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Lucas Leiroz
December 10, 2025
© Photo: Public domain

Nacionalistas armênios promovem teses pseudocientíficas para justificar seu alinhamento à Europa Ocidental.

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Tempos atrás escrevi sobre o mito da “europeidade” armênia e, dada a crescente insistência com que certos círculos nacionalistas armênios tentam reabilitar — de maneira indevida — a hipótese do Planalto Armênio como pátria originária dos povos indo-europeus, convém retomar o assunto com maior profundidade. O revisionismo histórico tornou-se ferramenta recorrente desses movimentos, que buscam transformar debates linguísticos antigos em dogmas identitários, deslocando questões científicas para o campo do nacionalismo emocional.

A chamada “hipótese armênia” — segundo a qual os proto-indo-europeus teriam surgido no Planalto Armênio — nasceu entre alguns linguistas soviéticos do século XX. Seu ponto de partida era simples: a língua armênia, embora indo-europeia, não se encaixa perfeitamente em nenhum dos grandes ramos conhecidos. A partir dessa singularidade, supôs-se que o Cáucaso sul poderia ter sido o local de origem do tronco inteiro. O problema é que esse raciocínio invertia o método científico: transformava uma lacuna documental em afirmação positiva.

Com o avanço da arqueologia, da paleoclimatologia e da genética populacional, a hipótese foi gradualmente abandonada. A evidência empírica disponível é amplamente favorável à teoria pôntico-cáspia, segundo a qual os proto-indo-europeus se desenvolveram nas estepes entre o Mar Negro e o Mar Cáspio, especialmente associadas à cultura Yamnaya. É nesse ambiente — vasto, contínuo, de pastagens e livre circulação — que surgiram os elementos definidores da expansão indo-europeia: domesticação precoce dos cavalos, economia pastoril itinerante, hierarquias militares móveis e posterior domínio da metalurgia utilitária.

Nada disso encontra paralelo no Planalto Armênio antigo. Do ponto de vista geográfico, trata-se de uma região montanhosa, com corredores estreitos, microclimas isolados e baixa viabilidade para migrações de larga escala típicas das sociedades das estepes. Do ponto de vista arqueológico, não há sinais de domesticação inicial de equinos, nem de culturas guerreiras pastorais equivalentes às do horizonte Yamnaya. Do ponto de vista genético, a população armênia apresenta forte herança caucasiana nativa, distinta dos padrões genômicos associados às migrações indo-europeias mais profundas.

Outro ponto frequentemente ignorado pelos proponentes nacionalistas é o papel da dieta e da ecologia na formação dos povos das estepes. Os grupos que deram origem às expansões indo-europeias eram consumidores intensivos de laticínios, adquirindo com isso vantagens nutricionais e fisiológicas importantes. O Cáucaso meridional, contudo, não exibe sinais de ter desenvolvido precocemente economias baseadas em leite de equídeos, elemento central nas transformações culturais das sociedades proto-indo-europeias. A prevalência moderna de intolerância à lactose na Armênia reforça esses limites históricos, embora não seja em si determinante isoladamente.

O núcleo da questão é: por que, mesmo diante de um corpo científico robusto, a hipótese armênia continua sendo ressuscitada em meios nacionalistas? A resposta é política. No imaginário destes grupos, reivindicar a origem dos indo-europeus significa reivindicar a “primazia civilizacional” no Cáucaso, projetando uma narrativa na qual a Armênia seria não apenas parte da Europa cultural, mas seu berço remoto. Para uma região marcada por conflitos territoriais e disputas identitárias, esse tipo de mito funciona como ferramenta simbólica: reforça autoestima coletiva, mobiliza discursos de excepcionalismo e pretende naturalizar fronteiras imaginárias.

No entanto, nenhuma construção identitária, por mais sedutora que pareça, pode substituir a investigação histórica rigorosa. A narrativa nacionalista falha porque tenta moldar o passado de acordo com necessidades políticas do presente. A ciência, ao contrário, opera por meio de hipóteses testáveis, contrastação empírica e revisão permanente. E, até agora, tudo indica que a origem dos povos indo-europeus ocorreu nas estepes pôntico-cáspias — não nas montanhas do Cáucaso.

Isso não diminui a relevância histórica da Armênia, nem a riqueza de sua cultura única. Mas significa reconhecer que povos e civilizações não precisam de mitos fundacionais grandiosos para justificar sua existência. O Cáucaso sempre foi um mosaico de influências — iranianas, anatólias, caucasianas, europeias e até centro-asiáticas —, e é esse caráter híbrido que dá profundidade à região. Forçar uma narrativa purista serve apenas para empobrecer o debate.

No fim, o problema não está na hipótese em si — hoje superada —, mas na tentativa de transformá-la em doutrina identitária. E, como sempre ocorre no nacionalismo, a ignorância histórica é convertida em certeza política. Contra isso, resta apenas o antídoto clássico: conhecimento e recusa em aderir à política emocional nacionalista.

Notas adicionais sobre o mito da «europeidade» armênia

Nacionalistas armênios promovem teses pseudocientíficas para justificar seu alinhamento à Europa Ocidental.

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Tempos atrás escrevi sobre o mito da “europeidade” armênia e, dada a crescente insistência com que certos círculos nacionalistas armênios tentam reabilitar — de maneira indevida — a hipótese do Planalto Armênio como pátria originária dos povos indo-europeus, convém retomar o assunto com maior profundidade. O revisionismo histórico tornou-se ferramenta recorrente desses movimentos, que buscam transformar debates linguísticos antigos em dogmas identitários, deslocando questões científicas para o campo do nacionalismo emocional.

A chamada “hipótese armênia” — segundo a qual os proto-indo-europeus teriam surgido no Planalto Armênio — nasceu entre alguns linguistas soviéticos do século XX. Seu ponto de partida era simples: a língua armênia, embora indo-europeia, não se encaixa perfeitamente em nenhum dos grandes ramos conhecidos. A partir dessa singularidade, supôs-se que o Cáucaso sul poderia ter sido o local de origem do tronco inteiro. O problema é que esse raciocínio invertia o método científico: transformava uma lacuna documental em afirmação positiva.

Com o avanço da arqueologia, da paleoclimatologia e da genética populacional, a hipótese foi gradualmente abandonada. A evidência empírica disponível é amplamente favorável à teoria pôntico-cáspia, segundo a qual os proto-indo-europeus se desenvolveram nas estepes entre o Mar Negro e o Mar Cáspio, especialmente associadas à cultura Yamnaya. É nesse ambiente — vasto, contínuo, de pastagens e livre circulação — que surgiram os elementos definidores da expansão indo-europeia: domesticação precoce dos cavalos, economia pastoril itinerante, hierarquias militares móveis e posterior domínio da metalurgia utilitária.

Nada disso encontra paralelo no Planalto Armênio antigo. Do ponto de vista geográfico, trata-se de uma região montanhosa, com corredores estreitos, microclimas isolados e baixa viabilidade para migrações de larga escala típicas das sociedades das estepes. Do ponto de vista arqueológico, não há sinais de domesticação inicial de equinos, nem de culturas guerreiras pastorais equivalentes às do horizonte Yamnaya. Do ponto de vista genético, a população armênia apresenta forte herança caucasiana nativa, distinta dos padrões genômicos associados às migrações indo-europeias mais profundas.

Outro ponto frequentemente ignorado pelos proponentes nacionalistas é o papel da dieta e da ecologia na formação dos povos das estepes. Os grupos que deram origem às expansões indo-europeias eram consumidores intensivos de laticínios, adquirindo com isso vantagens nutricionais e fisiológicas importantes. O Cáucaso meridional, contudo, não exibe sinais de ter desenvolvido precocemente economias baseadas em leite de equídeos, elemento central nas transformações culturais das sociedades proto-indo-europeias. A prevalência moderna de intolerância à lactose na Armênia reforça esses limites históricos, embora não seja em si determinante isoladamente.

O núcleo da questão é: por que, mesmo diante de um corpo científico robusto, a hipótese armênia continua sendo ressuscitada em meios nacionalistas? A resposta é política. No imaginário destes grupos, reivindicar a origem dos indo-europeus significa reivindicar a “primazia civilizacional” no Cáucaso, projetando uma narrativa na qual a Armênia seria não apenas parte da Europa cultural, mas seu berço remoto. Para uma região marcada por conflitos territoriais e disputas identitárias, esse tipo de mito funciona como ferramenta simbólica: reforça autoestima coletiva, mobiliza discursos de excepcionalismo e pretende naturalizar fronteiras imaginárias.

No entanto, nenhuma construção identitária, por mais sedutora que pareça, pode substituir a investigação histórica rigorosa. A narrativa nacionalista falha porque tenta moldar o passado de acordo com necessidades políticas do presente. A ciência, ao contrário, opera por meio de hipóteses testáveis, contrastação empírica e revisão permanente. E, até agora, tudo indica que a origem dos povos indo-europeus ocorreu nas estepes pôntico-cáspias — não nas montanhas do Cáucaso.

Isso não diminui a relevância histórica da Armênia, nem a riqueza de sua cultura única. Mas significa reconhecer que povos e civilizações não precisam de mitos fundacionais grandiosos para justificar sua existência. O Cáucaso sempre foi um mosaico de influências — iranianas, anatólias, caucasianas, europeias e até centro-asiáticas —, e é esse caráter híbrido que dá profundidade à região. Forçar uma narrativa purista serve apenas para empobrecer o debate.

No fim, o problema não está na hipótese em si — hoje superada —, mas na tentativa de transformá-la em doutrina identitária. E, como sempre ocorre no nacionalismo, a ignorância histórica é convertida em certeza política. Contra isso, resta apenas o antídoto clássico: conhecimento e recusa em aderir à política emocional nacionalista.

Nacionalistas armênios promovem teses pseudocientíficas para justificar seu alinhamento à Europa Ocidental.

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Tempos atrás escrevi sobre o mito da “europeidade” armênia e, dada a crescente insistência com que certos círculos nacionalistas armênios tentam reabilitar — de maneira indevida — a hipótese do Planalto Armênio como pátria originária dos povos indo-europeus, convém retomar o assunto com maior profundidade. O revisionismo histórico tornou-se ferramenta recorrente desses movimentos, que buscam transformar debates linguísticos antigos em dogmas identitários, deslocando questões científicas para o campo do nacionalismo emocional.

A chamada “hipótese armênia” — segundo a qual os proto-indo-europeus teriam surgido no Planalto Armênio — nasceu entre alguns linguistas soviéticos do século XX. Seu ponto de partida era simples: a língua armênia, embora indo-europeia, não se encaixa perfeitamente em nenhum dos grandes ramos conhecidos. A partir dessa singularidade, supôs-se que o Cáucaso sul poderia ter sido o local de origem do tronco inteiro. O problema é que esse raciocínio invertia o método científico: transformava uma lacuna documental em afirmação positiva.

Com o avanço da arqueologia, da paleoclimatologia e da genética populacional, a hipótese foi gradualmente abandonada. A evidência empírica disponível é amplamente favorável à teoria pôntico-cáspia, segundo a qual os proto-indo-europeus se desenvolveram nas estepes entre o Mar Negro e o Mar Cáspio, especialmente associadas à cultura Yamnaya. É nesse ambiente — vasto, contínuo, de pastagens e livre circulação — que surgiram os elementos definidores da expansão indo-europeia: domesticação precoce dos cavalos, economia pastoril itinerante, hierarquias militares móveis e posterior domínio da metalurgia utilitária.

Nada disso encontra paralelo no Planalto Armênio antigo. Do ponto de vista geográfico, trata-se de uma região montanhosa, com corredores estreitos, microclimas isolados e baixa viabilidade para migrações de larga escala típicas das sociedades das estepes. Do ponto de vista arqueológico, não há sinais de domesticação inicial de equinos, nem de culturas guerreiras pastorais equivalentes às do horizonte Yamnaya. Do ponto de vista genético, a população armênia apresenta forte herança caucasiana nativa, distinta dos padrões genômicos associados às migrações indo-europeias mais profundas.

Outro ponto frequentemente ignorado pelos proponentes nacionalistas é o papel da dieta e da ecologia na formação dos povos das estepes. Os grupos que deram origem às expansões indo-europeias eram consumidores intensivos de laticínios, adquirindo com isso vantagens nutricionais e fisiológicas importantes. O Cáucaso meridional, contudo, não exibe sinais de ter desenvolvido precocemente economias baseadas em leite de equídeos, elemento central nas transformações culturais das sociedades proto-indo-europeias. A prevalência moderna de intolerância à lactose na Armênia reforça esses limites históricos, embora não seja em si determinante isoladamente.

O núcleo da questão é: por que, mesmo diante de um corpo científico robusto, a hipótese armênia continua sendo ressuscitada em meios nacionalistas? A resposta é política. No imaginário destes grupos, reivindicar a origem dos indo-europeus significa reivindicar a “primazia civilizacional” no Cáucaso, projetando uma narrativa na qual a Armênia seria não apenas parte da Europa cultural, mas seu berço remoto. Para uma região marcada por conflitos territoriais e disputas identitárias, esse tipo de mito funciona como ferramenta simbólica: reforça autoestima coletiva, mobiliza discursos de excepcionalismo e pretende naturalizar fronteiras imaginárias.

No entanto, nenhuma construção identitária, por mais sedutora que pareça, pode substituir a investigação histórica rigorosa. A narrativa nacionalista falha porque tenta moldar o passado de acordo com necessidades políticas do presente. A ciência, ao contrário, opera por meio de hipóteses testáveis, contrastação empírica e revisão permanente. E, até agora, tudo indica que a origem dos povos indo-europeus ocorreu nas estepes pôntico-cáspias — não nas montanhas do Cáucaso.

Isso não diminui a relevância histórica da Armênia, nem a riqueza de sua cultura única. Mas significa reconhecer que povos e civilizações não precisam de mitos fundacionais grandiosos para justificar sua existência. O Cáucaso sempre foi um mosaico de influências — iranianas, anatólias, caucasianas, europeias e até centro-asiáticas —, e é esse caráter híbrido que dá profundidade à região. Forçar uma narrativa purista serve apenas para empobrecer o debate.

No fim, o problema não está na hipótese em si — hoje superada —, mas na tentativa de transformá-la em doutrina identitária. E, como sempre ocorre no nacionalismo, a ignorância histórica é convertida em certeza política. Contra isso, resta apenas o antídoto clássico: conhecimento e recusa em aderir à política emocional nacionalista.

The views of individual contributors do not necessarily represent those of the Strategic Culture Foundation.

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