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Faz algum tempo que a oposição acusa a promiscuidade entre o PT e o STF. No mês passado, os deputados petistas Lindberg Farias e Rogério Correia terminaram por confirmar a atuação conjunta entre o seu partido e o judiciário. A situação foi a seguinte: o deputado Eduardo Bolsonaro, filho do ex-presidente e principal articulador do lobby brasileiro de direita nos EUA, queria assumir uma comissão da Câmara para assuntos internacionais. Bastava que o seu partido o indicasse. No entanto, a imprensa começou a publicar vazamentos segundo os quais o STF, que julga todo o mundo, não via com bons olhos a indicação de Eduardo Bolsonaro para tal comissão.
Ato contínuo, os deputados petistas pediram ao STF a apreensão do passaporte de Eduardo Bolsonaro, que se encontrava nos EUA, alegando que ele estaria tramando contra as instituições brasileiras. Os críticos dos deputados logo disseram que a “instituição” que eles queriam proteger atendia pelo nome de Alexandre de Moraes. Trata-se do ministro mais saliente do STF, que os bolsonaristas da Flórida querem sancionar com a Lei Magnitisky – uma espécie de pena de morte financeira aplicada desde os EUA. Em seguida, o próprio Alexandre de Moraes pediu à Procuradoria Geral da República que analisasse o pedido dos petistas (fato comemorado por Lindbergh Farias no X com uma imagem sugestiva.)
Diante da insegurança, Eduardo Bolsonaro decidiu abrir mão do mandato e ficar nos EUA fazendo lobby. Horas depois, a Procuradoria Geral da República negou o pedido dos petistas. Em seguida, a dupla de deputados petistas gravou um vídeo comemorando a decisão de Eduardo Bolsonaro e a consequência de que ele não iria presidir a comissão da Câmara. Rogério Correia disse: “É óbvio que, se ele voltasse pro Brasil, Alexandre de Moraes, a pedido nosso, ia confiscar o passaporte dele e ele não poderia voltar aos Estados Unidos.” Todo o esforço da imprensa para retratar as “instituições” como entidades puramente técnicas encontrou um veemente desmentido.
O embate entre o bolsonarismo e Alexandre de Moraes se dá dentro de um quadro mais amplo, que é o da “defesa da democracia”. Com razoabilidade oscilante, a oposição tem dito há um bom tempo que o Brasil vive sob uma ditadura do STF. Já o establishment tem dito que o STF protege a democracia da ameaça golpista. O evento crucial para ambas as narrativas é o quebra-quebra do 8 de janeiro de 2023. É um repeteco da invasão do Capitólio por trumpistas no 6 de janeiro de 2021. Tal como nos EUA, houve um esforço em memorializar a data. Falou-se até em criar um Museu da Democracia. Segundo a narrativa hegemônica, os manifestantes estavam tentando dar um golpe de Estado. Por isso, as penas são bem altas. E o caso emblemático é o da cabeleireira Débora, que recebeu uma pena de 14 anos, e passou um ano na cadeia longe dos filhos pequenos. O que ela de fato fez? Escreveu “Perdeu, mané” com um batom, na estátua de concreto que representa a Justiça
A frase, que virou até verbete na Wikipédia, é uma alusão ao ministro Luís Roberto Barroso, do STF. Judeu sionista indicado por Dilma Rousseff, pode-se dizer que é o ministro mais woke do STF. Em 2022, logo após a eleição presidencial, o ministro estava hospedado em Nova Iorque para um evento jurídico organizado por um empresário e político liberal também brasileiro (João Doria) que traiu ambos os padrinhos políticos (primeiro Geraldo Alckmin e depois Jair Bolsonaro). Como o convescote em Nova Iorque gerou indignação na direita, imigrantes brasileiros foram protestar contra o ministro. A um dos manifestantes com câmera em punho, Barroso disse: “Perdeu, mané. Não amola.” No Brasil, essa é uma frase usada por ladrões depois do roubo – e a direita acusava a Justiça Eleitoral, na prática submissa ao STF, de ter roubado a eleição.
Tal como no Ocidente rico, o Brasil está incomodado com a impunidade de criminosos violentos. Aqui provavelmente é pior, porque a violência é maior e mais velha. Mesmo assim, Lula achou uma boa ideia descrever assaltantes como jovens que querem tomar uma cervejinha. Assim, é evidente que condenar a cabeleireira Débora a 14 anos tem potencial de gerar grande comoção popular. Alienado, porém, o establishment acreditou que conseguiria empurrar goela abaixo da população – em meio a uma dolorida inflação de alimentos – a história de que defender a “democracia” é uma tarefa urgentíssima que deve ser executada com todo o rigor.
Do outro lado, as versões variaram bastante, mas pode-se dizer que a acusação principal é a de que vivemos sob uma ditadura do judiciário porque não há liberdade de expressão (entendida no sentido radical da Primeira Emenda, inexistente no Brasil) e porque o STF faz o que quer (como, por exemplo, julgar os manifestantes em lote, sem individualizar penas). Esta última justificativa é convincente; a primeira, porém, faria com que todos os países do mundo, exceto os EUA, fossem uma ditadura, inclusive o Brasil sob o governo Bolsonaro. Assim como na esquerda há o alienado que fala de democracia em meio a inflação de alimentos, há na direita o alienado que fala de liberdade de expressão em meio à inflação de alimentos.
A reivindicação da direita tem sido a anistia para os acusados de golpe – o que inclui o próprio Bolsonaro. De fato, a direita tem conseguido mobilizar a opinião pública contra o STF, sobretudo diante do caso da cabeleireira Débora. No dia 21 de março, Alexandre de Moraes votou para condenar Débora a 14 anos de prisão, mais pagamento de multa de 50.000 reais (o que dá 33 salários mínimos) e indenização coletiva de 30 milhões de reais a ser paga com os outros condenados. Após a repercussão e os discursos contrários do ministro Fux, no dia 28 a Procuradoria Geral da República pediu que Débora fosse para a prisão domiciliar e Alexandre de Moraes aceitou. No dia 30 de março, como que a confirmar os receios da ala mais moderada do establishment, a manifestação contra a anistia convocada pela esquerda foi um fiasco.
Tomado em conjunto, o cenário político brasileiro é desanimador porque todos os lados relevantes repetem algum discurso inventado pela CIA. Vejamos os manifestantes: eles foram para as ruas porque acreditaram no conto da carochinha segundo o qual o povo, fazendo manifestações “democráticas”, tem a capacidade de derrubar regimes “antidemocráticos”. O leitor interessado em geopolítica pensará nas revoluções coloridas, mas no Brasil isso é um repeteco de 1964: o “povo nas ruas” supostamente foi às ruas pedir que as Forças Armadas salvassem o Brasil da suposta ameaça comunista – e os militares deram um golpe junto com o Congresso para estabelecer um regime “democrático”. Na verdade, a Marcha com Deus pela Família e Propriedade foi urdida pela USAID e contou com amplo apoio das elites liberais brasileiras donas de jornais. A passeata foi irrelevante para o golpe em si; serviu só para o roteiro da CIA, que inclui manifestações populares como legitimação “democrática”. Quando os bolsonaristas foram pedir intervenção militar para salvar a “democracia” sem o apoio das elites liberais brasileiras e da CIA, acabaram presos. Pois bem, a CIA e os jornais liberais querem salvar a “democracia” dando poder ao STF para perseguir todo opositor que faça “discurso de ódio”, “desordem informacional”, “desinformação” etc.
No entanto, a inteligência dos EUA não tem uma doutrina única, pois apoia tanto o liberalismo woke quanto o liberalismo “conservador” (pensem em William Buckley, ex-agente da CIA), e ainda o anarcocapitalismo (mas isso é assunto para o próximo texto). Assim, o discurso liberal-conservador adotado por Eduardo Bolsonaro, de defesa da Primeira Emenda, tem como resultado lógico a licitude da propaganda mais abjeta em solo nacional. Para nem falarmos do ódio racial e da ideologia de gênero, lembremos apenas que nos EUA a Primeira Emenda libera o lobby em defesa da pedofilia e existe até movimento de pedófilos organizados (NAMBLA). Na Inglaterra, a associação de pedófilos contou especial leniência durante o governo da liberal-conservadora (e defensora do aborto) Margaret Tatcher. Como exigir Primeira Emenda e ser contra a venda de drogas, se os traficantes têm o direito de promover toda uma subcultura de drogas por meio de músicas?
A censura é uma força civilizacional. Por conseguinte, é bárbara e deletéria a propaganda liberal-conservadora, que a pinta como um grande mal.