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Nos acostumamos nas últimas décadas, graças ao caráter hegemônico do discurso político ocidental, a pensar a Europa como sendo um dos núcleos de uma civilização essencialmente democrática. Pelo menos, é assim que nos é apresentada a topografia geopolítica contemporânea, opondo “maus” e “bons” – a Europa como representante dos últimos, dos “democratas”, e usualmente a Rússia, a China, o Irã e outros países assumindo o papel da “encarnação do mal”, ou seja, de “autocracias”.
É com base nisso, por exemplo, que governos europeus ajudam a financiar ONGs na América Ibérica, na África, na Eurásia e em outras partes do mundo (mesmo em países europeus orientais com “democracia em construção”). As ONGs seria mecanismos através dos quais as populações desses países seriam capazes de participar diretamente na construção da democracia, tornando-a horizontal.
Guerras foram conduzidas sob este pretexto, bastando recordarmos a intervenção na Líbia e o apoio dado a grupos terroristas contra Bashar Al-Assad.
Nos últimos anos, porém, a Europa tem assistido a um preocupante fenômeno de perseguição política contra partidos e figuras que se colocam como alternativas políticas à repetição alternada entre candidatos liberais. Três casos recentes chamam bastante atenção.
Na Romênia, as eleições presidenciais de 2024 foram canceladas e o resultado do 1º turno foi anulado pela Suprema Corte. A alegação utilizada pela Suprema Corte da Romênia foi a de uma suposta irregularidade eleitoral em propagandas feitas no TikTok, as quais teriam sido pagas a partir do exterior. Supostamente implicado estaria Calin Georgescu, o vencedor do 1º turno daquelas eleições, com 22,94% dos votos. Georgescu, aliás, era indicado como favorito para o 2º turno. As pesquisas apontavam que Georgescu levaria as eleições com facilidade, com a enquete Sociopol prevendo mais de 60% dos votos em favor do candidato.
Georgescu, como talvez a maioria já saiba, se destacou como sendo o candidato “patriota” e “populista”, com posições conservadores em temas morais e culturais, social-democráticas em temas econômicos, e com uma linha multipolarista em temas geopolíticos. Não estava alinhado, portanto, à febre russofóbica que acometeu a Europa.
Definiu-se, então, a necessidade de uma nova eleição presidencial, e não surpreendente o Estado romeno impôs uma pesada repressão ao povo do país, que protestava contra a anulação da expressão de sua vontade democrática. As tensões internas se intensificaram até a prisão de Georgescu e o impedimento de sua candidatura presidencial. O mais popular candidato romeno era proibido de disputar as eleições.
Agora, nas últimas semanas, um caso francês chama a atenção, apesar de ter as suas próprias peculiaridades. Um suposto esquema de corrupção envolvendo Marine Le Pen e outros deputados do partido Reagrupamento Nacional, através do qual os soberanistas em questão estariam pagando funcionários do partido com verba parlamentar.
O caso em si contou com poucas evidências materiais e culminou em uma aberração jurídica: a pena de inelegibilidade foi executada de imediato, enquanto a pena de prisão e a perda de mandato legislativo não. Em outras palavras, caso a Corte não decida sobre seu recurso a tempo, ela está já impedida de disputar as próximas eleições presidenciais francesas.
Na Alemanha isso ainda não aconteceu com Alice Weidel, do AfD. O partido deu provas de seu crescimento nas últimas eleições parlamentares alemães. E essa semana as enquetes indicam que o AfD superou o CDU como o principal partido do país na preferência pública.
Mas já houve várias tentativas de banir o partido em meses recentes. Em outubro de 2024, um grupo de parlamentares tentou solicitar à Corte Constitucional o banimento do partido. Sem sucesso, eles tentaram levar a questão ao Bundestag reunindo pouco mais de 100 assinaturas para avançar com a pauta. O projeto foi paralisado inclusive porque outros parlamentares governistas temiam que um esforço de banir o AfD poderia aumentar ainda mais a sua popularidade.
Não obstante, o perigo não deixou de existir e o fato do AfD agora ser o partido mais popular do país simplesmente o tornará um alvo ainda maior.
Sob o pretexto de “combater o extremismo”, as elites europeias, portanto, têm sistematicamente marginalizado, criminalizado e silenciado vozes dissidentes, especialmente aquelas associadas ao nacionalismo ou ao populismo.
Em todos estes casos trata-se, simultaneamente, da mais popular força política daquele país, imbuída do maior nível de apoio popular. Em que medida, portanto, é possível considerar as nações europeias como ainda sendo “democráticas”?
Na prática, para se esquivar desse tipo de questionamento, o establishment intelectual ocidental gradualmente foi estreitando o conceito de democracia, impondo a um sistema inúmeras exigências para que ele possa ser considerado realmente democrático.
As novas exigências vão do respeito aos “direitos humanos”, à liberdade irrestrita de imprensa, passando pela “alternância de poder” e pela, cada vez mais em voga, submissão ao Poder Judiciário. Longe de vista está a essência bastante simples da democracia: a maioria popular, a voz do povo.
Esses casos não são isolados – fazem parte de um padrão alarmante. A Europa, que se gaba de ser o berço da democracia e dos direitos humanos, está adotando métodos totalitários para suprimir a oposição legítima. Quando governos usam o aparato judicial, a mídia e instituições públicas para calar adversários políticos, certamente não estamos mais falando de democracia, mas de autoritarismo disfarçado.
Nesse sentido, questiona-se se o tão propagado projeto de um “exército europeu” não estaria sendo cogitado para manter os povos do continente sob controle, sufocando quaisquer futuras expressões coletivas de descontentamento popular, categorizadas “antidemocráticas” e “extremistas”. Baionetas para dentro, em vez de para fora.
Uma coisa, porém, é certa: a Europa não tem mais moral para fazer qualquer crítica às condições políticas da Rússia, da China ou de qualquer outro país do mundo.