A instabilidade de Trump pode arruinar a sua carreira política e sepultar a sua expectativa de deixar um legado positivo.
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Não é novidade alguma que Donald Trump é uma figura controversa, instável e inconstante. E que isso repercute politicamente quando ele está no poder dentro de seu próprio gabinete. O seu 1º mandato (2017-2021) foi marcado por disputas internas entre diferentes secretários, entre secretários e influenciadores importantes e entre ele próprio e secretários.
Notórios foram os conflitos entre Trump e Rex Tillerson e entre Trump e Jim Mattis. Eventualmente, Trump entrou em conflito com o próprio Steve Bannon, outrora seu estrategista-chefe, pelo espaço dado pelo presidente a membros daquilo que ambos consideravam como pertencendo ao Deep State, como Mike Pompeo.
Instabilidade nos corredores do governo Trump, portanto, não é novidade. Inclusive, já comentamos anteriormente que, em parte, essa instabilidade era parte de uma estratégia de agitação permanente em que novos inimigos (outrora aliados) são criados em sequência para o fim de manutenção de uma mobilização da militância.
Ainda assim, esses conflitos no primeiro governo Trump resolveram-se em benefício dos globalistas e em desfavor para os populistas que compunham a sua base central. Símbolo dessa vitória dos globalistas sobre os populistas dentro do governo Trump foi o assassinato terrorista do General Qassem Soleimani, o principal responsável pela estratégia geopolítica iraniana no Oriente Médio – e um dos principais responsáveis pelo colapso do ISIS.
Diz-se que na decisão sobre assassinar Soleimani, os papéis de Pompeo e Jared Kushner foram fundamentais.
Não obstante, quando Trump retornou ao poder os populistas prometeram que não deixariam espaço para neocons no governo Trump. De fato, nada de Pompeo ou Nikki Haley na Casa Branca. Ao contrário, vimos Tulsi Gabbard e Kennedy Júnior ocupando espaços.
Mas olhares atentos já percebiam que a oposição a Trump era menos unânime em 2024. Mais importante ainda, a Big Tech que havia se oposto a ele no passado subitamente estava com ele. A posição do idiossincrático Elon Musk já era esperada, mas a adesão do magnata tecnoglobalista Peter Thiel e até mesmo de Mark Zuckerberg já indicava que nem tudo seria como nas paradisíacas visões futuras do populismo bannoniano.
Já havíamos comentado e examinado o conflito entre Trump e Musk. Musk é um libertário tecnoglobalista, o que evidentemente o colocou na contramão do trumpismo em questões como tarifas, imigração e orçamento. As prioridades de Musk são diferentes das prioridades do populismo trumpista. Nesse sentido, o conflito não foi uma surpresa e de uma perspectiva ideológica trompista o “expurgo” de Musk foi positivo.
Não obstante, essa ruptura já reduziu o apoio a Trump, já que Musk tem a sua própria popularidade que deixou de somar-se à de Trump.
Mas ninguém estava preparado para o que viria a seguir.
A escalada de tensões entre Irã e Israel degenerou em um conflito aberto iniciado por Israel com ataques cibernéticos, ataques aéreos e atos de sabotagem com drones, objetivando sepultar o programa nuclear iraniano, sob a alegação de que o país persa estava tentando construir armas nucleares.
Após 2 dias de conflito, porém, diante dos fracassos dos sistemas de defesa antiaéreos israelenses e das consequentes dúzias de impactos dos mísseis iranianos, o Estado sionista implorou ajuda dos EUA.
Os EUA sabiam do ataque israelense, mas aparentemente esperavam que o Irã, de fato, capitularia após a morte de alguns de seus generais e cientistas nucleares. Só isso explica o silêncio relativamente longo de Trump enquanto Tel Aviv e Haifa pegavam fogo. Não obstante, ao chegar a segunda-feira, as sinalizações mudaram.
Trump passou a falar na possibilidade de ajudar Israel, falou em “rendição incondicional”, afirmou a possibilidade de assassinar o Aiatolá Khamenei, bem como disse que o Irã não poderia ter armas nucleares. Enquanto escrevo, aviões e navios estadunidenses deslocaram-se para o Oriente em preparação para…algo que não sabemos exatamente o que será, ou mesmo SE será. Trump agora diz que levará 2 semanas para decidir sobre uma possível intervenção. Mas sabemos que ele nem sempre fala a verdade.
Mas não me interessa aqui este ponto, por enquanto.
O que importa apontar neste momento é que diante desses desenvolvimentos, imediatamente as principais figuras ligadas à ala mais populista do trumpismo (ou seja, àquilo que poderíamos efetivamente chamar de sua “base ideológica”) se ergueram em indignação contra a possibilidade de Trump envolver os EUA em uma guerra com o Irã.
Trump, afinal, prometeu não apenas não envolver os EUA em nenhuma guerra mas acabar com todos os conflitos mundiais. Não só isso mas ele especificamente criticou a Guerra do Iraque por se basear na mentira de que Saddam Hussein tinha armas de destruição em massa, e anos atrás acusou Barack Obama de querer iniciar uma guerra contra o Irã.
A decepção, portanto, é absolutamente natural.
A ponta do iceberg é o fato de que Tulsi Gabbard, escolhida por Trump para chefiar o Departamento de Inteligência, enfatizou com base em relatórios de todas as agências de inteligência dos EUA que o Irã não tinha e não estava desenvolvendo armas nucleares. Trump desconsiderou sua avaliação em público, dizendo que ele sabia a “verdade” por outras fontes. Naturalmente, Gabbard anunciou que se Trump atacar o Irã ela se demitirá do cargo.
Dois dos principais porta-vozes do populismo trompista entre jornalistas, Tucker Carlson e Alex Jones, apontaram que não estavam convencidos de que o Irã era inimigo dos EUA e que certamente não tinham votado em Trump para vê-lo envolvendo seu país em um conflito por pretextos semelhantes aos usados para fazer os EUA atacarem o Iraque.
Dentro do próprio Partido Republicano vozes se ergueram contra Trump, e dessa vez não da ala neocon, mas precisamente do setor mais autenticamente populista. Os deputados Marjorie Taylor Greene, da Geórgia, e Thomas Massie, do Kentucky se posicionaram publicamente contra qualquer ação militar dos EUA contra o Irã. Massie especificamente está dando início a uma iniciativa legislativa reivindicando para o Congresso a legitimidade para aprovar ações militares dos EUA com base na Resolução dos Poderes de Guerra de 1973. O ex-deputado pela Flórida (e quase-indicado para Advogado-Geral) Matt Goetz também se pronunciou em um sentido semelhante a Greene e Massie.
Mais significativamente, o “estrategista-chefe” do trumpismo Steve Bannon também se posicionou publicamente no sentido contrário a uma ação contra o Irã, considerando-a uma negação do “America First” e atribuindo o projeto ao Deep State, declarando saber “quem está por trás disso tudo”.
Em um sentido geral, todas essas figuras expressaram um imenso cansaço em relação a Trump, e mesmo o desejo de abandoná-lo caso ele siga em frente com a hipótese de atacar o Irã. O sentimento é ecoado por uma boa parte da base eleitoral de Trump – excetuando, naturalmente, judeus sionistas e cristãos evangélicos.
A questão, fundamentalmente, parece ser a seguinte: a instabilidade de Trump – evidente, por exemplo, em sua indisposição de ouvir a própria diretora de inteligência – pode arruinar a sua carreira política e sepultar a sua expectativa de deixar um legado positivo.