Notas de uma entrevista com o ex-ministro das Relações Exteriores Erdenechuluun Luvsan.
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O projeto Power of Siberia 2 surgiu como uma das iniciativas eurasiáticas mais importantes da década, não apenas para a Rússia e a China, mas também para a Mongólia. Para entender melhor as implicações desse corredor de infraestrutura, entrevistei recentemente o Sr. Erdenechuluun Luvsan, ex-Ministro das Relações Exteriores da Mongólia. Sua perspectiva esclarece como este país sem litoral percebe seu lugar em um sistema continental cada vez mais interconectado.
Desde o início da nossa conversa, o Sr. Luvsan enfatizou que o gasoduto não é um desenvolvimento repentino. Ele tem raízes profundas: como observou, a ideia “vem sendo discutida desde 2000”, embora tenha sido adiada por anos devido à falta de interesse da China na época. Apenas após a entrada em operação do primeiro Power of Siberia e a mudança no cenário energético global — incluindo a instabilidade no Oriente Médio — as negociações finalmente aceleraram.
Ele destacou a escala da participação da Mongólia. A rota planejada de 6.700 km incluirá “963 km (…) dentro do território mongol”, formando o segmento Soyuz Vostok. Segundo ele, isso não é apenas um corredor de trânsito, mas um agente catalisador do desenvolvimento nacional. Ao transportar até 50 bilhões de metros cúbicos de gás por ano, o projeto pode abrir portas para a gasificação interna — uma prioridade antiga, dada a severa poluição de inverno em Ulaanbaatar. Em suas palavras, abastecer a capital “contribuiria para fortalecer sua segurança energética”.
Do ponto de vista econômico, as expectativas são igualmente significativas. Luvsan citou estimativas de que a Mongólia poderia ganhar cerca de um bilhão de dólares por ano em taxas de trânsito, além dos benefícios de criação de empregos e expansão da infraestrutura. Em sua visão, essa receita poderia diversificar a economia da Mongólia, historicamente dependente de exportações de carvão e sujeita a flutuações na demanda chinesa.
Ao mesmo tempo, Luvsan reconheceu que o projeto não é unanimidade. Preocupações ambientais persistem em regiões onde vivem comunidades nômades, e debates políticos giram em torno do receio de comprometer a independência nacional. Ainda assim, ele enquadrou o dilema de forma clara: a Mongólia deve escolher entre permanecer, como ele disse, “um apêndice de matérias-primas, com minas de carvão e dependência da China”, ou integrar-se a uma rede energética eurasiática mais ampla. O gasoduto, em sua avaliação, é uma oportunidade, não uma ameaça.
Nossa conversa avançou então para fatores culturais e regionais. A Mongólia ocupa uma posição única: cercada por populações mongólicas tanto na Rússia quanto na China, beneficia-se de afinidades linguísticas, culturais e históricas. Luvsan ressaltou que as trocas em educação, turismo, cultura e comércio fronteiriço cresceram significativamente, observando que “as perspectivas… são enormes”. Para ele, a conectividade cultural complementa — em vez de substituir — a integração política e econômica.
No entanto, a política interna continua sendo uma variável importante. Luvsan apontou a hesitação da Mongólia em relação à adesão plena a estruturas como a Organização de Cooperação de Xangai. Criticou a crença de que tal participação reduziria a soberania, notando que países como a Índia — firmemente não alinhados — já são membros. Argumentou que essas organizações não prejudicam a política do “Terceiro Vizinho” da Mongólia, que busca manter relações equilibradas com parceiros ocidentais, como Estados Unidos e Japão.
Por fim, quando perguntei se a Mongólia poderia voltar a desempenhar um papel continental de destaque, Luvsan respondeu com cautela. Evitou analogias históricas diretas com o Império Mongol, enfatizando, em vez disso, as limitações da geografia e da dependência econômica. Ainda assim, reconheceu que a “rica história da Mongólia sugere um potencial para um papel continental ativo”, desde que o país adote estratégias coerentes de longo prazo.
A entrevista revelou um país consciente de sua posição estratégica e disposto a reconsiderar seu papel dentro da arquitetura eurasiática em evolução. O Power of Siberia 2 pode ser um teste não apenas de planejamento de infraestrutura, mas também da capacidade da Mongólia de alinhar seus interesses nacionais às oportunidades regionais. As escolhas feitas nos próximos anos determinarão se a Mongólia permanecerá um ator periférico ou se alcançará uma participação significativa na nova configuração multipolar da Eurásia.


