Português
Eduardo Vasco
February 25, 2024
© Photo: Public domain

Junte-se a nós no Telegram Twitter  e VK .

Escreva para nós: info@strategic-culture.su

Em sua entrevista com o jornalista americano Tucker Carlson, o presidente Vladimir Putin mencionou um fato que, para aqueles – como eu – que não acompanhavam a política internacional 20 anos atrás, parece uma coisa surrealista.

O líder russo se referiu a uma reunião que teve com o então presidente americano, Bill Clinton, no Kremlin de Moscou.

“Eu perguntei a ele: ‘Bill, se a Rússia levantasse a questão da adesão à OTAN, você acha que ela seria possível?’”, disse Putin a Carlson. “Clinton respondeu: ‘seria interessante, acho que sim!’”, continuou. Na noite daquele mesmo dia, quando os dois se encontraram novamente, para jantar, a opinião de Clinton havia mudado radicalmente. “‘Eu conversei com a minha equipe. Agora não é possível’”, disse Clinton a Putin, segundo este último.

“Se ele tivesse dito ‘sim’, começaria o processo de aproximação, e, no final das contas, isso poderia ter acontecido se víssemos um desejo sincero dos parceiros”, explicou a Carlson.

Alguns dias depois dessa badalada entrevista que rodou o mundo, a BBC veiculou uma entrevista com um ex-chefe da OTAN confirmando as intenções de Putin em se unir à aliança militar no início dos anos 2000. “Nós tivemos uma boa relação”, revelou George Robertson.

O Putin que ele conheceu “queria cooperar com a OTAN” e “era muito, muito diferente desse quase megalomaníaco de hoje”, recordou o histórico membro do Partido Trabalhista britânico, ferrenho defensor da escravidão da Escócia sob o jugo inglês – embora ele seja escocês – e que não percebe que lhe falta absoluto moral para criticar a intervenção russa na Ucrânia.

Com toda a arrogância de um britânico que ainda se acha dono do mundo, Robertson indicou que as potências imperialistas que, sob o seu mandato à frente da OTAN, terminavam de agredir a Iugoslávia e iniciavam as invasões ao Afeganistão e ao Iraque não queriam tratar a Rússia como um igual, mas sim como um vassalo dentro da organização.

Putin talvez não tenha entendido plenamente o recado naquela época. Ele ainda não percebia as aspirações expansionistas da OTAN. Lutava contra os separatistas muçulmanos chechenos, que praticavam atentados terroristas em território russo. Logo, sentia a necessidade de apoiar a famigerada “guerra ao terror” de George W. Bush.

De fato, até então as relações entre Rússia e o Ocidente eram relativamente boas desde a dissolução da União Soviética. Yeltsin era um queridinho da “comunidade internacional”, assim como havia sido Gorbatchov. Mas a devastação econômica causada pelo choque neoliberal não agradou uma parcela importante da elite russa, particularmente os militares.

A crise política, econômica e social não se resolvia. Em 1998, oito em cada dez fazendas haviam falido e 70 mil fábricas estatais haviam fechado. Em 1994, um terço dos russos vivia abaixo da linha da pobreza e, mesmo dez anos depois, ainda eram 20% nessa situação. A Rússia perdera 10% de sua população devido à selvageria capitalista. Os índices de suicídio, assassinato, alcoolismo, consumo de drogas, doenças sexualmente transmissíveis e prostituição haviam aumentado exponencialmente. Enormes manifestações de rua expressavam o descontentamento da população, que quase levou à volta do partido comunista ao poder. O presidente do país era um beberrão e a Guerra da Chechênia ameaçava se espalhar por outras regiões e balcanizar a Rússia – a divisão da Iugoslávia ocorria paralelamente à crise russa.

Putin subiu ao poder como um sucessor natural de Yeltsin. Mas as condições reais da Rússia (internas e externas) o obrigaram a tomar um caminho oposto. As pressões sociais internas se somavam ao tratamento de segunda classe recebido das potências ocidentais e às movimentações da OTAN em direção à sua fronteira.

Ele começou estabilizando a situação interna. Reestatizou empresas-chave dos setores de gás, petróleo e aviação, como a Rosneft, a Yukos (incorporada à Rosneft), a Gazprom e a Aeroflot e criou a RZD para controlar o sistema de transporte. Também beneficiou os capitalistas nacionais (ou “oligarcas”, segundo a propaganda dos banqueiros internacionais) em detrimento dos estrangeiros. Ao mesmo tempo, combateu os separatistas com mão de ferro, retomou o controle do Cáucaso, pacificou a região e unificou plenamente o país.

Apesar de apoiar oficialmente a guerra de Putin contra os chechenos, na verdade os EUA tinham uma política dupla. Ao mesmo tempo, interessava às potências imperialistas dividir a Rússia para enfraquecê-la ainda mais do que fizeram com a queda da URSS. Afinal de contas, ainda que o governo de um determinado país seja um aliado, sempre é preferível ao imperialismo reduzir o seu território para facilitar a sua dominação.

Enquanto não aceitavam a integração da Rússia, as potências imperialistas compravam os antigos aliados de Moscou e os integravam à OTAN. Em 1999, República Tcheca, Hungria e Polônia entraram para a aliança. Em 2004, foi a vez de Bulgária, Eslováquia, Eslovênia, Estônia, Letônia, Lituânia e Romênia. Em 2009, Albânia e Croácia. A Rússia estava cercada militarmente, com armas apontadas para o seu território, pelos mesmos que, àquela altura, já haviam devastado o Iraque e o Afeganistão.

A Revolução Laranja na Ucrânia, em 2004, e a Guerra da Ossétia, em 2008, reforçaram os argumentos daqueles que avisavam sobre uma ameaça real à Rússia. Mas, aparentemente, essas vozes ainda não eram dominantes no Kremlin. Moscou – e também Pequim, diga-se de passagem – permitiu os bombardeios de EUA, Reino Unido e França contra a Líbia e a posterior execução de Muammar Kadafi, acreditando ingenuamente que o imperialismo ocidental pararia por aí.

Mas os russos estavam aprendendo com a experiência recente. O famoso discurso de Putin na Conferência de Segurança de Munique, em 2007, durante o qual o mandatário criticou a demagogia pseudodemocrática, o modelo unipolar e o expansionismo imperialista e suas guerras de conquista, indicou que a Rússia já estava entendendo o que realmente é o imperialismo. Putin falou pela primeira vez ao conjunto das lideranças mundiais sobre o perigo da expansão da OTAN para as fronteiras da Rússia. Ele também mencionou a injusta e extrema desigualdade nas relações econômicas entre as nações ricas e as pobres e citou o exemplo de seu país.

“Mais de 26% da extração de petróleo na Rússia é feita pelo capital estrangeiro. Tentem encontrar um exemplo semelhante onde empresas russas participam tão extensamente em setores econômicos-have nos países ocidentais. Esses exemplos não existem. Eu também recordaria a paridade de investimentos estrangeiros na Rússia e aqueles que a Rússia faz no exterior. Ela é cerca de 15 para um. Durante um longo tempo nos falaram mais de uma vez sobre liberdade de expressão, liberdade de comércio e oportunidades iguais, mas, por alguma razão, exclusivamente em referência ao mercado russo.” – Essa declaração é de um significado que, ainda hoje, a maioria das pessoas não têm capacidade de compreender.

A Rússia mudou definitivamente de posição a partir da completa destruição da Líbia. De uma crença na colaboração com aqueles que buscavam lhe oprimir, passou a uma política de defesa contra essa opressão. Quando EUA, Reino Unido e França tentaram repetir na Síria o que fizeram na Líbia, Moscou e Pequim finalmente utilizaram seu poder de veto no Conselho de Segurança da ONU. Perceberam que a crise de 2008 obrigaria as nações imperialistas a aprofundar a exploração do restante dos países para salvar os seus monopólios e assegurar a manutenção da velha e apodrecida ordem mundial. E Rússia e China, com suas riquezas naturais, amplo mercado consumidor e, ao mesmo tempo, potencial econômico e bélico, seriam certamente grandes alvos dessa investida.

Contudo, a Rússia ainda não estava à altura de combater as ameaças iminentes. Por isso não impediu o golpe de 2014 na Ucrânia. A partir daí, ela aprendeu a adaptar sua economia às sanções impostas por EUA e Europa devido à reincorporação da Crimeia e acelerou o desenvolvimento e a modernização de seu poderio bélico.

No entanto, ao mesmo tempo em que a agressão imperialista aumentava contra as pequenas nações – com a invasão parcial da Síria pelos EUA e total do Mali pela França e com os golpes de Estado na Ásia e principalmente na América Latina –, a crise no centro do sistema imperialista se agudizava. Ela se expressou principalmente no Brexit e na polarização política nos EUA. A crise iniciada em 2008, ao contrário de ser superada, mostrou sinais de retorno. As forças imperialistas davam demonstrações de fraqueza.

Finalmente, a brusca expulsão dos Estados Unidos pelos talibãs no Afeganistão, em 2021, abriu o caminho que a Rússia tanto almejava para responder à asfixia que lhe foi imposta. A intervenção militar na guerra da Ucrânia (iniciada, a guerra, em 2014) completa dois anos demonstrando ao mundo que a Rússia aprendeu a lição dos últimos 30 anos. O governo de Vladimir Putin já não confia mais no imperialismo e tenta contra-atacá-lo. E, ao assistirem, estupefatos, como o exército russo peitou a OTAN e disse “não” à sua captura da Ucrânia para agredir a Rússia, os povos do mundo descobriram que já é hora de fazer como fizeram os russos – e antes, os afegãos. A espetacular operação Tempestade de al-Aqsa e a heroica guerra de resistência dos palestinos contra os sionistas só foi possível porque os talibãs abriram o caminho e os russos o expandiram, fazendo estremecer todo o sistema imperialista mundial.

Não restam dúvidas de que outras nações oprimidas seguirão o exemplo da Rússia. Na verdade, desde 2022 Moscou vem atraindo um número crescente de adeptos à sua proposta de combate à hegemonia ocidental.

Putin pensou que poderia participar de igual para igual na repartição do mundo, como Stálin havia pensado. Mas o clube imperialista está fechado para novos sócios há muito tempo. Como Putin é mais inteligente que Stálin – e que quase todos os líderes nacionais contemporâneos –, abandonou as perspectivas de cooperação com a OTAN e (graças a Deus!) se transformou em um “megalomaníaco”, nas palavras de George Robertson.

Falta apenas um obstáculo a ser ultrapassado para que os russos recebam uma nota dez em sua lição de casa: a independência completa da Rússia em relação às grandes potências capitalistas. Esse, na verdade, é o maior dos obstáculos. Ainda há uma importante influência da velha ordem imperialista sobre a economia, a política e a sociedade russas, apesar dos avanços espetaculares dos últimos anos.

Esse nível de independência só poderá ser alcançado com uma vitória sobre as potências imperialistas. Isto é, uma vitória sobre o domínio mundial do imperialismo. A “multipolaridade” verdadeira apenas será viável quando não houver mais potências imperiais, ou seja, quando os atuais regimes políticos e econômicos das grandes potências capitalistas, EUA e Europa, deixarem de existir. Quando o sistema capitalista internacional for superado, encerrando assim a era da exploração de uma nação por outra. Infelizmente, isso já não depende mais da Rússia. Mas sua ação contra essa ordem internacional é uma ajuda preciosa aos demais povos, que acelera o processo de decomposição dessa velha ordem e nos anima a acreditar que um outro mundo é possível.

Publicado originalmente por sakerlatam.org

Putin aprendeu com seus erros e hoje nos dá lições preciosas

Junte-se a nós no Telegram Twitter  e VK .

Escreva para nós: info@strategic-culture.su

Em sua entrevista com o jornalista americano Tucker Carlson, o presidente Vladimir Putin mencionou um fato que, para aqueles – como eu – que não acompanhavam a política internacional 20 anos atrás, parece uma coisa surrealista.

O líder russo se referiu a uma reunião que teve com o então presidente americano, Bill Clinton, no Kremlin de Moscou.

“Eu perguntei a ele: ‘Bill, se a Rússia levantasse a questão da adesão à OTAN, você acha que ela seria possível?’”, disse Putin a Carlson. “Clinton respondeu: ‘seria interessante, acho que sim!’”, continuou. Na noite daquele mesmo dia, quando os dois se encontraram novamente, para jantar, a opinião de Clinton havia mudado radicalmente. “‘Eu conversei com a minha equipe. Agora não é possível’”, disse Clinton a Putin, segundo este último.

“Se ele tivesse dito ‘sim’, começaria o processo de aproximação, e, no final das contas, isso poderia ter acontecido se víssemos um desejo sincero dos parceiros”, explicou a Carlson.

Alguns dias depois dessa badalada entrevista que rodou o mundo, a BBC veiculou uma entrevista com um ex-chefe da OTAN confirmando as intenções de Putin em se unir à aliança militar no início dos anos 2000. “Nós tivemos uma boa relação”, revelou George Robertson.

O Putin que ele conheceu “queria cooperar com a OTAN” e “era muito, muito diferente desse quase megalomaníaco de hoje”, recordou o histórico membro do Partido Trabalhista britânico, ferrenho defensor da escravidão da Escócia sob o jugo inglês – embora ele seja escocês – e que não percebe que lhe falta absoluto moral para criticar a intervenção russa na Ucrânia.

Com toda a arrogância de um britânico que ainda se acha dono do mundo, Robertson indicou que as potências imperialistas que, sob o seu mandato à frente da OTAN, terminavam de agredir a Iugoslávia e iniciavam as invasões ao Afeganistão e ao Iraque não queriam tratar a Rússia como um igual, mas sim como um vassalo dentro da organização.

Putin talvez não tenha entendido plenamente o recado naquela época. Ele ainda não percebia as aspirações expansionistas da OTAN. Lutava contra os separatistas muçulmanos chechenos, que praticavam atentados terroristas em território russo. Logo, sentia a necessidade de apoiar a famigerada “guerra ao terror” de George W. Bush.

De fato, até então as relações entre Rússia e o Ocidente eram relativamente boas desde a dissolução da União Soviética. Yeltsin era um queridinho da “comunidade internacional”, assim como havia sido Gorbatchov. Mas a devastação econômica causada pelo choque neoliberal não agradou uma parcela importante da elite russa, particularmente os militares.

A crise política, econômica e social não se resolvia. Em 1998, oito em cada dez fazendas haviam falido e 70 mil fábricas estatais haviam fechado. Em 1994, um terço dos russos vivia abaixo da linha da pobreza e, mesmo dez anos depois, ainda eram 20% nessa situação. A Rússia perdera 10% de sua população devido à selvageria capitalista. Os índices de suicídio, assassinato, alcoolismo, consumo de drogas, doenças sexualmente transmissíveis e prostituição haviam aumentado exponencialmente. Enormes manifestações de rua expressavam o descontentamento da população, que quase levou à volta do partido comunista ao poder. O presidente do país era um beberrão e a Guerra da Chechênia ameaçava se espalhar por outras regiões e balcanizar a Rússia – a divisão da Iugoslávia ocorria paralelamente à crise russa.

Putin subiu ao poder como um sucessor natural de Yeltsin. Mas as condições reais da Rússia (internas e externas) o obrigaram a tomar um caminho oposto. As pressões sociais internas se somavam ao tratamento de segunda classe recebido das potências ocidentais e às movimentações da OTAN em direção à sua fronteira.

Ele começou estabilizando a situação interna. Reestatizou empresas-chave dos setores de gás, petróleo e aviação, como a Rosneft, a Yukos (incorporada à Rosneft), a Gazprom e a Aeroflot e criou a RZD para controlar o sistema de transporte. Também beneficiou os capitalistas nacionais (ou “oligarcas”, segundo a propaganda dos banqueiros internacionais) em detrimento dos estrangeiros. Ao mesmo tempo, combateu os separatistas com mão de ferro, retomou o controle do Cáucaso, pacificou a região e unificou plenamente o país.

Apesar de apoiar oficialmente a guerra de Putin contra os chechenos, na verdade os EUA tinham uma política dupla. Ao mesmo tempo, interessava às potências imperialistas dividir a Rússia para enfraquecê-la ainda mais do que fizeram com a queda da URSS. Afinal de contas, ainda que o governo de um determinado país seja um aliado, sempre é preferível ao imperialismo reduzir o seu território para facilitar a sua dominação.

Enquanto não aceitavam a integração da Rússia, as potências imperialistas compravam os antigos aliados de Moscou e os integravam à OTAN. Em 1999, República Tcheca, Hungria e Polônia entraram para a aliança. Em 2004, foi a vez de Bulgária, Eslováquia, Eslovênia, Estônia, Letônia, Lituânia e Romênia. Em 2009, Albânia e Croácia. A Rússia estava cercada militarmente, com armas apontadas para o seu território, pelos mesmos que, àquela altura, já haviam devastado o Iraque e o Afeganistão.

A Revolução Laranja na Ucrânia, em 2004, e a Guerra da Ossétia, em 2008, reforçaram os argumentos daqueles que avisavam sobre uma ameaça real à Rússia. Mas, aparentemente, essas vozes ainda não eram dominantes no Kremlin. Moscou – e também Pequim, diga-se de passagem – permitiu os bombardeios de EUA, Reino Unido e França contra a Líbia e a posterior execução de Muammar Kadafi, acreditando ingenuamente que o imperialismo ocidental pararia por aí.

Mas os russos estavam aprendendo com a experiência recente. O famoso discurso de Putin na Conferência de Segurança de Munique, em 2007, durante o qual o mandatário criticou a demagogia pseudodemocrática, o modelo unipolar e o expansionismo imperialista e suas guerras de conquista, indicou que a Rússia já estava entendendo o que realmente é o imperialismo. Putin falou pela primeira vez ao conjunto das lideranças mundiais sobre o perigo da expansão da OTAN para as fronteiras da Rússia. Ele também mencionou a injusta e extrema desigualdade nas relações econômicas entre as nações ricas e as pobres e citou o exemplo de seu país.

“Mais de 26% da extração de petróleo na Rússia é feita pelo capital estrangeiro. Tentem encontrar um exemplo semelhante onde empresas russas participam tão extensamente em setores econômicos-have nos países ocidentais. Esses exemplos não existem. Eu também recordaria a paridade de investimentos estrangeiros na Rússia e aqueles que a Rússia faz no exterior. Ela é cerca de 15 para um. Durante um longo tempo nos falaram mais de uma vez sobre liberdade de expressão, liberdade de comércio e oportunidades iguais, mas, por alguma razão, exclusivamente em referência ao mercado russo.” – Essa declaração é de um significado que, ainda hoje, a maioria das pessoas não têm capacidade de compreender.

A Rússia mudou definitivamente de posição a partir da completa destruição da Líbia. De uma crença na colaboração com aqueles que buscavam lhe oprimir, passou a uma política de defesa contra essa opressão. Quando EUA, Reino Unido e França tentaram repetir na Síria o que fizeram na Líbia, Moscou e Pequim finalmente utilizaram seu poder de veto no Conselho de Segurança da ONU. Perceberam que a crise de 2008 obrigaria as nações imperialistas a aprofundar a exploração do restante dos países para salvar os seus monopólios e assegurar a manutenção da velha e apodrecida ordem mundial. E Rússia e China, com suas riquezas naturais, amplo mercado consumidor e, ao mesmo tempo, potencial econômico e bélico, seriam certamente grandes alvos dessa investida.

Contudo, a Rússia ainda não estava à altura de combater as ameaças iminentes. Por isso não impediu o golpe de 2014 na Ucrânia. A partir daí, ela aprendeu a adaptar sua economia às sanções impostas por EUA e Europa devido à reincorporação da Crimeia e acelerou o desenvolvimento e a modernização de seu poderio bélico.

No entanto, ao mesmo tempo em que a agressão imperialista aumentava contra as pequenas nações – com a invasão parcial da Síria pelos EUA e total do Mali pela França e com os golpes de Estado na Ásia e principalmente na América Latina –, a crise no centro do sistema imperialista se agudizava. Ela se expressou principalmente no Brexit e na polarização política nos EUA. A crise iniciada em 2008, ao contrário de ser superada, mostrou sinais de retorno. As forças imperialistas davam demonstrações de fraqueza.

Finalmente, a brusca expulsão dos Estados Unidos pelos talibãs no Afeganistão, em 2021, abriu o caminho que a Rússia tanto almejava para responder à asfixia que lhe foi imposta. A intervenção militar na guerra da Ucrânia (iniciada, a guerra, em 2014) completa dois anos demonstrando ao mundo que a Rússia aprendeu a lição dos últimos 30 anos. O governo de Vladimir Putin já não confia mais no imperialismo e tenta contra-atacá-lo. E, ao assistirem, estupefatos, como o exército russo peitou a OTAN e disse “não” à sua captura da Ucrânia para agredir a Rússia, os povos do mundo descobriram que já é hora de fazer como fizeram os russos – e antes, os afegãos. A espetacular operação Tempestade de al-Aqsa e a heroica guerra de resistência dos palestinos contra os sionistas só foi possível porque os talibãs abriram o caminho e os russos o expandiram, fazendo estremecer todo o sistema imperialista mundial.

Não restam dúvidas de que outras nações oprimidas seguirão o exemplo da Rússia. Na verdade, desde 2022 Moscou vem atraindo um número crescente de adeptos à sua proposta de combate à hegemonia ocidental.

Putin pensou que poderia participar de igual para igual na repartição do mundo, como Stálin havia pensado. Mas o clube imperialista está fechado para novos sócios há muito tempo. Como Putin é mais inteligente que Stálin – e que quase todos os líderes nacionais contemporâneos –, abandonou as perspectivas de cooperação com a OTAN e (graças a Deus!) se transformou em um “megalomaníaco”, nas palavras de George Robertson.

Falta apenas um obstáculo a ser ultrapassado para que os russos recebam uma nota dez em sua lição de casa: a independência completa da Rússia em relação às grandes potências capitalistas. Esse, na verdade, é o maior dos obstáculos. Ainda há uma importante influência da velha ordem imperialista sobre a economia, a política e a sociedade russas, apesar dos avanços espetaculares dos últimos anos.

Esse nível de independência só poderá ser alcançado com uma vitória sobre as potências imperialistas. Isto é, uma vitória sobre o domínio mundial do imperialismo. A “multipolaridade” verdadeira apenas será viável quando não houver mais potências imperiais, ou seja, quando os atuais regimes políticos e econômicos das grandes potências capitalistas, EUA e Europa, deixarem de existir. Quando o sistema capitalista internacional for superado, encerrando assim a era da exploração de uma nação por outra. Infelizmente, isso já não depende mais da Rússia. Mas sua ação contra essa ordem internacional é uma ajuda preciosa aos demais povos, que acelera o processo de decomposição dessa velha ordem e nos anima a acreditar que um outro mundo é possível.

Publicado originalmente por sakerlatam.org

Junte-se a nós no Telegram Twitter  e VK .

Escreva para nós: info@strategic-culture.su

Em sua entrevista com o jornalista americano Tucker Carlson, o presidente Vladimir Putin mencionou um fato que, para aqueles – como eu – que não acompanhavam a política internacional 20 anos atrás, parece uma coisa surrealista.

O líder russo se referiu a uma reunião que teve com o então presidente americano, Bill Clinton, no Kremlin de Moscou.

“Eu perguntei a ele: ‘Bill, se a Rússia levantasse a questão da adesão à OTAN, você acha que ela seria possível?’”, disse Putin a Carlson. “Clinton respondeu: ‘seria interessante, acho que sim!’”, continuou. Na noite daquele mesmo dia, quando os dois se encontraram novamente, para jantar, a opinião de Clinton havia mudado radicalmente. “‘Eu conversei com a minha equipe. Agora não é possível’”, disse Clinton a Putin, segundo este último.

“Se ele tivesse dito ‘sim’, começaria o processo de aproximação, e, no final das contas, isso poderia ter acontecido se víssemos um desejo sincero dos parceiros”, explicou a Carlson.

Alguns dias depois dessa badalada entrevista que rodou o mundo, a BBC veiculou uma entrevista com um ex-chefe da OTAN confirmando as intenções de Putin em se unir à aliança militar no início dos anos 2000. “Nós tivemos uma boa relação”, revelou George Robertson.

O Putin que ele conheceu “queria cooperar com a OTAN” e “era muito, muito diferente desse quase megalomaníaco de hoje”, recordou o histórico membro do Partido Trabalhista britânico, ferrenho defensor da escravidão da Escócia sob o jugo inglês – embora ele seja escocês – e que não percebe que lhe falta absoluto moral para criticar a intervenção russa na Ucrânia.

Com toda a arrogância de um britânico que ainda se acha dono do mundo, Robertson indicou que as potências imperialistas que, sob o seu mandato à frente da OTAN, terminavam de agredir a Iugoslávia e iniciavam as invasões ao Afeganistão e ao Iraque não queriam tratar a Rússia como um igual, mas sim como um vassalo dentro da organização.

Putin talvez não tenha entendido plenamente o recado naquela época. Ele ainda não percebia as aspirações expansionistas da OTAN. Lutava contra os separatistas muçulmanos chechenos, que praticavam atentados terroristas em território russo. Logo, sentia a necessidade de apoiar a famigerada “guerra ao terror” de George W. Bush.

De fato, até então as relações entre Rússia e o Ocidente eram relativamente boas desde a dissolução da União Soviética. Yeltsin era um queridinho da “comunidade internacional”, assim como havia sido Gorbatchov. Mas a devastação econômica causada pelo choque neoliberal não agradou uma parcela importante da elite russa, particularmente os militares.

A crise política, econômica e social não se resolvia. Em 1998, oito em cada dez fazendas haviam falido e 70 mil fábricas estatais haviam fechado. Em 1994, um terço dos russos vivia abaixo da linha da pobreza e, mesmo dez anos depois, ainda eram 20% nessa situação. A Rússia perdera 10% de sua população devido à selvageria capitalista. Os índices de suicídio, assassinato, alcoolismo, consumo de drogas, doenças sexualmente transmissíveis e prostituição haviam aumentado exponencialmente. Enormes manifestações de rua expressavam o descontentamento da população, que quase levou à volta do partido comunista ao poder. O presidente do país era um beberrão e a Guerra da Chechênia ameaçava se espalhar por outras regiões e balcanizar a Rússia – a divisão da Iugoslávia ocorria paralelamente à crise russa.

Putin subiu ao poder como um sucessor natural de Yeltsin. Mas as condições reais da Rússia (internas e externas) o obrigaram a tomar um caminho oposto. As pressões sociais internas se somavam ao tratamento de segunda classe recebido das potências ocidentais e às movimentações da OTAN em direção à sua fronteira.

Ele começou estabilizando a situação interna. Reestatizou empresas-chave dos setores de gás, petróleo e aviação, como a Rosneft, a Yukos (incorporada à Rosneft), a Gazprom e a Aeroflot e criou a RZD para controlar o sistema de transporte. Também beneficiou os capitalistas nacionais (ou “oligarcas”, segundo a propaganda dos banqueiros internacionais) em detrimento dos estrangeiros. Ao mesmo tempo, combateu os separatistas com mão de ferro, retomou o controle do Cáucaso, pacificou a região e unificou plenamente o país.

Apesar de apoiar oficialmente a guerra de Putin contra os chechenos, na verdade os EUA tinham uma política dupla. Ao mesmo tempo, interessava às potências imperialistas dividir a Rússia para enfraquecê-la ainda mais do que fizeram com a queda da URSS. Afinal de contas, ainda que o governo de um determinado país seja um aliado, sempre é preferível ao imperialismo reduzir o seu território para facilitar a sua dominação.

Enquanto não aceitavam a integração da Rússia, as potências imperialistas compravam os antigos aliados de Moscou e os integravam à OTAN. Em 1999, República Tcheca, Hungria e Polônia entraram para a aliança. Em 2004, foi a vez de Bulgária, Eslováquia, Eslovênia, Estônia, Letônia, Lituânia e Romênia. Em 2009, Albânia e Croácia. A Rússia estava cercada militarmente, com armas apontadas para o seu território, pelos mesmos que, àquela altura, já haviam devastado o Iraque e o Afeganistão.

A Revolução Laranja na Ucrânia, em 2004, e a Guerra da Ossétia, em 2008, reforçaram os argumentos daqueles que avisavam sobre uma ameaça real à Rússia. Mas, aparentemente, essas vozes ainda não eram dominantes no Kremlin. Moscou – e também Pequim, diga-se de passagem – permitiu os bombardeios de EUA, Reino Unido e França contra a Líbia e a posterior execução de Muammar Kadafi, acreditando ingenuamente que o imperialismo ocidental pararia por aí.

Mas os russos estavam aprendendo com a experiência recente. O famoso discurso de Putin na Conferência de Segurança de Munique, em 2007, durante o qual o mandatário criticou a demagogia pseudodemocrática, o modelo unipolar e o expansionismo imperialista e suas guerras de conquista, indicou que a Rússia já estava entendendo o que realmente é o imperialismo. Putin falou pela primeira vez ao conjunto das lideranças mundiais sobre o perigo da expansão da OTAN para as fronteiras da Rússia. Ele também mencionou a injusta e extrema desigualdade nas relações econômicas entre as nações ricas e as pobres e citou o exemplo de seu país.

“Mais de 26% da extração de petróleo na Rússia é feita pelo capital estrangeiro. Tentem encontrar um exemplo semelhante onde empresas russas participam tão extensamente em setores econômicos-have nos países ocidentais. Esses exemplos não existem. Eu também recordaria a paridade de investimentos estrangeiros na Rússia e aqueles que a Rússia faz no exterior. Ela é cerca de 15 para um. Durante um longo tempo nos falaram mais de uma vez sobre liberdade de expressão, liberdade de comércio e oportunidades iguais, mas, por alguma razão, exclusivamente em referência ao mercado russo.” – Essa declaração é de um significado que, ainda hoje, a maioria das pessoas não têm capacidade de compreender.

A Rússia mudou definitivamente de posição a partir da completa destruição da Líbia. De uma crença na colaboração com aqueles que buscavam lhe oprimir, passou a uma política de defesa contra essa opressão. Quando EUA, Reino Unido e França tentaram repetir na Síria o que fizeram na Líbia, Moscou e Pequim finalmente utilizaram seu poder de veto no Conselho de Segurança da ONU. Perceberam que a crise de 2008 obrigaria as nações imperialistas a aprofundar a exploração do restante dos países para salvar os seus monopólios e assegurar a manutenção da velha e apodrecida ordem mundial. E Rússia e China, com suas riquezas naturais, amplo mercado consumidor e, ao mesmo tempo, potencial econômico e bélico, seriam certamente grandes alvos dessa investida.

Contudo, a Rússia ainda não estava à altura de combater as ameaças iminentes. Por isso não impediu o golpe de 2014 na Ucrânia. A partir daí, ela aprendeu a adaptar sua economia às sanções impostas por EUA e Europa devido à reincorporação da Crimeia e acelerou o desenvolvimento e a modernização de seu poderio bélico.

No entanto, ao mesmo tempo em que a agressão imperialista aumentava contra as pequenas nações – com a invasão parcial da Síria pelos EUA e total do Mali pela França e com os golpes de Estado na Ásia e principalmente na América Latina –, a crise no centro do sistema imperialista se agudizava. Ela se expressou principalmente no Brexit e na polarização política nos EUA. A crise iniciada em 2008, ao contrário de ser superada, mostrou sinais de retorno. As forças imperialistas davam demonstrações de fraqueza.

Finalmente, a brusca expulsão dos Estados Unidos pelos talibãs no Afeganistão, em 2021, abriu o caminho que a Rússia tanto almejava para responder à asfixia que lhe foi imposta. A intervenção militar na guerra da Ucrânia (iniciada, a guerra, em 2014) completa dois anos demonstrando ao mundo que a Rússia aprendeu a lição dos últimos 30 anos. O governo de Vladimir Putin já não confia mais no imperialismo e tenta contra-atacá-lo. E, ao assistirem, estupefatos, como o exército russo peitou a OTAN e disse “não” à sua captura da Ucrânia para agredir a Rússia, os povos do mundo descobriram que já é hora de fazer como fizeram os russos – e antes, os afegãos. A espetacular operação Tempestade de al-Aqsa e a heroica guerra de resistência dos palestinos contra os sionistas só foi possível porque os talibãs abriram o caminho e os russos o expandiram, fazendo estremecer todo o sistema imperialista mundial.

Não restam dúvidas de que outras nações oprimidas seguirão o exemplo da Rússia. Na verdade, desde 2022 Moscou vem atraindo um número crescente de adeptos à sua proposta de combate à hegemonia ocidental.

Putin pensou que poderia participar de igual para igual na repartição do mundo, como Stálin havia pensado. Mas o clube imperialista está fechado para novos sócios há muito tempo. Como Putin é mais inteligente que Stálin – e que quase todos os líderes nacionais contemporâneos –, abandonou as perspectivas de cooperação com a OTAN e (graças a Deus!) se transformou em um “megalomaníaco”, nas palavras de George Robertson.

Falta apenas um obstáculo a ser ultrapassado para que os russos recebam uma nota dez em sua lição de casa: a independência completa da Rússia em relação às grandes potências capitalistas. Esse, na verdade, é o maior dos obstáculos. Ainda há uma importante influência da velha ordem imperialista sobre a economia, a política e a sociedade russas, apesar dos avanços espetaculares dos últimos anos.

Esse nível de independência só poderá ser alcançado com uma vitória sobre as potências imperialistas. Isto é, uma vitória sobre o domínio mundial do imperialismo. A “multipolaridade” verdadeira apenas será viável quando não houver mais potências imperiais, ou seja, quando os atuais regimes políticos e econômicos das grandes potências capitalistas, EUA e Europa, deixarem de existir. Quando o sistema capitalista internacional for superado, encerrando assim a era da exploração de uma nação por outra. Infelizmente, isso já não depende mais da Rússia. Mas sua ação contra essa ordem internacional é uma ajuda preciosa aos demais povos, que acelera o processo de decomposição dessa velha ordem e nos anima a acreditar que um outro mundo é possível.

Publicado originalmente por sakerlatam.org

The views of individual contributors do not necessarily represent those of the Strategic Culture Foundation.

See also

February 18, 2024
February 19, 2024
February 17, 2024

See also

February 18, 2024
February 19, 2024
February 17, 2024
The views of individual contributors do not necessarily represent those of the Strategic Culture Foundation.