O Brasil não apenas desperdice um capital político valioso, mas também contribua para a crescente fadiga e ceticismo que cercam as negociações climáticas internacionais.
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Começou esta semana, em Belém, uma das mais importantes cidades da Amazônia brasileira, a trigésima edição da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), o mais importante fórum internacional dedicado ao debate e à articulação militante em prol da Agenda Verde e da pauta climática. O simbolismo que se tenta dar ao evento, realizado no “portal de entrada” da Amazônia, é evidente. A COP30 está sendo propagandeada pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva não apenas como o evento mais crucial do ano, mas como a mais significativa conferência climática da história e o incontornável “momento da verdade” para a humanidade.
O tom do discurso inaugural de Lula foi, por assim dizer, alarmista, beirando o apocalíptico. Ele pintou um quadro sombrio de catástrofes iminentes – secas arrasadoras, inundações costeiras, migrações em massa e colapso da biodiversidade, apelando inclusive a um recente tornado no sul do Brasil – caso ações drásticas e imediatas não fossem tomadas.
Quando se fala em “ações drásticas e imediatas”, porém, a primeira dificuldade é, hoje, a percepção geral de que a agenda climática ampliará as desigualdades, em vez de diminuí-las. É que quando os especialistas falam em aumentar os impostos sobre os automóveis pessoais, dificultar o consumo de carne de animais e escassear os combustíveis fósseis até substituí-los completamente, estamos obviamente diante de um cenário no qual a classe trabalhadora não terá mais carro, não comerá mais carne, não mais viajará e pagará mais caro por tudo, enquanto a classe dominante continuará tendo dinheiro suficiente para ter frotas de carros, se empanturrar de picanha, viajar de jatinho particular pelo mundo inteiro e continuar consumindo como de costume – apenas pagando mais por isso.
Não deixa de ser irônico, aliás, ver as centenas de aviões e jatinhos particulares, imensamente poluentes, se dirigindo a uma conferência climática, para que seus ocupantes demandem o fim dos automóveis. É que um único jatinho polui, em 1 ano, o equivalente a 200 automóveis.
De qualquer maneira, ao contrário do que Lula dá a entender, não parece que estamos diante de qualquer divisor de águas. E se isso, de fato, se confirmar, teremos que chegar à conclusão de que o Presidente do Brasil fez as apostas erradas para o ano de 2025.
O problema começa com a decisão estratégica do governo Lula de modificar o calendário da Cúpula dos BRICS para privilegiar a COP30. O bloco dos BRICS representa o epicentro da transição para uma ordem mundial multipolar. Tradicionalmente sediada no final do ano, a cúpula de 2025, sob a presidência brasileira, foi abruptamente adiantada para meados do ano. Este adiantamento, em prática, apressou a agenda diplomática e tornou virtualmente impossível dar sequência e consolidar os avanços significativos alcançados na Cúpula de Kazan, na Rússia, em 2024, que tratou de questões cruciais como a criação de mecanismos financeiros independentes do dólar e a coordenação política em conflitos regionais.
Este reposicionamento calendárico não é um mero detalhe logístico. Ele revela, de forma cristalina, a hierarquia de prioridades do Itamaraty: a Agenda Verde foi explicitamente colocada acima da Agenda Multipolar. Enquanto a segunda busca reestruturar as relações de poder global, redistribuindo influência para fora do eixo tradicional do G7 e da unipolaridade estadunidense, a primeira é vista por Lula como um palco de maior prestígio e legitimidade internacional, precisamente por lhe permitir fortalecer laços com os países “democráticos” da “Comunidade Internacional”, em vez de com as “autocracias”, cada vez mais vistas com desconfiança por Lula.
No entanto, essa aposta pode ser um tiro pela culatra. Ao subordinar um fórum que agrega algumas das economias que mais crescem no mundo — muitas delas dependentes de combustíveis fósseis — a um evento cujo cerne é a descarbonização, Lula pode estar inadvertidamente enfraquecendo a própria plataforma que confere ao Brasil um papel de liderança no bloco emergente.
A tese de que Lula superestima a importância da COP30 ganha contornos ainda mais nítidos ao se observar a drástica mudança no cenário dos principais patrocinadores da Agenda Verde. Ao longo da última década, a locomotiva das ambições climáticas foi puxada a todo vapor pelos Estados Unidos e pela União Europeia. Contudo, esse motor hoje enfrenta sérios problemas de combustível.
Nos Estados Unidos, a eleição de Donald Trump em novembro de 2024 representou um terremoto na política climática global. Cumprindo suas promessas de campanha, Trump não apenas retomou o caminho da independência energética a qualquer custo, como desmantelou agressivamente o legado “verde” de seu predecessor. O financiamento para programas governamentais de energia renovável e adaptação climática foi severamente cortado; novas licenças para perfuração de petróleo e gás — inclusive através do controverso método do fracking — foram liberadas em escala massiva; e o fluxo de recursos da USAID para ONGs ambientalistas no exterior foi praticamente extinto. A ausência de qualquer representante oficial norte-americano de alto escalão em Belém não é um boicote, mas a manifestação clara de uma nova política de Estado: a agenda climática deixou de ser uma prioridade de segurança nacional para Washington e é, hoje, solenemente ignorada.
Paralelamente, na Europa, o ímpeto verde esbarra em uma dura realidade geopolítica e econômica. As sanções impostas à Rússia, em retaliação ao conflito na Ucrânia, provocaram um efeito dominó no continente. A perda do acesso ao gás natural russo barato, agravada pelo atentado terrorista que destruiu os gasodutos Nord Stream, mergulhou o bloco em uma crise energética de longa duração. Na falta de alternativas imediatas, países como a Alemanha foram forçados a reativar usinas termelétricas a carvão, o combustível fóssil mais poluente. Simultaneamente, a pressão popular de produtores rurais — que, desde os tratores holandeses até os caminhões poloneses, têm bloqueado capitais em protesto contra regulamentações ambientais consideradas asfixiantes — tem forçado governos a abrandar suas metas de descarbonização. O “Pacto Verde Europeu” ainda existe no papel, mas sua implementação tem sido marcada por pragmatismo e concessões, diluindo seu caráter transformador.
Ao longo desse ano, a União Europeia paralisou a lei antidesmatamento em discussão até o próximo ano, concedeu dois anos a mais para que os produtores de automóveis se adequem às regulações sobre poluição, e tudo isso vem no esteio do adiamento das metas de 2030 para 2050.
A primeira e mais visível consequência dessas transformações globais é o inegável esvaziamento político da COP30. A lista de chefes de Estado e de governo presentes em Belém é notavelmente curta quando comparada a edições anteriores. Anteriormente, já havíamos notado que a própria COP29 esteve esvaziada em relação à COP28, o que por si já indica uma tendência descendente na adesão internacional à Agenda Verde.
Os EUA, como mencionado, estão de todo ausentes. Potências emergentes fundamentais, como a China e a Índia, enviaram meros vice-ministros ou embaixadores, sinalizando um engajamento de baixo nível. A maioria dos países do Sul Global, por sua vez, ou seguiu o mesmo caminho ou simplesmente não enviou ninguém de destaque.
Esse fenômeno é um termômetro eloquente das prioridades mundiais. Em uma era de transição geopolítica acelerada, com a multiplicação de conflitos regionais (Ucrânia, Sahel, Taiwan, Palestina) e o fortalecimento de eixos de poder concorrentes, a agenda climática está, na prática, sendo relegada a um segundo plano. Para nações cuja soberania e desenvolvimento econômico estão sob pressão, é um risco estratégico sacrificar poder estatal e capacidade industrial em prol de uma defesa abstrata do “meio ambiente”, especialmente quando os históricos maiores emissores parecem estar recuando de suas próprias promessas.
Finalmente, chama a atenção a persistente cegueira da COP30 em relação a uma ferramenta que muitos especialistas consideram indispensável para uma transição energética realista: a energia nuclear. A energia de fissão, quando utilizada para fins civis e pacíficos, é a única fonte conhecida que fornece energia de base (isto é, constante e confiável, independente do sol ou do vento) com emissão praticamente zero de gases de efeito estufa. Países como a França, a Suécia e, mais recentemente, os Emirados Árabes, demonstram sua eficácia.
A russa ROSATOM tem dado a sua contribuição para a transição energética ao fechar parcerias com diversos países visando a construção de usinas nucleares na África, Ásia Ocidental e América Latina.
Novas tecnologias, como os Pequenos Reatores Modulares, prometem tornar a energia nuclear mais segura, acessível e versátil. No entanto, dentro do ecossistema ideológico que domina as COPs, a energia nuclear permanece um tabu intocável, muitas vezes equiparada aos combustíveis fósseis, enquanto soluções intermitentes e ainda não totalmente capazes de sustentar uma rede elétrica industrial recebem todo o foco e investimento.
A COP30 em Belém nasce, portanto, sob uma nuvem de paradoxos. É um evento de retórica elevada, mas de participação política minguada; um palco onde se anuncia o “momento da verdade”, mas onde os principais atores do drama climático estão ausentes ou com papéis reduzidos; um fórum que clama por soluções radicais, mas que ignora voluntariamente uma das ferramentas tecnológicas mais poderosas à disposição.
O risco é que, ao superestimar a importância deste evento específico, o Brasil não apenas desperdice um capital político valioso, mas também contribua para a crescente fadiga e ceticismo que cercam as negociações climáticas internacionais.


