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Uma das primeiras notícias que eu ouvi sobre a queda do avião da Azerbaijan Airlines, no final do ano, acusava a Rússia de ter abatido a aeronave, matando 38 pessoas. Quem fazia a acusação? Andrei Kovalenko, liderança do Conselho de Defesa e Segurança Nacional da… Ucrânia. A Ucrânia, como todos sabem, está em guerra contra a… Rússia. Logo, a Rússia é seu inimigo mortal e uma das mais elementares formas de combate é a guerra de informação e propaganda. Kovalenko, não por coincidência, é chefe do Centro de Contenção de Desinformação da Ucrânia, um eufemismo para designar uma entidade dedicada à produção e disseminação de propaganda e fake news.
Pouco depois, o porta-voz de segurança nacional dos Estados Unidos, John Kirby, ecoou as acusações do regime ucraniano contra os russos. Os EUA, como todos minimamente informados sabem, são quem mais financia, arma e treina as forças ucranianas em sua guerra contra a Rússia, e estão nessa guerra desde seu início em 2014. De fato, os EUA estão em uma espécie de guerra fria – embora cada vez mais “quente” – contra a Rússia há mais de uma década e por todo o mundo.
O Canadá, que só precisa ser oficializado como o 51º estado dos EUA, porque na prática já o é, também indicou que a Rússia era culpada. O Ministério das Relações Exteriores do Reino Unido, um imperialismo decadente e dependente dos EUA, fez o mesmo. As fontes usadas pela imprensa internacional seguiram a mesma linha política. Um “oficial dos EUA” e outras quatro fontes azeris, todos anônimos, teriam dito à Reuters que tudo indica que a Rússia teria abatido o avião. A Reuters, como poucos sabem, já empregou correspondentes em Moscou a serviço da CIA e tem como diretora global de negócios uma ex-alta funcionária da Diretoria de Inteligência Nacional do governo dos EUA, que assumiu o cargo na agência de notícias para “promover a capacidade da Thomson Reuters de atender às necessidades díspares do governo dos EUA”.
As notícias sobre a queda do avião rodaram o mundo. Na maioria delas, constava a sugestão de que a Rússia estaria por trás da tragédia, com base na desinformação divulgada pela Reuters e pelas outras agências de notícias ocidentais, um punhado de poucas empresas vinculadas a seus governos que forma a fonte de onde a maioria dos veículos jornalísticos do mundo todo bebe as notícias do dia. A Rússia era culpada pela tragédia mesmo antes de qualquer investigação técnica.
Mas o principal não é descobrir qual foi a causa da tragédia. O que importa é culpar e dizer que isso comprova quão malvado é o seu inimigo. Afinal de contas, o presidente Ilham Aliyev declarou, muito depois das primeiras acusações, que sim, a Rússia derrubou o avião. Mas que não teve a intenção de fazê-lo. De fato, até mesmo os veículos de propaganda dos Estados Unidos tiveram de admitir que, no momento e na localidade do abatimento do avião, havia drones ucranianos atacando território russo no Cáucaso. Ou seja, o avião estava sobrevoando área em conflito, invadida pelas forças ucranianas. Os russos, logicamente, para defender o seu território, ativaram a defesa antiaérea para repelir os ataques invasores. Foi então que a aeronave foi atingida, de acordo com o consenso a que se chegou.
Esse fato relembra os incidentes dos aviões da Korean Airlines em espaço aéreo da União Soviético em 1978 e 1983. Os dois aviões da Korean (o primeiro, um Boeing 070-321B e o segundo, um Boeing 747-230B) eram muito parecidos com os RC-135 do exército dos EUA. No primeiro caso, os sul-coreanos ignoraram as advertências soviéticas para deixar seu espaço aéreo. No segundo, RC-135 da Força Aérea americana havia invadido espaço aéreo soviético no dia anterior, com fins de espionagem, e fez a mesma rota que o avião sul-coreano – os soviéticos pensaram que era uma nova provocação.
É claro que aqueles dois incidentes também foram explorados pela máquina de propaganda e desinformação imperialista. Ronald Reagan de “um massacre brutal” e um “ato de barbarismo” em cadeia nacional de rádio e televisão, o que se disseminou por toda a imprensa internacional. Lógico que ele preferiu esconder que enviou um avião espião para violar o espaço aéreo soviético no dia anterior, acendendo o sinal de alerta e causando nervosismo aos russos. A CIA sabia exatamente que tinha sido uma confusão dos russos induzida pela ação intervencionista dos EUA, como demonstrou posteriormente o seu diretor, William Casey.
O governo Reagan (aquele que chamou a URSS de “império do mal”) também acionou os “dissidentes” e “desertores” soviéticos corrompidos pela CIA para darem declarações bombásticas contra Moscou e Jeane Kirkpatrick, embaixadora na ONU, apresentou um vídeo produzido pelos militares americanos na reunião do Conselho de Segurança para reforçar o discurso de que havia sido uma ação deliberada dos russos, fazendo recordar a performance que seria exibida por Colin Powell 20 anos depois.
A administração Biden, de saída, embora seja democrata e não republicana, tem muito em comum com o período Reagan. Os dois aplicam a mesma política de força contra os russos, o que significa que a propaganda e a desinformação também precisam ser extremamente agressivas. Dane-se o contexto, dane-se que os russos estavam sob ataque militar: a propaganda imperialista pega um acontecimento, deturpa-o, molda-o conforme os seus interesses, joga todo o resto fora e fabrica um consenso através de sua linha de produção de fake news em série.
Mas, segundo essa mesma fábrica de mentiras, são os russos que produzem e disseminam desinformação…