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O longo e doloroso processo de desindustrialização do Brasil, iniciado já nos anos 80, somado com os preços favoráveis das commodities garantiram que o setor primário (agropecuária e mineração) representasse uma fatia do PIB superior à indústria em 2021, pela primeira vez em décadas. E a situação não foi realmente revertida, ao contrário.
Conforme números de 2023, a agropecuária representa 33% do PIB e 42% das exportações totais. Os números de abril de 2024, por exemplo, apontam para um superávit da agropecuária no valor de 13.9 bilhões de dólares, enquanto os outros setores, juntos, teriam apresentado um déficit de 4.8 bilhões de dólares. Em outras palavras, é a agropecuária quem tem garantido uma balança comercial positiva na economia brasileira.
Nesse sentido, considerando especificamente o papel preponderante da agricultura na economia brasileira, é desnecessário dizer que os fertilizantes tornaram-se um recurso estratégico do qual o Brasil depende para garantir não apenas o seu abastecimento interno, mas o próprio funcionamento geral de sua economia.
Mas apesar desse ser um recurso estratégico, o Brasil não é realmente autossuficiente no setor dos fertilizantes. Pior: ao longo dos últimos anos ele foi se tornando cada vez menos autossuficiente. Em 1996, o Brasil importava 50% dos fertilizantes usados na agricultora. Por volta de 2016-2017, 25% dos fertilizantes utilizados pela agricultura brasileira eram de procedência nacional, enquanto em 2022, apenas 14% dos fertilizantes eram produzidos pela indústria brasileira, com o resto sendo importado principalmente da Rússia, Canadá, China, EUA e Marrocos.
A causa dessa redução no nível da autossuficiência pode ser atribuída, pelo menos em parte, a decisões equivocadas dos governos anteriores que prejudicaram a indústria dos fertilizantes.
Em 2017, pouco após Michel Temer assumir a presidência, a Petrobras decidiu sair do mercado de fertilizantes. A partir de então, vimos o fechamento de um certo número de fábricas por uma lógica puramente comercial. Especialmente após o impeachment da Dilma Rousseff, aprofundou-se no governo brasileiro a lógica de que a Petrobras deve ser uma empresa cuja função seria dar lucro aos acionistas, como qualquer empresa privada de capital aberto, em vez de desempenhar o papel estratégico que tem sido sua função histórica.
Assim, como as fábricas de fertilizantes da Petrobrás não eram lucrativas, o governo decidiu fechá-las ou vende-las, bem como decidiu paralisar todos os projetos de construção de novas fábricas de fertilizantes. A Petrobrás, na época, dispunha de 3 complexos industriais de fertilizantes: um na Bahia, um no Sergipe, um no Paraná. As duas do nordeste foram fechadas por Temer e, no governo Bolsonaro, arrendadas para a empresa privada Unigel, que as fechou em 2023, já sob o governo Lula. Por sua vez, a fábrica situada no Paraná foi diretamente fechada pelo governo.
Havia planos de construção de outras unidades industriais do tipo, também. Mais uma no Sergipe, uma em Minas Gerais, uma em Mato Grosso do Sul e uma no Espírito Santo. Todos esses planos foram repentinamente abandonados na mesma época.
Por baixo da narrativa de que as fábricas de fertilizantes davam prejuízo está a decisão da Petrobrás de praticar “preços de mercado” no que concerne todos os negócios envolvendo petróleo e derivados, em vez de aplicar uma política de subsídios. Naturalmente, isso teve consequência para os preços das matérias-primas com as quais as fábricas de fertilizantes operariam, tornando também simplesmente mais barato importar do que produzir no Brasil.
Considerando esse papel preponderante do Brasil na agricultura mundial, onde o país é responsável por quase 10% de toda a produção agrícola planetária, essa situação representava um potencial risco alimentar não apenas para o Brasil. E isso apesar de ser necessário apontar que o crescimento nas importações de fertilizantes, especialmente da Rússia e de Belarus, ajudou a minorar os problemas de abastecimento.
Não obstante, por razões de soberania e também temendo possíveis interrupções nas remessas de fertilizantes por causa de eventuais vicissitudes do conflito na Ucrânia, já o próprio governo Bolsonaro lançou o Plano Nacional de Fertilizantes, estruturando metas de ação para revitalizar o setor e reduzir a fragilidade do país.
Neste âmbito, felizmente, houve uma produtiva continuidade entre o último ano do governo Bolsonaro e o novo governo Lula, na medida em que o Plano Nacional de Fertilizantes foi revisado, ampliado e começou a dar frutos já a partir de 2023.
Assim, a partir de 2023, foram retomadas as obras das fábricas que seriam construídas no Mato Grosso do Sul, no Espírito Santo e em Minas Gerais. Fábricas cujas atividades haviam sido paralisadas também têm sido retomadas. E a iniciativa privada, por sua vez, passou a abrir mais fábricas por todo o país.
A Agrion e a INNTEQ abriram fábricas em Minas Gerais, enquanto a GeN Fertilizantes abriu uma no Pará, e a Paranafert abriu outra fábrica no estado do Paraná. A gigante russa EuroChem, por sua vez, abriu um grande complexo mineiro-industrial em Minas gerais em 2024. E esses são apenas alguns exemplos, havendo várias outras fábricas em construção ou planejadas.
Além disso, grupos nacionais, como a Vale Fertilizantes e a Mosaic Fertilizantes, ampliaram suas capacidades produtivas e estabeleceram parcerias estratégicas com startups tecnológicas, integrando inteligência artificial e automação na gestão da produção e distribuição.
Mesmo assim, ainda é cedo para perceber mudanças significativas na produção brasileira de fertilizantes. Ao contrário, houve uma ligeira queda na produção entre 2023 e 2024, cuja causa é o fato de que todos esses projetos novos ou retomadas de velhos projetos ainda estão começando a ser postos em prática, de modo que é possível que as mudanças já apareçam nas estatísticas de 2025-2026.
Naturalmente, esses esforços podem ser complementados por parcerias com a própria Rússia, por meio de acordos para a implantação de fábricas no Brasil com transferência de tecnologia. Uma parceria desse tipo poderia dar aos BRICS o controle sobre boa parte do ciclo agrícola mundial.