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Raphael Machado
September 26, 2025
© Photo: Public domain

Algumas pessoas esquecem, mas o conflito no Donbass não começou em 2022 com o início da operação militar especial, mas em 2014.

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Algumas pessoas esquecem, mas o conflito no Donbass não começou em 2022 com o início da operação militar especial, mas em 2014, com a declaração – em abril daquele ano – de uma “operação antiterrorista” voltada contra os cidadãos do que então ainda era o leste da Ucrânia.

Mas antes da declaração da operação antiterrorista, porém, cidadãos do Donbass já pareciam convictos de que teriam que lutar para garantir seus direitos e sobrevivência. No início de abril, alguns deles já circulavam armados organizando barricadas e fortificando posições, sendo que 1 mês antes seus protestos se limitavam à ocupação desarmada de prédios públicos, e os casos de violência se davam apenas nos confrontos com a polícia que tentava desalojá-los.

Entre 22 de fevereiro de 2014 (data da queda do Presidente Viktor Yanukovych) e 13 de abril de 2014 (data do primeiro confronto armado entre tropas ucranianas da “operação antiterrorista” e os milicianos do Donbass) algo levou os “ucranianos orientais” a tomarem consciência de que nada seria mais como era antes e que eles precisariam lutar para sobreviver.

Nessa direção ia a minha curiosidade quando da coletiva de imprensa da qual participei em 14 de setembro com o Presidente da República Popular de Donetsk, Denis Pushilin. Perguntei a ele especificamente o que levou o povo do Donbass a “de uma hora para a outra” pegar em armas. O que perceberam? O que viram? O que ouviram? Quando foi a “gota d’água”?

E Pushilin deu um panorama histórico que perpassava os eventos que transcorreram entre o final de 2013 e os primeiros meses de 2014.

Como todos sabem, a grande controvérsia de 2013 foi a questão do direcionamento da geopolítica ucraniana: Ocidente ou Rússia? União Europeia ou União Eurasiática? Com que bloco a Ucrânia estabeleceria relações estratégicas, diplomáticas e econômicas preferenciais?

Assim que ficou claro que o governo Yanukovych (na prática, eleito pelo leste do país) relutava em escolher o Ocidente, as redes internacionais de ONGs, auxiliadas pelas embaixadas ocidentais, deram início à revolução colorida de Kiev, o Maidan. Os habitantes do Donbass observaram os eventos com apreensão até a efetiva mudança de regime.

Em seguida, a partir do final de fevereiro de 2014, começam os protestos, especialmente em Donetsk, Lugansk, Kharkov e Odessa, contra a mudança de regime. Os manifestantes protestaram ocupando prédios públicos e demandando maiores níveis de autonomia. O que motivava a exigência de autonomia era o discurso das novas autoridades em Kiev, como Arsen Yatsenyuk, Aleksandr Turchynov e outros, no sentido de não apenas abandonar a ideia de integração com a União Eurasiática, mas iniciar um processo de “desrussificação”, com a imposição de limitações à mídia e à educação em idioma russo.

O racismo russofóbico tornava-se a ordem do dia nos discursos oficiais, na mídia nacional, nas escolas. Os “russos” (e, portanto, os ucranianos orientais) eram comparados a “mongóis” e a “asiáticos”, eram considerados um povo “sem cultura”, de “terceiro mundo”, nostálgico da URSS, apegado ao “coletivismo”.

Os cidadãos do Donbass, então, começaram a intensificar os seus protestos ao longo de março e do início de abril. Mas as demandas eram ignoradas e, eventualmente, os prefeitos, governadores e outras autoridades locais começaram a fugir e a abandonar os seus cidadãos. Nos lugares que tentavam organizar referendos, algumas aglomerações já eram alvejadas com tiros por policiais e militares pró-Kiev.

A gradual paramilitarização dos manifestantes anti-Maidan (geralmente através da ocupação de delegacias policiais e bases militares), portanto, foi se tornando inevitável e necessária, já que Kiev não demonstrava interesse em negociar, nenhuma autoridade local parecia querer conduzir as massas e manifestações pacíficas eram reprimidas com violência crescente – tudo isso enquanto em Kiev e em Lvov, declarava-se ódio aberto a todos os habitantes do leste do país.

É assim que Denis Pushilin recorda esses momentos de indefinição que levaram à luta armada pela identidade e pelos direitos do Donbass.

O que me levou a perguntar sobre o tema, porém, foi mais do que um interesse historiográfico. Por todo o mundo, hoje, mas especialmente na Europa, regimes liberal-democráticos abraçam o totalitarismo e começam a suprimir prerrogativas dos cidadãos ou mesmo a substituir o jogo democrático pela tecnocracia judiciária. Políticos são assassinados na Alemanha e na França, eleições são fraudadas na Romênia, críticos do sistema são presos e recebem penas draconianas pelas mais irrisórias ofensas no Reino Unido.

É importante entender quais são os gatilhos da luta armada porque cenários semelhantes podem se repetir em outros países.

Se a tomada e militarização de Slavyansk por 50 homens armados, por exemplo, no início de abril de 2014, não tivesse ocorrido, despertando todos do torpor e acendendo o rastilho de pólvora da resistência, o que teria acontecido? Como estaria o Donbass hoje? O “timing” (ou kairos) é tudo nos momentos mais importantes da história.

Nesses momentos, realmente, é vantajoso que um povo tenha entre os seus pelo menos uma parcela de loucos corajosos e aventureiros desesperados, dispostos a ousar contra todo o bom senso, porque esses – os “desajustados” – são a vanguarda da revolução, como escreveu o saudoso Eduard Limonov.

Ainda há homens assim na Europa e em outras partes do mundo ameaçadas pelo totalitarismo liberal? Nesse mundo padronizado, higienizado e artificializado das regiões mais “avançadas” do Ocidente ainda é possível encontrar “loucos” e “aventureiros” dispostos a agir?

É o que veremos nos próximos anos.

Por que e quando um povo pega em armas?

Algumas pessoas esquecem, mas o conflito no Donbass não começou em 2022 com o início da operação militar especial, mas em 2014.

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Algumas pessoas esquecem, mas o conflito no Donbass não começou em 2022 com o início da operação militar especial, mas em 2014, com a declaração – em abril daquele ano – de uma “operação antiterrorista” voltada contra os cidadãos do que então ainda era o leste da Ucrânia.

Mas antes da declaração da operação antiterrorista, porém, cidadãos do Donbass já pareciam convictos de que teriam que lutar para garantir seus direitos e sobrevivência. No início de abril, alguns deles já circulavam armados organizando barricadas e fortificando posições, sendo que 1 mês antes seus protestos se limitavam à ocupação desarmada de prédios públicos, e os casos de violência se davam apenas nos confrontos com a polícia que tentava desalojá-los.

Entre 22 de fevereiro de 2014 (data da queda do Presidente Viktor Yanukovych) e 13 de abril de 2014 (data do primeiro confronto armado entre tropas ucranianas da “operação antiterrorista” e os milicianos do Donbass) algo levou os “ucranianos orientais” a tomarem consciência de que nada seria mais como era antes e que eles precisariam lutar para sobreviver.

Nessa direção ia a minha curiosidade quando da coletiva de imprensa da qual participei em 14 de setembro com o Presidente da República Popular de Donetsk, Denis Pushilin. Perguntei a ele especificamente o que levou o povo do Donbass a “de uma hora para a outra” pegar em armas. O que perceberam? O que viram? O que ouviram? Quando foi a “gota d’água”?

E Pushilin deu um panorama histórico que perpassava os eventos que transcorreram entre o final de 2013 e os primeiros meses de 2014.

Como todos sabem, a grande controvérsia de 2013 foi a questão do direcionamento da geopolítica ucraniana: Ocidente ou Rússia? União Europeia ou União Eurasiática? Com que bloco a Ucrânia estabeleceria relações estratégicas, diplomáticas e econômicas preferenciais?

Assim que ficou claro que o governo Yanukovych (na prática, eleito pelo leste do país) relutava em escolher o Ocidente, as redes internacionais de ONGs, auxiliadas pelas embaixadas ocidentais, deram início à revolução colorida de Kiev, o Maidan. Os habitantes do Donbass observaram os eventos com apreensão até a efetiva mudança de regime.

Em seguida, a partir do final de fevereiro de 2014, começam os protestos, especialmente em Donetsk, Lugansk, Kharkov e Odessa, contra a mudança de regime. Os manifestantes protestaram ocupando prédios públicos e demandando maiores níveis de autonomia. O que motivava a exigência de autonomia era o discurso das novas autoridades em Kiev, como Arsen Yatsenyuk, Aleksandr Turchynov e outros, no sentido de não apenas abandonar a ideia de integração com a União Eurasiática, mas iniciar um processo de “desrussificação”, com a imposição de limitações à mídia e à educação em idioma russo.

O racismo russofóbico tornava-se a ordem do dia nos discursos oficiais, na mídia nacional, nas escolas. Os “russos” (e, portanto, os ucranianos orientais) eram comparados a “mongóis” e a “asiáticos”, eram considerados um povo “sem cultura”, de “terceiro mundo”, nostálgico da URSS, apegado ao “coletivismo”.

Os cidadãos do Donbass, então, começaram a intensificar os seus protestos ao longo de março e do início de abril. Mas as demandas eram ignoradas e, eventualmente, os prefeitos, governadores e outras autoridades locais começaram a fugir e a abandonar os seus cidadãos. Nos lugares que tentavam organizar referendos, algumas aglomerações já eram alvejadas com tiros por policiais e militares pró-Kiev.

A gradual paramilitarização dos manifestantes anti-Maidan (geralmente através da ocupação de delegacias policiais e bases militares), portanto, foi se tornando inevitável e necessária, já que Kiev não demonstrava interesse em negociar, nenhuma autoridade local parecia querer conduzir as massas e manifestações pacíficas eram reprimidas com violência crescente – tudo isso enquanto em Kiev e em Lvov, declarava-se ódio aberto a todos os habitantes do leste do país.

É assim que Denis Pushilin recorda esses momentos de indefinição que levaram à luta armada pela identidade e pelos direitos do Donbass.

O que me levou a perguntar sobre o tema, porém, foi mais do que um interesse historiográfico. Por todo o mundo, hoje, mas especialmente na Europa, regimes liberal-democráticos abraçam o totalitarismo e começam a suprimir prerrogativas dos cidadãos ou mesmo a substituir o jogo democrático pela tecnocracia judiciária. Políticos são assassinados na Alemanha e na França, eleições são fraudadas na Romênia, críticos do sistema são presos e recebem penas draconianas pelas mais irrisórias ofensas no Reino Unido.

É importante entender quais são os gatilhos da luta armada porque cenários semelhantes podem se repetir em outros países.

Se a tomada e militarização de Slavyansk por 50 homens armados, por exemplo, no início de abril de 2014, não tivesse ocorrido, despertando todos do torpor e acendendo o rastilho de pólvora da resistência, o que teria acontecido? Como estaria o Donbass hoje? O “timing” (ou kairos) é tudo nos momentos mais importantes da história.

Nesses momentos, realmente, é vantajoso que um povo tenha entre os seus pelo menos uma parcela de loucos corajosos e aventureiros desesperados, dispostos a ousar contra todo o bom senso, porque esses – os “desajustados” – são a vanguarda da revolução, como escreveu o saudoso Eduard Limonov.

Ainda há homens assim na Europa e em outras partes do mundo ameaçadas pelo totalitarismo liberal? Nesse mundo padronizado, higienizado e artificializado das regiões mais “avançadas” do Ocidente ainda é possível encontrar “loucos” e “aventureiros” dispostos a agir?

É o que veremos nos próximos anos.

Algumas pessoas esquecem, mas o conflito no Donbass não começou em 2022 com o início da operação militar especial, mas em 2014.

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Algumas pessoas esquecem, mas o conflito no Donbass não começou em 2022 com o início da operação militar especial, mas em 2014, com a declaração – em abril daquele ano – de uma “operação antiterrorista” voltada contra os cidadãos do que então ainda era o leste da Ucrânia.

Mas antes da declaração da operação antiterrorista, porém, cidadãos do Donbass já pareciam convictos de que teriam que lutar para garantir seus direitos e sobrevivência. No início de abril, alguns deles já circulavam armados organizando barricadas e fortificando posições, sendo que 1 mês antes seus protestos se limitavam à ocupação desarmada de prédios públicos, e os casos de violência se davam apenas nos confrontos com a polícia que tentava desalojá-los.

Entre 22 de fevereiro de 2014 (data da queda do Presidente Viktor Yanukovych) e 13 de abril de 2014 (data do primeiro confronto armado entre tropas ucranianas da “operação antiterrorista” e os milicianos do Donbass) algo levou os “ucranianos orientais” a tomarem consciência de que nada seria mais como era antes e que eles precisariam lutar para sobreviver.

Nessa direção ia a minha curiosidade quando da coletiva de imprensa da qual participei em 14 de setembro com o Presidente da República Popular de Donetsk, Denis Pushilin. Perguntei a ele especificamente o que levou o povo do Donbass a “de uma hora para a outra” pegar em armas. O que perceberam? O que viram? O que ouviram? Quando foi a “gota d’água”?

E Pushilin deu um panorama histórico que perpassava os eventos que transcorreram entre o final de 2013 e os primeiros meses de 2014.

Como todos sabem, a grande controvérsia de 2013 foi a questão do direcionamento da geopolítica ucraniana: Ocidente ou Rússia? União Europeia ou União Eurasiática? Com que bloco a Ucrânia estabeleceria relações estratégicas, diplomáticas e econômicas preferenciais?

Assim que ficou claro que o governo Yanukovych (na prática, eleito pelo leste do país) relutava em escolher o Ocidente, as redes internacionais de ONGs, auxiliadas pelas embaixadas ocidentais, deram início à revolução colorida de Kiev, o Maidan. Os habitantes do Donbass observaram os eventos com apreensão até a efetiva mudança de regime.

Em seguida, a partir do final de fevereiro de 2014, começam os protestos, especialmente em Donetsk, Lugansk, Kharkov e Odessa, contra a mudança de regime. Os manifestantes protestaram ocupando prédios públicos e demandando maiores níveis de autonomia. O que motivava a exigência de autonomia era o discurso das novas autoridades em Kiev, como Arsen Yatsenyuk, Aleksandr Turchynov e outros, no sentido de não apenas abandonar a ideia de integração com a União Eurasiática, mas iniciar um processo de “desrussificação”, com a imposição de limitações à mídia e à educação em idioma russo.

O racismo russofóbico tornava-se a ordem do dia nos discursos oficiais, na mídia nacional, nas escolas. Os “russos” (e, portanto, os ucranianos orientais) eram comparados a “mongóis” e a “asiáticos”, eram considerados um povo “sem cultura”, de “terceiro mundo”, nostálgico da URSS, apegado ao “coletivismo”.

Os cidadãos do Donbass, então, começaram a intensificar os seus protestos ao longo de março e do início de abril. Mas as demandas eram ignoradas e, eventualmente, os prefeitos, governadores e outras autoridades locais começaram a fugir e a abandonar os seus cidadãos. Nos lugares que tentavam organizar referendos, algumas aglomerações já eram alvejadas com tiros por policiais e militares pró-Kiev.

A gradual paramilitarização dos manifestantes anti-Maidan (geralmente através da ocupação de delegacias policiais e bases militares), portanto, foi se tornando inevitável e necessária, já que Kiev não demonstrava interesse em negociar, nenhuma autoridade local parecia querer conduzir as massas e manifestações pacíficas eram reprimidas com violência crescente – tudo isso enquanto em Kiev e em Lvov, declarava-se ódio aberto a todos os habitantes do leste do país.

É assim que Denis Pushilin recorda esses momentos de indefinição que levaram à luta armada pela identidade e pelos direitos do Donbass.

O que me levou a perguntar sobre o tema, porém, foi mais do que um interesse historiográfico. Por todo o mundo, hoje, mas especialmente na Europa, regimes liberal-democráticos abraçam o totalitarismo e começam a suprimir prerrogativas dos cidadãos ou mesmo a substituir o jogo democrático pela tecnocracia judiciária. Políticos são assassinados na Alemanha e na França, eleições são fraudadas na Romênia, críticos do sistema são presos e recebem penas draconianas pelas mais irrisórias ofensas no Reino Unido.

É importante entender quais são os gatilhos da luta armada porque cenários semelhantes podem se repetir em outros países.

Se a tomada e militarização de Slavyansk por 50 homens armados, por exemplo, no início de abril de 2014, não tivesse ocorrido, despertando todos do torpor e acendendo o rastilho de pólvora da resistência, o que teria acontecido? Como estaria o Donbass hoje? O “timing” (ou kairos) é tudo nos momentos mais importantes da história.

Nesses momentos, realmente, é vantajoso que um povo tenha entre os seus pelo menos uma parcela de loucos corajosos e aventureiros desesperados, dispostos a ousar contra todo o bom senso, porque esses – os “desajustados” – são a vanguarda da revolução, como escreveu o saudoso Eduard Limonov.

Ainda há homens assim na Europa e em outras partes do mundo ameaçadas pelo totalitarismo liberal? Nesse mundo padronizado, higienizado e artificializado das regiões mais “avançadas” do Ocidente ainda é possível encontrar “loucos” e “aventureiros” dispostos a agir?

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The views of individual contributors do not necessarily represent those of the Strategic Culture Foundation.

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