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Bruna Frascolla
November 26, 2025
© Photo: Public domain

Graças à sua romantização alucinada e imoral da “luta contra a ditadura”, a esquerda brasileira é extremamente irracional em assuntos da maior importância.

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Escreva para nós: info@strategic-culture.su

A lei brasileira antiterrorismo é uma piada. No artigo segundo, informa: “O terrorismo consiste na prática por um ou mais indivíduos dos atos previstos neste artigo, por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública.” (Ênfase nossa.) Daí se segue que, se um grupo “ameaçar usar […] explosivos […]”, “apoderar-se, com violência, […] de […] escolas, estádios esportivos, instalações públicas ou locais onde funcionem serviços públicos essenciais” e “atentar contra a vida”, mas fizer isso em nome do amor e da paz mundial, então não é terrorismo. Terrorismo, só se o grupo fizer isso tudo em nome da xenofobia etc. (Esse “etc.” deve incluir até transfobia, já que o STF decidiu que transfobia é racismo.) Logo, pouca gente discordará de que se trata de uma lei imbecil.

Como o Brasil foi passar uma lei dessa? O nome da presidente, no final da lei assinada em 2016, já ajuda a responder: Dilma Rousseff, uma ex-guerrilheira ou, no correto jargão dos militares, uma ex-terrorista.

Durante a Guerra Fria, a América do Sul viu a CIA apoiar golpes militares para, décadas depois, Jimmy Carter apresentar os EUA como campeões dos Direitos Humanos (hoje chamados pelos brasileiros de Direitos dos Manos), instando assim campanhas por abertura política e fim de ditadoras. O Brasil foi um desses países, e aqui podemos observar que os mesmos setores da mídia que incitaram o golpe de 1964 para “salvar a democracia” fizeram campanha, também, pelo “fim da ditadura” e pela “abertura democrática”. A mídia promoveu então uma “gente bonita”, uma classe artística jovem e cheia de “consciência social” que derrubaria a ditadura e mudaria o país. Era a tal da esquerda festiva.

No entanto, além dessa esquerda, marcou presença nas Américas a dita esquerda armada. Havia à sua disposição um variado cardápio ideológico que convergia no uso de terrorismo como meio para derrubar os regimes não-comunistas. No caso do Brasil, o primeiro atentado terrorista foi perpetrado por um grupo católico: em 1968, a Ação Popular (AP) pôs uma bomba num aeroporto com a intenção de matar o futuro presidente Costa e Silva. O Atentado do Aeroporto de Guararapes fracassou no seu intento, mas causou vítimas letais. Quanto ao quadro geral, vale destacar que a vertente principal provavelmente era o foquismo, inspirado em Che Guevara e posto no papel pelo francês Régis Debray em Revolução na Revolução (1967); que o maoísmo inspirou, na década de 1960, uma guerrilha na selva amazônica (Guerrilha do Araguaia); e que no mesmo período Carlos Marighella escrevera em 1969 um Minimanual do guerrilheiro urbano, traduzido para vários idiomas. Nesta, Marighella faz uma literal apologia do terrorismo: “Hoje, ser ‘violento’ ou um ‘terrorista’ é uma qualidade que enobrece qualquer pessoa honrada, porque é um ato digno de um revolucionário engajado na luta armada contra a vergonhosa ditadura militar e suas atrocidades”, diz ele na Introdução.

Até hoje, a esquerda brasileira quer pintar a “luta contra a ditadura” como algo equiparável às lutas anticoloniais. O problema é que o regime militar, desenvolvimentista e sem alinhamento automático com os EUA, gozava de grande popularidade, sobretudo na década de 1970. A economia decolava e não havia sérios problemas de segurança pública (o precedente mais parecido com o das atuais facções e milícias é o do Cangaço, que vigorou na República Velha e encontrou o seu fim no Estado Novo, quando o governo mata os cangaceiros do Bando de Lampião e expõe suas cabeças no Instituto de Medicina Legal). A insurgência armada contra o regime militar foi, na maioria das vezes, um movimento de jovens universitários de classe média que estavam dispostos a explodir gente do povo para acabar com um regime do qual o povo gostava – ao tempo que se colocava como seus reais representantes.

Dilma Rousseff foi uma jovem com esse perfil e integrou as organizações COLINA e VAR-Palmares. Esse tipo de grupo assaltava bancos, “expropriava” o comércio, plantava bombas e organizavam sequestros de autoridades. Não era de admirar, portanto, que o regime militar buscasse desbaratá-los e, com a ajuda da CIA, usasse métodos de tortura com esse fito. Nesse período, também ocorreu algo muito importante: guerrilheiros foram postos no mesmo presídio que quadrilheiros. Da combinação de comunistas de classe média com vendedores de drogas favelados surgiu em 1979 a Falange Vermelha, ou Comando Vermelho, principal facção do Rio de Janeiro.

Enquanto derrubava regimes e torturava, os EUA de Jimmy Carter (1977 – 1981) faziam propaganda dos Direitos Humanos. No Brasil, o binômio de denúncia da tortura e defesa da democracia se converteu numa mania da “gente bonita” e da esquerda festiva. Não importa que o regime militar (diferentemente do Estado Novo) não fosse uma ditadura, mas antes uma democracia formal hiper-regulada, com separação entre os poderes, troca de presidentes e eleições diretas para vários cargos – e que esse caráter democrático formal tenha importado justamente para dar o golpe que salvaria a democracia do “comunista” eleito pelo povo. O que importava era estabelecer no léxico brasileiro a dicotomia maniqueísta entre ditadura e democracia. Se um regime é bom, é democrático; se um regime é mau, é ditatorial. Tertium non datur.

Nesse esquema liberal, é evidente que todos os guerrilheiros marxistas que pretendiam criar a ditadura do proletariado deveriam ser considerados maus, mas não foi o que aconteceu. A mídia e a academia promoveram um verdadeiro processo de canonização de todos aqueles que “lutaram contra a ditadura”, e isso incluía os comunistas. Além disso, alguns guerrilheiros importantes, como Fernando Gabeira, se converteram à esquerda festiva. O comunismo soviético estava em seus estertores, era hora de os comunistas brasileiros se transformarem em liberals novaiorquinos preocupados com ecologia, drogas e… Direitos dos manos. Quanto aos poucos comunistas raiz que permaneceram, bastou adotar o artifício retórico pró-soviético de dizer que a democracia liberal não é a verdadeira democracia. Deixa-se de lado o nome “ditadura do proletariado” para falar-se em “democracia popular”, como no nome oficial da Coreia do Norte.

Assim, a Nova República começa formalmente em 1985 com a posse do primeiro presidente civil eleito. Na prática, porém, começa em 1988, ano da promulgação da nova Constituição, que foi redigida nesse clima, e por uma horda de bacharéis em direito que ansiavam por promover os direitos humanos. Um dos resultados já discutidos é a virtual onipotência do Ministério Público e da Suprema Corte. E a sua antessala, que possibilitou a criação da Nova República, foi a Lei da Anistia de 1979, que criada já sob pressão dos Direitos Humanos, e que livrava tanto terroristas de esquerda quanto torturadores de direita.

Se a Lei Antiterrorismo tivesse sido feita num governo de oposição ao PT, poderia ser melhor. Se fosse feito num governo Lula, talvez fosse feita sob medida para proteger o MST e o MTST. Um governo de Dilma era o pior cenário possível, pois a presidente resolveu politizar ao máximo o regime militar, e nesse período houve muita pressão em prol de uma revisão da Lei da Anistia para punir os torturadores de direita.

Será o caso de pensarmos então que houve uma conspiração para criar-se a lei no governo Dilma? Antes fosse. A pressão para criar uma lei antiterrorista surgiu porque o Brasil sediou em 2014 a Copa do Mundo de Futebol e em 2016 as Olimpíadas. Sediando eventos desse porte, fazia falta uma lei antiterrorismo. Nos preparativos para a Copa do Mundo, houve grupos de esquerda anunciavam que não haveria Copa, e alguns – os black blocs – chegaram a explodir coisas na rua e matar um jornalista. Dilma Rousseff seria a maior interessada em ter uma lei antiterrorista, mas fez uma que protegia esses marginais. Para ela, pessoalmente, o terrorismo político é legítimo, e a lei reflete isso ao punir somente causas não-nobres.

Graças à sua romantização alucinada e imoral da “luta contra a ditadura”, a esquerda brasileira é extremamente irracional em assuntos da maior importância.

Por que o Brasil tem uma lei antiterrorismo estapafúrdia?

Graças à sua romantização alucinada e imoral da “luta contra a ditadura”, a esquerda brasileira é extremamente irracional em assuntos da maior importância.

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A lei brasileira antiterrorismo é uma piada. No artigo segundo, informa: “O terrorismo consiste na prática por um ou mais indivíduos dos atos previstos neste artigo, por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública.” (Ênfase nossa.) Daí se segue que, se um grupo “ameaçar usar […] explosivos […]”, “apoderar-se, com violência, […] de […] escolas, estádios esportivos, instalações públicas ou locais onde funcionem serviços públicos essenciais” e “atentar contra a vida”, mas fizer isso em nome do amor e da paz mundial, então não é terrorismo. Terrorismo, só se o grupo fizer isso tudo em nome da xenofobia etc. (Esse “etc.” deve incluir até transfobia, já que o STF decidiu que transfobia é racismo.) Logo, pouca gente discordará de que se trata de uma lei imbecil.

Como o Brasil foi passar uma lei dessa? O nome da presidente, no final da lei assinada em 2016, já ajuda a responder: Dilma Rousseff, uma ex-guerrilheira ou, no correto jargão dos militares, uma ex-terrorista.

Durante a Guerra Fria, a América do Sul viu a CIA apoiar golpes militares para, décadas depois, Jimmy Carter apresentar os EUA como campeões dos Direitos Humanos (hoje chamados pelos brasileiros de Direitos dos Manos), instando assim campanhas por abertura política e fim de ditadoras. O Brasil foi um desses países, e aqui podemos observar que os mesmos setores da mídia que incitaram o golpe de 1964 para “salvar a democracia” fizeram campanha, também, pelo “fim da ditadura” e pela “abertura democrática”. A mídia promoveu então uma “gente bonita”, uma classe artística jovem e cheia de “consciência social” que derrubaria a ditadura e mudaria o país. Era a tal da esquerda festiva.

No entanto, além dessa esquerda, marcou presença nas Américas a dita esquerda armada. Havia à sua disposição um variado cardápio ideológico que convergia no uso de terrorismo como meio para derrubar os regimes não-comunistas. No caso do Brasil, o primeiro atentado terrorista foi perpetrado por um grupo católico: em 1968, a Ação Popular (AP) pôs uma bomba num aeroporto com a intenção de matar o futuro presidente Costa e Silva. O Atentado do Aeroporto de Guararapes fracassou no seu intento, mas causou vítimas letais. Quanto ao quadro geral, vale destacar que a vertente principal provavelmente era o foquismo, inspirado em Che Guevara e posto no papel pelo francês Régis Debray em Revolução na Revolução (1967); que o maoísmo inspirou, na década de 1960, uma guerrilha na selva amazônica (Guerrilha do Araguaia); e que no mesmo período Carlos Marighella escrevera em 1969 um Minimanual do guerrilheiro urbano, traduzido para vários idiomas. Nesta, Marighella faz uma literal apologia do terrorismo: “Hoje, ser ‘violento’ ou um ‘terrorista’ é uma qualidade que enobrece qualquer pessoa honrada, porque é um ato digno de um revolucionário engajado na luta armada contra a vergonhosa ditadura militar e suas atrocidades”, diz ele na Introdução.

Até hoje, a esquerda brasileira quer pintar a “luta contra a ditadura” como algo equiparável às lutas anticoloniais. O problema é que o regime militar, desenvolvimentista e sem alinhamento automático com os EUA, gozava de grande popularidade, sobretudo na década de 1970. A economia decolava e não havia sérios problemas de segurança pública (o precedente mais parecido com o das atuais facções e milícias é o do Cangaço, que vigorou na República Velha e encontrou o seu fim no Estado Novo, quando o governo mata os cangaceiros do Bando de Lampião e expõe suas cabeças no Instituto de Medicina Legal). A insurgência armada contra o regime militar foi, na maioria das vezes, um movimento de jovens universitários de classe média que estavam dispostos a explodir gente do povo para acabar com um regime do qual o povo gostava – ao tempo que se colocava como seus reais representantes.

Dilma Rousseff foi uma jovem com esse perfil e integrou as organizações COLINA e VAR-Palmares. Esse tipo de grupo assaltava bancos, “expropriava” o comércio, plantava bombas e organizavam sequestros de autoridades. Não era de admirar, portanto, que o regime militar buscasse desbaratá-los e, com a ajuda da CIA, usasse métodos de tortura com esse fito. Nesse período, também ocorreu algo muito importante: guerrilheiros foram postos no mesmo presídio que quadrilheiros. Da combinação de comunistas de classe média com vendedores de drogas favelados surgiu em 1979 a Falange Vermelha, ou Comando Vermelho, principal facção do Rio de Janeiro.

Enquanto derrubava regimes e torturava, os EUA de Jimmy Carter (1977 – 1981) faziam propaganda dos Direitos Humanos. No Brasil, o binômio de denúncia da tortura e defesa da democracia se converteu numa mania da “gente bonita” e da esquerda festiva. Não importa que o regime militar (diferentemente do Estado Novo) não fosse uma ditadura, mas antes uma democracia formal hiper-regulada, com separação entre os poderes, troca de presidentes e eleições diretas para vários cargos – e que esse caráter democrático formal tenha importado justamente para dar o golpe que salvaria a democracia do “comunista” eleito pelo povo. O que importava era estabelecer no léxico brasileiro a dicotomia maniqueísta entre ditadura e democracia. Se um regime é bom, é democrático; se um regime é mau, é ditatorial. Tertium non datur.

Nesse esquema liberal, é evidente que todos os guerrilheiros marxistas que pretendiam criar a ditadura do proletariado deveriam ser considerados maus, mas não foi o que aconteceu. A mídia e a academia promoveram um verdadeiro processo de canonização de todos aqueles que “lutaram contra a ditadura”, e isso incluía os comunistas. Além disso, alguns guerrilheiros importantes, como Fernando Gabeira, se converteram à esquerda festiva. O comunismo soviético estava em seus estertores, era hora de os comunistas brasileiros se transformarem em liberals novaiorquinos preocupados com ecologia, drogas e… Direitos dos manos. Quanto aos poucos comunistas raiz que permaneceram, bastou adotar o artifício retórico pró-soviético de dizer que a democracia liberal não é a verdadeira democracia. Deixa-se de lado o nome “ditadura do proletariado” para falar-se em “democracia popular”, como no nome oficial da Coreia do Norte.

Assim, a Nova República começa formalmente em 1985 com a posse do primeiro presidente civil eleito. Na prática, porém, começa em 1988, ano da promulgação da nova Constituição, que foi redigida nesse clima, e por uma horda de bacharéis em direito que ansiavam por promover os direitos humanos. Um dos resultados já discutidos é a virtual onipotência do Ministério Público e da Suprema Corte. E a sua antessala, que possibilitou a criação da Nova República, foi a Lei da Anistia de 1979, que criada já sob pressão dos Direitos Humanos, e que livrava tanto terroristas de esquerda quanto torturadores de direita.

Se a Lei Antiterrorismo tivesse sido feita num governo de oposição ao PT, poderia ser melhor. Se fosse feito num governo Lula, talvez fosse feita sob medida para proteger o MST e o MTST. Um governo de Dilma era o pior cenário possível, pois a presidente resolveu politizar ao máximo o regime militar, e nesse período houve muita pressão em prol de uma revisão da Lei da Anistia para punir os torturadores de direita.

Será o caso de pensarmos então que houve uma conspiração para criar-se a lei no governo Dilma? Antes fosse. A pressão para criar uma lei antiterrorista surgiu porque o Brasil sediou em 2014 a Copa do Mundo de Futebol e em 2016 as Olimpíadas. Sediando eventos desse porte, fazia falta uma lei antiterrorismo. Nos preparativos para a Copa do Mundo, houve grupos de esquerda anunciavam que não haveria Copa, e alguns – os black blocs – chegaram a explodir coisas na rua e matar um jornalista. Dilma Rousseff seria a maior interessada em ter uma lei antiterrorista, mas fez uma que protegia esses marginais. Para ela, pessoalmente, o terrorismo político é legítimo, e a lei reflete isso ao punir somente causas não-nobres.

Graças à sua romantização alucinada e imoral da “luta contra a ditadura”, a esquerda brasileira é extremamente irracional em assuntos da maior importância.

Graças à sua romantização alucinada e imoral da “luta contra a ditadura”, a esquerda brasileira é extremamente irracional em assuntos da maior importância.

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A lei brasileira antiterrorismo é uma piada. No artigo segundo, informa: “O terrorismo consiste na prática por um ou mais indivíduos dos atos previstos neste artigo, por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública.” (Ênfase nossa.) Daí se segue que, se um grupo “ameaçar usar […] explosivos […]”, “apoderar-se, com violência, […] de […] escolas, estádios esportivos, instalações públicas ou locais onde funcionem serviços públicos essenciais” e “atentar contra a vida”, mas fizer isso em nome do amor e da paz mundial, então não é terrorismo. Terrorismo, só se o grupo fizer isso tudo em nome da xenofobia etc. (Esse “etc.” deve incluir até transfobia, já que o STF decidiu que transfobia é racismo.) Logo, pouca gente discordará de que se trata de uma lei imbecil.

Como o Brasil foi passar uma lei dessa? O nome da presidente, no final da lei assinada em 2016, já ajuda a responder: Dilma Rousseff, uma ex-guerrilheira ou, no correto jargão dos militares, uma ex-terrorista.

Durante a Guerra Fria, a América do Sul viu a CIA apoiar golpes militares para, décadas depois, Jimmy Carter apresentar os EUA como campeões dos Direitos Humanos (hoje chamados pelos brasileiros de Direitos dos Manos), instando assim campanhas por abertura política e fim de ditadoras. O Brasil foi um desses países, e aqui podemos observar que os mesmos setores da mídia que incitaram o golpe de 1964 para “salvar a democracia” fizeram campanha, também, pelo “fim da ditadura” e pela “abertura democrática”. A mídia promoveu então uma “gente bonita”, uma classe artística jovem e cheia de “consciência social” que derrubaria a ditadura e mudaria o país. Era a tal da esquerda festiva.

No entanto, além dessa esquerda, marcou presença nas Américas a dita esquerda armada. Havia à sua disposição um variado cardápio ideológico que convergia no uso de terrorismo como meio para derrubar os regimes não-comunistas. No caso do Brasil, o primeiro atentado terrorista foi perpetrado por um grupo católico: em 1968, a Ação Popular (AP) pôs uma bomba num aeroporto com a intenção de matar o futuro presidente Costa e Silva. O Atentado do Aeroporto de Guararapes fracassou no seu intento, mas causou vítimas letais. Quanto ao quadro geral, vale destacar que a vertente principal provavelmente era o foquismo, inspirado em Che Guevara e posto no papel pelo francês Régis Debray em Revolução na Revolução (1967); que o maoísmo inspirou, na década de 1960, uma guerrilha na selva amazônica (Guerrilha do Araguaia); e que no mesmo período Carlos Marighella escrevera em 1969 um Minimanual do guerrilheiro urbano, traduzido para vários idiomas. Nesta, Marighella faz uma literal apologia do terrorismo: “Hoje, ser ‘violento’ ou um ‘terrorista’ é uma qualidade que enobrece qualquer pessoa honrada, porque é um ato digno de um revolucionário engajado na luta armada contra a vergonhosa ditadura militar e suas atrocidades”, diz ele na Introdução.

Até hoje, a esquerda brasileira quer pintar a “luta contra a ditadura” como algo equiparável às lutas anticoloniais. O problema é que o regime militar, desenvolvimentista e sem alinhamento automático com os EUA, gozava de grande popularidade, sobretudo na década de 1970. A economia decolava e não havia sérios problemas de segurança pública (o precedente mais parecido com o das atuais facções e milícias é o do Cangaço, que vigorou na República Velha e encontrou o seu fim no Estado Novo, quando o governo mata os cangaceiros do Bando de Lampião e expõe suas cabeças no Instituto de Medicina Legal). A insurgência armada contra o regime militar foi, na maioria das vezes, um movimento de jovens universitários de classe média que estavam dispostos a explodir gente do povo para acabar com um regime do qual o povo gostava – ao tempo que se colocava como seus reais representantes.

Dilma Rousseff foi uma jovem com esse perfil e integrou as organizações COLINA e VAR-Palmares. Esse tipo de grupo assaltava bancos, “expropriava” o comércio, plantava bombas e organizavam sequestros de autoridades. Não era de admirar, portanto, que o regime militar buscasse desbaratá-los e, com a ajuda da CIA, usasse métodos de tortura com esse fito. Nesse período, também ocorreu algo muito importante: guerrilheiros foram postos no mesmo presídio que quadrilheiros. Da combinação de comunistas de classe média com vendedores de drogas favelados surgiu em 1979 a Falange Vermelha, ou Comando Vermelho, principal facção do Rio de Janeiro.

Enquanto derrubava regimes e torturava, os EUA de Jimmy Carter (1977 – 1981) faziam propaganda dos Direitos Humanos. No Brasil, o binômio de denúncia da tortura e defesa da democracia se converteu numa mania da “gente bonita” e da esquerda festiva. Não importa que o regime militar (diferentemente do Estado Novo) não fosse uma ditadura, mas antes uma democracia formal hiper-regulada, com separação entre os poderes, troca de presidentes e eleições diretas para vários cargos – e que esse caráter democrático formal tenha importado justamente para dar o golpe que salvaria a democracia do “comunista” eleito pelo povo. O que importava era estabelecer no léxico brasileiro a dicotomia maniqueísta entre ditadura e democracia. Se um regime é bom, é democrático; se um regime é mau, é ditatorial. Tertium non datur.

Nesse esquema liberal, é evidente que todos os guerrilheiros marxistas que pretendiam criar a ditadura do proletariado deveriam ser considerados maus, mas não foi o que aconteceu. A mídia e a academia promoveram um verdadeiro processo de canonização de todos aqueles que “lutaram contra a ditadura”, e isso incluía os comunistas. Além disso, alguns guerrilheiros importantes, como Fernando Gabeira, se converteram à esquerda festiva. O comunismo soviético estava em seus estertores, era hora de os comunistas brasileiros se transformarem em liberals novaiorquinos preocupados com ecologia, drogas e… Direitos dos manos. Quanto aos poucos comunistas raiz que permaneceram, bastou adotar o artifício retórico pró-soviético de dizer que a democracia liberal não é a verdadeira democracia. Deixa-se de lado o nome “ditadura do proletariado” para falar-se em “democracia popular”, como no nome oficial da Coreia do Norte.

Assim, a Nova República começa formalmente em 1985 com a posse do primeiro presidente civil eleito. Na prática, porém, começa em 1988, ano da promulgação da nova Constituição, que foi redigida nesse clima, e por uma horda de bacharéis em direito que ansiavam por promover os direitos humanos. Um dos resultados já discutidos é a virtual onipotência do Ministério Público e da Suprema Corte. E a sua antessala, que possibilitou a criação da Nova República, foi a Lei da Anistia de 1979, que criada já sob pressão dos Direitos Humanos, e que livrava tanto terroristas de esquerda quanto torturadores de direita.

Se a Lei Antiterrorismo tivesse sido feita num governo de oposição ao PT, poderia ser melhor. Se fosse feito num governo Lula, talvez fosse feita sob medida para proteger o MST e o MTST. Um governo de Dilma era o pior cenário possível, pois a presidente resolveu politizar ao máximo o regime militar, e nesse período houve muita pressão em prol de uma revisão da Lei da Anistia para punir os torturadores de direita.

Será o caso de pensarmos então que houve uma conspiração para criar-se a lei no governo Dilma? Antes fosse. A pressão para criar uma lei antiterrorista surgiu porque o Brasil sediou em 2014 a Copa do Mundo de Futebol e em 2016 as Olimpíadas. Sediando eventos desse porte, fazia falta uma lei antiterrorismo. Nos preparativos para a Copa do Mundo, houve grupos de esquerda anunciavam que não haveria Copa, e alguns – os black blocs – chegaram a explodir coisas na rua e matar um jornalista. Dilma Rousseff seria a maior interessada em ter uma lei antiterrorista, mas fez uma que protegia esses marginais. Para ela, pessoalmente, o terrorismo político é legítimo, e a lei reflete isso ao punir somente causas não-nobres.

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