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Bruna Frascolla
October 7, 2025
© Photo: Public domain

Se toda a energia de um país está concentrada em data centers, como pode uma siderúrgica, uma fábrica de automóveis ou qualquer fábrica ser aberta?

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É um fato que data center de inteligência artificial consome muita energia, então a consequência lógica é que alguém está pagando uma conta de energia mais cara. No fim do mês passado, a Bloomberg, em matéria intitulada “Como os data centers de IA estão fazendo a sua conta de luz disparar”, deu um número ao problema e um rosto às suas vítimas: em áreas próximas a data centers, a conta de luz subiu 267% em cinco anos.

A complexa e fragmentária rede elétrica dos EUA faz com que os preços variem muito de local para local, de modo que o aumento é mais sentido em locais com muitos data centers. Esse local fica no pobre estado da Virgínia, no qual 39% da energia é consumida por data centers. Outros estados muito afetados são Oregon (33%), Iowa (18%), Nevada (15%), Utah (15%) e Nebraska (14%). Segundo a Bloomberg, “a questão é especialmente saliente em Hillsboro, subúrbio de Portland, onde 15 grandes data centers estão situados. […] Os custos crescentes da eletricidade doméstica contribuíram para uma onda de cortes de energia durante um inverno gelado no ano passado.” Ou seja, nas pessoas estão tendo que passar frio no país mais rico do mundo por causa da energia consumida pelos data centers.

É claro que não se trata somente dos data centers, mas de uma série de opções políticas. E o que está ruim sempre pode piorar. Como os EUA são uma plutocracia, um legislador republicano chamado Roy Klopfenstein propôs um projeto de lei para salvaguardar os data centers de problemas com energia. Afinal, se a demanda de uma determinada localidade for muito alta, é possível haver uma queda queda de energia que afete a todos. Para resolver isso, o legislador propõe um projeto “voluntário” no qual os pobres permitem que a temperatura dos seus aquecedores seja controlada remotamente, de modo a consumir menos energia, em troca de contas mais baratas. Diz o projeto: “para os clientes que participarem no programa, a concessionária pode tomar medidas para reduzir a carga do cliente em momentos de pico, tal como aumentar a temperatura do ar condicionado do cliente, reduzir a temperatura do aquecedor do chuveiro do cliente, ou desligar outros aparelhos.”

Dois comentários sobre isso. Primeiro, é que há poucos anos, seria impossível exercer esse controle remoto sobre os aparelhos elétricos alheios. No entanto, com a internet das coisas, isso mudou – a tal ponto, que é possível hackeá-las. Em 2016, já era assunto na imprensa o fato de casais serem filmados por suas SmartTVs fazendo sexo no sofá e irem parar em sites de pornografia sem saber. Imagine-se o potencial de controle e vigilância que não há numa casa com TV, aspirador de pó, ar condicionado, Alexa – tudo conectado com a internet. Ironicamente, essa conexão de todas as coisas leva a um consumo maior de energia elétrica – e será usado para controlar os pobres que usarem demais. O outro comentário é que todas essas coisas “voluntárias” que remuneram de alguma forma são apenas juridicamente voluntárias: se for um custo impraticável (e o custo só deve aumentar com a expansão da IA), é evidente que os pobres serão forçados a aderir ao programa. Só na cabeça de anarcocapitalista a coação se dá por força física.

Por certo, a preocupação com os pobres é um dever moral. No entanto, além de questões morais, todo país deve ter uma elite preocupada com um planejamento nacional. E o que salta aos olhos é: conta de luz alta não afeta só pessoas comuns, mas também qualquer empresário produtivo. Se toda a energia de um país for concentrada em data centers, como abrir uma siderúrgica, uma montadora de carros, uma fábrica? E o que os EUA como país ganham com data centers?

A IA é uma das coisas mais superestimadas do mundo. Decerto é útil para alguns, mas também é certo que o comum dos mortais a utiliza para as finalidades mais supérfluas ou até danosas. Há gente que usa IA como terapeuta, ou então como se fosse um amigo com o qual desabafar, e há até um rapaz com esse perfil que cometeu suicídio. A IA serve também para que muita gente deixe de exercitar os seus conhecimentos de outros idiomas e da própria escrita. Por fim, vale mencionar que o Grok, segundo a propaganda do próprio Elon Musk, serve para fazer uma porção de hentai, ou seja, de desenhos japoneses pornográficos. Quanta energia não seria economizada, se a IA tivesse acesso restrito?

No entanto, os donos das Big Techs não são de todo irracionais. A IA se alimenta de dados, e quanto mais as pessoas usarem a IA, mais a IA conhecerá os seus usuários. Isso serve para marketing – e espero ter mostrado aqui que a grande finalidade do Instagram é uma economia pós-industrial baseada em marketing digital, planejada bem antes da invenção da plataforma. Provavelmente a IA pretende seguir o mesmo rumo, e é de se perguntar para quem os empresários vão vender quando o estoque de deprimidos online se esgotar (já que a fertilidade e a expectativa de vida ocidentais estão caindo).

Seja como for, essa é uma opção tomada desde cima. A Casa Branca de Donald Trump anunciou um investimento de 92 bilhões de dólares em energia para IA, e o próprio site registra o agradecimento de uma porção de diretores empresariais ao presidente. Assim, vemos que as prioridades dos Estados Unidos não têm, remotamente, nada a ver com o bem comum dos seus cidadãos. E como desgraça pouca é bobagem, o ministro de Lula Fernando Haddad já está trabalhando para atrair data centers para o Brasil com incentivos fiscais.

A crise energética da IA chegou – e você está pagando por isso

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É um fato que data center de inteligência artificial consome muita energia, então a consequência lógica é que alguém está pagando uma conta de energia mais cara. No fim do mês passado, a Bloomberg, em matéria intitulada “Como os data centers de IA estão fazendo a sua conta de luz disparar”, deu um número ao problema e um rosto às suas vítimas: em áreas próximas a data centers, a conta de luz subiu 267% em cinco anos.

A complexa e fragmentária rede elétrica dos EUA faz com que os preços variem muito de local para local, de modo que o aumento é mais sentido em locais com muitos data centers. Esse local fica no pobre estado da Virgínia, no qual 39% da energia é consumida por data centers. Outros estados muito afetados são Oregon (33%), Iowa (18%), Nevada (15%), Utah (15%) e Nebraska (14%). Segundo a Bloomberg, “a questão é especialmente saliente em Hillsboro, subúrbio de Portland, onde 15 grandes data centers estão situados. […] Os custos crescentes da eletricidade doméstica contribuíram para uma onda de cortes de energia durante um inverno gelado no ano passado.” Ou seja, nas pessoas estão tendo que passar frio no país mais rico do mundo por causa da energia consumida pelos data centers.

É claro que não se trata somente dos data centers, mas de uma série de opções políticas. E o que está ruim sempre pode piorar. Como os EUA são uma plutocracia, um legislador republicano chamado Roy Klopfenstein propôs um projeto de lei para salvaguardar os data centers de problemas com energia. Afinal, se a demanda de uma determinada localidade for muito alta, é possível haver uma queda queda de energia que afete a todos. Para resolver isso, o legislador propõe um projeto “voluntário” no qual os pobres permitem que a temperatura dos seus aquecedores seja controlada remotamente, de modo a consumir menos energia, em troca de contas mais baratas. Diz o projeto: “para os clientes que participarem no programa, a concessionária pode tomar medidas para reduzir a carga do cliente em momentos de pico, tal como aumentar a temperatura do ar condicionado do cliente, reduzir a temperatura do aquecedor do chuveiro do cliente, ou desligar outros aparelhos.”

Dois comentários sobre isso. Primeiro, é que há poucos anos, seria impossível exercer esse controle remoto sobre os aparelhos elétricos alheios. No entanto, com a internet das coisas, isso mudou – a tal ponto, que é possível hackeá-las. Em 2016, já era assunto na imprensa o fato de casais serem filmados por suas SmartTVs fazendo sexo no sofá e irem parar em sites de pornografia sem saber. Imagine-se o potencial de controle e vigilância que não há numa casa com TV, aspirador de pó, ar condicionado, Alexa – tudo conectado com a internet. Ironicamente, essa conexão de todas as coisas leva a um consumo maior de energia elétrica – e será usado para controlar os pobres que usarem demais. O outro comentário é que todas essas coisas “voluntárias” que remuneram de alguma forma são apenas juridicamente voluntárias: se for um custo impraticável (e o custo só deve aumentar com a expansão da IA), é evidente que os pobres serão forçados a aderir ao programa. Só na cabeça de anarcocapitalista a coação se dá por força física.

Por certo, a preocupação com os pobres é um dever moral. No entanto, além de questões morais, todo país deve ter uma elite preocupada com um planejamento nacional. E o que salta aos olhos é: conta de luz alta não afeta só pessoas comuns, mas também qualquer empresário produtivo. Se toda a energia de um país for concentrada em data centers, como abrir uma siderúrgica, uma montadora de carros, uma fábrica? E o que os EUA como país ganham com data centers?

A IA é uma das coisas mais superestimadas do mundo. Decerto é útil para alguns, mas também é certo que o comum dos mortais a utiliza para as finalidades mais supérfluas ou até danosas. Há gente que usa IA como terapeuta, ou então como se fosse um amigo com o qual desabafar, e há até um rapaz com esse perfil que cometeu suicídio. A IA serve também para que muita gente deixe de exercitar os seus conhecimentos de outros idiomas e da própria escrita. Por fim, vale mencionar que o Grok, segundo a propaganda do próprio Elon Musk, serve para fazer uma porção de hentai, ou seja, de desenhos japoneses pornográficos. Quanta energia não seria economizada, se a IA tivesse acesso restrito?

No entanto, os donos das Big Techs não são de todo irracionais. A IA se alimenta de dados, e quanto mais as pessoas usarem a IA, mais a IA conhecerá os seus usuários. Isso serve para marketing – e espero ter mostrado aqui que a grande finalidade do Instagram é uma economia pós-industrial baseada em marketing digital, planejada bem antes da invenção da plataforma. Provavelmente a IA pretende seguir o mesmo rumo, e é de se perguntar para quem os empresários vão vender quando o estoque de deprimidos online se esgotar (já que a fertilidade e a expectativa de vida ocidentais estão caindo).

Seja como for, essa é uma opção tomada desde cima. A Casa Branca de Donald Trump anunciou um investimento de 92 bilhões de dólares em energia para IA, e o próprio site registra o agradecimento de uma porção de diretores empresariais ao presidente. Assim, vemos que as prioridades dos Estados Unidos não têm, remotamente, nada a ver com o bem comum dos seus cidadãos. E como desgraça pouca é bobagem, o ministro de Lula Fernando Haddad já está trabalhando para atrair data centers para o Brasil com incentivos fiscais.

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É um fato que data center de inteligência artificial consome muita energia, então a consequência lógica é que alguém está pagando uma conta de energia mais cara. No fim do mês passado, a Bloomberg, em matéria intitulada “Como os data centers de IA estão fazendo a sua conta de luz disparar”, deu um número ao problema e um rosto às suas vítimas: em áreas próximas a data centers, a conta de luz subiu 267% em cinco anos.

A complexa e fragmentária rede elétrica dos EUA faz com que os preços variem muito de local para local, de modo que o aumento é mais sentido em locais com muitos data centers. Esse local fica no pobre estado da Virgínia, no qual 39% da energia é consumida por data centers. Outros estados muito afetados são Oregon (33%), Iowa (18%), Nevada (15%), Utah (15%) e Nebraska (14%). Segundo a Bloomberg, “a questão é especialmente saliente em Hillsboro, subúrbio de Portland, onde 15 grandes data centers estão situados. […] Os custos crescentes da eletricidade doméstica contribuíram para uma onda de cortes de energia durante um inverno gelado no ano passado.” Ou seja, nas pessoas estão tendo que passar frio no país mais rico do mundo por causa da energia consumida pelos data centers.

É claro que não se trata somente dos data centers, mas de uma série de opções políticas. E o que está ruim sempre pode piorar. Como os EUA são uma plutocracia, um legislador republicano chamado Roy Klopfenstein propôs um projeto de lei para salvaguardar os data centers de problemas com energia. Afinal, se a demanda de uma determinada localidade for muito alta, é possível haver uma queda queda de energia que afete a todos. Para resolver isso, o legislador propõe um projeto “voluntário” no qual os pobres permitem que a temperatura dos seus aquecedores seja controlada remotamente, de modo a consumir menos energia, em troca de contas mais baratas. Diz o projeto: “para os clientes que participarem no programa, a concessionária pode tomar medidas para reduzir a carga do cliente em momentos de pico, tal como aumentar a temperatura do ar condicionado do cliente, reduzir a temperatura do aquecedor do chuveiro do cliente, ou desligar outros aparelhos.”

Dois comentários sobre isso. Primeiro, é que há poucos anos, seria impossível exercer esse controle remoto sobre os aparelhos elétricos alheios. No entanto, com a internet das coisas, isso mudou – a tal ponto, que é possível hackeá-las. Em 2016, já era assunto na imprensa o fato de casais serem filmados por suas SmartTVs fazendo sexo no sofá e irem parar em sites de pornografia sem saber. Imagine-se o potencial de controle e vigilância que não há numa casa com TV, aspirador de pó, ar condicionado, Alexa – tudo conectado com a internet. Ironicamente, essa conexão de todas as coisas leva a um consumo maior de energia elétrica – e será usado para controlar os pobres que usarem demais. O outro comentário é que todas essas coisas “voluntárias” que remuneram de alguma forma são apenas juridicamente voluntárias: se for um custo impraticável (e o custo só deve aumentar com a expansão da IA), é evidente que os pobres serão forçados a aderir ao programa. Só na cabeça de anarcocapitalista a coação se dá por força física.

Por certo, a preocupação com os pobres é um dever moral. No entanto, além de questões morais, todo país deve ter uma elite preocupada com um planejamento nacional. E o que salta aos olhos é: conta de luz alta não afeta só pessoas comuns, mas também qualquer empresário produtivo. Se toda a energia de um país for concentrada em data centers, como abrir uma siderúrgica, uma montadora de carros, uma fábrica? E o que os EUA como país ganham com data centers?

A IA é uma das coisas mais superestimadas do mundo. Decerto é útil para alguns, mas também é certo que o comum dos mortais a utiliza para as finalidades mais supérfluas ou até danosas. Há gente que usa IA como terapeuta, ou então como se fosse um amigo com o qual desabafar, e há até um rapaz com esse perfil que cometeu suicídio. A IA serve também para que muita gente deixe de exercitar os seus conhecimentos de outros idiomas e da própria escrita. Por fim, vale mencionar que o Grok, segundo a propaganda do próprio Elon Musk, serve para fazer uma porção de hentai, ou seja, de desenhos japoneses pornográficos. Quanta energia não seria economizada, se a IA tivesse acesso restrito?

No entanto, os donos das Big Techs não são de todo irracionais. A IA se alimenta de dados, e quanto mais as pessoas usarem a IA, mais a IA conhecerá os seus usuários. Isso serve para marketing – e espero ter mostrado aqui que a grande finalidade do Instagram é uma economia pós-industrial baseada em marketing digital, planejada bem antes da invenção da plataforma. Provavelmente a IA pretende seguir o mesmo rumo, e é de se perguntar para quem os empresários vão vender quando o estoque de deprimidos online se esgotar (já que a fertilidade e a expectativa de vida ocidentais estão caindo).

Seja como for, essa é uma opção tomada desde cima. A Casa Branca de Donald Trump anunciou um investimento de 92 bilhões de dólares em energia para IA, e o próprio site registra o agradecimento de uma porção de diretores empresariais ao presidente. Assim, vemos que as prioridades dos Estados Unidos não têm, remotamente, nada a ver com o bem comum dos seus cidadãos. E como desgraça pouca é bobagem, o ministro de Lula Fernando Haddad já está trabalhando para atrair data centers para o Brasil com incentivos fiscais.

The views of individual contributors do not necessarily represent those of the Strategic Culture Foundation.

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