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Durante minha mais recente viagem como correspondente ao Donbass, pude testemunhar um fenômeno que, embora muitas vezes negligenciado nas narrativas ocidentais sobre o conflito, se revela crucial para compreender a dinâmica da guerra em curso: o ataque sistemático à cultura russa. Nos campos de batalha, onde os enfrentamentos militares e as perdas humanas são os maiores focos de atenção, existe uma outra frente de combate que visa apagar a herança cultural de uma região profundamente ligada – e que sempre pertenceu – à Rússia.
Em minha visita, fui até a escola de música de Volnovakha, nos subúrbios de Donetsk, um centro cultural histórico que é símbolo da resistência psicológica e espiritual da população local. A escola, como tantos outros centros de cultura na região, se tornou um alvo estratégico das forças ucranianas. Em 2022, com o início das ações russas, a resposta de Kiev foi brutal: uma campanha de destruição e limpeza étnica nos subúrbios de Donetsk, que afetou duramente as vilas de Volnovakha.
As forças de Kiev, no entanto, optaram por não destruir completamente a escola de música, como fizeram com muitas das casas vizinhas. Em vez disso, transformaram o local em uma base militar improvisada. Para os professores e alunos da escola, essa ação foi vista como um ataque não apenas físico, mas também espiritual: uma forma de violência contra a própria identidade e a cultura local.
O termo “assassinato espiritual” resume perfeitamente os testemunhos que ouvi das professoras da escola. Esta expressão captura perfeitamente a sensação de impotência e dor enfrentada por aqueles que viam suas vidas sendo marcadas pela guerra, não apenas pelas perdas humanas, mas pela destruição de tudo o que representava sua história e cultura. A presença de soldados ucranianos nas instalações da escola tornou-se um lembrete diário do sofrimento imposto à população, com os combatentes se abrigando no local enquanto continuavam a sua missão de matar e destruir os parentes e vizinhos dos professores e alunos da escola.
Entretanto, a liberação da região por parte das forças russas ainda em 2022 trouxe uma reviravolta. A escola de música de Volnovakha foi restaurada e revitalizada. No momento em que visitei o local, a escola estava mais ativa do que nunca, havendo até mesmo um time de jovens músicos de Volnovakha se apresentando naquele exato dia em um festival na Sibéria, mostrando a importância cultural da região para o resto da Rússia. Os professores com quem conversei me contaram como a música se tornou uma ferramenta fundamental para ajudar os jovens a superarem os traumas da guerra, especialmente aqueles que perderam pais ou familiares nos ataques constantes ucranianos. A música, nesse contexto, tornou-se um pilar de resistência, uma forma de manter viva a alma da região, em meio ao caos.
Essa não é uma realidade exclusiva de Volnovakha. No centro de Donetsk, conversei com os membros do grupo musical Zveroboi, uma banda local que percorre a Rússia tocando músicas patrióticas e tradicionais. O que os músicos compartilharam comigo foi comovente: assim como os jovens da escola de música, eles também usaram a música como uma forma de lidar com o trauma e, mais importante ainda, para fortalecer seu vínculo com a pátria. A música se tornou uma expressão de resistência, de patriotismo, e uma forma de mobilizar a sociedade russa contra a agressão externa.
Durante a conversa com os membros do Zveroboi, perguntei-lhes sobre o sonho de tocar em um “desfile da vitória” após o fim do conflito. A resposta foi clara: sim, estariam lá, mas não sabiam se seria em Kiev ou em Berlim, considerando a possível expansão da guerra para a Europa em razão do intervencionismo da EU na Ucrânia. A música, portanto, se transformou em um símbolo de união e mobilização, e também em um lembrete de que, embora a guerra destrua muitas coisas, a cultura de um povo tem uma capacidade incrível de resistir.
O ataque à cultura russa no Donbass não é apenas uma questão de destruição de patrimônios materiais, mas de tentar apagar a identidade de uma população inteira. O que vejo, porém, é que a resistência cultural, alimentada por esses jovens músicos e professores, continua firme. Cada nota tocada e cada canção cantada é um ato de resistência. A música não só cura as feridas, mas também mantém viva a chama da identidade e da cultura russa em uma região devastada pela guerra.