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Raphael Machado
June 10, 2025
© Photo: SCF

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Se o bannonismo possui uma dívida ideológica em sua práxis política é a Mao Tsé-Tung, mais do que a René Guénon ou Julius Evola. E digo isso sem ironia e apoiado em outras análises prévias que apontam para a influência de Lênin, Gramsci e Mao sobre a práxis do estrategista trompista Steve Bannon.

Na perspectiva clássica maoísta, todos os entes são moldados por suas contradições e são os choques entre essas contradições que fazem avançar os processos históricos. Trata-se aí de uma metafísica (mesmo que materialista) que nos recorda a metafísica da vontade de poder de Nietzsche – o choque entre forças opostas produzindo o devir. Em um sentido político, essa concepção molda uma perspectiva segundo a qual para que um movimento revolucionário “avance” após a derrota de um inimigo, é necessário acirrar contradições contra outro alvo, tornando-o o novo inimigo principal.

Com isso, se reforça as próprias posições e bases e se liquida uma força que talvez fosse, outrora, amiga mas que não estava plenamente alinhada. Sem isso, há estagnação e burocratização – o que em alguma medida também é previsto na teoria da “revolução permanente” de Trótski. Há aqui, evidentemente, ecos da teoria política de Carl Schmitt e talvez seja por isso que o jurista alemão seja tão lido na China contemporânea.

Pois bem, a aliança entre Donald Trump e Elon Musk sempre foi uma aliança estranha.

O Trump 2.0 – é perceptível para todos – vem apoiado por uma parte do Deep State e dos globalistas; especificamente pelos setores tecnocráticos do Deep State e do globalismo. E tanto a escolha de J.D. Vance para vice-presidente quanto a aliança com Elon Musk e a aproximação com Peter Thiel apontam nessa direção. Uma atenção especial, aliás, deve ser dada à posição de Vance como vice-presidente pelo fato de ele ser um associado próximo do neorreacionário Peter Thiel, da megacorporação de vigilância digital Palantir.

Apesar da leitura progressista superficial unir tudo sob o rótulo de “extrema-direita”, as contradições entre as posições do populismo trumpista-bannonista e do tecnoglobalismo neorreacionário são fundamentais.

O trumpismo-bannonismo é contra a imigração em massa em geral por preocupações identitárias com a manutenção de uma imagem demográfica e cultural dos EUA cristalizada em meados do século XX. Para o trumpismo-bannonismo um redneck estúpido morador de trailer no sul dos EUA é “melhor” que um imigrante indiano com 3 doutorados e QI 180 porque o primeiro pertence ao “nós” enquanto o segundo é um “outro”. E isso basta.

A perspectiva neorreacionária (e por “neorreacionário” aqui estamos nos referindo à ideologia capitalista tecnocrática e autoritária de Curtis Yarvin e Nick Land), por sua vez, é anti-identitária. Ela acredita em limitar a imigração de lúmpens (apenas pelo fato de já haver lúmpens suficientes nos EUA para cumprirem a função de “morlocks” – trabalhadores servis em condições precárias), mas ampliar a imigração de mão-de-obra chinesa e indiana qualificada – mesmo que isso implique substituição demográfica e a criação de uma “sociedade de castas” artificial em que os postos “gerenciais” estarão nas mãos de “especialistas” asiáticos.

Elon Musk, propriamente, não é neorreacionário em um sentido ideológico estrito, mas é um tecnoglobalista libertário, com posições que se aproximam das posições neorreacionárias em pelo menos alguns tópicos. E não surpreendentemente, Musk se posicionou nessa questão da imigração precisamente desta forma.

E também na questão da economia.

Para o trumpismo-bannonismo, o livre-comércio arruinou os EUA promovendo a sua desindustrialização, liquidando a “small town America” do “fly-over country”. Apesar do “pedágio” discursivo pago a Ronald Reagan, a ascensão de Trump representa materialmente uma revolta contra o reaganismo. Os setores mais intelectualizados desse camporecordam o protecionismo hamiltoniano e seu papel na construção do poder dos EUA.

Para os tecnoglobalistas, por outro lado, o livre-comércio é um imperativo de eficiência econômica. A divisão internacional do trabalho com base nas vantagens comparativas é um axioma. Os tecnoglobalistas usualmente estão assentados nos EUA, mas eles possuem negócios no mundo inteiro. Para eles, a integração planetária é boa. Quanto a isso, basta recordarmos o conflito acirrado entre Elon Musk e Peter Navarro, o “guru das tarifas” de Trump.

Aqui, naturalmente, é necessário apontar que há uma diferença entre a pessoa Donald Trump e aquilo que chamamos de trumpismo, ou seja, o movimento de base construído principalmente por Steve Bannon. Donald Trump em si balança entre diferentes posições ideológicos e nem sempre está alinhado ao próprio trumpismo.

Não obstante, o conflito entre Donald Trump e Elon Musk representa essa oposição entre “sangue” e “ouro”. Trump é o líder de massas, imbuído de poder concreto, movido por puro instinto, frente ao “nerd” bilionário cosmopolita Elon Musk.

No mundo contemporâneo, por conta da difusão dos valores liberais, passou-se a acreditar que dinheiro é poder e que o interesse financeiro sempre se sobrepõe à política. Vejam, por exemplo, a reação dos brasileiros diante da disputa entre Elon Musk e o juiz Alexandre de Moraes. Para os bolsonaristas, era “óbvio” que Musk seria capaz de se sobrepor a Moraes basicamente pelo fato de Musk ser “o homem mais rico do mundo”. Agora sabemos que não foi isso que aconteceu.

O dinheiro não significa nada. Quando “o homem mais rico do mundo” na Antiguidade, o triúnviro romano Crasso, foi derrotado na Batalha de Carras pelos partas, os vitoriosos o tomaram pelo pescoço e derramaram ouro derretido por sua boca até a morte. Depois, sua cabeça foi exibida em uma encenação d’As Bacantes, de Eurípides, perante o Rei Orodes II. De que valeu, então, o fato dele ser “o homem mais rico do mundo”? Como argutamente dito num episódio de “Game of Thrones”, “poder é poder”. E o poder puro e bruto esmaga o poder indireto da “influência” e do “dinheiro”, sempre que não haja uma barreira para impedir o seu exercício.

E, em alguma medida, é melhor que seja assim. Em uma concepção tradicional das relações entre as esferas das atividades humanas, a Política sempre deve se sobrepor à Economia – especialmente em uma ordem democrática popular. Nesse sentido, na disputa entre Trump e Musk, o Donald representa um princípio político tradicional – mesmo ele sendo um “outsider” que desafiou parte das elites políticas tradicionais dos EUA – do mando monocrático e vertical, sobre a horizontalidade eunuca (obs.: aqui estamos sendo até literais, considerando que a maioria de seus filhos foi gerada por inseminação artificial) do muambeiro e vendedor de bugigangas Musk.

Trump se pronuncia a partir de uma posição de poder, com os símbolos do poder, com voz autocrática, protegido por armas e mísseis, a partir do puro instinto, com opiniões saídas da “tripa”, com uma autenticidade de quem sabe o que é necessário para preservar e expandir o seu poder. Nisso, ele pretende representar (ao menos parcialmente) o proletariado, o agricultor e a classe média dos EUA, os “homens pequenos”, ou – como dizia a Hillary Clinton – os “deploráveis”, a “ralé” que não abraçou o nomadismo cosmopolita. Não há comparação com o tecnocrata transumanista Musk.

Agora, de fato, essa ruptura pode dificultar alguns aspectos da governabilidade de Trump, especialmente pela influência que Musk tem sobre as redes sociais, principal campo de batalha do trumpismo. Na perspectiva de Steve Bannon, porém, é preferível que o trumpismo caia do que ele ser cooptado e subvertido por personagens que ele considera globalistas.

Os tecnoglobalistas neorreacionários representam uma infiltração transumanista e antitradicional no seio do populismo trumpista. E é de se esperar que Steve Bannon leve o enfrentamento ideológico até Peter Thiel, que com sua Palantír pretende construir uma tirania tecnocrática de vigilância permanente na América do Norte – e que ainda está ligado a Trump, especialmente através de J.D. Vance.

Talvez não seja coincidência que Elon Musk, nos últimos dias, defendeu publicamente o impeachment de Trump para que em seu lugar governasse J.D. Vance.

Trump x Musk: Sangue contra Ouro

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Se o bannonismo possui uma dívida ideológica em sua práxis política é a Mao Tsé-Tung, mais do que a René Guénon ou Julius Evola. E digo isso sem ironia e apoiado em outras análises prévias que apontam para a influência de Lênin, Gramsci e Mao sobre a práxis do estrategista trompista Steve Bannon.

Na perspectiva clássica maoísta, todos os entes são moldados por suas contradições e são os choques entre essas contradições que fazem avançar os processos históricos. Trata-se aí de uma metafísica (mesmo que materialista) que nos recorda a metafísica da vontade de poder de Nietzsche – o choque entre forças opostas produzindo o devir. Em um sentido político, essa concepção molda uma perspectiva segundo a qual para que um movimento revolucionário “avance” após a derrota de um inimigo, é necessário acirrar contradições contra outro alvo, tornando-o o novo inimigo principal.

Com isso, se reforça as próprias posições e bases e se liquida uma força que talvez fosse, outrora, amiga mas que não estava plenamente alinhada. Sem isso, há estagnação e burocratização – o que em alguma medida também é previsto na teoria da “revolução permanente” de Trótski. Há aqui, evidentemente, ecos da teoria política de Carl Schmitt e talvez seja por isso que o jurista alemão seja tão lido na China contemporânea.

Pois bem, a aliança entre Donald Trump e Elon Musk sempre foi uma aliança estranha.

O Trump 2.0 – é perceptível para todos – vem apoiado por uma parte do Deep State e dos globalistas; especificamente pelos setores tecnocráticos do Deep State e do globalismo. E tanto a escolha de J.D. Vance para vice-presidente quanto a aliança com Elon Musk e a aproximação com Peter Thiel apontam nessa direção. Uma atenção especial, aliás, deve ser dada à posição de Vance como vice-presidente pelo fato de ele ser um associado próximo do neorreacionário Peter Thiel, da megacorporação de vigilância digital Palantir.

Apesar da leitura progressista superficial unir tudo sob o rótulo de “extrema-direita”, as contradições entre as posições do populismo trumpista-bannonista e do tecnoglobalismo neorreacionário são fundamentais.

O trumpismo-bannonismo é contra a imigração em massa em geral por preocupações identitárias com a manutenção de uma imagem demográfica e cultural dos EUA cristalizada em meados do século XX. Para o trumpismo-bannonismo um redneck estúpido morador de trailer no sul dos EUA é “melhor” que um imigrante indiano com 3 doutorados e QI 180 porque o primeiro pertence ao “nós” enquanto o segundo é um “outro”. E isso basta.

A perspectiva neorreacionária (e por “neorreacionário” aqui estamos nos referindo à ideologia capitalista tecnocrática e autoritária de Curtis Yarvin e Nick Land), por sua vez, é anti-identitária. Ela acredita em limitar a imigração de lúmpens (apenas pelo fato de já haver lúmpens suficientes nos EUA para cumprirem a função de “morlocks” – trabalhadores servis em condições precárias), mas ampliar a imigração de mão-de-obra chinesa e indiana qualificada – mesmo que isso implique substituição demográfica e a criação de uma “sociedade de castas” artificial em que os postos “gerenciais” estarão nas mãos de “especialistas” asiáticos.

Elon Musk, propriamente, não é neorreacionário em um sentido ideológico estrito, mas é um tecnoglobalista libertário, com posições que se aproximam das posições neorreacionárias em pelo menos alguns tópicos. E não surpreendentemente, Musk se posicionou nessa questão da imigração precisamente desta forma.

E também na questão da economia.

Para o trumpismo-bannonismo, o livre-comércio arruinou os EUA promovendo a sua desindustrialização, liquidando a “small town America” do “fly-over country”. Apesar do “pedágio” discursivo pago a Ronald Reagan, a ascensão de Trump representa materialmente uma revolta contra o reaganismo. Os setores mais intelectualizados desse camporecordam o protecionismo hamiltoniano e seu papel na construção do poder dos EUA.

Para os tecnoglobalistas, por outro lado, o livre-comércio é um imperativo de eficiência econômica. A divisão internacional do trabalho com base nas vantagens comparativas é um axioma. Os tecnoglobalistas usualmente estão assentados nos EUA, mas eles possuem negócios no mundo inteiro. Para eles, a integração planetária é boa. Quanto a isso, basta recordarmos o conflito acirrado entre Elon Musk e Peter Navarro, o “guru das tarifas” de Trump.

Aqui, naturalmente, é necessário apontar que há uma diferença entre a pessoa Donald Trump e aquilo que chamamos de trumpismo, ou seja, o movimento de base construído principalmente por Steve Bannon. Donald Trump em si balança entre diferentes posições ideológicos e nem sempre está alinhado ao próprio trumpismo.

Não obstante, o conflito entre Donald Trump e Elon Musk representa essa oposição entre “sangue” e “ouro”. Trump é o líder de massas, imbuído de poder concreto, movido por puro instinto, frente ao “nerd” bilionário cosmopolita Elon Musk.

No mundo contemporâneo, por conta da difusão dos valores liberais, passou-se a acreditar que dinheiro é poder e que o interesse financeiro sempre se sobrepõe à política. Vejam, por exemplo, a reação dos brasileiros diante da disputa entre Elon Musk e o juiz Alexandre de Moraes. Para os bolsonaristas, era “óbvio” que Musk seria capaz de se sobrepor a Moraes basicamente pelo fato de Musk ser “o homem mais rico do mundo”. Agora sabemos que não foi isso que aconteceu.

O dinheiro não significa nada. Quando “o homem mais rico do mundo” na Antiguidade, o triúnviro romano Crasso, foi derrotado na Batalha de Carras pelos partas, os vitoriosos o tomaram pelo pescoço e derramaram ouro derretido por sua boca até a morte. Depois, sua cabeça foi exibida em uma encenação d’As Bacantes, de Eurípides, perante o Rei Orodes II. De que valeu, então, o fato dele ser “o homem mais rico do mundo”? Como argutamente dito num episódio de “Game of Thrones”, “poder é poder”. E o poder puro e bruto esmaga o poder indireto da “influência” e do “dinheiro”, sempre que não haja uma barreira para impedir o seu exercício.

E, em alguma medida, é melhor que seja assim. Em uma concepção tradicional das relações entre as esferas das atividades humanas, a Política sempre deve se sobrepor à Economia – especialmente em uma ordem democrática popular. Nesse sentido, na disputa entre Trump e Musk, o Donald representa um princípio político tradicional – mesmo ele sendo um “outsider” que desafiou parte das elites políticas tradicionais dos EUA – do mando monocrático e vertical, sobre a horizontalidade eunuca (obs.: aqui estamos sendo até literais, considerando que a maioria de seus filhos foi gerada por inseminação artificial) do muambeiro e vendedor de bugigangas Musk.

Trump se pronuncia a partir de uma posição de poder, com os símbolos do poder, com voz autocrática, protegido por armas e mísseis, a partir do puro instinto, com opiniões saídas da “tripa”, com uma autenticidade de quem sabe o que é necessário para preservar e expandir o seu poder. Nisso, ele pretende representar (ao menos parcialmente) o proletariado, o agricultor e a classe média dos EUA, os “homens pequenos”, ou – como dizia a Hillary Clinton – os “deploráveis”, a “ralé” que não abraçou o nomadismo cosmopolita. Não há comparação com o tecnocrata transumanista Musk.

Agora, de fato, essa ruptura pode dificultar alguns aspectos da governabilidade de Trump, especialmente pela influência que Musk tem sobre as redes sociais, principal campo de batalha do trumpismo. Na perspectiva de Steve Bannon, porém, é preferível que o trumpismo caia do que ele ser cooptado e subvertido por personagens que ele considera globalistas.

Os tecnoglobalistas neorreacionários representam uma infiltração transumanista e antitradicional no seio do populismo trumpista. E é de se esperar que Steve Bannon leve o enfrentamento ideológico até Peter Thiel, que com sua Palantír pretende construir uma tirania tecnocrática de vigilância permanente na América do Norte – e que ainda está ligado a Trump, especialmente através de J.D. Vance.

Talvez não seja coincidência que Elon Musk, nos últimos dias, defendeu publicamente o impeachment de Trump para que em seu lugar governasse J.D. Vance.

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Se o bannonismo possui uma dívida ideológica em sua práxis política é a Mao Tsé-Tung, mais do que a René Guénon ou Julius Evola. E digo isso sem ironia e apoiado em outras análises prévias que apontam para a influência de Lênin, Gramsci e Mao sobre a práxis do estrategista trompista Steve Bannon.

Na perspectiva clássica maoísta, todos os entes são moldados por suas contradições e são os choques entre essas contradições que fazem avançar os processos históricos. Trata-se aí de uma metafísica (mesmo que materialista) que nos recorda a metafísica da vontade de poder de Nietzsche – o choque entre forças opostas produzindo o devir. Em um sentido político, essa concepção molda uma perspectiva segundo a qual para que um movimento revolucionário “avance” após a derrota de um inimigo, é necessário acirrar contradições contra outro alvo, tornando-o o novo inimigo principal.

Com isso, se reforça as próprias posições e bases e se liquida uma força que talvez fosse, outrora, amiga mas que não estava plenamente alinhada. Sem isso, há estagnação e burocratização – o que em alguma medida também é previsto na teoria da “revolução permanente” de Trótski. Há aqui, evidentemente, ecos da teoria política de Carl Schmitt e talvez seja por isso que o jurista alemão seja tão lido na China contemporânea.

Pois bem, a aliança entre Donald Trump e Elon Musk sempre foi uma aliança estranha.

O Trump 2.0 – é perceptível para todos – vem apoiado por uma parte do Deep State e dos globalistas; especificamente pelos setores tecnocráticos do Deep State e do globalismo. E tanto a escolha de J.D. Vance para vice-presidente quanto a aliança com Elon Musk e a aproximação com Peter Thiel apontam nessa direção. Uma atenção especial, aliás, deve ser dada à posição de Vance como vice-presidente pelo fato de ele ser um associado próximo do neorreacionário Peter Thiel, da megacorporação de vigilância digital Palantir.

Apesar da leitura progressista superficial unir tudo sob o rótulo de “extrema-direita”, as contradições entre as posições do populismo trumpista-bannonista e do tecnoglobalismo neorreacionário são fundamentais.

O trumpismo-bannonismo é contra a imigração em massa em geral por preocupações identitárias com a manutenção de uma imagem demográfica e cultural dos EUA cristalizada em meados do século XX. Para o trumpismo-bannonismo um redneck estúpido morador de trailer no sul dos EUA é “melhor” que um imigrante indiano com 3 doutorados e QI 180 porque o primeiro pertence ao “nós” enquanto o segundo é um “outro”. E isso basta.

A perspectiva neorreacionária (e por “neorreacionário” aqui estamos nos referindo à ideologia capitalista tecnocrática e autoritária de Curtis Yarvin e Nick Land), por sua vez, é anti-identitária. Ela acredita em limitar a imigração de lúmpens (apenas pelo fato de já haver lúmpens suficientes nos EUA para cumprirem a função de “morlocks” – trabalhadores servis em condições precárias), mas ampliar a imigração de mão-de-obra chinesa e indiana qualificada – mesmo que isso implique substituição demográfica e a criação de uma “sociedade de castas” artificial em que os postos “gerenciais” estarão nas mãos de “especialistas” asiáticos.

Elon Musk, propriamente, não é neorreacionário em um sentido ideológico estrito, mas é um tecnoglobalista libertário, com posições que se aproximam das posições neorreacionárias em pelo menos alguns tópicos. E não surpreendentemente, Musk se posicionou nessa questão da imigração precisamente desta forma.

E também na questão da economia.

Para o trumpismo-bannonismo, o livre-comércio arruinou os EUA promovendo a sua desindustrialização, liquidando a “small town America” do “fly-over country”. Apesar do “pedágio” discursivo pago a Ronald Reagan, a ascensão de Trump representa materialmente uma revolta contra o reaganismo. Os setores mais intelectualizados desse camporecordam o protecionismo hamiltoniano e seu papel na construção do poder dos EUA.

Para os tecnoglobalistas, por outro lado, o livre-comércio é um imperativo de eficiência econômica. A divisão internacional do trabalho com base nas vantagens comparativas é um axioma. Os tecnoglobalistas usualmente estão assentados nos EUA, mas eles possuem negócios no mundo inteiro. Para eles, a integração planetária é boa. Quanto a isso, basta recordarmos o conflito acirrado entre Elon Musk e Peter Navarro, o “guru das tarifas” de Trump.

Aqui, naturalmente, é necessário apontar que há uma diferença entre a pessoa Donald Trump e aquilo que chamamos de trumpismo, ou seja, o movimento de base construído principalmente por Steve Bannon. Donald Trump em si balança entre diferentes posições ideológicos e nem sempre está alinhado ao próprio trumpismo.

Não obstante, o conflito entre Donald Trump e Elon Musk representa essa oposição entre “sangue” e “ouro”. Trump é o líder de massas, imbuído de poder concreto, movido por puro instinto, frente ao “nerd” bilionário cosmopolita Elon Musk.

No mundo contemporâneo, por conta da difusão dos valores liberais, passou-se a acreditar que dinheiro é poder e que o interesse financeiro sempre se sobrepõe à política. Vejam, por exemplo, a reação dos brasileiros diante da disputa entre Elon Musk e o juiz Alexandre de Moraes. Para os bolsonaristas, era “óbvio” que Musk seria capaz de se sobrepor a Moraes basicamente pelo fato de Musk ser “o homem mais rico do mundo”. Agora sabemos que não foi isso que aconteceu.

O dinheiro não significa nada. Quando “o homem mais rico do mundo” na Antiguidade, o triúnviro romano Crasso, foi derrotado na Batalha de Carras pelos partas, os vitoriosos o tomaram pelo pescoço e derramaram ouro derretido por sua boca até a morte. Depois, sua cabeça foi exibida em uma encenação d’As Bacantes, de Eurípides, perante o Rei Orodes II. De que valeu, então, o fato dele ser “o homem mais rico do mundo”? Como argutamente dito num episódio de “Game of Thrones”, “poder é poder”. E o poder puro e bruto esmaga o poder indireto da “influência” e do “dinheiro”, sempre que não haja uma barreira para impedir o seu exercício.

E, em alguma medida, é melhor que seja assim. Em uma concepção tradicional das relações entre as esferas das atividades humanas, a Política sempre deve se sobrepor à Economia – especialmente em uma ordem democrática popular. Nesse sentido, na disputa entre Trump e Musk, o Donald representa um princípio político tradicional – mesmo ele sendo um “outsider” que desafiou parte das elites políticas tradicionais dos EUA – do mando monocrático e vertical, sobre a horizontalidade eunuca (obs.: aqui estamos sendo até literais, considerando que a maioria de seus filhos foi gerada por inseminação artificial) do muambeiro e vendedor de bugigangas Musk.

Trump se pronuncia a partir de uma posição de poder, com os símbolos do poder, com voz autocrática, protegido por armas e mísseis, a partir do puro instinto, com opiniões saídas da “tripa”, com uma autenticidade de quem sabe o que é necessário para preservar e expandir o seu poder. Nisso, ele pretende representar (ao menos parcialmente) o proletariado, o agricultor e a classe média dos EUA, os “homens pequenos”, ou – como dizia a Hillary Clinton – os “deploráveis”, a “ralé” que não abraçou o nomadismo cosmopolita. Não há comparação com o tecnocrata transumanista Musk.

Agora, de fato, essa ruptura pode dificultar alguns aspectos da governabilidade de Trump, especialmente pela influência que Musk tem sobre as redes sociais, principal campo de batalha do trumpismo. Na perspectiva de Steve Bannon, porém, é preferível que o trumpismo caia do que ele ser cooptado e subvertido por personagens que ele considera globalistas.

Os tecnoglobalistas neorreacionários representam uma infiltração transumanista e antitradicional no seio do populismo trumpista. E é de se esperar que Steve Bannon leve o enfrentamento ideológico até Peter Thiel, que com sua Palantír pretende construir uma tirania tecnocrática de vigilância permanente na América do Norte – e que ainda está ligado a Trump, especialmente através de J.D. Vance.

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The views of individual contributors do not necessarily represent those of the Strategic Culture Foundation.

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