Português
Raphael Machado
May 3, 2025
© Photo: Public domain

O melhor neste caso seria que Rússia, China e Irã atuassem diretamente para apaziguar os ânimos e pacificar a situação.

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O fato de que as tensões entre Índia e Paquistão não estão desescalando demonstra que a fase atual desse conflito de décadas é, pelo menos, suficientemente relevante para merecer uma breve análise.

A causa imediata da atual escalada entre Índia e Paquistão (que já viu expulsão de cidadãos de ambos países, ruptura de tratados e relações comerciais e mobilização de tropas, além de algumas escaramuças) foi um atentado terrorista praticado por um grupo chamado “Frente de Resistência”, que seria um derivado do grupo salafista Lashkar-e-Taiba, baseado no Paquistão. O atentado em questão causou a morte de quase 30 turistas que passeavam na Caxemira, em sua maioria indianos.

O conflito não é coisa recente, porém. Na prática, em alguma medida, ele parece que foi projetado desde o início pelos britânicos. Quando da preparação da partição do domínio britânico indostânico, levantou-se a questão da sua fragmentação em pelo menos duas partes. Sendo impossível transformar uma região tão complexa do mundo em dois Estados-nações de base étnica, os britânicos prepararam o caminho para o que seria o mais próximo possível disso, dois Estados-nações cuja pretensão à “homogeneidade” se fundava na religião.

Inicialmente tendo como fundamento um interesse por cortejar a elite islâmica de Bengala para instrumentalizá-la contra os hindus, com isso estava plantada no longo prazo a semente de um conflito que se provaria inevitável, já que por razões históricas ambos países continham populações da religião majoritária do outro país. É na elite islâmica que buscava se ocidentalizar, aliás, que se encontra a raiz do “separatismo islâmico” na Índia, vide as ideias de Sayyed Ahmad Khan, as quais são posteriormente superadas pelas ideias de teor mais “tradicionalista” de Muhammad Iqbal e Muhammad Ali Jinnah.

A Caxemira ficava bem no meio da fratura indostânica, e apesar da população majoritariamente islâmica, sua elite governante era hindu. Inicialmente, portanto, a Caxemira se recusou a se integrar fosse no Paquistão ou na Índia, e teve a pretensão de se estabelecer como Estado independente. Os paquistaneses consideraram a decisão absurda, e em seu irredentismo tentaram assegurar a Caxemira pela força, o que levou o seu governo a pedir a anexação à Índia em troca de proteção. A Índia, por sua vez, estava disposta à absorção da Caxemira por considerar que ela era a pátria de todos os indianos, em uma visão imperial suprarreligiosa. Pela Caxemira, por conseguinte, Índia e Paquistão se enfrentaram 3 vezes, em 1947, em 1956 e em 1999.

Agora bem, para além das questões religiosas envolvidas, a região possui uma importância geoestratégica própria. Por sua posição geográfica (situada no entroncamento entre Índia, Paquistão, China e Afeganistão e à beira do Himalaia) a Caxemira é o eixo do Subcontinente Indiano. Os seus rios operam como excelentes fronteiras defensivas naturais para ambos lados, e suas terras são extremamente férteis.

Para o Paquistão, hoje, a Caxemira tem ainda mais importância por causa do projeto do Corredor Sino-Paquistanês ligando o Xinjiang ao porto paquistanês de Gwadar. O projeto, porém, passa por um trecho da Caxemira administrado pelo Paquistão, de modo que uma conflagração generalizada na região sepultaria o projeto e, possivelmente, cortaria o Paquistão da China. O Corredor é necessário, fundamentalmente, para reduzir a dependência paquistanesa em relação aos EUA e à Arábia Saudita.

Nesse contexto do interesse paquistanês pela Caxemira é que se deve ler, também, a política externa do país em relação a esse tópico desde os anos 80. Após ser derrotada militarmente pela Índia, o ISI (o serviço de inteligência paquistanês, que é quase um Estado paralelo) passou a usar o Afeganistão para treinar insurgentes a serem utilizados na Caxemira com o objetivo de desestabilizar a região e, com sorte, separá-la da Índia. Esse tem sido o tom da projeção de poder do Paquistão não apenas na Caxemira, mas no próprio Afeganistão e no resto da região.

Para a Índia, por sua vez, além da importância própria da Caxemira por razões históricas e geoeconômicas, existe a busca por Modi de lavar a honra da Índia após a debacle vergonhosa no Bangladesh, quando a Índia simplesmente testemunhou a perda de seu principal aliado regional para uma revolução colorida, sem esboçar reação (mesmo diante da perseguição a hindus no país vizinho).

É impossível saber se essas tensões eclodirão em um conflito significativo, mas há indícios fortes de preparação de recursos militares por ambos os lados. O ponto importante aí é que o Paquistão possui uma doutrina de “primeiro ataque” com armas nucleares caso a existência de seu Estado seja ameaçada por uma derrota militar. A Índia, por sua vez, só usaria armas nucleares em resposta ao uso de armas nucleares pelo Paquistão.

É importante aí apontar que ambos países são parceiros importantes da Rússia e ambos desempenham papéis na estratégia meridional por meio da qual a Rússia compensou a perda de suas parcerias europeias e ocidentais. Um conflito na Caxemira entre ambos, portanto, só interessaria ao Ocidente.

Nesse caso, considerando que o verdadeiro “cui bono” é ocidental, cumpre questionar a conveniência de um ataque terrorista por um obscuro grupo terrorista com vínculos com a Al-Qaeda. Afinal, falar em “Al-Qaeda” é falar em CIA.

O melhor neste caso seria que Rússia, China e Irã atuassem diretamente para apaziguar os ânimos e pacificar a situação, porque esses países têm muito a perder com esse conflito e, na prática, caso a situação saia do controle as repercussões podem acabar afetando o planeta inteiro.

Índia, Paquistão & Caxemira

O melhor neste caso seria que Rússia, China e Irã atuassem diretamente para apaziguar os ânimos e pacificar a situação.

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O fato de que as tensões entre Índia e Paquistão não estão desescalando demonstra que a fase atual desse conflito de décadas é, pelo menos, suficientemente relevante para merecer uma breve análise.

A causa imediata da atual escalada entre Índia e Paquistão (que já viu expulsão de cidadãos de ambos países, ruptura de tratados e relações comerciais e mobilização de tropas, além de algumas escaramuças) foi um atentado terrorista praticado por um grupo chamado “Frente de Resistência”, que seria um derivado do grupo salafista Lashkar-e-Taiba, baseado no Paquistão. O atentado em questão causou a morte de quase 30 turistas que passeavam na Caxemira, em sua maioria indianos.

O conflito não é coisa recente, porém. Na prática, em alguma medida, ele parece que foi projetado desde o início pelos britânicos. Quando da preparação da partição do domínio britânico indostânico, levantou-se a questão da sua fragmentação em pelo menos duas partes. Sendo impossível transformar uma região tão complexa do mundo em dois Estados-nações de base étnica, os britânicos prepararam o caminho para o que seria o mais próximo possível disso, dois Estados-nações cuja pretensão à “homogeneidade” se fundava na religião.

Inicialmente tendo como fundamento um interesse por cortejar a elite islâmica de Bengala para instrumentalizá-la contra os hindus, com isso estava plantada no longo prazo a semente de um conflito que se provaria inevitável, já que por razões históricas ambos países continham populações da religião majoritária do outro país. É na elite islâmica que buscava se ocidentalizar, aliás, que se encontra a raiz do “separatismo islâmico” na Índia, vide as ideias de Sayyed Ahmad Khan, as quais são posteriormente superadas pelas ideias de teor mais “tradicionalista” de Muhammad Iqbal e Muhammad Ali Jinnah.

A Caxemira ficava bem no meio da fratura indostânica, e apesar da população majoritariamente islâmica, sua elite governante era hindu. Inicialmente, portanto, a Caxemira se recusou a se integrar fosse no Paquistão ou na Índia, e teve a pretensão de se estabelecer como Estado independente. Os paquistaneses consideraram a decisão absurda, e em seu irredentismo tentaram assegurar a Caxemira pela força, o que levou o seu governo a pedir a anexação à Índia em troca de proteção. A Índia, por sua vez, estava disposta à absorção da Caxemira por considerar que ela era a pátria de todos os indianos, em uma visão imperial suprarreligiosa. Pela Caxemira, por conseguinte, Índia e Paquistão se enfrentaram 3 vezes, em 1947, em 1956 e em 1999.

Agora bem, para além das questões religiosas envolvidas, a região possui uma importância geoestratégica própria. Por sua posição geográfica (situada no entroncamento entre Índia, Paquistão, China e Afeganistão e à beira do Himalaia) a Caxemira é o eixo do Subcontinente Indiano. Os seus rios operam como excelentes fronteiras defensivas naturais para ambos lados, e suas terras são extremamente férteis.

Para o Paquistão, hoje, a Caxemira tem ainda mais importância por causa do projeto do Corredor Sino-Paquistanês ligando o Xinjiang ao porto paquistanês de Gwadar. O projeto, porém, passa por um trecho da Caxemira administrado pelo Paquistão, de modo que uma conflagração generalizada na região sepultaria o projeto e, possivelmente, cortaria o Paquistão da China. O Corredor é necessário, fundamentalmente, para reduzir a dependência paquistanesa em relação aos EUA e à Arábia Saudita.

Nesse contexto do interesse paquistanês pela Caxemira é que se deve ler, também, a política externa do país em relação a esse tópico desde os anos 80. Após ser derrotada militarmente pela Índia, o ISI (o serviço de inteligência paquistanês, que é quase um Estado paralelo) passou a usar o Afeganistão para treinar insurgentes a serem utilizados na Caxemira com o objetivo de desestabilizar a região e, com sorte, separá-la da Índia. Esse tem sido o tom da projeção de poder do Paquistão não apenas na Caxemira, mas no próprio Afeganistão e no resto da região.

Para a Índia, por sua vez, além da importância própria da Caxemira por razões históricas e geoeconômicas, existe a busca por Modi de lavar a honra da Índia após a debacle vergonhosa no Bangladesh, quando a Índia simplesmente testemunhou a perda de seu principal aliado regional para uma revolução colorida, sem esboçar reação (mesmo diante da perseguição a hindus no país vizinho).

É impossível saber se essas tensões eclodirão em um conflito significativo, mas há indícios fortes de preparação de recursos militares por ambos os lados. O ponto importante aí é que o Paquistão possui uma doutrina de “primeiro ataque” com armas nucleares caso a existência de seu Estado seja ameaçada por uma derrota militar. A Índia, por sua vez, só usaria armas nucleares em resposta ao uso de armas nucleares pelo Paquistão.

É importante aí apontar que ambos países são parceiros importantes da Rússia e ambos desempenham papéis na estratégia meridional por meio da qual a Rússia compensou a perda de suas parcerias europeias e ocidentais. Um conflito na Caxemira entre ambos, portanto, só interessaria ao Ocidente.

Nesse caso, considerando que o verdadeiro “cui bono” é ocidental, cumpre questionar a conveniência de um ataque terrorista por um obscuro grupo terrorista com vínculos com a Al-Qaeda. Afinal, falar em “Al-Qaeda” é falar em CIA.

O melhor neste caso seria que Rússia, China e Irã atuassem diretamente para apaziguar os ânimos e pacificar a situação, porque esses países têm muito a perder com esse conflito e, na prática, caso a situação saia do controle as repercussões podem acabar afetando o planeta inteiro.

O melhor neste caso seria que Rússia, China e Irã atuassem diretamente para apaziguar os ânimos e pacificar a situação.

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O fato de que as tensões entre Índia e Paquistão não estão desescalando demonstra que a fase atual desse conflito de décadas é, pelo menos, suficientemente relevante para merecer uma breve análise.

A causa imediata da atual escalada entre Índia e Paquistão (que já viu expulsão de cidadãos de ambos países, ruptura de tratados e relações comerciais e mobilização de tropas, além de algumas escaramuças) foi um atentado terrorista praticado por um grupo chamado “Frente de Resistência”, que seria um derivado do grupo salafista Lashkar-e-Taiba, baseado no Paquistão. O atentado em questão causou a morte de quase 30 turistas que passeavam na Caxemira, em sua maioria indianos.

O conflito não é coisa recente, porém. Na prática, em alguma medida, ele parece que foi projetado desde o início pelos britânicos. Quando da preparação da partição do domínio britânico indostânico, levantou-se a questão da sua fragmentação em pelo menos duas partes. Sendo impossível transformar uma região tão complexa do mundo em dois Estados-nações de base étnica, os britânicos prepararam o caminho para o que seria o mais próximo possível disso, dois Estados-nações cuja pretensão à “homogeneidade” se fundava na religião.

Inicialmente tendo como fundamento um interesse por cortejar a elite islâmica de Bengala para instrumentalizá-la contra os hindus, com isso estava plantada no longo prazo a semente de um conflito que se provaria inevitável, já que por razões históricas ambos países continham populações da religião majoritária do outro país. É na elite islâmica que buscava se ocidentalizar, aliás, que se encontra a raiz do “separatismo islâmico” na Índia, vide as ideias de Sayyed Ahmad Khan, as quais são posteriormente superadas pelas ideias de teor mais “tradicionalista” de Muhammad Iqbal e Muhammad Ali Jinnah.

A Caxemira ficava bem no meio da fratura indostânica, e apesar da população majoritariamente islâmica, sua elite governante era hindu. Inicialmente, portanto, a Caxemira se recusou a se integrar fosse no Paquistão ou na Índia, e teve a pretensão de se estabelecer como Estado independente. Os paquistaneses consideraram a decisão absurda, e em seu irredentismo tentaram assegurar a Caxemira pela força, o que levou o seu governo a pedir a anexação à Índia em troca de proteção. A Índia, por sua vez, estava disposta à absorção da Caxemira por considerar que ela era a pátria de todos os indianos, em uma visão imperial suprarreligiosa. Pela Caxemira, por conseguinte, Índia e Paquistão se enfrentaram 3 vezes, em 1947, em 1956 e em 1999.

Agora bem, para além das questões religiosas envolvidas, a região possui uma importância geoestratégica própria. Por sua posição geográfica (situada no entroncamento entre Índia, Paquistão, China e Afeganistão e à beira do Himalaia) a Caxemira é o eixo do Subcontinente Indiano. Os seus rios operam como excelentes fronteiras defensivas naturais para ambos lados, e suas terras são extremamente férteis.

Para o Paquistão, hoje, a Caxemira tem ainda mais importância por causa do projeto do Corredor Sino-Paquistanês ligando o Xinjiang ao porto paquistanês de Gwadar. O projeto, porém, passa por um trecho da Caxemira administrado pelo Paquistão, de modo que uma conflagração generalizada na região sepultaria o projeto e, possivelmente, cortaria o Paquistão da China. O Corredor é necessário, fundamentalmente, para reduzir a dependência paquistanesa em relação aos EUA e à Arábia Saudita.

Nesse contexto do interesse paquistanês pela Caxemira é que se deve ler, também, a política externa do país em relação a esse tópico desde os anos 80. Após ser derrotada militarmente pela Índia, o ISI (o serviço de inteligência paquistanês, que é quase um Estado paralelo) passou a usar o Afeganistão para treinar insurgentes a serem utilizados na Caxemira com o objetivo de desestabilizar a região e, com sorte, separá-la da Índia. Esse tem sido o tom da projeção de poder do Paquistão não apenas na Caxemira, mas no próprio Afeganistão e no resto da região.

Para a Índia, por sua vez, além da importância própria da Caxemira por razões históricas e geoeconômicas, existe a busca por Modi de lavar a honra da Índia após a debacle vergonhosa no Bangladesh, quando a Índia simplesmente testemunhou a perda de seu principal aliado regional para uma revolução colorida, sem esboçar reação (mesmo diante da perseguição a hindus no país vizinho).

É impossível saber se essas tensões eclodirão em um conflito significativo, mas há indícios fortes de preparação de recursos militares por ambos os lados. O ponto importante aí é que o Paquistão possui uma doutrina de “primeiro ataque” com armas nucleares caso a existência de seu Estado seja ameaçada por uma derrota militar. A Índia, por sua vez, só usaria armas nucleares em resposta ao uso de armas nucleares pelo Paquistão.

É importante aí apontar que ambos países são parceiros importantes da Rússia e ambos desempenham papéis na estratégia meridional por meio da qual a Rússia compensou a perda de suas parcerias europeias e ocidentais. Um conflito na Caxemira entre ambos, portanto, só interessaria ao Ocidente.

Nesse caso, considerando que o verdadeiro “cui bono” é ocidental, cumpre questionar a conveniência de um ataque terrorista por um obscuro grupo terrorista com vínculos com a Al-Qaeda. Afinal, falar em “Al-Qaeda” é falar em CIA.

O melhor neste caso seria que Rússia, China e Irã atuassem diretamente para apaziguar os ânimos e pacificar a situação, porque esses países têm muito a perder com esse conflito e, na prática, caso a situação saia do controle as repercussões podem acabar afetando o planeta inteiro.

The views of individual contributors do not necessarily represent those of the Strategic Culture Foundation.

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