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O impacto da Cúpula do G20 em Nova Deli, de 9 a 10 de Setembro, será medido pelo consenso alcançado em relação ao conflito na Ucrânia.
Há um amplo reconhecimento de que tal resultado é um feito notável que se tornou possível em grande parte devido a uma aparente recessão por parte dos EUA e do bloco ocidental. Isto tem enormes consequências para a política internacional.
No entanto, após uma análise mais aprofundada, surge também uma pergunta tentadora: Será que as três sentenças sobre a Ucrânia na Declaração de Delhi, que favorecem a posição da Rússia no conflito, significam uma mudança na abordagem ocidental às hostilidades e, especificamente, dão um certo empurrão a Kiev para negociar?
Na verdade, estamos assistindo a uma formação estranha: tanto a Rússia como os EUA elogiaram a declaração do G20, enquanto a Ucrânia se queixou de que “não havia nada de que se orgulhar”.
Tanto no período que antecedeu a Cúpula de Deli, como durante o evento, não houve nada de ataque à Rússia ou de explosões emocionais inventadas por parte dos líderes ocidentais, como eles estão habituados a fazer. Até a superburocrata da UE, Ursula von der Leyen, era a paciência em pessoa – como se tivesse recebido uma sugestão de Washington. O curioso incidente da famosa história de Sherlock Holmes vem à mente: “O cachorro não fez nada durante a noite”.
Na verdade, a tendência perceptível já se tinha estabelecido durante a visita atípica de dois dias do Secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, a Kiev, na passada quarta-feira, e o briefing a bordo do Força Aérea Um pelo Conselheiro de Segurança Nacional da Casa Branca, Jake Sullivan, no dia seguinte, sobre a estada do presidente Joe Biden em Delhi para o G20.
A Casa Branca talvez tivesse dado uma pista significativa ainda mais cedo, em 22 de agosto, quando sua declaração ao anunciar a visita de Biden à Índia, sublinhou que “enquanto estiver em Nova Deli, o Presidente Biden também elogiará a liderança do Primeiro-Ministro Modi no G20 e reafirmará o compromisso dos EUA com o G20 como o principal fórum de cooperação econômica, inclusive irá hospedá-lo em 2026”.
Basta dizer que não há dúvida de que os EUA queriam que a Cúpula do G20 fosse um grande sucesso – para “capacitar” o primeiro-ministro indiano Narendra Modi na arena geopolítica como líder do grupo – uma vez que se descobriu que Biden não tinha nenhum grupo de pares competindo por espaço no encontro durante a sua visita de quatro dias a Deli.
A questão é que, no ambiente internacional em rápida mudança, no cálculo dos EUA, o G20 ganhou vida inesperadamente como o único fórum disponível hoje para o Ocidente (os membros do G7) se “(re)conectarem” com a China e a Rússia, bem como com o Sul Global. À medida que os BRICS começaram a crescer em saltos gigantescos, subitamente o espectro da extinção pairou sobre o fórum.
Uma característica marcante da Cúpula de Deli, na verdade, é que a diplomacia americana avançou em conjunto com a troika do BRICS– Índia, Brasil e África do Sul. A política foi projetada pela fotografia de família da troika ladeada por Biden à esquerda e pelo presidente do Banco Mundial, Ajay Banga, à direita.
Não se enganem, os EUA estão adoptando uma audaciosa correção de rumo na sua abordagem ao Sul Global, especialmente à África, ancorada na realidade geopolítica do crescente desafio que a China e a Rússia estão colocando ao esforçarem-se para monopolizar esse espaço geopolítico. Certamente, as incipientes agitações anticoloniais em África ultimamente também trazem pressentimentos sombrios, dadas as suas profundas implicações para a prosperidade econômica da Europa.
Assim, em rápida sucessão, estão emergindo as manifestações de um padrão de “novo pensamento”:
- a “Parceria Estratégica Abrangente EUA-Vietnã para fins de paz, cooperação e desenvolvimento sustentável”;
- o novo Corredor Económico Índia-Oriente Médio-Europa (aqui e aqui);
- a Parceria para Infraestrutura e Investimento Global(compreendendo os EUA, União Europeia, França, Alemanha, Índia, Itália, Japão, Maurícias, Emirados Árabes Unidos, Arábia Saudita e Banco Mundial);
- o Corredor do Lobito;
- “a nova iniciativa com parceiros do G20 para remodelar e ampliar fundamentalmente o Banco Mundial para proporcionar de forma mais eficaz a redução da pobreza e o crescimento econômico inclusivo.”
Todos os itens acima foram desenrolados em um espaço de 48 a 72 horas. O senso de urgência é palpável. A mensagem não poderia ser mais alta: os EUA procuram um papel de liderança no envolvimento com o Sul Global e nesta mudança de paradigma, Biden vê Modi como um aliado fundamental.
É claro que isto só se tornou possível graças aos sinais emergentes de Deli, nos últimos meses, de uma vontade de acelerar e cimentar a sua parceria estratégica com os EUA como aliado global, que tem sido, pelo menos em parte, uma consequência das tensões entre a Índia e a China e uma consequência direta da avaliação indiana de que a estratégia Indo-Pacífico da administração Biden é real, afinal, e que possui um potencial perfeito para servir os interesses indianos sem ser confrontadora com a China.
Considerando os enormes riscos envolvidos no lançamento desta nova abordagem de política externa para sinergizar as relações dos EUA com o Sul Global, não é realmente grande coisa que Biden tenha jogado a Ucrânia debaixo do ônibus durante as negociações sobre a declaração do G20. Abriu um caminho onde a táctica e a estratégia poderiam fundir-se nos interesses fundamentais de Washington.
Considere o seguinte:
- A Ucrânia sempre foi um parceiro exigente e todas as coisas boas têm de acabar. A Ucrânia não pode e não deve ditar as prioridades da política externa dos EUA.
- Não há dúvida de que o fracasso da “contra-ofensiva” de Kiev, que já dura três meses, foi à escala industrial, com cerca de 70 mil mortos no conflito até agora, de acordo com estimativas ocidentais favoráveis à Ucrânia. A responsabilidade por isso – moral e política – cabe em grande parte aos EUA, algo que não pode continuar a ser escondido da consciência mundial.
- Entretanto, os países da NATO rasparam o fundo dos seus barris em busca de arsenais de armas. Continuar a seguir o caminho que persegue miragens incipientes é fútil e sem sentido, e só pode ferir letalmente a estratégia Indo-Pacífico, o que pode ter impacto no equilíbrio estratégico global.
Aos olhos da mídia ocidental, a Índia, anfitriã do G20, ainda é uma colônia suja
- A iminente ofensiva russa deve ser travada de alguma forma, pois a sua consequência inevitável será a “desmilitarização” e a “desnazificação” da Ucrânia – a expulsão conclusiva da OTAN do solo ucraniano e a remoção da atual estrutura de poder visceralmente hostil em Kiev, que serve como representante dos EUA e da OTAN.
- A prioridade número um hoje, portanto, é congelar o conflito na Ucrânia na fase atual, em que a Rússia ainda não conseguiu cumprir os seus objetivos originais de controle total do Donbass e de “desmilitarização e desnazificação” da Ucrânia – além de impedir a futura adesão da Ucrânia à NATO. – enquanto, por outro lado, a aliança ocidental ainda mantém a opção de continuar envolvida com Kiev no que diz respeito aos assuntos inacabados da guerra do ponto de vista da segurança europeia.
Estas considerações motivaram a viagem atípica e não anunciada de dois dias a Kiev, de 6 a 7 de setembro, de Blinken, com o objetivo de transmitir a dupla mensagem de Biden de que, embora Washington continue a fortalecer militarmente a Ucrânia, Kiev deve iniciar um diálogo com Moscou – consistente com o enigma da política americana “nada sem a Ucrânia”.
Sem dúvida, esta é uma pílula difícil de engolir para o regime de Kiev, cheio de noções bizarras sobre derrotar militarmente a Rússia. mas qual é a alternativa? A Ucrânia nada mais é do que um preso permanente na Unidade de Cuidados Intensivos da América, e a ofensiva russa significará a sua asfixia.
Certamente, deve haver uma lição em tudo isto para a troika do G20, os BRICS e o Sul Global. Biden começou a jogar duro para vencer as eleições de 2024.
EUA se preparam para conquistar o Sul Global com alguma ajuda indiana
Publicado originalmente por RT.
Traducao: Saker LATAM