Não acreditem em milagres: a simples queda de Netanyahu como primeiro-ministro é o mesmo que tentar curar um cancro terminal com uma aspirina.
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A facção dita “revisionista”, extremista, fanática e assassina, dominante em Israel como vimos no primeiro destes dois artigos, é também preponderante na acção da AIPAC, o principal lobby israelita nos Estados Unidos, com um poder que elege presidentes; o que explica o facto de Netanyahu ter sido aplaudido 58 vezes por congressistas de todas as tendências durante o recente discurso feito no Congresso de Washington e no qual proferiu pérolas oratórias como “não há lugar para a violência política nas democracias”.
A situação crítica a que chegou o Estado de Israel, que colocou meios de destruição massiva nas mãos de dementes sem um pingo de racionalidade para quem o Armagedão ou Juízo Final é um determinismo bíblico no qual o “povo eleito”, o hebraico, sobreviverá, assenta num compromisso político entre o Likud de Netanyahu e os partidos terroristas de Smotrich e Bem-Gvir. O acordo de governo prevê a criação de uma força militarizada autónoma, tudo indica que de colonos, na Cisjordânia ocupada; e de uma Guarda Nacional, além do reforço das tropas no policiamento das fronteiras. Esta novo aparelho militarizado estará globalmente sob a responsabilidade de Ben-Gvir, o que implica uma substituição da tutela que, por norma, pertence ao Ministério da Defesa.
Ao abandonar o Conselho de Guerra, Benny Ganz denunciou que “as forças de Ben-Gvir passam a constituir um exército privado que conta com a lealdade de centenas de milhares de colonos vigilantes controlados pelo rabino David Liar e influenciados pela figura de Jabotinsky; por isso lhe chamam ‘o exército Jabotinsky’”.
Não é difícil prever que uma guerra civil fatal para o próprio Estado pode estar no horizonte no caso de a limpeza étnica dos palestinianos ser suspensa por uma hipotética e remota ressurreição da “solução de dois Estados”, ainda que seja invocada como um inócuo pretexto para uma não menos hipotética, e presentemente irrealista, declaração de cessar-fogo em Gaza levada a sério pela parte israelita. Cobrindo todas as hipóteses, no caso de, ainda assim, o “processo de paz” continuar presente no cínico vernáculo diplomático, o terrorismo dos colonos já pôs a Cisjordânia a ferro e fogo, acelerando a limpeza étnica. A sucessiva abertura de frentes de guerra e de carnificinas conduzidas com a cumplicidade activa dos Estados Unidos, mas também da União Europeia, não deixam de ser fugas para a frente perante a consciência deste riscos iminente por parte do regime terrorista.
Os Estados Unidos e a União Europeia, no entanto, insistem na defesa meramente verbal da “solução de dois Estados” sabendo com toda a certeza que não poderá ser aplicada, a não ser que eles próprios acabem com a tolerância e a cumplicidade para com as práticas israelitas, válidas e activas até quando estas são conduzidas, como agora, pela demência religiosa do sionismo “revisionista” aplicando à letra as tenebrosas ficções bíblicas do Antigo Testamento. Os Estados Unidos e União Europeia fazem, sem dúvida, o jogo do nazismo sionista tal como acontece com o nazismo-banderismo ucraniano – em ambos os casos em nome da “democracia” e para salvaguardar a existência “da civilização ocidental”.
No rasto da “opção Sansão”
Há exactamente 30 anos, no auge do “processo de paz” e nos dias em que Yasser Arafat visitava os territórios palestinianos, incluindo a cidade de Jericó e Gaza, assisti em Jerusalém Oeste a uma manifestação de colonos contra qualquer hipótese de paz e de instauração de um Estado Palestiniano. Era ainda, e tão só, uma ocasional manifestação de força global dirigida contra o primeiro-ministro Isaac Rabin e encabeçada por Benjamin Netanyahu e outro criminoso de guerra, Ariel Sharon, o carniceiro do Líbano. Observando o ódio e, sobretudo, a expressão de uma violência capaz de tudo manifestada pelos colonos que nesse dia fizeram transbordar a grande avenida que significativamente tem o nome de Jabotinsky, fiquei com a certeza de que a colonização e a insistência no seu desenvolvimento eram as principais armas para mudar a relação de forças política no sentido do extremismo sionista – e assim bloquear o “processo de paz”. Menos de um ano depois, demonstrando que essa vertente sionista não olha a meios, os colonos e o terrorismo religioso assassinaram o primeiro-ministro Rabin e franquearam as portas do governo a Netanyahu e Sharon, situação que dura até hoje sob a chefia do primeiro. Iniciou-se aí, é possível deduzir actualmente, o “golpe governamental e constitucional” de que fala o general Moshe Yalon. E o “processo de paz”, insuficiente desde o início, transformou-se num nado-morto.
Perante o terrorismo sem freios do actual governo israelita é impossível não evocar a tresloucada “opção Sansão” idealizada pela mentalidade doente do sionismo “revisionista”. Além do novo aparelho militarizado “oficial” de Ben-Gvir, os cerca de 700 mil colonos estão organizados em milícias armadas “privadas”, fortemente reforçadas desde os acontecimentos ainda muito mal explicados de 7 de Outubro de 2023. Os colonos armados representam um pouco menos de 10% da população israelita, à qual devem retirar-se, porém, os 20% de origem palestiniana, submetidos à condição de cidadãos de segunda, o que dá um peso real de 12% à colonização terrorista militarizada. O governo tem assim um outro poderosíssimo exército informal do seu lado, contribuindo para um imenso e intratável corpo de forças armadas, público e privado, muito mais militante e mobilizado, sob comando dos ministros terroristas, do que as próprias Forças de Defesa de Israel, em constante perda de confiança devido às insuficientes prestações frente ao Hamas e às duas humilhantes derrotas já sofridas às mãos do Hezbollah libanês.
Este cenário encoraja ainda mais os delinquentes partidários da “opção Sansão”, que se pode resumir numa frase sinistra proferida há já 35 anos por Ariel Sharon numa entrevista ao semanário britânico “The Observer”: “no caso de sermos atacados mais depressa acaba o mundo de que Israel”; a expressão inspira-se em versículos do profeta Ezequiel segundo os quais “os que se rebelam contra Deus são hostis ao seu povo”, os hebreus; quando Gogue (rei simbolizando “os inimigos”) “atacar Israel o meu furor (de Deus) será despertado” mas “os filhos de Israel serão vencedores da batalha do Armagedão” ou do Juízo Final.
A designação de “Opção Sansão”, à luz do “Livro dos Juízes” do Velho Testamento, conduz-nos ainda para hipótese de “suicídio” de Israel se for necessário para “acabar com o mundo”, citando Sharon, no caso de o país ter de enfrentar um ataque que represente uma ameaça existencial. De acordo com a lenda, Sansão, juiz de Israel, provocou a própria morte ao usar a sua força para derrubar uma coluna de um templo dos filisteu em Gaza, esmagando todos os ocupantes no correspondente desabamento do edifício. Os filisteus, povo de “bárbaros incivilizados” segundo a leitura sionista do Antigo Testamento – há coisas que nunca mudam em três mil anos – eram os “inimigos de Israel” que governaram territórios na orla mediterrânica onde se situam cidades ao sul da actual Telavive como Asquelon, Ecron e Gaza. Os seus domínios faziam fronteira com os Estados de Israel e de Judá desde 1100 anos antes de Cristo, existindo uma situação de guerra permanente na região. Em traduções da Bíblia, Filisteus e Paelestinus são sinónimos, pelo que, simbolicamente, Sansão suicidou-se para esmagar os inimigos palestinianos.
O governo actual de Israel, intérprete de uma doutrina que pretende sequestrar o judaísmo e o resto do mundo de acordo com delírios de grandeza divinos e extraterrenos, como reconhecem experientes ex-dirigentes israelitas, ameaça a vida no planeta com recurso a instrumentos bem reais e exterminadores como são as armas nucleares em seu poder. E no planeta nada acontece para o travar. Pelo contrário, aqueles que continuam a achar-se com o direito, também mais ou menos sobrenatural, de governar o mundo cultivando a guerra e asfixiando o conceito de paz, continuam a dar-lhe a mão (e as armas) e a caminhar a seu lado – o que, em boa verdade, faz todo o sentido ainda que ameace a vida de oito mil milhões de pessoas.
E, por favor, não acreditem em milagres: a simples queda de Netanyahu como primeiro-ministro é o mesmo que tentar curar um cancro terminal com uma aspirina.