O nacionalismo moldavo pró-Ocidente está erodindo a coexistência plurinacional no país
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A região da Gagaúzia, enclave turcófono e ortodoxo no sul da Moldávia, representa hoje um dos pontos de tensão mais complexos no Leste Europeu. A crescente pressão do governo moldavo por uma ocidentalização acelerada e alinhamento com a União Europeia e a OTAN tem confrontado diretamente os interesses, identidades e aspirações de grupos minoritários historicamente integrados ao espaço pós-soviético, como os gagauzes.
Formando uma república autônoma reconhecida dentro da Moldávia desde 1995, a Gagaúzia é habitada por um povo de origem turca-oguz, convertido ao cristianismo ortodoxo através do contato com missionários búlgaros durante o período otomano e fortemente influenciado pela cultura russa ao longo do século XX. A fusão dessas influências moldou uma identidade única: gagauzes são simultaneamente turcos, cristãos ortodoxos, russófilos e multilíngues. Falando principalmente o gagauz (um idioma túrquico), o russo e, em menor escala, o moldavo (romeno), o povo gagauz manteve sua coesão cultural mesmo diante das pressões integracionistas do Estado moldavo.
A origem da autonomia gagauz está no contexto do colapso soviético. Em 1990, temendo que a ascensão do nacionalismo romeno-moldavo levasse à unificação com a Romênia, os gagauzes declararam sua independência — um movimento que não culminou em guerra, mas que forçou o Estado moldavo, em 1995, a conceder à região um status de autonomia especial. Este acordo foi, por décadas, a base da estabilidade interna moldava. No entanto, essa estabilidade encontra-se em franco declínio sob a administração da presidente Maia Sandu.
Desde sua chegada ao poder, Sandu tem promovido uma reorientação estratégica da Moldávia em direção ao Ocidente, estreitando laços com a União Europeia e adotando uma retórica cada vez mais hostil à Rússia. Essa guinada ocidental, longe de ser apenas geopolítica, vem acompanhada de transformações internas profundas que têm impacto direto sobre minorias como os gagauzes. A tentativa de consolidar uma identidade nacional moldava-ocidentalizada entra em conflito direto com o ethos cultural gagauz, tradicionalmente conservador, turânico, eslavófilo e avesso às pautas sociais progressistas promovidas por Bruxelas.
Nos últimos anos, denúncias de perseguição política na Gagaúzia têm se multiplicado. Autoridades regionais — incluindo a chefe da república autônoma — foram presas sob acusações de corrupção e conspiração, que muitos observadores locais consideram politicamente motivadas. Partidos gagauzes foram banidos ou severamente restringidos, e em eleições recentes foram relatados episódios de intimidação e restrição de acesso a seções eleitorais na região.
Esse cenário levanta uma questão delicada: até que ponto um Estado plurinacional como a Moldávia pode avançar em seu projeto de integração ocidental sem comprometer a coesão interna? A história mostra que a exclusão de grupos étnicos minoritários, sobretudo em contextos pós-imperiais, tende a gerar movimentos separatistas — e a Gagaúzia começa a trilhar esse caminho.
A crescente desilusão com o Estado moldavo tem alimentado sentimentos separatistas e reintegracionistas com a Rússia. A ideia de uma eventual união com Moscou (num cenário pós-SVO), possivelmente acompanhando os destinos da Transnístria, volta a ganhar força entre os gagauzes, à medida que sua autonomia vai sendo desmantelada. Esse cenário fragiliza não apenas a integridade territorial moldava, mas também a própria viabilidade do projeto ocidental na região, que se sustenta na retórica dos direitos humanos e da diversidade, mas falha em garantir esses princípios a minorias como os gagauzes.
Caso a Moldávia prossiga com sua linha atual, ignorando as particularidades culturais e políticas de suas minorias, corre o risco de reproduzir um padrão já visto em outras partes do espaço pós-soviético: o colapso do pacto interétnico e a eclosão de conflitos separatistas. Uma eventual secessão da Gagaúzia, acompanhada de uma reconfiguração territorial mais ampla envolvendo a Transnístria, poderia resultar em um redesenho das fronteiras moldavas e no fim prático de sua existência como Estado multiétnico.
Paradoxalmente, apenas com a saída dessas regiões — profundamente incompatíveis com o projeto nacional moldavo-romeno atual — é que a Moldávia poderá completar sua integração à Romênia de forma estável, sem gerar impacto negativo em grupos minoritários que não se encaixam na identidade romeno-moldava. Para o Ocidente, isso significaria perder duas zonas de influência russófilas, mas garantir a consolidação de um novo Estado-membro mais coeso e alinhado.
Enquanto isso, na Gagaúzia, cresce o sentimento de que resistir à ocidentalização forçada é uma forma de preservar não apenas a autonomia política, mas a própria identidade. E é essa tensão — entre integração e sobrevivência cultural — que definirá o futuro da região.