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December 27, 2023
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Novo livro afiança: desencanto político e erosão do trabalho são inseparáveis. Ao criar multidões sem direitos, salários dignos ou força sindical, neoliberalismo alimentou ressentimentos e abriu portas ao fascismo. Nos EUA, sindicalismo reage

Por Ruy BRAGA

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Washington e Henry Ford são os símbolos da civilização americana.
E, no geral, esse julgamento instintivo está correto.
C. L. R. James, American Civilization
(Cambridge, Blackwell, 1993)

Desde o ataque ao Capitólio no dia 6 de janeiro de 2021, tornou-se lugar-comum afirmar que as instituições responsáveis pela regulação da democracia liberal encontram-se sitiadas por vândalos movidos a fake news. Ressalvadas as diferenças, a tentativa de golpe de Estado em Brasília provou dois anos depois que a ameaça autoritária não mais se contenta em desmantelar por dentro a ordem democrática liberal. Lá e cá, enquanto o compromisso da esquerda e da centro-esquerda com o socialismo democrático permaneceu silente, a extrema direita seguiu trombeteando seu desejo de abater o regime político liberal a tiros, pouco importando se de colecionador, atirador desportivo ou caçador.

Imediatamente após o fracasso da intentona bolsonarista, as opiniões se alinharam aos campos aglutinados pela polarização política vigente no momento. Enquanto muitos apontaram para o perigo do fascismo, outros tentaram atenuar a ação golpista evocando o sacrossanto direito à liberdade de expressão. Se os distúrbios em Brasília e em Washington não nos lançaram no abismo autoritário, ainda assim parece claro se tratar de dupla historicamente extraordinária, devendo ser tratada com a devida atenção.

Acompanhando Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, diríamos que, quando as instituições da democracia liberal se mostram vulneráveis a ataques externos, é porque elas já sofrem um acelerado desmanche interno1. Outrora protagonistas da cena política, os partidos carecem de poder para implementar programas que respondam às angústias de seus constituintes. Em diferentes sociedades nacionais, é possível perceber que forças progressistas, a fim de ampliar seu contingente eleitoral, têm avançado sistematicamente rumo ao centro, tentando atrair eleitores conservadores, enquanto enfrentam uma extrema direita cada dia mais racista e reacionária, capaz de amealhar inusual apoio nas classes subalternas[2].

O resultado dessa crise de hegemonia[3] pode ser observado por toda a América Latina: a consolidação de uma polarização assimétrica, que opõe um progressismo vacilante a seus determinados inimigos da extrema direita. Trata-se de um quadro bem diferente daquele verificado no passado recente. Entre 1998 e 2016, por exemplo, apesar das amarras neoliberais, um ciclo politicamente progressista favoreceu diferentes governos de centro-esquerda na América do Sul4. Empregando alguma “contabilidade criativa” seria possível incluir até mesmo os governos de Barack Obama nessa “onda rosa”[5].

No entanto, após a eleição de Donald Trump, a restauração conservadora tomou conta da região. Momento culminante da nova vaga, a vitória de Jair Bolsonaro em 2018 marcou igualmente seu ponto de inflexão. A partir de então, insurgências plebeias na Bolívia, no Chile, na Colômbia, em Honduras e no Peru impulsionaram vitórias eleitorais de forças progressistas no subcontinente, enquanto governos neoliberais fracassados na Argentina e no México ajudaram a revitalizar projetos centro-esquerdistas nesses países[6].

As vitórias de Joe Biden em 2020 e de Lula da Silva em 2022 sugerem que a “normalidade” política parece estar retornando às maiores democracias liberais do continente. No entanto, as estreitíssimas margens de suas respectivas vitórias anunciam que o fantasma da extrema direita seguirá assombrando as Américas por um bom tempo. No Chile, por exemplo, logo após a vitória de Gabriel Boric na eleição presidencial de 2021, a esmagadora derrota da esquerda no plebiscito constitucional em setembro de 2022 e a vitória em maio de 2023 da extrema direita na votação para o novo conselho constitucional evidenciaram um cenário político volátil e sombrio. Os casos equatoriano e peruano avançam na mesma direção.

Onde ainda se encontram mais ou menos ativos, na Argentina, no Brasil, no México e, em menor medida, nos Estados Unidos, os sindicatos pesam cada dia menos nas decisões estratégicas dos partidos políticos. Outrora considerados as principais forças de ligação entre trabalhadores e lideranças políticas, eles enfrentam no mundo todo taxas de densidade declinantes sem aparentemente contar com um plano alternativo ao habitual apoio a políticos menos hostis às pautas corporativistas. Especializado em representar uma classe trabalhadora fordista em vias de desaparecer, o sindicalismo luta para se reinventar. Porém, sem saber exatamente como.

Não por acaso, o declínio trabalhista em escala global foi acompanhado pelo aumento da desigualdade entre as classes sociais, pelo crescimento da alienação política e pelo fortalecimento do chauvinismo. Ainda assim, com as exceções de Adam Przeworski e de Wolfgang Streeck, a esmagadora maioria dos diagnósticos a respeito da atual crise da democracia liberal desconsidera a importância da devastação das organizações de representação e de luta dos trabalhadores na compreensão da ameaça nacionalista autoritária[7].

Priorizando explicações institucionalistas para a escalada autoritária, essas análises desperdiçam a chance de inserir a ameaça da extrema direita no contexto das implicações socialmente devastadoras sobre as classes subalternas da crise da globalização neoliberal. Consequência previsível dos incessantes ataques ao maior responsável pela democratização das sociedades nacionais, isto é, o movimento organizado dos trabalhadores, a atual crise sociorreprodutiva das classes subalternas deveria estar no centro do debate sobre a crise da democracia. Nem de longe esse é o caso.

O duplo twist carpado

Daí a importância de recuperarmos a experiência coletiva do proletariado precarizado. Afinal, confinado nas dobras existentes entre a produção e a reprodução, esse “precariado” corresponde àquela fração da classe trabalhadora cuja observação permite revelar tanto o segredo da exploração econômica quanto a centralidade da expropriação política. Essa posição no interior da estrutura do conflito social capitalista faz com que o processo de reconstrução de suas identidades coletivas se transforme em uma ocasião mais que oportuna para a análise do atual processo de crise de hegemonia em escala global.

Na América Latina, foram os marxistas que insistiram na importância do trabalho precário para a caracterização das particularidades do capitalismo periférico por meio dos conceitos de “subproletariado”, “massa marginal” e “força de trabalho superexplorada”[8]. Revisitar a história dessa tradição foge ao escopo desta apresentação. Velhos amigos têm se dedicado a essa tarefa decisiva de maneira realmente notável[9]. Há mais de uma década, eu mesmo cheguei a esboçar um contraste entre os conceitos de subproletariado e de precariado, e devo dizer que tenho muito mais acordos que desacordos com os usos desses conceitos para a análise da relação “estrutural” entre centro e periferia capitalistas[10].

No entanto, se insisto em utilizar um conceito emprestado da sociologia crítica francesa, ainda que retificado pela teoria marxista da superpopulação relativa de trabalhadores, é devido à vontade de explorar diferentes contribuições do marxismo para uma análise da crise da globalização neoliberal que destaque paralelamente a agência política dos subalternos no Sul e no Norte globais. Aqui está subentendido que décadas de hegemonia neoliberal degradaram as condições sociais de reprodução dos trabalhadores no Norte a ponto de capturá-los numa fratura social equivalente àquela vivenciada pelos trabalhadores do Sul[11].

Em regra, o marxismo latino-americano é associado à ideia da expropriação do Sul pelo Norte. Nesses termos, o Norte seria a região em que predominaria a troca de equivalentes e o Sul o espaço marcado pela pilhagem colonial e pela expropriação neocolonial. Aos nossos olhos, trata-se de uma tese largamente comprovada pela sociologia e pela historiografia econômica marxistas[12]. E mesmo autores decoloniais que contemporaneamente criticam de maneira áspera o marxismo parecem querer reter o núcleo dessa agenda investigativa, movendo-se da ênfase na pilhagem do trabalho e das riquezas naturais à preocupação com a expropriação epistemológica dos povos do Sul pela matriz colonial de poder oriunda do Norte[13].

No entanto, o que aconteceria se o foco na análise da expropriação do Sul fosse deslocado para observar as relações sociais de produção e de reprodução do Norte? Ampliando a ideia da expropriação do Sul, somos capazes de perceber que o regime de acumulação no Norte cria sistematicamente seu próprio “Sul” a fim de transformá-lo em “objeto” de expropriação. Como sugeriu um autêntico representante do marxismo latino-americano, se a expropriação é condição da acumulação econômica, devemos concluir que não pode haver capitalismo sem que populações sejam submetidas à repetição da violência neocolonial[14].

Contra as interpretações predominantes nos anos 1950 que advogavam a existência de uma incompatibilidade entre os setores “moderno” e “atrasado” da estrutura econômica brasileira, Chico de Oliveira vislumbrou uma relação de determinação recíproca no interior de uma totalidade forjada por nossa condição periférica. A necessidade de compreender a particularidade dessa totalidade levou-o a realizar um “duplo twist carpado”. A pirueta em torno de si mesmo aproximou-o das práticas sociais da reprodução. E o duplo mortal subsequente ajustou seu foco para a expropriação política.

Por um lado, ao refletir sobre a reprodução como condição da produção, Chico destacou o papel da pequena agricultura de subsistência como fonte geradora de parte do excedente disponível para o investimento capitalista num autêntico processo de repetição da acumulação primitiva, só que ocorrido entre os anos 1930 e 1960. Em seguida, ele mostrou como a reprodução de condições de vida degradantes nas comunidades onde viviam as famílias trabalhadoras brasileiras servia para comprimir os custos de reprodução da força de trabalho no país, assegurando os lucros repartidos entre capitais nacionais e multinacionais.

Em outras palavras, na semiperiferia do sistema, a persistência do “atraso” rural assegurava o desempenho da produção “moderna”. De acordo com sua conhecida síntese:

A expansão do capitalismo no Brasil se dá introduzindo relações novas no arcaico e reproduzindo relações arcaicas no novo, um modo de compatibilizar a acumulação global, em que a introdução das relações novas no arcaico libera força de trabalho que suporta a acumulação industrial-urbana e em que a reprodução de relações arcaicas no novo preserva o potencial de acumulação liberado exclusivamente para os fins de expansão do próprio novo.[15]

Por outro lado, ao avaliar a expropriação como condição da acumulação, Chico argumentou que a continuidade da acumulação supunha a expropriação mais ou menos permanente do fundo público representado pela legislação trabalhista. Esquematicamente, isso significava tanto o contínuo desrespeito à CLT por parte das empresas quanto a manutenção de um imenso contingente de trabalhadores aprisionados na economia informal – portanto, expropriados de seus direitos trabalhistas e previdenciários. Isso explicava não apenas a postura antissindical dos empresários como a violência política com a qual o governo tratava as agitações trabalhistas. Nessas condições, a “luta pelo acesso aos ganhos da produtividade por parte das classes menos privilegiadas transforma-se necessariamente em contestação ao regime, e a luta pela manutenção da perspectiva da acumulação transforma-se necessariamente em repressão”[16].

No Sul, a violência política é ela mesma uma estrutura econômica. A compressão subnormal dos custos de reprodução se soma ao assalto permanente ao fundo público: agricultura da subsistência, desrespeito aos direitos trabalhistas, favelização e informalidade tornam-se os condicionantes de um regime de acumulação incapaz de prescindir da violência política, que, por sua vez, alimenta um estado mais ou menos permanente de inquietação social entre os trabalhadores.

Nesse contexto, os direitos de cidadania convertem-se num campo minado e aqueles “caipiras” recém-chegados do atrasado mundo rural transformam-se na vanguarda política que busca fazer com que a promessa de uma sociedade salarial baseada na igualdade jurídica e no pagamento integral do valor da força de trabalho seja cumprida.

As modernas relações industriais fordistas e periféricas eram inerentemente autoritárias e, portanto, atrasadas. As tradicionais relações de solidariedade rural eram intrinsecamente igualitárias e, em consequência, modernas. Decorre daí que os empresários modernos eram autênticos representantes do atraso e os trabalhadores atrasados encarnavam a mais pura modernidade. Finalmente, o diagnóstico dos impasses do desenvolvimento brasileiro transformou-se em uma análise de como as tensões econômicas entre as classes sociais se transmutavam em um inclemente antagonismo político. No Brasil, o futuro “está marcado pelos signos opostos do apartheid ou da revolução social”[17].

Suspeitamos que, ao combinar a reprodução social como condição da produção capitalista com a expropriação política como condição da exploração econômica, Chico não apenas criou uma chave interpretativa capaz de decifrar os enigmas de uma sociedade capitalista semiperiférica como lançou luz sobre alguns traços constitutivos do capitalismo enquanto tal. Ao fim e ao cabo, o que ele sugeriu é que a sociedade capitalista não pode prescindir de relações de opressão e de exploração que permitam às empresas “driblarem” a troca de equivalentes com os trabalhadores por meio da expropriação das relações sociais tradicionais de solidariedade entre os subalternos e do recurso à pequena produção familiar.

Inspirados por essa problemática, argumentamos que o neoliberalismo triunfante no século XXI precisou reinventar o processo de semiproletarização das classes subalternas como forma de assegurar a continuidade da acumulação capitalista, ainda que à custa da generalização de relações de troca de não equivalentes entre as classes sociais e, consequentemente, do recurso sistemático à violência política mais cruenta orientada contra as comunidades onde vivem e se reproduzem as famílias trabalhadoras[18].

Ao percebermos que o regime de acumulação contemporâneo depende do rebaixamento das condições de reprodução da classe trabalhadora em escala global, nos damos conta de que a expropriação sistemática de um “outro” ainda não mercantilizado integra o coração das relações capitalistas de produção[19]. Este livro é dedicado à agência desse “outro” marcado a ferro e fogo pelos signos opostos do apartheid ou da revolução social, pendulando continuamente entre o “atraso” e o “moderno”, entre a exploração e a expropriação, entre a formalidade e a informalidade, entre a mercantilização e a desmercantilização.

Nossa expectativa é que um conhecimento das condições de reprodução e das formas de mobilização coletiva desse “outro” será capaz de revelar tendências vitais da complexa mistura de lutas sociais que têm conflagrado as sociedades nacionais desde 2008. Para tanto, devemos nos deslocar da transferência do valor para o capital por meio da troca de equivalentes para outro tipo de relação que simplesmente prescinde das sutilezas do contrato de trabalho em favor da violência política desavergonhada.

Ainda assim, a manutenção da diferença entre a exploração econômica e a expropriação política é central para a sociedade capitalista, pois permite classificar quem são os trabalhadores portadores de direitos da cidadania, separando-os dos semicidadãos e dos não cidadãos. Aos últimos, é negada a proteção contra a violência política sistemática. Em geral, os semicidadãos e os não cidadãos são racializados por Estados e mercados, tornando a separação entre exploração e expropriação largamente coincidente com a “globalização da linha de cor global”[20].

Não resta dúvida de que esse processo depende em larga medida do desempenho do modelo de desenvolvimento do capitalismo racial estadunidense:

A opressão racial desempenhou um papel único na formação e no desenvolvimento histórico dos Estados Unidos. Desde que o encontro histórico dos hemisférios e o início da escravização transatlântica foram os atos fundamentais da criação da raça, uma vez que lançaram um processo histórico global e mundial de “constituição de pessoas” que criou o mundo moderno, a raça tornou-se tanto o modelo da diferença quanto da desigualdade. Essa é uma afirmação histórico-mundial, mas, aqui, nós a desenvolvemos apenas no contexto dos Estados Unidos.[21]

A exemplo de outros países com um passado escravista, também na América os regimes racializados de acumulação moldaram a estrutura da distribuição dos recursos atribuídos ou negados aos indivíduos e aos grupos sociais, estabelecendo, assim, as fronteiras que demarcaram sua integração aos direitos da cidadania ou sua exclusão deles. Nesse sentido, a opressão racial se transformou num instrumento da reprodução das desigualdades, em especial das desigualdades entre as classes sociais[22].

O que é o capitalismo racial?

Quer estejamos nos referindo ao escravismo, ao industrialismo, ao fordismo ou ao neoliberalismo, a persistência da opressão racial na história do capitalismo levou diferentes autores marxistas negros, entre os quais Angela Davis, Cedric J. Robinson, C. L. R. James, Cornel West, Eric Williams, Stuart Hall e W. E. B. Du Bois, por exemplo, a argumentarem que não pode haver capitalismo sem racismo23.

Mais recentemente, uma nova geração de marxistas negros formada, entre outros, por Barbara Ransby, Cedric Johnson, Keeanga-Yamahtta Taylor, Michelle Alexander e Ruth Wilson Gilmore, entre outros, procurou atualizar essa tese por meio de uma abordagem interseccional da opressão racial sob o neoliberalismo. O esforço teórico desses autores somou-se à dedicação militante de jovens ativistas antirracistas organizados desde o início dos anos 2010 na plataforma Black Lives Matter (BLM), revitalizando a principal indagação colocada pelo “marxismo negro”, isto é, a tradição radical que assume a centralidade axiológica do conhe- cimento das populações racialmente oprimidas como eixo norteador da análise social: seria o capitalismo necessariamente racista[24]?

Para responder a essa pergunta, devemos evitar a noção de excepcionalismo negro que advoga a existência nas diferentes sociedades nacionais de uma comunidade homogênea que se reproduz de forma separada dos demais grupos sociais subalternos25. Na realidade, afirmar que o capitalismo é inerentemente racista implica compreender o papel que a racialização desigual, porém combinada, dos diferentes grupos sociais subalternos cumpre na acumulação do capital. Para tanto, é preciso partir da relação entre a exploração econômica e a expropriação política na reprodução das relações sociais de produção capitalistas.

Como observou Rosa Luxemburgo, o capitalismo depende da existência de grupos sociais e de riquezas materiais “não capitalistas” a fim de sustentar a acumulação. Debruçando-se sobre os esquemas de reprodução presentes em O capital, a revolucionária polonesa identificou indícios suficientemente consistentes para concluir que, na condição de um sistema evolvente em escala mundial, o capitalismo não seria capaz de assegurar o processo de acumulação de capital sem recorrer a fontes ainda não mercantilizadas de trabalho e de matérias-primas localizadas em territórios ainda não capitalistas[26].

Portanto, se a expropriação política é condição para a exploração econômica, o capitalismo precisa redefinir permanentemente as fronteiras que separam aqueles povos e territórios que estão “dentro” daqueles que estão “fora” do domínio da troca de equivalentes. Aos nossos olhos, a moderna instrumentalização capitalista das formas tradicionais de racialização dos povos atende às exigências da produção política desses grupos “exploráveis” e “expropriáveis” necessários à acumulação. Em outras palavras, estamos integralmente de acordo com a tese segundo a qual “o racismo fornece o sentido, a lógica e a tecnologia para a reprodução das for- mas de desigualdade e violência que moldam a vida social contemporânea. De tal sorte, todas as outras classificações são apenas modos parciais – e, portanto, incompletos – de conceber o racismo”[27].

Além da natureza estrutural do racismo, vale lembrar que classificar indivíduos e grupos sociais como “outros”, com base em critérios étnico-raciais, religiosos, culturais e nacionais, é um fenômeno necessário à criação da própria identidade daqueles que classificam. Ou seja, definir quem somos “nós” depende de inventarmos a relação com os “outros”. Tendo em vista os diferentes interesses dos sujeitos que classificam, é compreensível que essa relação acabe justificando ou desafiando a reprodução de estruturas de desigualdade social e de dominação política já enraizadas na sociedade.

Em suma, quando falamos em racismo não estamos nos referindo simplesmen- te a crenças ou atitudes individuais. Aqui, vale lembrar a teoria do capitalismo racial e colonial desenvolvida por W. E. B. Du Bois segundo a qual a escravidão e o colonialismo foram essenciais para a ascensão do mercado mundial. Antes do capitalismo, argumentou o sociólogo estadunidense, as relações e as estruturas sociais na África seriam fluidas, evoluindo na ausência de uma rígida hierarquia enraizada em opressões raciais. Sem um sistema rígido de classificação dos povos, relações de produção vertebradas pela racialização dos produtores diretos teriam ficado subdesenvolvidas até o século XVII[28].

A ascensão do mercado mundial mudou radicalmente essa situação. A exemplo de Rosa Luxemburgo, Du Bois concluiu que o capitalismo seria desde sua origem um regime racializado de acumulação, ou seja, um sistema incapaz de se reproduzir sem reinventar permanentemente o racismo e o colonialismo. Para ele, não podemos imaginar a origem do capitalismo sem a violência política inerente à opressão racial que moldou o regime de trabalho compulsório nas grandes planta- ções coloniais. Ao lado da relação salarial, a escravidão emergiu como a estrutura fundamental da acumulação capitalista:

A raça negra foi a base sobre a qual o sistema capitalista foi criado, a Revolução Industrial realizada e o colonialismo imperial estabelecido. Se nos limitarmos à América, não podemos esquecer que a América foi construída sobre a África. De mero ponto de parada entre a Europa e a Ásia, a América tornou-se, por meio do trabalho africano, o centro do império do açúcar, do reino do algodão e parte essencial da indústria e do comércio mundial que produziu tanto a Revolução Industrial quanto a dominação capitalista.[29]

Em outras palavras, exploração econômica e expropriação política não devem ser pensadas de forma separada, pois a própria estrutura de classes criada pela sociedade moderna já é originalmente racializada. Ao desafiar as fronteiras raciais entre e intra classes, as diferentes formas de mobilização coletiva dos trabalhadores expropriados pelo colonialismo e pela escravidão teriam se transformado para Du Bois na principal força política por trás das mudanças da sociedade capitalista30. Esta pode ser considerada a premissa de sua conhecida análise a respeito do curso da Guerra Civil nos Estados Unidos. Para ele, a rebelião dos negros escravizados que fugiram em massa das fazendas localizadas no Sul do país, a fim de se juntarem aos exércitos nortistas, foi a razão que explicaria o resultado favorável do conflito para as forças da União:

Não era apenas o desejo de parar o trabalho. Foi uma greve generalizada contra as condições de trabalho. Foi uma greve geral que envolveu no final talvez meio milhão de pessoas. Eles [trabalhadores escravizados] queriam parar a economia do sistema de plantação e, para isso, abandonaram as fazendas. […] Foi o escravo fugitivo que fez os senhores de escravos encararem a alternativa: ou se rendiam ao Norte ou se rendiam aos negros.31

Ao se libertarem por meio de uma “greve geral” contra o regime escravista de acumulação, os trabalhadores negros desafiaram a fronteira racial que os separava dos trabalhadores brancos, impulsionando uma reação até certo ponto imprevista: os trabalhadores brancos do Sul do país alinharam-se às forças da opressão racial. Para Du Bois, a formação de uma subjetividade racista entre os trabalhadores explicaria tanto a relutância dos brancos em apoiar o movimento abolicionista, quanto o colapso do projeto de reconstrução dos Estados Unidos após a Guerra Civil.

Em suma, ao defenderem a fronteira racial que os separava dos negros escravizados, os trabalhadores brancos teriam subjetivado uma disposição social refratária à igualdade com os ex-escravizados, essencializando aquilo que Du Bois chamou de “salário público e psicológico” da branquitude:

Devemos lembrar que o grupo formado por trabalhadores brancos, embora recebesse um salário baixo, era recompensado em parte por uma espécie de salário público e psicológico. Eles receberam a deferência pública e os títulos de cortesia porque eram brancos. […] Por outro lado, o negro estava sujeito ao insulto público; tinha medo das turbas; estava sujeito às zombarias das crianças e aos medos irracionais das mulheres brancas; e foi compelido a se submeter continuamente aos incontáveis emblemas da inferioridade.[32]

Nesse sentido, a essencialização de uma subjetividade racializada entre os brancos pobres teria bloqueado a unidade política com os trabalhadores negros, assegurando, mesmo após o fim da escravidão, que as divisões raciais permanecessem inalteradas. Em suma, o regime racializado de acumulação resultante do fracasso do período da Reconstrução não apenas desestimulou o reconhecimento da existência da opressão racial pelos trabalhadores brancos como impulsionou os trabalhadores negros na direção das mobilizações por justiça racial.

Trata-se de um padrão histórico que perdura até os dias atuais. Trabalhadores negros, latinos e imigrantes sem documentos seguem desproporcionalmente representados na base social expropriada do regime de acumulação, vivendo nos bairros e nas comunidades mais pobres e carentes do país. Além disso, esses trabalhadores são vitimados tanto pela violência interna direcionada às comunidades quanto pelo assédio policial, pela expropriação dos direitos políticos e pelo encarceramento em massa que há décadas alimenta o complexo industrial-prisional estadunidense[33].

No entanto, quando observamos os impactos da crise iniciada em 2008 nas comunidades e nas pequenas cidades rurais onde vive parte significativa da classe trabalhadora “branca”, percebemos como suas condições gerais de reprodução aproximaram-se daquelas historicamente experimentadas pelos grupos racializados de trabalhadores nos Estados Unidos[34]. A combinação entre austericídio fiscal e desindustrialização redundou na diminuição dos empregos protegidos e ao mesmo tempo impulsionou a deterioração de infraestruturas sociais, como escolas, estradas e hospitais, deteriorando progressivamente o modo de vida tradicional dos trabalhadores outrora protegidos pelo pacto fordista.

À medida que a acumulação foi se tornando mais dependente da expropriação política, a precarização varreu o trabalho sindicalizado fazendo com que os salários caíssem abaixo dos valores socialmente necessários à reprodução normal da classe trabalhadora. Nesse sentido, a incorporação de grupos de trabalhadores brancos e nacionais ao precariado reciclou o regime racializado de acumulação capitalista.

Historicamente, é certo que o capitalismo jamais prescindiu de combinar exploração econômica e expropriação política. No entanto, até o final dos anos 1980, a história do capitalismo estadunidense foi marcada por uma fronteira bem definida separando trabalhadores nacionais explorados de grupos racializados expropriados.

Esquematicamente, os trabalhadores brancos, nacionais, masculinos, adultos e sindicalizados, eram submetidos à troca de equivalentes no mercado de trabalho e à exploração econômica nas fábricas. Os trabalhadores negros, latinos, imigrantes sem documentos, informais e as mulheres desorganizadas sindicalmente estavam sujeitos à troca de não equivalentes e às formas violentas de expropriação política. Nos Estados Unidos, o neoliberalismo redefiniu essa fronteira, aproximando os trabalhadores brancos e nacionais das condições de reprodução características dos grupos subalternos racializados.

Na medida em que ocupam os postos de trabalho mais precários e são as principais responsáveis por desempenhar atividades reprodutivas não remuneradas, as mulheres trabalhadoras foram as mais afetadas por esse deslocamento. No entanto, os trabalhadores masculinos também perceberam suas condições de vida e de trabalho se deteriorando, o que, para muitos analistas, favoreceu o agravamento do antagonismo racial, sobretudo no Sul do país[35].

Aqui, vale lembrar que a expulsão de trabalhadores do pacto fordista não estimulou exclusivamente reações racistas ou xenofóbicas. Ela também favoreceu o reconhecimento por grupos de trabalhadores brancos de que seu destino depende em grande medida da superação do regime racializado de acumulação. Assim, uma aliança política entre trabalhadores negros e brancos tornou-se um objetivo mais plausível. Em certa medida, o projeto de autorreforma do sindicalismo estadunidense dos anos 1990 e 2000 condensou alguns dos principais alcances e limites para a construção dessa aliança política.

Conforme veremos adiante, dirigido por sindicalistas brancos e assentado em demandas por justiça social orientadas para mobilizar grupos racializados de trabalhadores, esse projeto chocou-se com a revitalização do poder burocrático que aliena as bases da liderança sindical, não sendo capaz de reverter a tendência de queda da taxa de densidade sindical nos Estados Unidos.

Ainda assim, ao focar seus esforços organizativos em grupos racializados de trabalhadores usualmente responsáveis por atividades subalternas no setor de serviços, o projeto reformista conseguiu aumentar a influência dos sindicalistas sobre os governos do Partido Democrata. Além disso, o reformismo sindical opôs-se à Guerra do Iraque em 2003, foi o principal financiador da candidatura de Barack Obama à presidência em 2009 e apoiou os movimentos Occupy Wall Street, Dream e Black Lives Matter nos anos 2010[36].

Testando a hipótese “thompsoniana”

A reorientação estratégica do sindicalismo em direção aos grupos sociais racializados e a seus movimentos sociais acompanhou a mudança de foco do regime de acumulação estadunidense da exploração econômica para a expropriação política. Essa transição impulsionou a adoção por governos e empresas de políticas antissindicais que progressivamente desgastaram o padrão normal de reprodução da classe trabalhadora, ampliando sua borda precária e afastando um número crescente de trabalhadores do acesso aos direitos e benefícios trabalhistas. Isso acarretou uma série de ajustes na tradicional distribuição fordista dos trabalhadores entre setores explorados e expropriados.

Sob a hegemonia neoliberal, apesar de ser possível observar uma presença mais significativa de cidadãos negros entre os quadros profissionais, a identificação dos trabalhadores negros com o grupo expropriado permaneceu inalterada. No entanto, os trabalhadores brancos, tradicionalmente associados ao grupo explorado, passaram a experimentar um processo de expropriação política que aproximou as condições sociais de reprodução de suas comunidades daquelas verificadas nas comunidades negras.

Após o colapso do fordismo, a reelaboração das identidades coletivas dos grupos sociais subalternos, em especial a possibilidade do surgimento de uma aliança política bem-sucedida entre trabalhadores negros e brancos nos Estados Unidos, insere-se nesse contexto. Por isso, observando o período compreendido entre o início da crise da globalização neoliberal e o fim da pandemia do novo coronavírus, procuramos estudar a formação de dois tipos de comunidade de trabalhadores precários, a agônica e a insurgente, sublinhando a interação entre elas como um momento da eclosão de um potencial novo padrão de agitação trabalhista na América.

Há dez anos, quando comecei a estudar comparativamente a mobilização de trabalhadores precários na África do Sul, no Brasil e em Portugal, percebi que a crise da globalização neoliberal parecia sobrepor características dos dois principais padrões de agitação trabalhista identificados por Beverly J. Silver: as agitações “marxianas”, ou seja, aquelas definidas pela formação de novas classes trabalhadoras a partir de conflitos nos locais de trabalho, estavam se entrelaçando às agitações “polanyianas”, isto é, aquelas impulsionadas pelo desmanche de velhas classes trabalhadoras que reivindicavam proteção social dos governos[37].

A partir daí, aventei a hipótese de que um terceiro padrão poderia estar emergindo dos deslocamentos instigados pela crise da globalização neoliberal. Chamei esse padrão de “thompsoniano” a fim de não destacar nem o “fazer-se” marxiano, nem o “desfazer-se” polanyiano, e sim o “refazer-se” das identidades coletivas dos grupos sociais subalternos no decorrer de uma grande transformação social[38].

Todavia, meus achados de campo limitavam-se exclusivamente a países semiperiféricos. A ideia de analisar as metamorfoses do padrão de agitação trabalhista nos Estados Unidos nasceu do desejo de testar a plausibilidade da hipótese “thompsoniana” em uma escala mais ampla. Para tanto, dividimos o livro em três partes alinhadas grosseiramente aos momentos do “fazer-se”, do “desfazer-se” e, finalmente, do atual “refazer-se” das identidades coletivas dos grupos sociais subalternos capaz de sugerir do papado thompsoniano.

Na primeira parte, elaboramos um balanço da evolução do sindicalismo estadunidense entre os anos 1950 e 2000. De saída, delineamos o nascimento do padrão de agitação trabalhista dominado por uma burocracia sindical masculina, branca, nacional e indiferente às angústias de mulheres e negros. Nossa hipótese é que a partir dos anos 1960 o fordismo como um regime de acumulação racializado foi sabotado “por cima” pelo abandono das gerências do compromisso de distribuição aos trabalhadores dos ganhos de produtividade, além de desafiado “por baixo” por um ciclo de rebelião das bases cujos setores mais insatisfeitos eram justamente formados por mulheres e negros.

O segundo capítulo explorou o destino histórico desse ciclo, destacando o movimento que simultaneamente encarnou seu apogeu e sua derrocada: a greve nacional dos controladores de tráfego aéreo conduzida em 1981 pela Organização Profissional dos Controladores de Tráfego Aéreo (Professional Air Traffic Controllers Organization – Patco). Essa greve unificou governo e empresas no intuito de destruir irreversivelmente o pacto fordista na América, inaugurando um novo modelo de desenvolvimento sobre a erosão do sistema de solidariedades práticas, ou seja, da experiência política e moral coletivamente construída e partilhada pelos trabalhadores, oriunda do fordismo. A partir de então, não apenas os rendimentos do trabalho nos Estados Unidos estagnaram em relação ao aumento dos lucros das empresas como a tendência de aumento da sindicalização foi revertida para não mais se recuperar.

O terceiro capítulo investigou uma das primeiras tentativas do sindicalismo de enfrentar essa grande tendência por meio da organização do precariado racializado do setor de serviços: a campanha nacional liderada pelo Sindicato Internacional dos Empregados do Setor de Serviços (Seiu) conhecida como “Justiça para os Faxineiros e Zeladores”. Trata-se de uma estratégia de organização focada tanto nos locais de trabalho quanto nas comunidades onde vivem os trabalhadores precários, em sua maioria imigrantes sem documentos. Ademais, essa campanha influenciou diretamente o projeto de reforma sindical liderado por John Sweeney quando de sua eleição em 1995 para a presidência da federação AFL-CIO.

No quarto capítulo, avaliamos algumas tensões que levaram ao colapso do projeto de reforma sindical proposto por Sweeney. Para tanto, examinamos as razões do racha liderado por Andy Stern em 2005 na AFL-CIO e a subsequente criação de uma federação concorrente, batizada de Mudar para Vencer (Change to Win – CTW). Além disso, abordamos os alcances e os limites do modelo de organização sindical baseado nas fusões de sindicatos menores em maiores e na busca por recuperação de mercado desenvolvido por Stern no Seiu. Nosso argumento é que esse modelo renovou o velho sindicalismo de negócios estadunidense, porém sem reverter a tendência de queda da taxa de densidade sindical.

No decorrer da primeira parte do livro, destacamos as redefinições das fronteiras raciais impulsionadas pelo aumento da participação de grupos racializados na composição da classe trabalhadora estadunidense. Apontamos como o sindicalismo reagiu a essa mudança, adaptando-se ao aumento da diversidade étnico-racial de suas bases e apoiando-se na auto-organização dos trabalhadores em suas próprias comunidades. Sem dúvida, a aproximação dos setores mais dinâmicos do movimento sindical dos trabalhadores racializados representou um momento-chave da atual reconfiguração das identidades coletivas dos grupos sociais subalternos do país.

No entanto, esse foco nos trabalhadores racializados do setor de serviços vivendo em grandes centros urbanos não foi seguido por investimentos capazes de alavancar a organização sindical nas pequenas cidades rurais onde vivem os trabalhadores brancos da indústria. Objeto de vivos debates desde a eleição de Donald Trump em 2016, esse grupo subalterno foi largamente responsabilizado pela inflexão autoritária que acompanhou a vitória do político republicano. Os quatro capítulos que formam a segunda parte do livro ocuparam-se desse tema, recorrendo a uma pesquisa de campo etnográfica conduzida em pequenas cidades rurais na região central da Pensilvânia.

Na terceira parte do livro, focalizamos o movimento Black Lives Matter (BLM) como expressão de uma onda de protestos que se estendeu por toda a década de 2010, mobilizando grupos sociais subalternos, sobretudo jovens e racializados, em diferentes contextos nacionais. Além de analisar o processo de formação do movimento BLM, contextualizando seu desenvolvimento à luz da frustração das expectativas dos trabalhadores negros com o governo Obama, destacamos o aumento da violência nas comunidades negras decorrente do rebaixamento das condições de subsistência das famílias estimulado pela precarização do trabalho.

Finalmente, testamos nossa hipótese thompsoniana analisando a formação durante a pandemia de um novo sindicalismo de justiça social impulsionado pela luta contra a opressão racial dos trabalhadores “essenciais” e que não puderam se proteger apropriadamente do novo coronavírus. Ao investigarmos as bem-sucedidas campanhas de criação do Sindicato dos Trabalhadores da Amazon (Amazon Labor Union – ALU) e do Sindicato dos Trabalhadores da Starbucks (Starbucks Workers United – SWU), exploramos as diferenças entre o novo e o velho sindicalismo de justiça social surgido nos anos 1980 e 1990.

Além disso, buscamos identificar as conexões entre o movimento BLM e as campanhas de criação desses sindicatos independentes, ressaltando a importância do surgimento de uma nova geração de jovens ativistas sindicais cujas disposições políticas interseccionam identidades raciais e de gênero em torno da luta por justiça social nos locais de trabalho. Finalmente, argumentamos que o atual refazer-se classista impelido pela automobilização dos trabalhadores precários floresceu “de baixo para cima”, estimulado pela onda global de protestos e relativamente indiferente ao sindicalismo estabelecido.

Com isso, não alegamos que as novas organizações sejam hostis ao movimento sindical. Ao contrário, elas têm se mostrado permeáveis à colaboração com os velhos sindicatos, desde que essa aproximação não atrapalhe o poder de decisão das bases. Se esse novo sindicalismo de justiça social irá ou não ajudar a solucionar a histórica crise do trabalho organizado nos Estados Unidos só o tempo dirá. Porém, uma coisa é certa: a atual convergência entre novos e velhos sindicalismos

de justiça social abriu uma janela de oportunidades para a revitalização do movimento trabalhista no país como não acontecia desde o histórico ciclo de rebelião das bases dos anos 1960 e 1970.

E a observação dos tropeços do passado sugere que essa brecha somente será bem aproveitada caso um novo padrão interseccional desde baixo de agitação política se difunda entre os grupos subalternos com a força de um preconceito popular. O livro que se segue pretende contar uma pequena parte da história da formação desse padrão emergente.

Notas

[1] Ver Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, Como as democracias morrem (Rio de Janeiro, Zahar, 2018)
[2] Ver Aurelien Mondon e Aaron Winter, Reactionary Democracy: How Racism and the Populist Far Right Became Mainstream (Nova York, Verso, 2020).
[3] Vale observar que utilizamos a noção de crise de hegemonia no sentido gramsciano: por um lado, Gramsci percebeu no afastamento das classes subalternas dos grupos sociais dirigentes após a Primeira Guerra Mundial uma situação na qual podiam emergir “potências obscuras” trazidas à baila por lideranças carismáticas; por outro, essas situações também abriam a possibilidade de uma intervenção ativa das massas na história. Ver Antonio Gramsci, Cadernos do cárcere, v. 3 (trad. Luiz Sérgio Henriques, Marco Aurélio Nogueira e Carlos Nelson Coutinho, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2000).
[4] Ver Fabio Luis Barbosa dos Santos, Uma história da onda progressista sul-americana (1998-2016) (São Paulo, Elefante, 2018).
[5] Ver Nancy Fraser, The Old Is Dying and the New Cannot Be Born (Nova York, Verso, 2019). [Ed. bras.: O velho está morrendo e o novo não pode nascer (trad. Gabriel Landi Fazzio, São Paulo, Autonomia Literária, 2019).]
[6] Ver Pablo A. Baisotti (org.), Problems and Alternatives in the Modern Americas (Nova York, Routledge, 2021).
[7] Ver Adam Przeworski, Crises da democracia (trad. Berilo Vargas, Rio de Janeiro, Zahar, 2020); e Wolfgang Streeck, Tempo comprado: a crise adiada do capitalismo democrático (trad. Marian Toldy, Teresa Toldy e Luis Felipe Osório, São Paulo, Boitempo, 2018)
[8] Ver Paul Singer, Dominação e desigualdade (São Paulo, Paz e Terra, 1981); José Luis Nun, Marginalidad y exclusión social (Buenos Aires, Fondo de Cultura Económica, 2001); e Ruy Mauro Marini, Dialética da dependência (Petrópolis, Vozes, 2000).
[9] Ver Claudio Katz, Dependency Theory after Fifty Years: The Continuing Relevance of Latin American Critical Thought (Leiden, Brill, 2022). [Ed. bras.: A teoria da dependência: 50 anos depois (trad. Maria Almeida, São Paulo, Expressão Popular, 2020).]
[10] Ver Ruy Braga, A política do precariado: do populismo à hegemonia lulista (São Paulo, Boitempo, 2012, coleção Mundo do Trabalho).
[11] Ver Paulo Arantes, A fratura brasileira do mundo: visões do laboratório brasileiro da mundialização (São Paulo, Editora 34, 2023).
[12] Ver Andre Gunder Frank, Dependent Accumulation and Underdevelopment (Nova York, Monthly Review, 1979). [Ed. bras.: Acumulação dependente e subdesenvolvimento: repensando a teoria da dependência (trad. Claudio Martins Marcondes, São Paulo, Brasiliense, 1980).]
[13] Ver Walter D. Mignolo, The Darker Side of Western Modernity: Global Futures, Decolonial Options (Durham, Duke University, 2011).
[14] Ver Francisco de Oliveira, Crítica à razão dualista/O ornitorrinco (São Paulo, Boitempo, 2003).
[15] Ibidem, p. 60.
[16] Ibidem, p. 119.
[17] Idem.
[18] As “comunidades onde vivem e se reproduzem as famílias trabalhadoras” correspondem àquelas estruturas de relações interpessoais baseadas no “senso comum”, com especial destaque para a religiosidade popular, que resultam da experiência ideológica e cultural fragmentada dos grupos sociais subalternos. Ver Antonio Gramsci, Cadernos do cárcere, v. 2 (trad. Luiz Sérgio Henriques, Marco Aurélio Nogueira e Carlos Nelson Coutinho, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2001).
[19] Ver Klaus Dörre, Teorema da expropriação capitalista (trad. Cesar Mortari Barreira e Iasmin Goes, São Paulo, Boitempo, 2022, coleção Mundo do Trabalho).
[20] Ver Nancy Fraser, Cannibal Capitalism: How our System Is Devouring Democracy, Care, and the Planet – and What We Can Do about It (Nova York, Verso, 2022).
[21] Michael Omi e Howard Winant, Racial Formation in the United States (Nova York, Routledge, 2015), p. 106.
[22] Ver David Roediger, The Wages of Whiteness: Race and the Making of the American Working Class (Nova York, Verso, 1999).
[23] Ver Cedric J. Robinson, Black Marxism: The Making of the Black Radical Tradition (Chapel Hill, University of North Carolina, 2000). [Ed. bras.: Marxismo negro: a criação da tradição radical negra (trad. Fernanda Silva e Sousa, Caio Netto dos Santos, Margarida Goldsztajn e Daniela Gomes, São Paulo, Perspectiva, 2023).]
[24] Ver Michael Burawoy, “The Making of Black Marxism: The Complementary Perspectives of W. E. B. Du Bois and Frantz Fanon”, em Aldon Morris et al. (orgs.), The Oxford Handbook of W.E.B. Du Bois (Oxford, Oxford University, 2022).
[25] Vale notar que nossa aproximação a esse tema foi originalmente inspirada por Antonio Sérgio Alfredo Guimarães, que, ao analisar as características do racismo brasileiro, concluiu se tratar de uma estrutura social de produção de hierarquias e de desigualdades sociais que opera articuladamente em três níveis: a crença na ideia de raça, a discriminação pela cor da pele e a reprodução da desigualdade econômica entre brancos e não brancos, especialmente saliente no mercado de trabalho. Ver Antonio Sérgio Alfredo Guimarães, Racismo e antirracismo no Brasil (São Paulo, Editora 34, 1999).
[26] Ver Rosa Luxemburgo, A acumulação do capital (Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2021).
[27] Silvio Almeida, Racismo estrutural (São Paulo, Pólen, 2019), p. 8.
[28] Ver W. E. B. Du Bois, The World and Africa and Color and Democracy (Oxford, Oxford University, 2007).
[29] Ibidem, p. 144.
[30] Idem.
[31] W. E. B. Du Bois, Black Reconstruction in America (Oxford, Oxford University, 2014), p. 59-60.
[32] Ibidem, p. 73.
[33] Ver Michelle Alexander, A nova segregação: racismo e encarceramento em massa (trad. Pedro Davoglio, São Paulo, Boitempo, 2018).
[34] Neste livro, utilizamos o adjetivo “branca” que qualifica “classe trabalhadora” entre aspas como forma de questionar seu uso corrente na literatura acadêmica que usualmente patologiza o comportamento dos grupos de trabalhadores majoritariamente brancos, atribuindo-lhes o papel de ameaçar por meio de sua suposta disposição política ressentida e autoritária a democracia liberal estadunidense. Quando necessário, empregamos a noção de “branquitude” para nos referirmos à discriminação positiva dos grupos de trabalhadores majoritariamente brancos em relação aos negros. Ver Helena Hansen, Jules Netherland e David Herzberg, Whiteout: How Racial Capitalism Changed the Color of Opioids in America (Oakland, University of California, 2023).
[35] Ver Arlie Russell Hochschild, Strangers in their Own Land: Anger and Mourning on the American Right (Nova York, New, 2016). [Ed. esp.: Extraños en su propia tierra: réquiem por la derecha estadounidense (Madri, Capitán Swing, 2020).]
[36] Ver Doug Singsen, “Labor Unions Were Occupy Wall Street’s Key, Forgotten, Conflicted Ally”, Jacobin, 18 set. 2021; disponível em: <https://jacobin.com/2021/09/occupy-wall-street-ows-zuccotti-park-nyc-labor-movement-unions-collaboration>; acesso em: 20 jun. 2023; Ana Avendaño e Charlie Fanning, “Dreamers at Work: Immigrants and Unions Are Putting Movement Back into the Labor Movement”, Dissent, 21 set. 2012; disponível em: <https://www.dissentmagazine.org/blog/dreamers-at-work-immigrants-and-unions-are-putting-movement-back-into-the-labor-movement>; acesso em: 20 jun. 2023; e Tim Schermerhorn e Lee Sustar, “The Movement for Black Lives and Labor’s Revival”, Labor Notes, 27 out. 2020; disponível em: <https://labornotes.org/2020/10/movement-black-lives-and-labors-revival>; acesso em: 20 jun. 2023.
[37] Ver Beverly J. Silver, Forças do trabalho: movimentos de trabalhadores e globalização desde 1870 (trad. Fabrizio Rigout, São Paulo, Boitempo, 2005, coleção Mundo do Trabalho).
[38] Ver Ruy Braga, “A ‘Thompsonian’ Pattern of Labour Unrest? Social Movements and Rebellions in the Global South”, Mundos do Trabalho, Florianópolis, v. 12, 2020, p. 1-17; disponível em: <https://periodicos.ufsc.br/index.php/mundosdotrabalho/article/view/1984-9222.2020.e71404>; acesso em: 20 jun. 2023.

Como a precarização devastou a democracia – Outras Palavras

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Como a precarizacao devastou a democracia

Novo livro afiança: desencanto político e erosão do trabalho são inseparáveis. Ao criar multidões sem direitos, salários dignos ou força sindical, neoliberalismo alimentou ressentimentos e abriu portas ao fascismo. Nos EUA, sindicalismo reage

Por Ruy BRAGA

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Washington e Henry Ford são os símbolos da civilização americana.
E, no geral, esse julgamento instintivo está correto.
C. L. R. James, American Civilization
(Cambridge, Blackwell, 1993)

Desde o ataque ao Capitólio no dia 6 de janeiro de 2021, tornou-se lugar-comum afirmar que as instituições responsáveis pela regulação da democracia liberal encontram-se sitiadas por vândalos movidos a fake news. Ressalvadas as diferenças, a tentativa de golpe de Estado em Brasília provou dois anos depois que a ameaça autoritária não mais se contenta em desmantelar por dentro a ordem democrática liberal. Lá e cá, enquanto o compromisso da esquerda e da centro-esquerda com o socialismo democrático permaneceu silente, a extrema direita seguiu trombeteando seu desejo de abater o regime político liberal a tiros, pouco importando se de colecionador, atirador desportivo ou caçador.

Imediatamente após o fracasso da intentona bolsonarista, as opiniões se alinharam aos campos aglutinados pela polarização política vigente no momento. Enquanto muitos apontaram para o perigo do fascismo, outros tentaram atenuar a ação golpista evocando o sacrossanto direito à liberdade de expressão. Se os distúrbios em Brasília e em Washington não nos lançaram no abismo autoritário, ainda assim parece claro se tratar de dupla historicamente extraordinária, devendo ser tratada com a devida atenção.

Acompanhando Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, diríamos que, quando as instituições da democracia liberal se mostram vulneráveis a ataques externos, é porque elas já sofrem um acelerado desmanche interno1. Outrora protagonistas da cena política, os partidos carecem de poder para implementar programas que respondam às angústias de seus constituintes. Em diferentes sociedades nacionais, é possível perceber que forças progressistas, a fim de ampliar seu contingente eleitoral, têm avançado sistematicamente rumo ao centro, tentando atrair eleitores conservadores, enquanto enfrentam uma extrema direita cada dia mais racista e reacionária, capaz de amealhar inusual apoio nas classes subalternas[2].

O resultado dessa crise de hegemonia[3] pode ser observado por toda a América Latina: a consolidação de uma polarização assimétrica, que opõe um progressismo vacilante a seus determinados inimigos da extrema direita. Trata-se de um quadro bem diferente daquele verificado no passado recente. Entre 1998 e 2016, por exemplo, apesar das amarras neoliberais, um ciclo politicamente progressista favoreceu diferentes governos de centro-esquerda na América do Sul4. Empregando alguma “contabilidade criativa” seria possível incluir até mesmo os governos de Barack Obama nessa “onda rosa”[5].

No entanto, após a eleição de Donald Trump, a restauração conservadora tomou conta da região. Momento culminante da nova vaga, a vitória de Jair Bolsonaro em 2018 marcou igualmente seu ponto de inflexão. A partir de então, insurgências plebeias na Bolívia, no Chile, na Colômbia, em Honduras e no Peru impulsionaram vitórias eleitorais de forças progressistas no subcontinente, enquanto governos neoliberais fracassados na Argentina e no México ajudaram a revitalizar projetos centro-esquerdistas nesses países[6].

As vitórias de Joe Biden em 2020 e de Lula da Silva em 2022 sugerem que a “normalidade” política parece estar retornando às maiores democracias liberais do continente. No entanto, as estreitíssimas margens de suas respectivas vitórias anunciam que o fantasma da extrema direita seguirá assombrando as Américas por um bom tempo. No Chile, por exemplo, logo após a vitória de Gabriel Boric na eleição presidencial de 2021, a esmagadora derrota da esquerda no plebiscito constitucional em setembro de 2022 e a vitória em maio de 2023 da extrema direita na votação para o novo conselho constitucional evidenciaram um cenário político volátil e sombrio. Os casos equatoriano e peruano avançam na mesma direção.

Onde ainda se encontram mais ou menos ativos, na Argentina, no Brasil, no México e, em menor medida, nos Estados Unidos, os sindicatos pesam cada dia menos nas decisões estratégicas dos partidos políticos. Outrora considerados as principais forças de ligação entre trabalhadores e lideranças políticas, eles enfrentam no mundo todo taxas de densidade declinantes sem aparentemente contar com um plano alternativo ao habitual apoio a políticos menos hostis às pautas corporativistas. Especializado em representar uma classe trabalhadora fordista em vias de desaparecer, o sindicalismo luta para se reinventar. Porém, sem saber exatamente como.

Não por acaso, o declínio trabalhista em escala global foi acompanhado pelo aumento da desigualdade entre as classes sociais, pelo crescimento da alienação política e pelo fortalecimento do chauvinismo. Ainda assim, com as exceções de Adam Przeworski e de Wolfgang Streeck, a esmagadora maioria dos diagnósticos a respeito da atual crise da democracia liberal desconsidera a importância da devastação das organizações de representação e de luta dos trabalhadores na compreensão da ameaça nacionalista autoritária[7].

Priorizando explicações institucionalistas para a escalada autoritária, essas análises desperdiçam a chance de inserir a ameaça da extrema direita no contexto das implicações socialmente devastadoras sobre as classes subalternas da crise da globalização neoliberal. Consequência previsível dos incessantes ataques ao maior responsável pela democratização das sociedades nacionais, isto é, o movimento organizado dos trabalhadores, a atual crise sociorreprodutiva das classes subalternas deveria estar no centro do debate sobre a crise da democracia. Nem de longe esse é o caso.

O duplo twist carpado

Daí a importância de recuperarmos a experiência coletiva do proletariado precarizado. Afinal, confinado nas dobras existentes entre a produção e a reprodução, esse “precariado” corresponde àquela fração da classe trabalhadora cuja observação permite revelar tanto o segredo da exploração econômica quanto a centralidade da expropriação política. Essa posição no interior da estrutura do conflito social capitalista faz com que o processo de reconstrução de suas identidades coletivas se transforme em uma ocasião mais que oportuna para a análise do atual processo de crise de hegemonia em escala global.

Na América Latina, foram os marxistas que insistiram na importância do trabalho precário para a caracterização das particularidades do capitalismo periférico por meio dos conceitos de “subproletariado”, “massa marginal” e “força de trabalho superexplorada”[8]. Revisitar a história dessa tradição foge ao escopo desta apresentação. Velhos amigos têm se dedicado a essa tarefa decisiva de maneira realmente notável[9]. Há mais de uma década, eu mesmo cheguei a esboçar um contraste entre os conceitos de subproletariado e de precariado, e devo dizer que tenho muito mais acordos que desacordos com os usos desses conceitos para a análise da relação “estrutural” entre centro e periferia capitalistas[10].

No entanto, se insisto em utilizar um conceito emprestado da sociologia crítica francesa, ainda que retificado pela teoria marxista da superpopulação relativa de trabalhadores, é devido à vontade de explorar diferentes contribuições do marxismo para uma análise da crise da globalização neoliberal que destaque paralelamente a agência política dos subalternos no Sul e no Norte globais. Aqui está subentendido que décadas de hegemonia neoliberal degradaram as condições sociais de reprodução dos trabalhadores no Norte a ponto de capturá-los numa fratura social equivalente àquela vivenciada pelos trabalhadores do Sul[11].

Em regra, o marxismo latino-americano é associado à ideia da expropriação do Sul pelo Norte. Nesses termos, o Norte seria a região em que predominaria a troca de equivalentes e o Sul o espaço marcado pela pilhagem colonial e pela expropriação neocolonial. Aos nossos olhos, trata-se de uma tese largamente comprovada pela sociologia e pela historiografia econômica marxistas[12]. E mesmo autores decoloniais que contemporaneamente criticam de maneira áspera o marxismo parecem querer reter o núcleo dessa agenda investigativa, movendo-se da ênfase na pilhagem do trabalho e das riquezas naturais à preocupação com a expropriação epistemológica dos povos do Sul pela matriz colonial de poder oriunda do Norte[13].

No entanto, o que aconteceria se o foco na análise da expropriação do Sul fosse deslocado para observar as relações sociais de produção e de reprodução do Norte? Ampliando a ideia da expropriação do Sul, somos capazes de perceber que o regime de acumulação no Norte cria sistematicamente seu próprio “Sul” a fim de transformá-lo em “objeto” de expropriação. Como sugeriu um autêntico representante do marxismo latino-americano, se a expropriação é condição da acumulação econômica, devemos concluir que não pode haver capitalismo sem que populações sejam submetidas à repetição da violência neocolonial[14].

Contra as interpretações predominantes nos anos 1950 que advogavam a existência de uma incompatibilidade entre os setores “moderno” e “atrasado” da estrutura econômica brasileira, Chico de Oliveira vislumbrou uma relação de determinação recíproca no interior de uma totalidade forjada por nossa condição periférica. A necessidade de compreender a particularidade dessa totalidade levou-o a realizar um “duplo twist carpado”. A pirueta em torno de si mesmo aproximou-o das práticas sociais da reprodução. E o duplo mortal subsequente ajustou seu foco para a expropriação política.

Por um lado, ao refletir sobre a reprodução como condição da produção, Chico destacou o papel da pequena agricultura de subsistência como fonte geradora de parte do excedente disponível para o investimento capitalista num autêntico processo de repetição da acumulação primitiva, só que ocorrido entre os anos 1930 e 1960. Em seguida, ele mostrou como a reprodução de condições de vida degradantes nas comunidades onde viviam as famílias trabalhadoras brasileiras servia para comprimir os custos de reprodução da força de trabalho no país, assegurando os lucros repartidos entre capitais nacionais e multinacionais.

Em outras palavras, na semiperiferia do sistema, a persistência do “atraso” rural assegurava o desempenho da produção “moderna”. De acordo com sua conhecida síntese:

A expansão do capitalismo no Brasil se dá introduzindo relações novas no arcaico e reproduzindo relações arcaicas no novo, um modo de compatibilizar a acumulação global, em que a introdução das relações novas no arcaico libera força de trabalho que suporta a acumulação industrial-urbana e em que a reprodução de relações arcaicas no novo preserva o potencial de acumulação liberado exclusivamente para os fins de expansão do próprio novo.[15]

Por outro lado, ao avaliar a expropriação como condição da acumulação, Chico argumentou que a continuidade da acumulação supunha a expropriação mais ou menos permanente do fundo público representado pela legislação trabalhista. Esquematicamente, isso significava tanto o contínuo desrespeito à CLT por parte das empresas quanto a manutenção de um imenso contingente de trabalhadores aprisionados na economia informal – portanto, expropriados de seus direitos trabalhistas e previdenciários. Isso explicava não apenas a postura antissindical dos empresários como a violência política com a qual o governo tratava as agitações trabalhistas. Nessas condições, a “luta pelo acesso aos ganhos da produtividade por parte das classes menos privilegiadas transforma-se necessariamente em contestação ao regime, e a luta pela manutenção da perspectiva da acumulação transforma-se necessariamente em repressão”[16].

No Sul, a violência política é ela mesma uma estrutura econômica. A compressão subnormal dos custos de reprodução se soma ao assalto permanente ao fundo público: agricultura da subsistência, desrespeito aos direitos trabalhistas, favelização e informalidade tornam-se os condicionantes de um regime de acumulação incapaz de prescindir da violência política, que, por sua vez, alimenta um estado mais ou menos permanente de inquietação social entre os trabalhadores.

Nesse contexto, os direitos de cidadania convertem-se num campo minado e aqueles “caipiras” recém-chegados do atrasado mundo rural transformam-se na vanguarda política que busca fazer com que a promessa de uma sociedade salarial baseada na igualdade jurídica e no pagamento integral do valor da força de trabalho seja cumprida.

As modernas relações industriais fordistas e periféricas eram inerentemente autoritárias e, portanto, atrasadas. As tradicionais relações de solidariedade rural eram intrinsecamente igualitárias e, em consequência, modernas. Decorre daí que os empresários modernos eram autênticos representantes do atraso e os trabalhadores atrasados encarnavam a mais pura modernidade. Finalmente, o diagnóstico dos impasses do desenvolvimento brasileiro transformou-se em uma análise de como as tensões econômicas entre as classes sociais se transmutavam em um inclemente antagonismo político. No Brasil, o futuro “está marcado pelos signos opostos do apartheid ou da revolução social”[17].

Suspeitamos que, ao combinar a reprodução social como condição da produção capitalista com a expropriação política como condição da exploração econômica, Chico não apenas criou uma chave interpretativa capaz de decifrar os enigmas de uma sociedade capitalista semiperiférica como lançou luz sobre alguns traços constitutivos do capitalismo enquanto tal. Ao fim e ao cabo, o que ele sugeriu é que a sociedade capitalista não pode prescindir de relações de opressão e de exploração que permitam às empresas “driblarem” a troca de equivalentes com os trabalhadores por meio da expropriação das relações sociais tradicionais de solidariedade entre os subalternos e do recurso à pequena produção familiar.

Inspirados por essa problemática, argumentamos que o neoliberalismo triunfante no século XXI precisou reinventar o processo de semiproletarização das classes subalternas como forma de assegurar a continuidade da acumulação capitalista, ainda que à custa da generalização de relações de troca de não equivalentes entre as classes sociais e, consequentemente, do recurso sistemático à violência política mais cruenta orientada contra as comunidades onde vivem e se reproduzem as famílias trabalhadoras[18].

Ao percebermos que o regime de acumulação contemporâneo depende do rebaixamento das condições de reprodução da classe trabalhadora em escala global, nos damos conta de que a expropriação sistemática de um “outro” ainda não mercantilizado integra o coração das relações capitalistas de produção[19]. Este livro é dedicado à agência desse “outro” marcado a ferro e fogo pelos signos opostos do apartheid ou da revolução social, pendulando continuamente entre o “atraso” e o “moderno”, entre a exploração e a expropriação, entre a formalidade e a informalidade, entre a mercantilização e a desmercantilização.

Nossa expectativa é que um conhecimento das condições de reprodução e das formas de mobilização coletiva desse “outro” será capaz de revelar tendências vitais da complexa mistura de lutas sociais que têm conflagrado as sociedades nacionais desde 2008. Para tanto, devemos nos deslocar da transferência do valor para o capital por meio da troca de equivalentes para outro tipo de relação que simplesmente prescinde das sutilezas do contrato de trabalho em favor da violência política desavergonhada.

Ainda assim, a manutenção da diferença entre a exploração econômica e a expropriação política é central para a sociedade capitalista, pois permite classificar quem são os trabalhadores portadores de direitos da cidadania, separando-os dos semicidadãos e dos não cidadãos. Aos últimos, é negada a proteção contra a violência política sistemática. Em geral, os semicidadãos e os não cidadãos são racializados por Estados e mercados, tornando a separação entre exploração e expropriação largamente coincidente com a “globalização da linha de cor global”[20].

Não resta dúvida de que esse processo depende em larga medida do desempenho do modelo de desenvolvimento do capitalismo racial estadunidense:

A opressão racial desempenhou um papel único na formação e no desenvolvimento histórico dos Estados Unidos. Desde que o encontro histórico dos hemisférios e o início da escravização transatlântica foram os atos fundamentais da criação da raça, uma vez que lançaram um processo histórico global e mundial de “constituição de pessoas” que criou o mundo moderno, a raça tornou-se tanto o modelo da diferença quanto da desigualdade. Essa é uma afirmação histórico-mundial, mas, aqui, nós a desenvolvemos apenas no contexto dos Estados Unidos.[21]

A exemplo de outros países com um passado escravista, também na América os regimes racializados de acumulação moldaram a estrutura da distribuição dos recursos atribuídos ou negados aos indivíduos e aos grupos sociais, estabelecendo, assim, as fronteiras que demarcaram sua integração aos direitos da cidadania ou sua exclusão deles. Nesse sentido, a opressão racial se transformou num instrumento da reprodução das desigualdades, em especial das desigualdades entre as classes sociais[22].

O que é o capitalismo racial?

Quer estejamos nos referindo ao escravismo, ao industrialismo, ao fordismo ou ao neoliberalismo, a persistência da opressão racial na história do capitalismo levou diferentes autores marxistas negros, entre os quais Angela Davis, Cedric J. Robinson, C. L. R. James, Cornel West, Eric Williams, Stuart Hall e W. E. B. Du Bois, por exemplo, a argumentarem que não pode haver capitalismo sem racismo23.

Mais recentemente, uma nova geração de marxistas negros formada, entre outros, por Barbara Ransby, Cedric Johnson, Keeanga-Yamahtta Taylor, Michelle Alexander e Ruth Wilson Gilmore, entre outros, procurou atualizar essa tese por meio de uma abordagem interseccional da opressão racial sob o neoliberalismo. O esforço teórico desses autores somou-se à dedicação militante de jovens ativistas antirracistas organizados desde o início dos anos 2010 na plataforma Black Lives Matter (BLM), revitalizando a principal indagação colocada pelo “marxismo negro”, isto é, a tradição radical que assume a centralidade axiológica do conhe- cimento das populações racialmente oprimidas como eixo norteador da análise social: seria o capitalismo necessariamente racista[24]?

Para responder a essa pergunta, devemos evitar a noção de excepcionalismo negro que advoga a existência nas diferentes sociedades nacionais de uma comunidade homogênea que se reproduz de forma separada dos demais grupos sociais subalternos25. Na realidade, afirmar que o capitalismo é inerentemente racista implica compreender o papel que a racialização desigual, porém combinada, dos diferentes grupos sociais subalternos cumpre na acumulação do capital. Para tanto, é preciso partir da relação entre a exploração econômica e a expropriação política na reprodução das relações sociais de produção capitalistas.

Como observou Rosa Luxemburgo, o capitalismo depende da existência de grupos sociais e de riquezas materiais “não capitalistas” a fim de sustentar a acumulação. Debruçando-se sobre os esquemas de reprodução presentes em O capital, a revolucionária polonesa identificou indícios suficientemente consistentes para concluir que, na condição de um sistema evolvente em escala mundial, o capitalismo não seria capaz de assegurar o processo de acumulação de capital sem recorrer a fontes ainda não mercantilizadas de trabalho e de matérias-primas localizadas em territórios ainda não capitalistas[26].

Portanto, se a expropriação política é condição para a exploração econômica, o capitalismo precisa redefinir permanentemente as fronteiras que separam aqueles povos e territórios que estão “dentro” daqueles que estão “fora” do domínio da troca de equivalentes. Aos nossos olhos, a moderna instrumentalização capitalista das formas tradicionais de racialização dos povos atende às exigências da produção política desses grupos “exploráveis” e “expropriáveis” necessários à acumulação. Em outras palavras, estamos integralmente de acordo com a tese segundo a qual “o racismo fornece o sentido, a lógica e a tecnologia para a reprodução das for- mas de desigualdade e violência que moldam a vida social contemporânea. De tal sorte, todas as outras classificações são apenas modos parciais – e, portanto, incompletos – de conceber o racismo”[27].

Além da natureza estrutural do racismo, vale lembrar que classificar indivíduos e grupos sociais como “outros”, com base em critérios étnico-raciais, religiosos, culturais e nacionais, é um fenômeno necessário à criação da própria identidade daqueles que classificam. Ou seja, definir quem somos “nós” depende de inventarmos a relação com os “outros”. Tendo em vista os diferentes interesses dos sujeitos que classificam, é compreensível que essa relação acabe justificando ou desafiando a reprodução de estruturas de desigualdade social e de dominação política já enraizadas na sociedade.

Em suma, quando falamos em racismo não estamos nos referindo simplesmen- te a crenças ou atitudes individuais. Aqui, vale lembrar a teoria do capitalismo racial e colonial desenvolvida por W. E. B. Du Bois segundo a qual a escravidão e o colonialismo foram essenciais para a ascensão do mercado mundial. Antes do capitalismo, argumentou o sociólogo estadunidense, as relações e as estruturas sociais na África seriam fluidas, evoluindo na ausência de uma rígida hierarquia enraizada em opressões raciais. Sem um sistema rígido de classificação dos povos, relações de produção vertebradas pela racialização dos produtores diretos teriam ficado subdesenvolvidas até o século XVII[28].

A ascensão do mercado mundial mudou radicalmente essa situação. A exemplo de Rosa Luxemburgo, Du Bois concluiu que o capitalismo seria desde sua origem um regime racializado de acumulação, ou seja, um sistema incapaz de se reproduzir sem reinventar permanentemente o racismo e o colonialismo. Para ele, não podemos imaginar a origem do capitalismo sem a violência política inerente à opressão racial que moldou o regime de trabalho compulsório nas grandes planta- ções coloniais. Ao lado da relação salarial, a escravidão emergiu como a estrutura fundamental da acumulação capitalista:

A raça negra foi a base sobre a qual o sistema capitalista foi criado, a Revolução Industrial realizada e o colonialismo imperial estabelecido. Se nos limitarmos à América, não podemos esquecer que a América foi construída sobre a África. De mero ponto de parada entre a Europa e a Ásia, a América tornou-se, por meio do trabalho africano, o centro do império do açúcar, do reino do algodão e parte essencial da indústria e do comércio mundial que produziu tanto a Revolução Industrial quanto a dominação capitalista.[29]

Em outras palavras, exploração econômica e expropriação política não devem ser pensadas de forma separada, pois a própria estrutura de classes criada pela sociedade moderna já é originalmente racializada. Ao desafiar as fronteiras raciais entre e intra classes, as diferentes formas de mobilização coletiva dos trabalhadores expropriados pelo colonialismo e pela escravidão teriam se transformado para Du Bois na principal força política por trás das mudanças da sociedade capitalista30. Esta pode ser considerada a premissa de sua conhecida análise a respeito do curso da Guerra Civil nos Estados Unidos. Para ele, a rebelião dos negros escravizados que fugiram em massa das fazendas localizadas no Sul do país, a fim de se juntarem aos exércitos nortistas, foi a razão que explicaria o resultado favorável do conflito para as forças da União:

Não era apenas o desejo de parar o trabalho. Foi uma greve generalizada contra as condições de trabalho. Foi uma greve geral que envolveu no final talvez meio milhão de pessoas. Eles [trabalhadores escravizados] queriam parar a economia do sistema de plantação e, para isso, abandonaram as fazendas. […] Foi o escravo fugitivo que fez os senhores de escravos encararem a alternativa: ou se rendiam ao Norte ou se rendiam aos negros.31

Ao se libertarem por meio de uma “greve geral” contra o regime escravista de acumulação, os trabalhadores negros desafiaram a fronteira racial que os separava dos trabalhadores brancos, impulsionando uma reação até certo ponto imprevista: os trabalhadores brancos do Sul do país alinharam-se às forças da opressão racial. Para Du Bois, a formação de uma subjetividade racista entre os trabalhadores explicaria tanto a relutância dos brancos em apoiar o movimento abolicionista, quanto o colapso do projeto de reconstrução dos Estados Unidos após a Guerra Civil.

Em suma, ao defenderem a fronteira racial que os separava dos negros escravizados, os trabalhadores brancos teriam subjetivado uma disposição social refratária à igualdade com os ex-escravizados, essencializando aquilo que Du Bois chamou de “salário público e psicológico” da branquitude:

Devemos lembrar que o grupo formado por trabalhadores brancos, embora recebesse um salário baixo, era recompensado em parte por uma espécie de salário público e psicológico. Eles receberam a deferência pública e os títulos de cortesia porque eram brancos. […] Por outro lado, o negro estava sujeito ao insulto público; tinha medo das turbas; estava sujeito às zombarias das crianças e aos medos irracionais das mulheres brancas; e foi compelido a se submeter continuamente aos incontáveis emblemas da inferioridade.[32]

Nesse sentido, a essencialização de uma subjetividade racializada entre os brancos pobres teria bloqueado a unidade política com os trabalhadores negros, assegurando, mesmo após o fim da escravidão, que as divisões raciais permanecessem inalteradas. Em suma, o regime racializado de acumulação resultante do fracasso do período da Reconstrução não apenas desestimulou o reconhecimento da existência da opressão racial pelos trabalhadores brancos como impulsionou os trabalhadores negros na direção das mobilizações por justiça racial.

Trata-se de um padrão histórico que perdura até os dias atuais. Trabalhadores negros, latinos e imigrantes sem documentos seguem desproporcionalmente representados na base social expropriada do regime de acumulação, vivendo nos bairros e nas comunidades mais pobres e carentes do país. Além disso, esses trabalhadores são vitimados tanto pela violência interna direcionada às comunidades quanto pelo assédio policial, pela expropriação dos direitos políticos e pelo encarceramento em massa que há décadas alimenta o complexo industrial-prisional estadunidense[33].

No entanto, quando observamos os impactos da crise iniciada em 2008 nas comunidades e nas pequenas cidades rurais onde vive parte significativa da classe trabalhadora “branca”, percebemos como suas condições gerais de reprodução aproximaram-se daquelas historicamente experimentadas pelos grupos racializados de trabalhadores nos Estados Unidos[34]. A combinação entre austericídio fiscal e desindustrialização redundou na diminuição dos empregos protegidos e ao mesmo tempo impulsionou a deterioração de infraestruturas sociais, como escolas, estradas e hospitais, deteriorando progressivamente o modo de vida tradicional dos trabalhadores outrora protegidos pelo pacto fordista.

À medida que a acumulação foi se tornando mais dependente da expropriação política, a precarização varreu o trabalho sindicalizado fazendo com que os salários caíssem abaixo dos valores socialmente necessários à reprodução normal da classe trabalhadora. Nesse sentido, a incorporação de grupos de trabalhadores brancos e nacionais ao precariado reciclou o regime racializado de acumulação capitalista.

Historicamente, é certo que o capitalismo jamais prescindiu de combinar exploração econômica e expropriação política. No entanto, até o final dos anos 1980, a história do capitalismo estadunidense foi marcada por uma fronteira bem definida separando trabalhadores nacionais explorados de grupos racializados expropriados.

Esquematicamente, os trabalhadores brancos, nacionais, masculinos, adultos e sindicalizados, eram submetidos à troca de equivalentes no mercado de trabalho e à exploração econômica nas fábricas. Os trabalhadores negros, latinos, imigrantes sem documentos, informais e as mulheres desorganizadas sindicalmente estavam sujeitos à troca de não equivalentes e às formas violentas de expropriação política. Nos Estados Unidos, o neoliberalismo redefiniu essa fronteira, aproximando os trabalhadores brancos e nacionais das condições de reprodução características dos grupos subalternos racializados.

Na medida em que ocupam os postos de trabalho mais precários e são as principais responsáveis por desempenhar atividades reprodutivas não remuneradas, as mulheres trabalhadoras foram as mais afetadas por esse deslocamento. No entanto, os trabalhadores masculinos também perceberam suas condições de vida e de trabalho se deteriorando, o que, para muitos analistas, favoreceu o agravamento do antagonismo racial, sobretudo no Sul do país[35].

Aqui, vale lembrar que a expulsão de trabalhadores do pacto fordista não estimulou exclusivamente reações racistas ou xenofóbicas. Ela também favoreceu o reconhecimento por grupos de trabalhadores brancos de que seu destino depende em grande medida da superação do regime racializado de acumulação. Assim, uma aliança política entre trabalhadores negros e brancos tornou-se um objetivo mais plausível. Em certa medida, o projeto de autorreforma do sindicalismo estadunidense dos anos 1990 e 2000 condensou alguns dos principais alcances e limites para a construção dessa aliança política.

Conforme veremos adiante, dirigido por sindicalistas brancos e assentado em demandas por justiça social orientadas para mobilizar grupos racializados de trabalhadores, esse projeto chocou-se com a revitalização do poder burocrático que aliena as bases da liderança sindical, não sendo capaz de reverter a tendência de queda da taxa de densidade sindical nos Estados Unidos.

Ainda assim, ao focar seus esforços organizativos em grupos racializados de trabalhadores usualmente responsáveis por atividades subalternas no setor de serviços, o projeto reformista conseguiu aumentar a influência dos sindicalistas sobre os governos do Partido Democrata. Além disso, o reformismo sindical opôs-se à Guerra do Iraque em 2003, foi o principal financiador da candidatura de Barack Obama à presidência em 2009 e apoiou os movimentos Occupy Wall Street, Dream e Black Lives Matter nos anos 2010[36].

Testando a hipótese “thompsoniana”

A reorientação estratégica do sindicalismo em direção aos grupos sociais racializados e a seus movimentos sociais acompanhou a mudança de foco do regime de acumulação estadunidense da exploração econômica para a expropriação política. Essa transição impulsionou a adoção por governos e empresas de políticas antissindicais que progressivamente desgastaram o padrão normal de reprodução da classe trabalhadora, ampliando sua borda precária e afastando um número crescente de trabalhadores do acesso aos direitos e benefícios trabalhistas. Isso acarretou uma série de ajustes na tradicional distribuição fordista dos trabalhadores entre setores explorados e expropriados.

Sob a hegemonia neoliberal, apesar de ser possível observar uma presença mais significativa de cidadãos negros entre os quadros profissionais, a identificação dos trabalhadores negros com o grupo expropriado permaneceu inalterada. No entanto, os trabalhadores brancos, tradicionalmente associados ao grupo explorado, passaram a experimentar um processo de expropriação política que aproximou as condições sociais de reprodução de suas comunidades daquelas verificadas nas comunidades negras.

Após o colapso do fordismo, a reelaboração das identidades coletivas dos grupos sociais subalternos, em especial a possibilidade do surgimento de uma aliança política bem-sucedida entre trabalhadores negros e brancos nos Estados Unidos, insere-se nesse contexto. Por isso, observando o período compreendido entre o início da crise da globalização neoliberal e o fim da pandemia do novo coronavírus, procuramos estudar a formação de dois tipos de comunidade de trabalhadores precários, a agônica e a insurgente, sublinhando a interação entre elas como um momento da eclosão de um potencial novo padrão de agitação trabalhista na América.

Há dez anos, quando comecei a estudar comparativamente a mobilização de trabalhadores precários na África do Sul, no Brasil e em Portugal, percebi que a crise da globalização neoliberal parecia sobrepor características dos dois principais padrões de agitação trabalhista identificados por Beverly J. Silver: as agitações “marxianas”, ou seja, aquelas definidas pela formação de novas classes trabalhadoras a partir de conflitos nos locais de trabalho, estavam se entrelaçando às agitações “polanyianas”, isto é, aquelas impulsionadas pelo desmanche de velhas classes trabalhadoras que reivindicavam proteção social dos governos[37].

A partir daí, aventei a hipótese de que um terceiro padrão poderia estar emergindo dos deslocamentos instigados pela crise da globalização neoliberal. Chamei esse padrão de “thompsoniano” a fim de não destacar nem o “fazer-se” marxiano, nem o “desfazer-se” polanyiano, e sim o “refazer-se” das identidades coletivas dos grupos sociais subalternos no decorrer de uma grande transformação social[38].

Todavia, meus achados de campo limitavam-se exclusivamente a países semiperiféricos. A ideia de analisar as metamorfoses do padrão de agitação trabalhista nos Estados Unidos nasceu do desejo de testar a plausibilidade da hipótese “thompsoniana” em uma escala mais ampla. Para tanto, dividimos o livro em três partes alinhadas grosseiramente aos momentos do “fazer-se”, do “desfazer-se” e, finalmente, do atual “refazer-se” das identidades coletivas dos grupos sociais subalternos capaz de sugerir do papado thompsoniano.

Na primeira parte, elaboramos um balanço da evolução do sindicalismo estadunidense entre os anos 1950 e 2000. De saída, delineamos o nascimento do padrão de agitação trabalhista dominado por uma burocracia sindical masculina, branca, nacional e indiferente às angústias de mulheres e negros. Nossa hipótese é que a partir dos anos 1960 o fordismo como um regime de acumulação racializado foi sabotado “por cima” pelo abandono das gerências do compromisso de distribuição aos trabalhadores dos ganhos de produtividade, além de desafiado “por baixo” por um ciclo de rebelião das bases cujos setores mais insatisfeitos eram justamente formados por mulheres e negros.

O segundo capítulo explorou o destino histórico desse ciclo, destacando o movimento que simultaneamente encarnou seu apogeu e sua derrocada: a greve nacional dos controladores de tráfego aéreo conduzida em 1981 pela Organização Profissional dos Controladores de Tráfego Aéreo (Professional Air Traffic Controllers Organization – Patco). Essa greve unificou governo e empresas no intuito de destruir irreversivelmente o pacto fordista na América, inaugurando um novo modelo de desenvolvimento sobre a erosão do sistema de solidariedades práticas, ou seja, da experiência política e moral coletivamente construída e partilhada pelos trabalhadores, oriunda do fordismo. A partir de então, não apenas os rendimentos do trabalho nos Estados Unidos estagnaram em relação ao aumento dos lucros das empresas como a tendência de aumento da sindicalização foi revertida para não mais se recuperar.

O terceiro capítulo investigou uma das primeiras tentativas do sindicalismo de enfrentar essa grande tendência por meio da organização do precariado racializado do setor de serviços: a campanha nacional liderada pelo Sindicato Internacional dos Empregados do Setor de Serviços (Seiu) conhecida como “Justiça para os Faxineiros e Zeladores”. Trata-se de uma estratégia de organização focada tanto nos locais de trabalho quanto nas comunidades onde vivem os trabalhadores precários, em sua maioria imigrantes sem documentos. Ademais, essa campanha influenciou diretamente o projeto de reforma sindical liderado por John Sweeney quando de sua eleição em 1995 para a presidência da federação AFL-CIO.

No quarto capítulo, avaliamos algumas tensões que levaram ao colapso do projeto de reforma sindical proposto por Sweeney. Para tanto, examinamos as razões do racha liderado por Andy Stern em 2005 na AFL-CIO e a subsequente criação de uma federação concorrente, batizada de Mudar para Vencer (Change to Win – CTW). Além disso, abordamos os alcances e os limites do modelo de organização sindical baseado nas fusões de sindicatos menores em maiores e na busca por recuperação de mercado desenvolvido por Stern no Seiu. Nosso argumento é que esse modelo renovou o velho sindicalismo de negócios estadunidense, porém sem reverter a tendência de queda da taxa de densidade sindical.

No decorrer da primeira parte do livro, destacamos as redefinições das fronteiras raciais impulsionadas pelo aumento da participação de grupos racializados na composição da classe trabalhadora estadunidense. Apontamos como o sindicalismo reagiu a essa mudança, adaptando-se ao aumento da diversidade étnico-racial de suas bases e apoiando-se na auto-organização dos trabalhadores em suas próprias comunidades. Sem dúvida, a aproximação dos setores mais dinâmicos do movimento sindical dos trabalhadores racializados representou um momento-chave da atual reconfiguração das identidades coletivas dos grupos sociais subalternos do país.

No entanto, esse foco nos trabalhadores racializados do setor de serviços vivendo em grandes centros urbanos não foi seguido por investimentos capazes de alavancar a organização sindical nas pequenas cidades rurais onde vivem os trabalhadores brancos da indústria. Objeto de vivos debates desde a eleição de Donald Trump em 2016, esse grupo subalterno foi largamente responsabilizado pela inflexão autoritária que acompanhou a vitória do político republicano. Os quatro capítulos que formam a segunda parte do livro ocuparam-se desse tema, recorrendo a uma pesquisa de campo etnográfica conduzida em pequenas cidades rurais na região central da Pensilvânia.

Na terceira parte do livro, focalizamos o movimento Black Lives Matter (BLM) como expressão de uma onda de protestos que se estendeu por toda a década de 2010, mobilizando grupos sociais subalternos, sobretudo jovens e racializados, em diferentes contextos nacionais. Além de analisar o processo de formação do movimento BLM, contextualizando seu desenvolvimento à luz da frustração das expectativas dos trabalhadores negros com o governo Obama, destacamos o aumento da violência nas comunidades negras decorrente do rebaixamento das condições de subsistência das famílias estimulado pela precarização do trabalho.

Finalmente, testamos nossa hipótese thompsoniana analisando a formação durante a pandemia de um novo sindicalismo de justiça social impulsionado pela luta contra a opressão racial dos trabalhadores “essenciais” e que não puderam se proteger apropriadamente do novo coronavírus. Ao investigarmos as bem-sucedidas campanhas de criação do Sindicato dos Trabalhadores da Amazon (Amazon Labor Union – ALU) e do Sindicato dos Trabalhadores da Starbucks (Starbucks Workers United – SWU), exploramos as diferenças entre o novo e o velho sindicalismo de justiça social surgido nos anos 1980 e 1990.

Além disso, buscamos identificar as conexões entre o movimento BLM e as campanhas de criação desses sindicatos independentes, ressaltando a importância do surgimento de uma nova geração de jovens ativistas sindicais cujas disposições políticas interseccionam identidades raciais e de gênero em torno da luta por justiça social nos locais de trabalho. Finalmente, argumentamos que o atual refazer-se classista impelido pela automobilização dos trabalhadores precários floresceu “de baixo para cima”, estimulado pela onda global de protestos e relativamente indiferente ao sindicalismo estabelecido.

Com isso, não alegamos que as novas organizações sejam hostis ao movimento sindical. Ao contrário, elas têm se mostrado permeáveis à colaboração com os velhos sindicatos, desde que essa aproximação não atrapalhe o poder de decisão das bases. Se esse novo sindicalismo de justiça social irá ou não ajudar a solucionar a histórica crise do trabalho organizado nos Estados Unidos só o tempo dirá. Porém, uma coisa é certa: a atual convergência entre novos e velhos sindicalismos

de justiça social abriu uma janela de oportunidades para a revitalização do movimento trabalhista no país como não acontecia desde o histórico ciclo de rebelião das bases dos anos 1960 e 1970.

E a observação dos tropeços do passado sugere que essa brecha somente será bem aproveitada caso um novo padrão interseccional desde baixo de agitação política se difunda entre os grupos subalternos com a força de um preconceito popular. O livro que se segue pretende contar uma pequena parte da história da formação desse padrão emergente.

Notas

[1] Ver Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, Como as democracias morrem (Rio de Janeiro, Zahar, 2018)
[2] Ver Aurelien Mondon e Aaron Winter, Reactionary Democracy: How Racism and the Populist Far Right Became Mainstream (Nova York, Verso, 2020).
[3] Vale observar que utilizamos a noção de crise de hegemonia no sentido gramsciano: por um lado, Gramsci percebeu no afastamento das classes subalternas dos grupos sociais dirigentes após a Primeira Guerra Mundial uma situação na qual podiam emergir “potências obscuras” trazidas à baila por lideranças carismáticas; por outro, essas situações também abriam a possibilidade de uma intervenção ativa das massas na história. Ver Antonio Gramsci, Cadernos do cárcere, v. 3 (trad. Luiz Sérgio Henriques, Marco Aurélio Nogueira e Carlos Nelson Coutinho, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2000).
[4] Ver Fabio Luis Barbosa dos Santos, Uma história da onda progressista sul-americana (1998-2016) (São Paulo, Elefante, 2018).
[5] Ver Nancy Fraser, The Old Is Dying and the New Cannot Be Born (Nova York, Verso, 2019). [Ed. bras.: O velho está morrendo e o novo não pode nascer (trad. Gabriel Landi Fazzio, São Paulo, Autonomia Literária, 2019).]
[6] Ver Pablo A. Baisotti (org.), Problems and Alternatives in the Modern Americas (Nova York, Routledge, 2021).
[7] Ver Adam Przeworski, Crises da democracia (trad. Berilo Vargas, Rio de Janeiro, Zahar, 2020); e Wolfgang Streeck, Tempo comprado: a crise adiada do capitalismo democrático (trad. Marian Toldy, Teresa Toldy e Luis Felipe Osório, São Paulo, Boitempo, 2018)
[8] Ver Paul Singer, Dominação e desigualdade (São Paulo, Paz e Terra, 1981); José Luis Nun, Marginalidad y exclusión social (Buenos Aires, Fondo de Cultura Económica, 2001); e Ruy Mauro Marini, Dialética da dependência (Petrópolis, Vozes, 2000).
[9] Ver Claudio Katz, Dependency Theory after Fifty Years: The Continuing Relevance of Latin American Critical Thought (Leiden, Brill, 2022). [Ed. bras.: A teoria da dependência: 50 anos depois (trad. Maria Almeida, São Paulo, Expressão Popular, 2020).]
[10] Ver Ruy Braga, A política do precariado: do populismo à hegemonia lulista (São Paulo, Boitempo, 2012, coleção Mundo do Trabalho).
[11] Ver Paulo Arantes, A fratura brasileira do mundo: visões do laboratório brasileiro da mundialização (São Paulo, Editora 34, 2023).
[12] Ver Andre Gunder Frank, Dependent Accumulation and Underdevelopment (Nova York, Monthly Review, 1979). [Ed. bras.: Acumulação dependente e subdesenvolvimento: repensando a teoria da dependência (trad. Claudio Martins Marcondes, São Paulo, Brasiliense, 1980).]
[13] Ver Walter D. Mignolo, The Darker Side of Western Modernity: Global Futures, Decolonial Options (Durham, Duke University, 2011).
[14] Ver Francisco de Oliveira, Crítica à razão dualista/O ornitorrinco (São Paulo, Boitempo, 2003).
[15] Ibidem, p. 60.
[16] Ibidem, p. 119.
[17] Idem.
[18] As “comunidades onde vivem e se reproduzem as famílias trabalhadoras” correspondem àquelas estruturas de relações interpessoais baseadas no “senso comum”, com especial destaque para a religiosidade popular, que resultam da experiência ideológica e cultural fragmentada dos grupos sociais subalternos. Ver Antonio Gramsci, Cadernos do cárcere, v. 2 (trad. Luiz Sérgio Henriques, Marco Aurélio Nogueira e Carlos Nelson Coutinho, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2001).
[19] Ver Klaus Dörre, Teorema da expropriação capitalista (trad. Cesar Mortari Barreira e Iasmin Goes, São Paulo, Boitempo, 2022, coleção Mundo do Trabalho).
[20] Ver Nancy Fraser, Cannibal Capitalism: How our System Is Devouring Democracy, Care, and the Planet – and What We Can Do about It (Nova York, Verso, 2022).
[21] Michael Omi e Howard Winant, Racial Formation in the United States (Nova York, Routledge, 2015), p. 106.
[22] Ver David Roediger, The Wages of Whiteness: Race and the Making of the American Working Class (Nova York, Verso, 1999).
[23] Ver Cedric J. Robinson, Black Marxism: The Making of the Black Radical Tradition (Chapel Hill, University of North Carolina, 2000). [Ed. bras.: Marxismo negro: a criação da tradição radical negra (trad. Fernanda Silva e Sousa, Caio Netto dos Santos, Margarida Goldsztajn e Daniela Gomes, São Paulo, Perspectiva, 2023).]
[24] Ver Michael Burawoy, “The Making of Black Marxism: The Complementary Perspectives of W. E. B. Du Bois and Frantz Fanon”, em Aldon Morris et al. (orgs.), The Oxford Handbook of W.E.B. Du Bois (Oxford, Oxford University, 2022).
[25] Vale notar que nossa aproximação a esse tema foi originalmente inspirada por Antonio Sérgio Alfredo Guimarães, que, ao analisar as características do racismo brasileiro, concluiu se tratar de uma estrutura social de produção de hierarquias e de desigualdades sociais que opera articuladamente em três níveis: a crença na ideia de raça, a discriminação pela cor da pele e a reprodução da desigualdade econômica entre brancos e não brancos, especialmente saliente no mercado de trabalho. Ver Antonio Sérgio Alfredo Guimarães, Racismo e antirracismo no Brasil (São Paulo, Editora 34, 1999).
[26] Ver Rosa Luxemburgo, A acumulação do capital (Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2021).
[27] Silvio Almeida, Racismo estrutural (São Paulo, Pólen, 2019), p. 8.
[28] Ver W. E. B. Du Bois, The World and Africa and Color and Democracy (Oxford, Oxford University, 2007).
[29] Ibidem, p. 144.
[30] Idem.
[31] W. E. B. Du Bois, Black Reconstruction in America (Oxford, Oxford University, 2014), p. 59-60.
[32] Ibidem, p. 73.
[33] Ver Michelle Alexander, A nova segregação: racismo e encarceramento em massa (trad. Pedro Davoglio, São Paulo, Boitempo, 2018).
[34] Neste livro, utilizamos o adjetivo “branca” que qualifica “classe trabalhadora” entre aspas como forma de questionar seu uso corrente na literatura acadêmica que usualmente patologiza o comportamento dos grupos de trabalhadores majoritariamente brancos, atribuindo-lhes o papel de ameaçar por meio de sua suposta disposição política ressentida e autoritária a democracia liberal estadunidense. Quando necessário, empregamos a noção de “branquitude” para nos referirmos à discriminação positiva dos grupos de trabalhadores majoritariamente brancos em relação aos negros. Ver Helena Hansen, Jules Netherland e David Herzberg, Whiteout: How Racial Capitalism Changed the Color of Opioids in America (Oakland, University of California, 2023).
[35] Ver Arlie Russell Hochschild, Strangers in their Own Land: Anger and Mourning on the American Right (Nova York, New, 2016). [Ed. esp.: Extraños en su propia tierra: réquiem por la derecha estadounidense (Madri, Capitán Swing, 2020).]
[36] Ver Doug Singsen, “Labor Unions Were Occupy Wall Street’s Key, Forgotten, Conflicted Ally”, Jacobin, 18 set. 2021; disponível em: <https://jacobin.com/2021/09/occupy-wall-street-ows-zuccotti-park-nyc-labor-movement-unions-collaboration>; acesso em: 20 jun. 2023; Ana Avendaño e Charlie Fanning, “Dreamers at Work: Immigrants and Unions Are Putting Movement Back into the Labor Movement”, Dissent, 21 set. 2012; disponível em: <https://www.dissentmagazine.org/blog/dreamers-at-work-immigrants-and-unions-are-putting-movement-back-into-the-labor-movement>; acesso em: 20 jun. 2023; e Tim Schermerhorn e Lee Sustar, “The Movement for Black Lives and Labor’s Revival”, Labor Notes, 27 out. 2020; disponível em: <https://labornotes.org/2020/10/movement-black-lives-and-labors-revival>; acesso em: 20 jun. 2023.
[37] Ver Beverly J. Silver, Forças do trabalho: movimentos de trabalhadores e globalização desde 1870 (trad. Fabrizio Rigout, São Paulo, Boitempo, 2005, coleção Mundo do Trabalho).
[38] Ver Ruy Braga, “A ‘Thompsonian’ Pattern of Labour Unrest? Social Movements and Rebellions in the Global South”, Mundos do Trabalho, Florianópolis, v. 12, 2020, p. 1-17; disponível em: <https://periodicos.ufsc.br/index.php/mundosdotrabalho/article/view/1984-9222.2020.e71404>; acesso em: 20 jun. 2023.

Como a precarização devastou a democracia – Outras Palavras