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Bruna Frascolla
April 24, 2025
© Photo: Public domain

Para Todd, a eleição de Trump segue um padrão revolucionário comum entre povos que perdem guerras.

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O demógrafo francês ganhou fama por ter conseguido prever, na década de 1970, a decadência da União Soviética. O ponto chave para a sua previsão era a demografia: menor natalidade e maior mortalidade infantil eram sinais de colapso. Ano passado, ele voltou aos holofotes literários com o livro em que, seguindo os mesmos critérios, prevê o colapso dos Estados Unidos e a ascensão da Rússia. Este mês, dia 8 de abril, ele esteve em Budapeste participando de um evento chamado “Palestras József Eötvös”. Nessa ocasião, ele voltou ao seu tópico habitual e tratou de assuntos posteriores à publicação do seu livro, tais como a eleição de Trump e a reação da Europa às negativas do apoio perpétuo à Ucrânia. O conteúdo da palestra foi relatado pelo site húngaro “Garotos de Peste” (ou Pesti Srácok), cuja tradução me foi gentilmente enviada pelo editor. De fato, parece que, fora da mídia húngara, a palestra do demógrafo passou batida. Militantes de esquerda pró Soros fecharam uma ponte e conseguiram impedir que o ministro Gergely Gulyás comparecesse.

Diagnósticos e profecias de Todd

Emmanuel Todd apontou os dados habituais, dos quais vale destacar: que a mortalidade infantil é menor na Rússia do que nos EUA; que a Rússia tem estruturas familiares sólidas, enquanto que nos EUA isso vem se perdendo; que estão em declínio, nos EUA, a indústria, a qualidade da educação e o avanço na engenharia. Assim, embora o crescimento do PIB da Rússia não seja grandes coisas, o fato de as crianças não estarem morrendo e os jovens estarem estudando engenharia indicam um futuro alvissareiro. Nos EUA, as elites se enganam com a quantidade de estudantes, ignorando a questão da qualidade da educação.

Outro tópico habitual de Emmanuel Todd é o niilismo, que, segundo ele, tomou conta dos Estados Unidos desde quando o país deixou de ser norteado pelo puritanismo. Segundo ele, o niilismo dos EUA, que emergiu após o declínio do protestantismo, levou o país a tantas guerras. Outra consequência é a ideologia de gênero, que, segundo Todd, tem por finalidade a destruição da realidade e do realismo.

Para Todd, a eleição de Trump segue um padrão revolucionário comum entre povos que perdem guerras. A eleição de Trump é uma resposta desesperada a essa decadência percebida pelo próprio povo.

A derrocada dos EUA já levou a uma ruptura entre os EUA e a Europa. No entanto, para Todd, os países da Europa têm sobre os EUA a vantagem de terem, em maior ou menor grau, uma consciência de Estado nacional. A Hungria está melhor do que a França nesse quesito, mas é impossível que a França tenha apagado por completo séculos de história. Os EUA serão a primeira potência ocidental a colapsar, em virtude da amplidão da sua crise econômica e niilista. E só quem tem capacidade militar e industrial para fazer guerra com a Rússia é a Alemanha. A França e a Inglaterra, por mais que façam alarde, não têm capacidade militar e industrial para tal. A Alemanha não só tem tais capacidades, como tem o histórico de tomar más decisões. Como a Rússia não tem nenhuma intenção de invadir a Europa e apenas quer território ucraniano, uma guerra com a Rússia seria mais uma má decisão alemã.

Comentários

De um ponto de vista epistemológico, o interessante da previsão de Todd é que ela, em sua neutralidade moral, considera que a multiplicação da vida humana é uma coisa desejável em si mesma para os poderes. Se todos acreditassem nas profecias de Todd, não existiria um malthusiano no mundo. Ou, por outra, se Todd fosse um humanista por convicção prévia, em vez de um simples observador de tendências demográficas, estivesse preocupado com a desvalorização da vida humana, ele poderia ter chegado a tais conclusões mesmo quando a União Soviética estava em pleno vigor. Porque obras como The Population Bomb (1968) e Limits to Growth (1972), que consideravam o crescimento demográfico e o desenvolvimento industrial problemas em si mesmos, eram adotadas como bíblias pelo mundo ocidental. No começo, tratava-se de controlar a natalidade de países do terceiro mundo (como a China do Filho Único, a Índia do estado de emergência e a distribuição de anticoncepcionais experimentais no Brasil pela USAID). No entanto, as organizações malthusianas têm grande influência inclusive no Ocidente rico. Vide a “ansiedade climática”, que faz os jovens europeus,acharem que não podem ter filhos porque o mundo vai acabar. (Aliás, será que a Alemanha conseguirá enfrentar a Rússia à base de carvão, agora que ela não usa mais energia nuclear?) Além disso, até hoje o Japão e a Coreia do Sul, com sério problema demográfico, são apresentados como países de sucesso em matéria de economia.

Quanto ao declínio da educação, é provável que se deva, sobretudo, ao predomínio do capital especulativo sobre o interesse da sociedade. É verdade que os EUA têm um histórico de utilitarismo que é contrário à boa educação. No entanto, o Brasil, na sua condição de quintal dos EUA, mostra que há um mal econômico importante: por aqui, o ensino público foi piorado com o fito de se criar um mercado privado. Nosso ensino superior, em especial, foi inundado por universidades de péssima qualidade que pertencem a grandes grupos financeiros que recebem subsídios do governo. Se a educação é um mero pretexto para encher os bolsos de especuladores, não é de admirar que o nível humano do país caia, e que não haja grandes avanços na engenharia.

O mesmo se dá com a saúde. Por aqui, mesmo havendo um NHS, o governo agora fala de criar um Obamacare, que desviará os recursos da saúde pública para planos de saúde privados do capital financeiro. Ora, nos EUA, o atentado de Luigi Mangione a um CEO de plano de saúde fez com que o mundo prestasse atenção outra vez à péssima saúde que o país mais rico do mundo oferta à sua população. As “mortes por desespero” (que incluem suicídios e overdose) já fizeram com que a expectativa de vida dos EUA começassem a cair, mas a pura e simples falta de acesso ao atendimento médico também é algo importante a ser levado em conta. Não é só o miserável num país pobre que morre por falta de acesso médico: é também a classe média dos EUA que tem o atendimento negado porque o CEO resolveu botar uma IA negando pedidos para aumentar os seus lucros, com a cumplicidade dos governantes cujas campanhas ele financiou.

Ainda no que concerne à saúde, lembremos que parir, nos EUA, custa dinheiro, ao passo que abortar – não raro, até o nono mês – é entendido como um direito humano inalienável, que conta com a “caridade” de instituições interessadas em tecido fetal. (É um país bem macabro, esse que seduz os anticomunistas maniqueístas.) Com a mudança de entendimento do Supremo, Jeff Bezos passou a financiar a viagem de funcionárias que quisessem abortar – sem que se questionasse qual é a postura dele diante das mulheres que dão à luz. Diante dessa disposição infanticida dos EUA, que não surgiu agora, de admirar é que Todd tenha pensado que os EUA teriam um futuro mais duradouro.

Por fim, vale comentar a questão espiritual. Não penso que o relativismo seja um desvio da Reforma, mas antes uma consequência inevitável. Quando Roma e Constantinopla se separaram, ambas manifestaram uma discordância quanto ao que é verdadeiro, não quanto à natureza da verdade. Na Reforma, tratou-se de algo muito mais profundo: da liberdade para cada homem interpretar a Bíblia ao seu bel prazer. Não se trata de uma discordância quanto ao que é verdadeiro, mas sim quanto à própria natureza da verdade. Ela não deve mais ser estabelecida de uma maneira pública e objetiva; em vez disso, deve ser buscada de maneira privada e subjetiva. A Reforma foi a mãe do relativismo e da revolta contra a realidade. E se não há mais critérios públicos e objetivos para discutir teologia de maneira racional, as seitas crescem por motivos ligados à força, seja ela do dinheiro, do maquiavelismo político ou do carisma do líder. Com a ciência, deu-se o mesmo: a seita trans foi muito bem financiada e dominou o establishment científico antes de passar ao político. E nem mesmo essa seita foi uma oposição ao protestantismo; foi, em vez disso, um desenvolvimento do seu ramo liberal, como já mostrei em texto para a SCF intitulado “Afinal, como uma nação puritana terminou idolatrando travestis?

Na Hungria, Emmanuel Todd prevê a altamente previsível desgraça dos EUA

Para Todd, a eleição de Trump segue um padrão revolucionário comum entre povos que perdem guerras.

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Escreva para nós: info@strategic-culture.su

O demógrafo francês ganhou fama por ter conseguido prever, na década de 1970, a decadência da União Soviética. O ponto chave para a sua previsão era a demografia: menor natalidade e maior mortalidade infantil eram sinais de colapso. Ano passado, ele voltou aos holofotes literários com o livro em que, seguindo os mesmos critérios, prevê o colapso dos Estados Unidos e a ascensão da Rússia. Este mês, dia 8 de abril, ele esteve em Budapeste participando de um evento chamado “Palestras József Eötvös”. Nessa ocasião, ele voltou ao seu tópico habitual e tratou de assuntos posteriores à publicação do seu livro, tais como a eleição de Trump e a reação da Europa às negativas do apoio perpétuo à Ucrânia. O conteúdo da palestra foi relatado pelo site húngaro “Garotos de Peste” (ou Pesti Srácok), cuja tradução me foi gentilmente enviada pelo editor. De fato, parece que, fora da mídia húngara, a palestra do demógrafo passou batida. Militantes de esquerda pró Soros fecharam uma ponte e conseguiram impedir que o ministro Gergely Gulyás comparecesse.

Diagnósticos e profecias de Todd

Emmanuel Todd apontou os dados habituais, dos quais vale destacar: que a mortalidade infantil é menor na Rússia do que nos EUA; que a Rússia tem estruturas familiares sólidas, enquanto que nos EUA isso vem se perdendo; que estão em declínio, nos EUA, a indústria, a qualidade da educação e o avanço na engenharia. Assim, embora o crescimento do PIB da Rússia não seja grandes coisas, o fato de as crianças não estarem morrendo e os jovens estarem estudando engenharia indicam um futuro alvissareiro. Nos EUA, as elites se enganam com a quantidade de estudantes, ignorando a questão da qualidade da educação.

Outro tópico habitual de Emmanuel Todd é o niilismo, que, segundo ele, tomou conta dos Estados Unidos desde quando o país deixou de ser norteado pelo puritanismo. Segundo ele, o niilismo dos EUA, que emergiu após o declínio do protestantismo, levou o país a tantas guerras. Outra consequência é a ideologia de gênero, que, segundo Todd, tem por finalidade a destruição da realidade e do realismo.

Para Todd, a eleição de Trump segue um padrão revolucionário comum entre povos que perdem guerras. A eleição de Trump é uma resposta desesperada a essa decadência percebida pelo próprio povo.

A derrocada dos EUA já levou a uma ruptura entre os EUA e a Europa. No entanto, para Todd, os países da Europa têm sobre os EUA a vantagem de terem, em maior ou menor grau, uma consciência de Estado nacional. A Hungria está melhor do que a França nesse quesito, mas é impossível que a França tenha apagado por completo séculos de história. Os EUA serão a primeira potência ocidental a colapsar, em virtude da amplidão da sua crise econômica e niilista. E só quem tem capacidade militar e industrial para fazer guerra com a Rússia é a Alemanha. A França e a Inglaterra, por mais que façam alarde, não têm capacidade militar e industrial para tal. A Alemanha não só tem tais capacidades, como tem o histórico de tomar más decisões. Como a Rússia não tem nenhuma intenção de invadir a Europa e apenas quer território ucraniano, uma guerra com a Rússia seria mais uma má decisão alemã.

Comentários

De um ponto de vista epistemológico, o interessante da previsão de Todd é que ela, em sua neutralidade moral, considera que a multiplicação da vida humana é uma coisa desejável em si mesma para os poderes. Se todos acreditassem nas profecias de Todd, não existiria um malthusiano no mundo. Ou, por outra, se Todd fosse um humanista por convicção prévia, em vez de um simples observador de tendências demográficas, estivesse preocupado com a desvalorização da vida humana, ele poderia ter chegado a tais conclusões mesmo quando a União Soviética estava em pleno vigor. Porque obras como The Population Bomb (1968) e Limits to Growth (1972), que consideravam o crescimento demográfico e o desenvolvimento industrial problemas em si mesmos, eram adotadas como bíblias pelo mundo ocidental. No começo, tratava-se de controlar a natalidade de países do terceiro mundo (como a China do Filho Único, a Índia do estado de emergência e a distribuição de anticoncepcionais experimentais no Brasil pela USAID). No entanto, as organizações malthusianas têm grande influência inclusive no Ocidente rico. Vide a “ansiedade climática”, que faz os jovens europeus,acharem que não podem ter filhos porque o mundo vai acabar. (Aliás, será que a Alemanha conseguirá enfrentar a Rússia à base de carvão, agora que ela não usa mais energia nuclear?) Além disso, até hoje o Japão e a Coreia do Sul, com sério problema demográfico, são apresentados como países de sucesso em matéria de economia.

Quanto ao declínio da educação, é provável que se deva, sobretudo, ao predomínio do capital especulativo sobre o interesse da sociedade. É verdade que os EUA têm um histórico de utilitarismo que é contrário à boa educação. No entanto, o Brasil, na sua condição de quintal dos EUA, mostra que há um mal econômico importante: por aqui, o ensino público foi piorado com o fito de se criar um mercado privado. Nosso ensino superior, em especial, foi inundado por universidades de péssima qualidade que pertencem a grandes grupos financeiros que recebem subsídios do governo. Se a educação é um mero pretexto para encher os bolsos de especuladores, não é de admirar que o nível humano do país caia, e que não haja grandes avanços na engenharia.

O mesmo se dá com a saúde. Por aqui, mesmo havendo um NHS, o governo agora fala de criar um Obamacare, que desviará os recursos da saúde pública para planos de saúde privados do capital financeiro. Ora, nos EUA, o atentado de Luigi Mangione a um CEO de plano de saúde fez com que o mundo prestasse atenção outra vez à péssima saúde que o país mais rico do mundo oferta à sua população. As “mortes por desespero” (que incluem suicídios e overdose) já fizeram com que a expectativa de vida dos EUA começassem a cair, mas a pura e simples falta de acesso ao atendimento médico também é algo importante a ser levado em conta. Não é só o miserável num país pobre que morre por falta de acesso médico: é também a classe média dos EUA que tem o atendimento negado porque o CEO resolveu botar uma IA negando pedidos para aumentar os seus lucros, com a cumplicidade dos governantes cujas campanhas ele financiou.

Ainda no que concerne à saúde, lembremos que parir, nos EUA, custa dinheiro, ao passo que abortar – não raro, até o nono mês – é entendido como um direito humano inalienável, que conta com a “caridade” de instituições interessadas em tecido fetal. (É um país bem macabro, esse que seduz os anticomunistas maniqueístas.) Com a mudança de entendimento do Supremo, Jeff Bezos passou a financiar a viagem de funcionárias que quisessem abortar – sem que se questionasse qual é a postura dele diante das mulheres que dão à luz. Diante dessa disposição infanticida dos EUA, que não surgiu agora, de admirar é que Todd tenha pensado que os EUA teriam um futuro mais duradouro.

Por fim, vale comentar a questão espiritual. Não penso que o relativismo seja um desvio da Reforma, mas antes uma consequência inevitável. Quando Roma e Constantinopla se separaram, ambas manifestaram uma discordância quanto ao que é verdadeiro, não quanto à natureza da verdade. Na Reforma, tratou-se de algo muito mais profundo: da liberdade para cada homem interpretar a Bíblia ao seu bel prazer. Não se trata de uma discordância quanto ao que é verdadeiro, mas sim quanto à própria natureza da verdade. Ela não deve mais ser estabelecida de uma maneira pública e objetiva; em vez disso, deve ser buscada de maneira privada e subjetiva. A Reforma foi a mãe do relativismo e da revolta contra a realidade. E se não há mais critérios públicos e objetivos para discutir teologia de maneira racional, as seitas crescem por motivos ligados à força, seja ela do dinheiro, do maquiavelismo político ou do carisma do líder. Com a ciência, deu-se o mesmo: a seita trans foi muito bem financiada e dominou o establishment científico antes de passar ao político. E nem mesmo essa seita foi uma oposição ao protestantismo; foi, em vez disso, um desenvolvimento do seu ramo liberal, como já mostrei em texto para a SCF intitulado “Afinal, como uma nação puritana terminou idolatrando travestis?

Para Todd, a eleição de Trump segue um padrão revolucionário comum entre povos que perdem guerras.

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O demógrafo francês ganhou fama por ter conseguido prever, na década de 1970, a decadência da União Soviética. O ponto chave para a sua previsão era a demografia: menor natalidade e maior mortalidade infantil eram sinais de colapso. Ano passado, ele voltou aos holofotes literários com o livro em que, seguindo os mesmos critérios, prevê o colapso dos Estados Unidos e a ascensão da Rússia. Este mês, dia 8 de abril, ele esteve em Budapeste participando de um evento chamado “Palestras József Eötvös”. Nessa ocasião, ele voltou ao seu tópico habitual e tratou de assuntos posteriores à publicação do seu livro, tais como a eleição de Trump e a reação da Europa às negativas do apoio perpétuo à Ucrânia. O conteúdo da palestra foi relatado pelo site húngaro “Garotos de Peste” (ou Pesti Srácok), cuja tradução me foi gentilmente enviada pelo editor. De fato, parece que, fora da mídia húngara, a palestra do demógrafo passou batida. Militantes de esquerda pró Soros fecharam uma ponte e conseguiram impedir que o ministro Gergely Gulyás comparecesse.

Diagnósticos e profecias de Todd

Emmanuel Todd apontou os dados habituais, dos quais vale destacar: que a mortalidade infantil é menor na Rússia do que nos EUA; que a Rússia tem estruturas familiares sólidas, enquanto que nos EUA isso vem se perdendo; que estão em declínio, nos EUA, a indústria, a qualidade da educação e o avanço na engenharia. Assim, embora o crescimento do PIB da Rússia não seja grandes coisas, o fato de as crianças não estarem morrendo e os jovens estarem estudando engenharia indicam um futuro alvissareiro. Nos EUA, as elites se enganam com a quantidade de estudantes, ignorando a questão da qualidade da educação.

Outro tópico habitual de Emmanuel Todd é o niilismo, que, segundo ele, tomou conta dos Estados Unidos desde quando o país deixou de ser norteado pelo puritanismo. Segundo ele, o niilismo dos EUA, que emergiu após o declínio do protestantismo, levou o país a tantas guerras. Outra consequência é a ideologia de gênero, que, segundo Todd, tem por finalidade a destruição da realidade e do realismo.

Para Todd, a eleição de Trump segue um padrão revolucionário comum entre povos que perdem guerras. A eleição de Trump é uma resposta desesperada a essa decadência percebida pelo próprio povo.

A derrocada dos EUA já levou a uma ruptura entre os EUA e a Europa. No entanto, para Todd, os países da Europa têm sobre os EUA a vantagem de terem, em maior ou menor grau, uma consciência de Estado nacional. A Hungria está melhor do que a França nesse quesito, mas é impossível que a França tenha apagado por completo séculos de história. Os EUA serão a primeira potência ocidental a colapsar, em virtude da amplidão da sua crise econômica e niilista. E só quem tem capacidade militar e industrial para fazer guerra com a Rússia é a Alemanha. A França e a Inglaterra, por mais que façam alarde, não têm capacidade militar e industrial para tal. A Alemanha não só tem tais capacidades, como tem o histórico de tomar más decisões. Como a Rússia não tem nenhuma intenção de invadir a Europa e apenas quer território ucraniano, uma guerra com a Rússia seria mais uma má decisão alemã.

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De um ponto de vista epistemológico, o interessante da previsão de Todd é que ela, em sua neutralidade moral, considera que a multiplicação da vida humana é uma coisa desejável em si mesma para os poderes. Se todos acreditassem nas profecias de Todd, não existiria um malthusiano no mundo. Ou, por outra, se Todd fosse um humanista por convicção prévia, em vez de um simples observador de tendências demográficas, estivesse preocupado com a desvalorização da vida humana, ele poderia ter chegado a tais conclusões mesmo quando a União Soviética estava em pleno vigor. Porque obras como The Population Bomb (1968) e Limits to Growth (1972), que consideravam o crescimento demográfico e o desenvolvimento industrial problemas em si mesmos, eram adotadas como bíblias pelo mundo ocidental. No começo, tratava-se de controlar a natalidade de países do terceiro mundo (como a China do Filho Único, a Índia do estado de emergência e a distribuição de anticoncepcionais experimentais no Brasil pela USAID). No entanto, as organizações malthusianas têm grande influência inclusive no Ocidente rico. Vide a “ansiedade climática”, que faz os jovens europeus,acharem que não podem ter filhos porque o mundo vai acabar. (Aliás, será que a Alemanha conseguirá enfrentar a Rússia à base de carvão, agora que ela não usa mais energia nuclear?) Além disso, até hoje o Japão e a Coreia do Sul, com sério problema demográfico, são apresentados como países de sucesso em matéria de economia.

Quanto ao declínio da educação, é provável que se deva, sobretudo, ao predomínio do capital especulativo sobre o interesse da sociedade. É verdade que os EUA têm um histórico de utilitarismo que é contrário à boa educação. No entanto, o Brasil, na sua condição de quintal dos EUA, mostra que há um mal econômico importante: por aqui, o ensino público foi piorado com o fito de se criar um mercado privado. Nosso ensino superior, em especial, foi inundado por universidades de péssima qualidade que pertencem a grandes grupos financeiros que recebem subsídios do governo. Se a educação é um mero pretexto para encher os bolsos de especuladores, não é de admirar que o nível humano do país caia, e que não haja grandes avanços na engenharia.

O mesmo se dá com a saúde. Por aqui, mesmo havendo um NHS, o governo agora fala de criar um Obamacare, que desviará os recursos da saúde pública para planos de saúde privados do capital financeiro. Ora, nos EUA, o atentado de Luigi Mangione a um CEO de plano de saúde fez com que o mundo prestasse atenção outra vez à péssima saúde que o país mais rico do mundo oferta à sua população. As “mortes por desespero” (que incluem suicídios e overdose) já fizeram com que a expectativa de vida dos EUA começassem a cair, mas a pura e simples falta de acesso ao atendimento médico também é algo importante a ser levado em conta. Não é só o miserável num país pobre que morre por falta de acesso médico: é também a classe média dos EUA que tem o atendimento negado porque o CEO resolveu botar uma IA negando pedidos para aumentar os seus lucros, com a cumplicidade dos governantes cujas campanhas ele financiou.

Ainda no que concerne à saúde, lembremos que parir, nos EUA, custa dinheiro, ao passo que abortar – não raro, até o nono mês – é entendido como um direito humano inalienável, que conta com a “caridade” de instituições interessadas em tecido fetal. (É um país bem macabro, esse que seduz os anticomunistas maniqueístas.) Com a mudança de entendimento do Supremo, Jeff Bezos passou a financiar a viagem de funcionárias que quisessem abortar – sem que se questionasse qual é a postura dele diante das mulheres que dão à luz. Diante dessa disposição infanticida dos EUA, que não surgiu agora, de admirar é que Todd tenha pensado que os EUA teriam um futuro mais duradouro.

Por fim, vale comentar a questão espiritual. Não penso que o relativismo seja um desvio da Reforma, mas antes uma consequência inevitável. Quando Roma e Constantinopla se separaram, ambas manifestaram uma discordância quanto ao que é verdadeiro, não quanto à natureza da verdade. Na Reforma, tratou-se de algo muito mais profundo: da liberdade para cada homem interpretar a Bíblia ao seu bel prazer. Não se trata de uma discordância quanto ao que é verdadeiro, mas sim quanto à própria natureza da verdade. Ela não deve mais ser estabelecida de uma maneira pública e objetiva; em vez disso, deve ser buscada de maneira privada e subjetiva. A Reforma foi a mãe do relativismo e da revolta contra a realidade. E se não há mais critérios públicos e objetivos para discutir teologia de maneira racional, as seitas crescem por motivos ligados à força, seja ela do dinheiro, do maquiavelismo político ou do carisma do líder. Com a ciência, deu-se o mesmo: a seita trans foi muito bem financiada e dominou o establishment científico antes de passar ao político. E nem mesmo essa seita foi uma oposição ao protestantismo; foi, em vez disso, um desenvolvimento do seu ramo liberal, como já mostrei em texto para a SCF intitulado “Afinal, como uma nação puritana terminou idolatrando travestis?

The views of individual contributors do not necessarily represent those of the Strategic Culture Foundation.

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