguir interesses russos, no Parlamento Europeu. Sem precisar quem são todos os acusados, mas apontando à mesma “extrema direita” que prolifera graças aos danos que o poder de Bruxelas infringe nas nossas condições de vida, uma vez mais, somos confrontados com as contradições desta União Europeia. E é assim que identificamos em que consiste a prova de lealdade que, agora, é exigida a todos os cidadãos. Nem que seja sob pena de censura nas redes sociais.
Assim, que coisas tão graves disseram ou fizeram os acusados? Bem, é o próprio NYT quem o diz: proferiram coisas como “Os sonâmbulos de Berlim e Bruxelas estão a conduzir-nos para uma guerra externa – sem rima, razão ou propósito” ou “Quem quer que aceite a Ucrânia na NATO está a provocar, gostemos ou não – eu também não gosto – o ataque russo. E agora pergunte-se se está preparado para aceitar a guerra pela adesão da Ucrânia à NATO.” E o que fizeram mais ainda? Opuseram-se à classificação da Rússia como “Estado patrocinador do terrorismo”.
Eis a que nível a EU, o ocidente, a comunicação social mainstream, colocam as coisas. Não se poupam a esforços para impor, na prática, a ideia de que a Ucrânia é um estado-membro, que não é; atribuir à Ucrânia e ao regime de Kiev um peso político, que claramente não tem; incriminar pela prática do crime de propagação da desinformação russa, quando o que se disse tinha a ver com um estado – a Ucrânia – que supostamente nem sequer é membro da União; perseguem jornalistas por apresentarem factos que desmentem os apresentados pelo regime de Kiev, que supostamente não é da EU; fecham perfis virtuais por exporem factos que contestam a informação fornecida por um país, o qual, virtualmente – e apenas virtualmente – não é membro da EU. Estão a ver a contradição?
Assim, quanto mais vazias de sentido, substância e profundidade teórica, mais perigosas se tornam as idolatrias, quase como se soubessem, os idólatras, que a manutenção da sua idolatria não depende da sua consistência, mas da força com que é imposta.
Neste caso, a força com que é imposta diz-nos que, se a caça às bruxas começou, pouco falta para que as fogueiras comecem a crepitar!