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Bruna Frascolla
July 31, 2024
© Photo: Public domain

Escreva para nós: info@strategic-culture.su

A Fundação Rockefeller, a Planned Parenthood e a Fundação Ford têm em comum o fato de serem organizações do tipo 501(c)3. É bem difícil encontrar uma história política das 501(c)3. Quem fez uma, quiçá a única, foi o jurista Phillip Hamburger, intitulada Liberal Suppression: Section 501(c)3 and the Taxation of Speech (The University of Chicago Press, 2018); literalmente, “Supressão liberal: A seção 501(c)3 e a taxação da fala”. Toda citação longa deste artigo vem desse livro. Ele tem uma história política, e não apenas jurídica, porque se empenha em mostrar que as restrições às atividades políticas das organizações filantrópicas, que eram eminentemente religiosas, tinham um determinado pano de fundo sociocultural, a saber: o ímpeto por conter o catolicismo, entendido como religião antidemocrática e “unamerican”. Esse ímpeto advém do liberalismo teológico.

Essa ideologia foi defendida com maior ardor e sucesso pela Igreja Unitarista. Seu nome advém de negarem a trindade e afirmarem o caráter unitário de Deus. Rebaixado, Jesus perde o status divino e se torna uma espécie de hippie que dá lições não-autoritárias de moral. O liberalismo teológico leva a ferro e fogo o sola scriptura de Lutero: o fiel deve usar seu próprio intelecto, sozinho, para fazer um livre exame da Bíblia, sem interferência “externa”; isto é, sem ligar para um pastor ou padre.

Embora o liberalismo teológico combatesse as vertentes protestantes rivais, o arquétipo da opressão era a Igreja Católica. E, como a imigração levara primeiro um monte de irlandeses para os Estados Unidos, surgiu entre a maioria protestante o liberalismo nativista, que raciocinava da seguinte maneira:

Ao contrário de uma “igreja democrática”, explicava Evans, uma “igreja autocrática dirige as opiniões e as consciências dos seus membros em todas as questões que ela ache que envolve a moral, assim como a religião.” Como resultado, “na política de uma democracia, as consciências dos católicos não são deles mesmos; sua igreja não os deixa ser livres politicamente.” Tal igreja era uma ameaça à democracia, pois interferia com “a função democrática essencial da liberdade de expressão da vontade das pessoas.” Como acontece com tanta frequência no pensamento liberal, a fala de um grupo ameaçava a livre expressão das pessoas, e essa era a preliminar para pedir a restrição da liberdade de expressão da Igreja. Em resposta a essa ameaça, Evans pensou que “qualquer igreja que viole o princípio da tolerância deveria portanto perder o seu próprio direito à tolerância.” É claro que liberais “acreditam na liberdade de pensamento e de expressão”, e “ ‘liberais’ rasos” amiúde se inclinavam a “tolerar a propaganda católica com base nisso”. Era um erro, porém, “recusar-se a ver que essa [propaganda] se fundamenta na necessidade de liberdade de pensamento e de expressão para os próprios católicos, e ambiciona uma negação desses direitos a todos os homens.” Em vez de defender cruamente que a Igreja Católica deve ter os seus direitos de livre expressão negados, Evans concluiu, de modo mais sutil, que deveria haver uma clarificação ou definição dos direitos das igrejas.

Esse Evans é Hiram Wesley Evans, mago imperial do Ku Klux Klan, uma organização liberal nativista, que, como se vê, advém do teológico. A argumentação consta no seu livro de 1930 The Rising Storm.

Pois bem: dessa necessidade de definir os direitos das igrejas vêm às restrições à liberdade de expressão das organizações filantrópicas. Como os EUA têm em sua fundação a liberdade de credo, o catolicismo nunca é citado em legislações. Aliás, justamente por causa da combinação entre fortes tensões étnico-religiosas e o legalismo liberal, a maioria protestante calvinista de origem inglesa soube criar artifícios legais para incomodar colateralmente as minorias do seu desagrado. Um exemplo disso é o Proibicionismo, que dificultou muito a vida dos católicos e luteranos que precisavam de vinho para celebrar a missa (além de não levarem jeito para abstêmios). No liberalismo, o jeito lícito de incomodar as minorias com a mão do Estado é usando a Ciência. Basta os calvinistas pegarem um monte de cientista para provar que o álcool faz mal e proibi-lo, atingindo assim o objetivo de encher o saco dos irlandeses, dos italianos e, durante a I Guerra, dos alemães. Quem subsidia a Ciência manda no Estado liberal.

Mas voltemos aos impactos do liberalismo teológico. Naturalmente, Philip Hamburger não diz que o KKK mandava nos EUA, tanto é que pega uma argumentação de teor similar de uma figura bem moderada, também publicada em 1930: um certo Frederik Keppel que presidia a Carnegie Corporation e alertava para os perigos de as igrejas fazerem “propaganda”. Se duas pessoas tão diferentes escreviam o mesmo, é porque o pensamento marcava certo senso comum da época. O bom de usar o KKK, porém, é que ele era bem explícito, e seus motes são atualíssimos. Um exemplo é o que se escrevia contra as escolas católicas:

dizia-se que enquanto as escolas católicas disseminavam propaganda ou verdades predeterminadas, as escolas públicas ensinavam as crianças a pensar por si mesmas. Tais ideias apareceram em panfletos nativistas desde meados do século XIX e floresceram no XX. Allen Autrey explicou, em 1911, que “para ser um bom católico romano é preciso […] abrir mão do privilégio de PENSAR por si próprio”, e, para evitar isso, as crianças tinham que ser mandadas para professores “instruídos em escolas de pensamento independente”. Tais professores, naturalmente, eram o das escolas públicas, e por todo o espectro liberal durante o início do século XX, comentadores teologicamente liberais, de John Dewey a membros do Klan, insistiram que a escola pública era o lugar onde (nas palavras de um panfleto do Klan) as crianças aprendiam “como pensar, não o que pensar”. Dessa perspectiva, a educação não dava espaço à propaganda, e com base nessa distinção teologicamente liberal, o Bureau of Internal Revenue em 1919 interpretou “propósitos educacionais” como  excluindo propaganda.

Assim, 1919 foi o primeiro ano em que as restrições à liberdade de expressão apareceram na lei fiscal referente às instituições filantrópicas. Por aí se vê que um Paulo Freire da vida, que foi financiado pelo governo dos EUA, apenas dá uma roupagem marxista a uma variedade teológica do protestantismo que era novidade no século XIX.

E como se explica a ascendência do liberalismo teológico? Por meio da ascensão dos unitaristas a posições de poder, bem como da difusão do seu liberalismo por outras correntes religiosas. O ano chave foi 1805, meros 29 anos depois da independência:

Um marco notável no progresso da teologia liberal foi a eleição dos unitaristas para posições de liderança em Harvard no início de 1805. Outro foi o triunfo dos unitaristas durante as décadas seguintes, tomando igrejas congregacionalistas em Massachussetts. Estes, porém, foram apenas os sucessos mais visíveis. Embora fosse inicialmente associado ao unitarismo, universalismo e deísmo, o liberalismo teológico estava se tornando uma atitude cada vez mais popular em quase todas as denominações protestantes, para nem mencionarmos o judaísmo. Como resultado, quase todas as afiliações protestantes nos EUA – até os presbiterianos – se dividiam quanto à teologia liberal, e essa divisão dentro das denominações era amiúde mais significativa do que as fronteiras entre as denominações. É verdade que os rachas entre as denominações ainda predominaram na superfície da religiosidade americana, mas, não muito abaixo, havia um crescente ataque liberal à ortodoxia – um assalto que estava transformando a religiosidade americana.

O liberalismo teológico, portanto, tinha tanto a influência que vem de cima para baixo, uma vez que conquistou Harvard, bem como influência nas bases, já que de fato chegou às igrejas. Isso explica como foi possível ganhar tanta penetração social e institucional. Não menos importante, uma coisa não mencionada aí é que John D. Rockefeller Jr. era um adepto da teologia liberal que patrocinou sua proliferação.

E quanto ao judaísmo liberal? Quem quiser ver como é consiste pode consultar o site www.liberaljudaism.org. Eles prometem conversão em 18 meses e dispensam circuncisão! Circuncidar-se, segundo o site, “é sua escolha pessoal. Razões para não se circuncidar incluem […] uma razão intelectual contra o procedimento.”

No entanto, o principal trunfo do liberalismo teológico é que ele não se enxerga como religioso. Os unitaristas sequer se enxergavam como uma religião!

Mesmo quando organizados em grupos religiosos, como os unitaristas, liberais teológicos achavam que eles formaram suas crenças como indivíduos em vez de membros de grupos. O reverendo Aaron Bancroft [1755 – 1839], presidente da Associação Unitarista e pai do historiador, na verdade não eram uma seita, senão uma mera coleção de indivíduos de mente independente. Sua “fé era a conclusão separada e o resultado da ação de mentes independentes, cada uma pensando, inquirindo e decidindo por si mesma, e adotando essa crença, pela qual está disposta a se responsabilizar.”

Ora, como a constituição dos EUA é liberal e não admite privilegiar uma única religião, nem misturá-la com o Estado, a religião que não se enxerga como religião está apta a se tornar religião de Estado, precisando para isso somente ter adeptos nos postos-chave. Eles considerarão que é tão legítimo acudir à ciência num Estado laico quanto acudir à sua moral religiosa.

Evidentemente, os unitaristas não apenas eram uma religião, como tinham uma ortodoxia explícita: todo fiel deve chegar às mesmas conclusões sozinho, sem direção da autoridade. É uma religião que só funciona com uma autoestima muito elevada, já que o resto da humanidade só não pertence a ela porque não ousou pensar por si só. O mundo divide-se entre os bem-pensantes e os escravos mentais, cujo arquétipo é o do católico. Esse é, também, um jeito profundamente moralista de encarar o mundo: aqueles que não pensam igual a mim estão perdidos; aqueles que pensam igual a mim estão salvos e vamos para o céu.

Qual o obstáculo entre céu e inferno? Em princípio, a educação. Os católicos nasceram em servidão e são escravos do papa; mas, se os libertarmos, eles poderão fazer uso de seu intelecto e chegar às mesmas conclusões que eu e meus associados. No entanto, os grilhões foram atados na educação mais tenra; por isso, é preciso de uma educação não-opressiva que deixe os alunos pensarem por si e chegarem à mesma conclusão que eu. Nunca ninguém está livre e é bom, exceto se pensa igual a mim. E por aí vemos a raiz do neoconservadorismo, que quer soltar umas bombas para libertar alguns povos, obrigando-os a se tornarem democráticos porque sim.

No fundo, é uma pura fé sobrenatural: não havia nenhum motivo concreto para alguém crer que todos os povos do mundo quereriam viver em democracias liberais, de modo que o mundo chegara ao Fim da História com o colapso da União Soviética. Não passou de uma variante um pouco menos agressiva e particularista do sonho do Ku Klux Klan.

 

The views of individual contributors do not necessarily represent those of the Strategic Culture Foundation.
O liberalismo teológico, a ideologia de Estado dos EUA

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A Fundação Rockefeller, a Planned Parenthood e a Fundação Ford têm em comum o fato de serem organizações do tipo 501(c)3. É bem difícil encontrar uma história política das 501(c)3. Quem fez uma, quiçá a única, foi o jurista Phillip Hamburger, intitulada Liberal Suppression: Section 501(c)3 and the Taxation of Speech (The University of Chicago Press, 2018); literalmente, “Supressão liberal: A seção 501(c)3 e a taxação da fala”. Toda citação longa deste artigo vem desse livro. Ele tem uma história política, e não apenas jurídica, porque se empenha em mostrar que as restrições às atividades políticas das organizações filantrópicas, que eram eminentemente religiosas, tinham um determinado pano de fundo sociocultural, a saber: o ímpeto por conter o catolicismo, entendido como religião antidemocrática e “unamerican”. Esse ímpeto advém do liberalismo teológico.

Essa ideologia foi defendida com maior ardor e sucesso pela Igreja Unitarista. Seu nome advém de negarem a trindade e afirmarem o caráter unitário de Deus. Rebaixado, Jesus perde o status divino e se torna uma espécie de hippie que dá lições não-autoritárias de moral. O liberalismo teológico leva a ferro e fogo o sola scriptura de Lutero: o fiel deve usar seu próprio intelecto, sozinho, para fazer um livre exame da Bíblia, sem interferência “externa”; isto é, sem ligar para um pastor ou padre.

Embora o liberalismo teológico combatesse as vertentes protestantes rivais, o arquétipo da opressão era a Igreja Católica. E, como a imigração levara primeiro um monte de irlandeses para os Estados Unidos, surgiu entre a maioria protestante o liberalismo nativista, que raciocinava da seguinte maneira:

Ao contrário de uma “igreja democrática”, explicava Evans, uma “igreja autocrática dirige as opiniões e as consciências dos seus membros em todas as questões que ela ache que envolve a moral, assim como a religião.” Como resultado, “na política de uma democracia, as consciências dos católicos não são deles mesmos; sua igreja não os deixa ser livres politicamente.” Tal igreja era uma ameaça à democracia, pois interferia com “a função democrática essencial da liberdade de expressão da vontade das pessoas.” Como acontece com tanta frequência no pensamento liberal, a fala de um grupo ameaçava a livre expressão das pessoas, e essa era a preliminar para pedir a restrição da liberdade de expressão da Igreja. Em resposta a essa ameaça, Evans pensou que “qualquer igreja que viole o princípio da tolerância deveria portanto perder o seu próprio direito à tolerância.” É claro que liberais “acreditam na liberdade de pensamento e de expressão”, e “ ‘liberais’ rasos” amiúde se inclinavam a “tolerar a propaganda católica com base nisso”. Era um erro, porém, “recusar-se a ver que essa [propaganda] se fundamenta na necessidade de liberdade de pensamento e de expressão para os próprios católicos, e ambiciona uma negação desses direitos a todos os homens.” Em vez de defender cruamente que a Igreja Católica deve ter os seus direitos de livre expressão negados, Evans concluiu, de modo mais sutil, que deveria haver uma clarificação ou definição dos direitos das igrejas.

Esse Evans é Hiram Wesley Evans, mago imperial do Ku Klux Klan, uma organização liberal nativista, que, como se vê, advém do teológico. A argumentação consta no seu livro de 1930 The Rising Storm.

Pois bem: dessa necessidade de definir os direitos das igrejas vêm às restrições à liberdade de expressão das organizações filantrópicas. Como os EUA têm em sua fundação a liberdade de credo, o catolicismo nunca é citado em legislações. Aliás, justamente por causa da combinação entre fortes tensões étnico-religiosas e o legalismo liberal, a maioria protestante calvinista de origem inglesa soube criar artifícios legais para incomodar colateralmente as minorias do seu desagrado. Um exemplo disso é o Proibicionismo, que dificultou muito a vida dos católicos e luteranos que precisavam de vinho para celebrar a missa (além de não levarem jeito para abstêmios). No liberalismo, o jeito lícito de incomodar as minorias com a mão do Estado é usando a Ciência. Basta os calvinistas pegarem um monte de cientista para provar que o álcool faz mal e proibi-lo, atingindo assim o objetivo de encher o saco dos irlandeses, dos italianos e, durante a I Guerra, dos alemães. Quem subsidia a Ciência manda no Estado liberal.

Mas voltemos aos impactos do liberalismo teológico. Naturalmente, Philip Hamburger não diz que o KKK mandava nos EUA, tanto é que pega uma argumentação de teor similar de uma figura bem moderada, também publicada em 1930: um certo Frederik Keppel que presidia a Carnegie Corporation e alertava para os perigos de as igrejas fazerem “propaganda”. Se duas pessoas tão diferentes escreviam o mesmo, é porque o pensamento marcava certo senso comum da época. O bom de usar o KKK, porém, é que ele era bem explícito, e seus motes são atualíssimos. Um exemplo é o que se escrevia contra as escolas católicas:

dizia-se que enquanto as escolas católicas disseminavam propaganda ou verdades predeterminadas, as escolas públicas ensinavam as crianças a pensar por si mesmas. Tais ideias apareceram em panfletos nativistas desde meados do século XIX e floresceram no XX. Allen Autrey explicou, em 1911, que “para ser um bom católico romano é preciso […] abrir mão do privilégio de PENSAR por si próprio”, e, para evitar isso, as crianças tinham que ser mandadas para professores “instruídos em escolas de pensamento independente”. Tais professores, naturalmente, eram o das escolas públicas, e por todo o espectro liberal durante o início do século XX, comentadores teologicamente liberais, de John Dewey a membros do Klan, insistiram que a escola pública era o lugar onde (nas palavras de um panfleto do Klan) as crianças aprendiam “como pensar, não o que pensar”. Dessa perspectiva, a educação não dava espaço à propaganda, e com base nessa distinção teologicamente liberal, o Bureau of Internal Revenue em 1919 interpretou “propósitos educacionais” como  excluindo propaganda.

Assim, 1919 foi o primeiro ano em que as restrições à liberdade de expressão apareceram na lei fiscal referente às instituições filantrópicas. Por aí se vê que um Paulo Freire da vida, que foi financiado pelo governo dos EUA, apenas dá uma roupagem marxista a uma variedade teológica do protestantismo que era novidade no século XIX.

E como se explica a ascendência do liberalismo teológico? Por meio da ascensão dos unitaristas a posições de poder, bem como da difusão do seu liberalismo por outras correntes religiosas. O ano chave foi 1805, meros 29 anos depois da independência:

Um marco notável no progresso da teologia liberal foi a eleição dos unitaristas para posições de liderança em Harvard no início de 1805. Outro foi o triunfo dos unitaristas durante as décadas seguintes, tomando igrejas congregacionalistas em Massachussetts. Estes, porém, foram apenas os sucessos mais visíveis. Embora fosse inicialmente associado ao unitarismo, universalismo e deísmo, o liberalismo teológico estava se tornando uma atitude cada vez mais popular em quase todas as denominações protestantes, para nem mencionarmos o judaísmo. Como resultado, quase todas as afiliações protestantes nos EUA – até os presbiterianos – se dividiam quanto à teologia liberal, e essa divisão dentro das denominações era amiúde mais significativa do que as fronteiras entre as denominações. É verdade que os rachas entre as denominações ainda predominaram na superfície da religiosidade americana, mas, não muito abaixo, havia um crescente ataque liberal à ortodoxia – um assalto que estava transformando a religiosidade americana.

O liberalismo teológico, portanto, tinha tanto a influência que vem de cima para baixo, uma vez que conquistou Harvard, bem como influência nas bases, já que de fato chegou às igrejas. Isso explica como foi possível ganhar tanta penetração social e institucional. Não menos importante, uma coisa não mencionada aí é que John D. Rockefeller Jr. era um adepto da teologia liberal que patrocinou sua proliferação.

E quanto ao judaísmo liberal? Quem quiser ver como é consiste pode consultar o site www.liberaljudaism.org. Eles prometem conversão em 18 meses e dispensam circuncisão! Circuncidar-se, segundo o site, “é sua escolha pessoal. Razões para não se circuncidar incluem […] uma razão intelectual contra o procedimento.”

No entanto, o principal trunfo do liberalismo teológico é que ele não se enxerga como religioso. Os unitaristas sequer se enxergavam como uma religião!

Mesmo quando organizados em grupos religiosos, como os unitaristas, liberais teológicos achavam que eles formaram suas crenças como indivíduos em vez de membros de grupos. O reverendo Aaron Bancroft [1755 – 1839], presidente da Associação Unitarista e pai do historiador, na verdade não eram uma seita, senão uma mera coleção de indivíduos de mente independente. Sua “fé era a conclusão separada e o resultado da ação de mentes independentes, cada uma pensando, inquirindo e decidindo por si mesma, e adotando essa crença, pela qual está disposta a se responsabilizar.”

Ora, como a constituição dos EUA é liberal e não admite privilegiar uma única religião, nem misturá-la com o Estado, a religião que não se enxerga como religião está apta a se tornar religião de Estado, precisando para isso somente ter adeptos nos postos-chave. Eles considerarão que é tão legítimo acudir à ciência num Estado laico quanto acudir à sua moral religiosa.

Evidentemente, os unitaristas não apenas eram uma religião, como tinham uma ortodoxia explícita: todo fiel deve chegar às mesmas conclusões sozinho, sem direção da autoridade. É uma religião que só funciona com uma autoestima muito elevada, já que o resto da humanidade só não pertence a ela porque não ousou pensar por si só. O mundo divide-se entre os bem-pensantes e os escravos mentais, cujo arquétipo é o do católico. Esse é, também, um jeito profundamente moralista de encarar o mundo: aqueles que não pensam igual a mim estão perdidos; aqueles que pensam igual a mim estão salvos e vamos para o céu.

Qual o obstáculo entre céu e inferno? Em princípio, a educação. Os católicos nasceram em servidão e são escravos do papa; mas, se os libertarmos, eles poderão fazer uso de seu intelecto e chegar às mesmas conclusões que eu e meus associados. No entanto, os grilhões foram atados na educação mais tenra; por isso, é preciso de uma educação não-opressiva que deixe os alunos pensarem por si e chegarem à mesma conclusão que eu. Nunca ninguém está livre e é bom, exceto se pensa igual a mim. E por aí vemos a raiz do neoconservadorismo, que quer soltar umas bombas para libertar alguns povos, obrigando-os a se tornarem democráticos porque sim.

No fundo, é uma pura fé sobrenatural: não havia nenhum motivo concreto para alguém crer que todos os povos do mundo quereriam viver em democracias liberais, de modo que o mundo chegara ao Fim da História com o colapso da União Soviética. Não passou de uma variante um pouco menos agressiva e particularista do sonho do Ku Klux Klan.