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Bruna Frascolla
July 7, 2024
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Escreva para nós: info@strategic-culture.su

Após o debate presidencial dos Estados Unidos, todas as pessoas interessadas em política, à exceção de Jill Biden, se perguntaram como é possível o país mais poderoso do mundo ser presidido por um incapaz. Dois minutos de reflexão, porém, curam a perplexidade. Dado que o país mais poderoso do mundo é um regime liberal tecnocrático, Joe Biden é o melhor presidente possível. Afinal, ele não irrita o mercado, nem agride as instituições. Presidentes com faculdades cognitivas em pleno funcionamento tendem a dar declarações disruptivas; declarações disruptivas tendem a “assustar o mercado” (fazendo o dólar subir, ou derrubando as ações de empresas públicas), ou então a “atacar o Estado democrático de Direito”.

Os presidentes normais não fazem isso porque são idiotas, nem porque têm ideias disruptivas. Fazem porque precisam parecer que têm ideias e ímpeto de realizá-las, e precisam manter essa aparência porque precisam de votos para si ou para os seus. Existe a possibilidade de o político de fato ter ideias disruptivas e de ímpeto para implementá-las – se ele vai conseguir, é outra história –, mas não existe a possibilidade de o político se portar deliberadamente como uma mosca morta. No entanto, o que “o mercado” exige é justamente um presidente que fique quietinho, e, se for falar muito, exalte as virtudes do livre mercado. Esta é uma fórmula eleitoral que só funcionou num único lugar do mundo até agora, que foi a Argentina, e mesmo assim, a Argentina depois de uma quarentena maluca.

No frigir dos ovos, o liberalismo e a democracia são duas coisas mutuamente excludentes, porque o povo é populista e tem índole conservadora. Sem um suborno ou chantagem, é pouco provável que os políticos votem as políticas de austeridade defendidas pela ciência dos economistas liberais. Por isso mesmo, o que resta ao liberalismo para manter a sua aparência de democrático é delegar as decisões importantes ao Judiciário. No Brasil, o nome do ministro do STF Alexandre de Moraes é o exemplo predileto dos que querem alegar que o país vive uma ditadura do judiciário. No entanto, a União Europeia tem essa política de fronteiras abertas graças a uma espécie de STF, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, que em 2012, com a decisão Hirsi, resolveu que a Itália (e, por conseguinte, os países membros da União Europeia) não poderia extraditar imigrantes ilegais. Ora, a explosão da imigração ilegal é impopular e jamais passaria com votos. Por outro lado, é de notório interesse dos economistas liberais, que zelam pelas contas públicas e pelos lucros privados, e veem no trabalhador sem direitos um manancial de riquezas.

O caso de ativismo judicial mais famoso nos EUA é Roe v. Wade, que considerou o aborto um direito constitucional e assim proibiu a sua proibição. Esse é o caso mais famoso porque se enquadra direitinho nas narrativas da esquerda progressista e da direita fusionista, que abandonam a questão trabalhista e focam em moral sexual. A verdade é que o ativismo judicial é mais profundo e mais abrangente nos EUA. Vejamos bem: como seria possível um país democrático industrializado do século XIX não se tornar um paraíso trabalhista, se há mais eleitores trabalhadores que patrões, ainda mais com uma sólida tradição de labor unions? A resposta é a mesma de sempre: o Judiciário. Com a Era Lochner (1897 – 1937), a Suprema Corte se empenhava em transformar os EUA num país liberal econômico à revelia da vontade do eleitorado, considerando inconstitucionais quaisquer regulações trabalhistas. Para dar um fim nisso, só com Franklin Delano Roosevelt botando um monte de juízes seus – algo que hoje é uma abominável heresia contra o Estado Democrático de Direito, segundo todos os “especialistas”. Por outro lado, o liberalismo admite mil e uma regulações – desde que sejam feitas por tecnocratas, sejam do Estado (vide a FDA e seus análogos pelo mundo) ou do mercado financeiro (como o ranking ESG).

Durante muito tempo, o liberalismo se conformou com instituições tecnocráticas sólidas: ganhasse quem ganhasse, não poderia tomar medidas inconstitucionais, nem anticientíficas. Agora, por alguma razão, o liberalismo está histérico com declarações. Ora, Joe Biden não vai desrespeitar instituição alguma, nem dará nenhuma declaração digna de crédito. A única forma de superar Joe Biden é criando um avatar de presidente cujas falas sejam programadas pelo ChatGPT.

Por que Biden é o melhor presidente liberal possível

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Após o debate presidencial dos Estados Unidos, todas as pessoas interessadas em política, à exceção de Jill Biden, se perguntaram como é possível o país mais poderoso do mundo ser presidido por um incapaz. Dois minutos de reflexão, porém, curam a perplexidade. Dado que o país mais poderoso do mundo é um regime liberal tecnocrático, Joe Biden é o melhor presidente possível. Afinal, ele não irrita o mercado, nem agride as instituições. Presidentes com faculdades cognitivas em pleno funcionamento tendem a dar declarações disruptivas; declarações disruptivas tendem a “assustar o mercado” (fazendo o dólar subir, ou derrubando as ações de empresas públicas), ou então a “atacar o Estado democrático de Direito”.

Os presidentes normais não fazem isso porque são idiotas, nem porque têm ideias disruptivas. Fazem porque precisam parecer que têm ideias e ímpeto de realizá-las, e precisam manter essa aparência porque precisam de votos para si ou para os seus. Existe a possibilidade de o político de fato ter ideias disruptivas e de ímpeto para implementá-las – se ele vai conseguir, é outra história –, mas não existe a possibilidade de o político se portar deliberadamente como uma mosca morta. No entanto, o que “o mercado” exige é justamente um presidente que fique quietinho, e, se for falar muito, exalte as virtudes do livre mercado. Esta é uma fórmula eleitoral que só funcionou num único lugar do mundo até agora, que foi a Argentina, e mesmo assim, a Argentina depois de uma quarentena maluca.

No frigir dos ovos, o liberalismo e a democracia são duas coisas mutuamente excludentes, porque o povo é populista e tem índole conservadora. Sem um suborno ou chantagem, é pouco provável que os políticos votem as políticas de austeridade defendidas pela ciência dos economistas liberais. Por isso mesmo, o que resta ao liberalismo para manter a sua aparência de democrático é delegar as decisões importantes ao Judiciário. No Brasil, o nome do ministro do STF Alexandre de Moraes é o exemplo predileto dos que querem alegar que o país vive uma ditadura do judiciário. No entanto, a União Europeia tem essa política de fronteiras abertas graças a uma espécie de STF, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, que em 2012, com a decisão Hirsi, resolveu que a Itália (e, por conseguinte, os países membros da União Europeia) não poderia extraditar imigrantes ilegais. Ora, a explosão da imigração ilegal é impopular e jamais passaria com votos. Por outro lado, é de notório interesse dos economistas liberais, que zelam pelas contas públicas e pelos lucros privados, e veem no trabalhador sem direitos um manancial de riquezas.

O caso de ativismo judicial mais famoso nos EUA é Roe v. Wade, que considerou o aborto um direito constitucional e assim proibiu a sua proibição. Esse é o caso mais famoso porque se enquadra direitinho nas narrativas da esquerda progressista e da direita fusionista, que abandonam a questão trabalhista e focam em moral sexual. A verdade é que o ativismo judicial é mais profundo e mais abrangente nos EUA. Vejamos bem: como seria possível um país democrático industrializado do século XIX não se tornar um paraíso trabalhista, se há mais eleitores trabalhadores que patrões, ainda mais com uma sólida tradição de labor unions? A resposta é a mesma de sempre: o Judiciário. Com a Era Lochner (1897 – 1937), a Suprema Corte se empenhava em transformar os EUA num país liberal econômico à revelia da vontade do eleitorado, considerando inconstitucionais quaisquer regulações trabalhistas. Para dar um fim nisso, só com Franklin Delano Roosevelt botando um monte de juízes seus – algo que hoje é uma abominável heresia contra o Estado Democrático de Direito, segundo todos os “especialistas”. Por outro lado, o liberalismo admite mil e uma regulações – desde que sejam feitas por tecnocratas, sejam do Estado (vide a FDA e seus análogos pelo mundo) ou do mercado financeiro (como o ranking ESG).

Durante muito tempo, o liberalismo se conformou com instituições tecnocráticas sólidas: ganhasse quem ganhasse, não poderia tomar medidas inconstitucionais, nem anticientíficas. Agora, por alguma razão, o liberalismo está histérico com declarações. Ora, Joe Biden não vai desrespeitar instituição alguma, nem dará nenhuma declaração digna de crédito. A única forma de superar Joe Biden é criando um avatar de presidente cujas falas sejam programadas pelo ChatGPT.

Escreva para nós: info@strategic-culture.su

Após o debate presidencial dos Estados Unidos, todas as pessoas interessadas em política, à exceção de Jill Biden, se perguntaram como é possível o país mais poderoso do mundo ser presidido por um incapaz. Dois minutos de reflexão, porém, curam a perplexidade. Dado que o país mais poderoso do mundo é um regime liberal tecnocrático, Joe Biden é o melhor presidente possível. Afinal, ele não irrita o mercado, nem agride as instituições. Presidentes com faculdades cognitivas em pleno funcionamento tendem a dar declarações disruptivas; declarações disruptivas tendem a “assustar o mercado” (fazendo o dólar subir, ou derrubando as ações de empresas públicas), ou então a “atacar o Estado democrático de Direito”.

Os presidentes normais não fazem isso porque são idiotas, nem porque têm ideias disruptivas. Fazem porque precisam parecer que têm ideias e ímpeto de realizá-las, e precisam manter essa aparência porque precisam de votos para si ou para os seus. Existe a possibilidade de o político de fato ter ideias disruptivas e de ímpeto para implementá-las – se ele vai conseguir, é outra história –, mas não existe a possibilidade de o político se portar deliberadamente como uma mosca morta. No entanto, o que “o mercado” exige é justamente um presidente que fique quietinho, e, se for falar muito, exalte as virtudes do livre mercado. Esta é uma fórmula eleitoral que só funcionou num único lugar do mundo até agora, que foi a Argentina, e mesmo assim, a Argentina depois de uma quarentena maluca.

No frigir dos ovos, o liberalismo e a democracia são duas coisas mutuamente excludentes, porque o povo é populista e tem índole conservadora. Sem um suborno ou chantagem, é pouco provável que os políticos votem as políticas de austeridade defendidas pela ciência dos economistas liberais. Por isso mesmo, o que resta ao liberalismo para manter a sua aparência de democrático é delegar as decisões importantes ao Judiciário. No Brasil, o nome do ministro do STF Alexandre de Moraes é o exemplo predileto dos que querem alegar que o país vive uma ditadura do judiciário. No entanto, a União Europeia tem essa política de fronteiras abertas graças a uma espécie de STF, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, que em 2012, com a decisão Hirsi, resolveu que a Itália (e, por conseguinte, os países membros da União Europeia) não poderia extraditar imigrantes ilegais. Ora, a explosão da imigração ilegal é impopular e jamais passaria com votos. Por outro lado, é de notório interesse dos economistas liberais, que zelam pelas contas públicas e pelos lucros privados, e veem no trabalhador sem direitos um manancial de riquezas.

O caso de ativismo judicial mais famoso nos EUA é Roe v. Wade, que considerou o aborto um direito constitucional e assim proibiu a sua proibição. Esse é o caso mais famoso porque se enquadra direitinho nas narrativas da esquerda progressista e da direita fusionista, que abandonam a questão trabalhista e focam em moral sexual. A verdade é que o ativismo judicial é mais profundo e mais abrangente nos EUA. Vejamos bem: como seria possível um país democrático industrializado do século XIX não se tornar um paraíso trabalhista, se há mais eleitores trabalhadores que patrões, ainda mais com uma sólida tradição de labor unions? A resposta é a mesma de sempre: o Judiciário. Com a Era Lochner (1897 – 1937), a Suprema Corte se empenhava em transformar os EUA num país liberal econômico à revelia da vontade do eleitorado, considerando inconstitucionais quaisquer regulações trabalhistas. Para dar um fim nisso, só com Franklin Delano Roosevelt botando um monte de juízes seus – algo que hoje é uma abominável heresia contra o Estado Democrático de Direito, segundo todos os “especialistas”. Por outro lado, o liberalismo admite mil e uma regulações – desde que sejam feitas por tecnocratas, sejam do Estado (vide a FDA e seus análogos pelo mundo) ou do mercado financeiro (como o ranking ESG).

Durante muito tempo, o liberalismo se conformou com instituições tecnocráticas sólidas: ganhasse quem ganhasse, não poderia tomar medidas inconstitucionais, nem anticientíficas. Agora, por alguma razão, o liberalismo está histérico com declarações. Ora, Joe Biden não vai desrespeitar instituição alguma, nem dará nenhuma declaração digna de crédito. A única forma de superar Joe Biden é criando um avatar de presidente cujas falas sejam programadas pelo ChatGPT.

The views of individual contributors do not necessarily represent those of the Strategic Culture Foundation.

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