Da perspectiva chinesa, talvez perceba-se o Brasil como um país privado de segurança jurídica suficiente para receber investimentos tão altos vindos da China.
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Um tema ao qual temos dado atenção em nossa coluna é o da integração continental, tanto por meios rodoviários quanto por meios ferroviários. Em artigos anteriores, inclusive, mencionamos que o governo atual havia dado um novo impulso a este sonho de décadas através do projeto das Rotas de Integração e também ressaltamos o interesse chinês nessa pauta, por considerar que ligar o Oceano Atlântico ao Oceano Pacífico seria interessante para a facilitação e ampliação dos fluxos comerciais na e com a América Ibérica.
A China, ano passado, inaugurou o porto de Chancay, construído por ela no Peru. Quanto ao Brasil, em seu projeto das Rotas de Integração, promete ligar cidades brasileiras como Manaus, Santos, Campo Grande, Belém, Cuiabá e Porto Alegre com portos importantes como Coquimbo e Antofagasta (Chile), Chancay (Peru), Manta (Equador), Buenos Aires (Argentina) e Montevidéu (Uruguai).
Agora nós finalmente vemos possibilidades de avanço nesse projeto. O Presidente Lula visitou Pequim no início deste mês de maio de 2025, e entre os inúmeros projetos conjuntos abordados estiveram as Rotas de Integração. Segundo fontes do governo, como a Ministra Tebet do Ministério do Planejamento, a China estaria interessada em construir a Ferrovia Bioceânica. Tendo 3 mil quilômetros de extensão, a ferrovia ligaria Ilhéus, na Bahia, ao porto de Chancay, no Peru, passando por grandes regiões produtoras agropecuárias como áreas do Piauí, Maranhão, Tocantins e do Centro-Oeste.
A importância disso para a China se apoia na atual dependência chinesa em relação a importações de grãos e de carne do Brasil. O Brasil é o 2º maior exportador de grãos para o gigante asiático, bem como a sua principal fonte externa de carne. Ao ligar centros produtores a um porto no Pacífico, com isso a China estará encurtando em 10 dias o tempo de viagem dos navios que levam os produtos para seu território.
Já para o Brasil, o projeto interessa não apenas pela perspectiva de aumentar as suas exportações para a China e para os países do Pacífico em geral, mas também porque as ferrovias também favorecerão o desenvolvimento em seus pontos de parada, como tem sido tradicional, mundialmente, na construção de malhas ferroviárias. Cogita-se, ademais, que as linhas férreas poderão também abrigar trens de passageiros, o que será também interessante para favorecer a integração nacional e o turismo interno.
Apesar da Ferrovia Bioceânica ser prioritária, há alguns outros projetos que atraem a atenção da China Railway Construction Company (a gigante ferroviária chinesa), como a interligação entre o porto de Santos e o porto de Antofagasta, no Chile.
Apesar do interesse de ambas partes, porém, ainda há inúmeros empecilhos no caminho do projeto.
Os chineses ainda estão avaliando os projetos brasileiros e uma parte da relutância parece se dever ao fato de que existe uma desconfiança sobre se o Brasil será capaz de garantir as cadeias de suprimentos necessárias para a realização ininterrupta das obras. A China também guarda certas reservas por conta da recusa brasileira em participar da Nova Rota da Seda para não desagradar aos EUA. O recuo brasileiro gera a percepção de que o país seria muito sensível a qualquer pressão vinda dos EUA, de modo que poderia se passar da China fazer vultosos investimentos nessas obras e não alcançar os resultados almejados pelo Brasil ceder facilmente demais a Washington.
Alguns setores dentro do Brasil também levantam alguma resistência. A Associação Brasileira da Indústria Ferroviária (Ambifer) e o Sindicato Interestadual da Indústria de Materiais e Equipamentos Ferroviários (Simefre) emitiram uma nota de indignação em relação às negociações diante da perspectiva de que os chineses fabricarão eles mesmos os trens que serão utilizados nas ferrovias em questão.
Na perspectiva das entidades em questão, o acordo feito dessa maneira não estaria favorecendo a reindustrialização brasileira, que é de fato uma das pautas do governo Lula. Para os chineses, porém, a produção dos trens é uma das contrapartidas para a realização de um investimento tão grande quanto este seria.
As principais dificuldades, porém, talvez não venham daí e sim do conluio entre Judiciário, ONGs ambientalistas e de direitos humanos e os partidos da esquerda liberal como o PSOL. Um indício disso é o fato de que essa semana mesmo o PSOL (Partido Socialismo e Liberdade), o Instituto Kabu e a Rede Xingu+ peticionaram ao STF pela suspensão do licenciamento ambiental da “Ferrogrão”, um projeto ferroviário de 900km que pretende ligar as cidades de Sinop, no Mato Grosso, e Miritituba, no Pará, facilitando o transporte de grãos e, com isso, inclusive reduzindo a poluição ambiental.
O STF, que é a Suprema Corte Constitucional no Brasil, tem a tendência a se posicionar junto às ONGs e à esquerda liberal nessas pautas.
Observando a partir da perspectiva chinesa, portanto, talvez perceba-se o Brasil como um país privado de segurança jurídica suficiente para receber investimentos tão altos vindos da China.
Se este for o caso, isso ressaltará a importância de que o Brasil opere uma verdadeira “revolução” soberana, não apenas para limitar a atuação de ONGs com financiamento estrangeiro, mas também para garantir que as instituições brasileiras estejam de fato submetidas à vontade popular e ao interesse nacional.