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Hugo Dionísio
February 23, 2025
© Photo: Public domain

Escreva para nós: info@strategic-culture.su

É mesmo assim: as crianças deslocaram-se à Eurodisney a Paris, os adultos foram a Riade, à Arábia Saudita. A colagem parece exagerada, mas não é, porque a grande questão que se coloca perante esta atitude dos “líderes” europeus, é a seguinte: em que medida, a resistência ao processo diplomático iniciado entre EUA e Federação Russa, não passará de uma mera manobra de diversão, de um circo, com o intuito de uma vez mais, justificar os avultados investimentos militares anunciados, congelar a situação de conflito e a tensão subjacente, bem como, salvar a face dos “líderes” europeus?

Na primeira das reuniões, Macron convocou os pesos pesados da EU. França, Alemanha, Reino Unido, Itália, Espanha, Polónia, Países Baixos, Dinamarca (por causa da Groenlândia?) e os dois apêndices António Costa e von der Leyen. Os resultados, já se sabe, foram classificados na imprensa nacional como “decepcionantes”, não tendo esta gente logrado obter um consenso.

Não se convencendo, Macron, na segunda das reuniões, convocou estados mais secundários, mas, com excepção da Bélgica, estados com algum tipo de proximidade à Federação Russa, geográfica, cultural ou económica. Os escolhidos foram a Noruega, Canadá, Estados Bálticos, República Tcheca, Grécia, Finlândia, Romênia, Suécia e Bélgica. Portugal ficou de fora, colocado ao nível de Malta, Chipre, Irlanda, Eslovénia ou Croácia. Eslováquia e Hungria não contam para estas coisas. Tivesse tido sucesso e Macron ainda voltaria à carga com uma terceira leva de estados “europeus” de terceira categoria.

Não se tratou, na minha opinião, de declaradamente tentar boicotar o processo de paz ou as negociações entre dois competidores directos, um deles inimigo declarado, outro, o ainda comandante deste grande navio ocidental. Trata-se de muito mais do que isso, num intrincado de objectivos que vão da salvação pessoal à salvação política, como instrumentos de salvação de toda uma dinâmica de interesses associados ao conflito ucraniano e que não desapareceram com a eleição de Trump.

Durante três anos, estes “líderes” venderam que tudo se tratou de uma “brutal invasão em larga escala e não provocada” da Ucrânia, operada pela Federação Russa; o ocidente liderado pelos EUA não teve nenhuma responsabilidade ou provocou tal “invasão”; a “invasão” foi responsabilidade exclusiva de um “ditador” terrível chamado Vladimir Putin; um “isolado” e “acossado” Putin, que encontrou por parte do ocidente uma resposta decisiva, unida e determinada. Ainda hoje, contra todas as evidências, Zelensky diz que Trump quer retirar a Rússia do “isolamento internacional”, não se apercebendo que, com tal discurso, aliena, ele próprio, as relações internacionais do país que tiraniza.

A alimentação da lógica da ameaça russa, associada à incapacidade de fornecer à Ucrânia as armas de que esta necessitava, foi construindo, no espaço mediático, a guilhotina que colocada sobre as nossas cabeças, justificou o aumento dos gastos militares, repercutida, por exemplo, na proposta europeia de utilizar fundos comunitários europeus, para constituir um verdadeiro complexo militar-industrial, desdizendo regras que antes eram tidas como estáveis e que assentavam na ideia de que os fundos estruturais da EU se destinavam à coesão, ao desenvolvimento e à construção europeia. O jackpot resultante deste processo de escalada psicológica situa-se na casa dos milhões de milhões de euros e representa o maior aumento do investimento militar desde a segunda guerra mundial, num espaço económico em crise profunda, política, cultural e de identidade.

Se há uns meses já haviam sido previstos por von der Leyen enormes aumentos no financiamento da defesa, atingindo os 326 mil milhões em 2024, depois de um aumento de 31% em relação a 2023, prevê-se que, até 2026, através do sistema de coordenação europeu para a defesa, se atinja o montante anual de 614 mil milhões de euros, e com tendência para subir. Estamos apenas a falar da União Europeia, que destina para os fundos estruturais cerca de um milhão de milhões de euros, ou seja, pouco mais de 30% do montante que se prever gastar anualmente em defesa, mas para 7 anos. A EU pretende gastar em cada ano, só para a defesa, quase o mesmo que gasta para o desenvolvimento e coesão em 7 anos, ou 3 ou 4 vezes mais do que gasta para o Fundo Social Europeu que trata da desigualdade e combate à pobreza. E isto sucede num quadro de crescente austeridade económica, declínio nas condições de vida dos povos e descida nos padrões europeus de desenvolvimento.

Tendo sido atirada para um canto, von der Leyen após a reunião com Peter Hegseth em Bruxelas, aparece agora queer dar prova de vida ao anunciar um “aumento massivo nos gastos com a defesa”, prevendo a alteração das regras burocráticas para facilitar o esbanjamento descarado. Como se gritasse “Sr. Trump, olhe para mim que lhe compro muitas armas”.  Não admira que o WSJ venha reportar um aumento do valor das acções ligadas ao sector europeu da defesa, após as conversações para o aumento das despesas militares no quadro da NATO. É, portanto, fácil de ver o que está por detrás de toda esta emergência de Macron.

Para se perceber a gravidade da situação, a loucura que guia os pensamentos e percepções desta gente e o papel miserável que cumprem, Analena Baerbock deu-nos um vislumbre do que vai nas suas mentes doentias ao anunciar “um pacote de ajuda nunca visto”, à Ucrânia, no valor de 700 mil milhões de euros! Para matar e morrer, aplica-se o mesmo valor que esta gente aprovou, para toda a União Europeia, como instrumento de recuperação do Covid-19 para 5 anos!

Ora, tendo como perspectiva o que está realmente em causa, podemos resumir em quatro ideias muito simples o que pretendem Macron e os “líderes” europeus, com toda esta azáfama e a tentativa de fazer entrar em cena uma “força europeia de Paz”:

  1. Manter as tensões com a Federação Russa, como forma de manter em aberto um conflito e justificar o jackpot armamentista

Mesmo sabendo a EU que neste momento não pode enfrentar a Federação Russa, sabendo que sem a “liderança” dos EUA, dificilmente a EU teria da NATO o apoio necessário a um empreendimento desta natureza e sabendo estar a europa, e a EU, a ser relegada para um lugar secundário nesta história, lugar esse que sempre ocupou, muito investimento foi prometido, ao longo do tempo, em armamento, envolvendo as maiores empresas e conglomerados industriais europeus. Os quais, como sabemos, têm profundas relações de capital com interesses norte americanos.

Perante a vitória da facção Trump, a facção democrata, chefiada por Biden, viu relegada para um plano secundário a sua importância nos negócios multimilionários na área da defesa. Neste momento, a facção trumpista direcciona os seus fundos para os sectores que o apoiaram, tendo aberto uma guerra ao próprio pentágono. Quer dizer isto que se vai gastar menos na defesa? Não! Quer dizer que Trump irá criar os seus circuitos de confiança e apoio, nos quais os europeus terão de se integrar. Macron e Starmer já têm reunião marcada para coordenar esses e outros aspectos.

Para os “investidores” por detrás da facção democrata e por detrás da nomenclatura de “líderes” europeus filiados ideologicamente no que hoje representa o Partido Democrata dos EUA, o dinheiro prometido é visto como já estando nos seus bolsos, porventura até tendo servido já de base para investimentos em futuros e derivados. Tudo tem de ser feito para que esses negócios nãos e percam. É este o papel destes “líderes”.

Não se pode também afastar a possibilidade de muitos destes “investidores” pretenderem congelar a realidade europeia, numa espécie de suspensão, passando ao conflito latente, aproveitando o negócio imediato, mas perspectivando que, daqui a 4 anos, seja possível voltar à confrontação com a Federação Russa, país onde está tradicionalmente depositada a salvação das economias europeias ocidentais.

  1. Salvar a face política dos “líderes” europeus perante os povos que dizem representar

Considerando que a Federação Russa rejeitou a presença de tropas de paz na Ucrânia, a verdade é que a construção desta exigência representava essa intenção de boicote do plano de paz. Contudo, penso que esta pretensão não surge porque a Europa e Macron têm uma visão própria sobre o assunto. Estes “líderes” necessitam, sobretudo, de uma narrativa que não os deixe desarmados perante os seus eleitores, seja para se cumprir o primeiro objectivo, justificando os avultados investimentos militares, seja porque não podem, agora, simplesmente, deixar avançar a paz, quando andaram três anos a vender a guerra.

Vejamos, estamos a falar de líderes que há uns dias não tinham qualquer dúvida de que a guerra deveria continuar e que negociar com Vladimir Putin era inaceitável. Estes “líderes”, mesmo após a tomada de posse de Trump, mantinham a esperança de que a guerra continuaria, que o iriam convencer, com a compra de armas e com as reservas minerais prometidas pelo usurpador de Kiev, a abandonar a ideia de colocar um fim no conflito.

Para estes “líderes”, falar de envio de uma força europeia de paz, a qual sabem ser inaceitável para a Federação Russa, representava já, para que souber ler, um sinal de assumida derrota. Para fora e para o espaço mediático, ficaria sempre a narrativa de que “a europa” impôs a Putin, uma força europeia na Ucrânia, que representa uma presença efectiva da NATO, o que constitui o principal motivo da guerra. Era a “derrota” de Putin que estes “líderes” necessitavam de apresentar. Contudo, a divisão da europa é tão profunda que, à falta do denominador comum representado pelo partido democrata, logo se desfez o consenso.

Depois de tanto negarem que eram os EUA e o clã Biden quem estava por detrás do conflito, aceitarem sacrificar a economia europeia e agravarem tudo, com a imposição e gastos militares impensáveis, vem agora Trump desfazer toda a narrativa, colocando os EUA na frente das negociações, tratando os “líderes” europeus como acessórios. Trump saberá que não passam de meros procuradores dos interesses dos EUA e trata-os como tal, determinando, até o momento em que subirão ao barco das negociações.

A Ucrânia era o campo de batalha em que se confrontariam três competidores, do qual só estava previsto que saísse um vencedor, os EUA. Passados três anos, parece que só será derrotado, a EU.

  1. Garantir a sobrevivência do projecto globalista, hegemónico preconizado pelos EUA

A tentativa dos “líderes” europeus em substituir o investimento norte-americano na Ucrânia, tal como já havia programado a facção Biden, comprova o caracter subalterno da EU em toda esta trama. A EU e as “lideranças” europeias continuam a cumprir as directrizes iniciais, aplicando no terreno as orientações estabelecidas pela Casa Branca de Biden. Cabe à EU e à Europa aguentar toda a “democracia” ocidental, enquanto passa o furacão Trump. Após a sua passagem, será novamente “Business as Usual”. Há que resistir até que seja reposto, mantendo, o mais possível, a normalidade da situação.

Desta “normalidade” depende a sobrevivência da própria União Europeia, cuja “união” foi reforçada à custa do foco ucraniano. Deixar desaparecer este foco é demasiado perigoso, quer para a EU, quer para os projectos globalistas que contam com uma EU submissa a Washington e avessa ao projecto euroasiático, projecto esse, que uma vez concretizado, mataria de morte certa o projecto hegemónico dos EUA.

Para tal desiderato, a manutenção das tensões com a Federação Russa é absolutamente essencial para não deixar morrer o próprio projecto globalista, pós-humanista e mundial federalista dos EUA, ou seja, da facção democrata e néocon. A sobrevivência desse projecto depende da polarização do discurso, da manutenção da dualidade ideológica que era típica da guerra fria e que muitos pensaram ser obra da URSS.

A dualidade ideológica da guerra fria, assente no socialismo versus capitalismo, foi substituída pela dualidade “democracias contra autocracias”, uma invenção idealista, sem adesão material, que é mais virada para conter os de dentro, do que afastar os de fora. Visa sobretudo arregimentar, uma vez mais, todos os que se consideram “democracias”, instrumentalizando a sua acção sob a liderança do partido democrata dos EUA e da ala néocon do partido republicano. Esta divisão de águas, que se julgou acabada com o fim da URSS, é fundamental para o projecto hegemónico, como forma de delimitar a sua área de influência e conter, primeiro, para cercar, depois, a área de influência que se pretender destruir e tomar.

Ainda hoje, toda esta loucura despesista, absolutamente contrastante com a austeridade que defendem para tudo o que implica garantir condições de vida dignas aos povos e com o “equilíbrio orçamental” que requerem quando se trata de investir no bem-estar e no desenvolvimento, parte muito da ideia de “overspending”, ou seja, de gastar mais do que o oponente, arrastando-o para gastos desmesurados que o desequilibrarão e farão colapsar. Acontece no armamento, nos semicondutores, em todas as tecnologias e sectores decisivos. Comos e provará, trata-se de um projecto anacrónico, que choca com a realidade mundial actual, cujas economias estão intrincadamente relacionadas, ao invés de isoladas, como foi possível fazer à URSS.

Quem assistiu ao que se passou em Munique, não deixou de perceber o confronto entre visões. Quem assistiu ao que se passou no Fórum Económico Mundial, não terá deixado de reparar o quão vivo está o projecto mundial federalista e hegemónico, identitário, individualista e globalista, defendido pelas elites europeias, pró-ocidentais, norte americanas sob liderança do partido democrata, hoje ostracizadas, do partido democrata e dos néocons dos dois partidos de poder. O que não quer dizer que Trump não tenha pretensões hegemónicas.

  1. Colocar uma farpa no processo negocial com a Federação Russa, afirmando a importância da EU e NATO, por oposição ao unilateralismo de Trump

Até há uns dias, duas organizações absolutamente proeminentes na estratégia de “contenção” das “autocracias”, encontram-se agora totalmente secundarizadas, em função desta visão mais nacionalista, bilateralista e multilateral, a que parece aderir a nova administração norte-americana. Não se pense, no entanto, que se trata de prescindir do destino manifesto e do papel liderante dos EUA. Muito pelo contrário. O reconhecimento da multipolaridade não implica a sua instrumentalização e o ganho de vantagens, bloco a bloco, através da negociação bilateral, pretendendo obter “melhores” relações com cada um dos blocos do que os blocos entre si.

Tão pouco se pode pensar que a administração Trump não preconiza também uma espécie de hegemonia, no sentido em que pretende manter o papel do dólar intocado, da influência financeira, agregando-lhe a capacidade industrial. O que se passa é que, ao contrário do projecto hegemónico mundial federalista democrata, que apostava tudo na criação  de estruturas globais, no soft power (USAID e ONG, estruturas multilaterais como a ONU, OMS e multinacionais deslocalizadas em “mercados abertos” dominados pela finança dos EUA e apoiados pelo FMI e Banco Mundial) ou hard power (bases militares e projecção militar através de porta aviões e marinha), à custa da degradação interna dos próprios EUA, o projecto Trump representa, a meu ver, um retorno ao início, um reset, um recuo a um momento em que os EUA se fortaleceram como nação, criaram estruturas internas sólidas, fizeram o seu povo acreditar no projecto e projectaram essa crença para fora, exportando-a, com o sucesso que conhecemos.

Acredito ser este o projecto Trumpista, o que se coaduna com este desprezo face à EU, à NATO, partindo de uma lógica mais unilateralista, primeiro os EUA, depois os outros. Não se pode, contudo, pensar que Biden não queria primeiro favorecer os EUA. Mas os EUA de Biden e do partido democrata são uns EUA mais urbanos, cosmopolitas, sofisticados, transnacionais, multinacionais. Os EUA do Partido Democrata são a versão para exportação. A versão Trump é para consumo interno, mais ligada ao mundo rural, às indústrias extractivas, ao operariado desempregado, aos estados-unidos profundos. De alguma forma, o partido democrata envergonha-se profundamente com esses EUA que estão no poder, os EUA que foram deixados para trás no projecto globalista, os EUA que ficaram sem emprego, os EUA brancos, cristãos, conservadores. Os EUA de Trump são aqueles estados unidos que o partido democrata quer esconder ao mundo. Daí a fragmentação interna, projectada para fora, de um partido democrata identitário, “defensor” da agenda climática, da agenda Soros, por oposição ao fechamento, proteccionismo e tradicionalismo de Trump.

Identificando-se mais com os EUA de Biden, do que com os de Trump, a EU e a NATO têm de gritar bem alto que ainda existem e fazem-no através destas reuniões e exigências que sabem ser inaceitáveis no âmbito de um diálogo sério. Trump trata-os com desprezo porque, em sentido inverso, a EU representa os EUA com que ele não se identifica. O que não quer dizer que não possa daí retirar dividendos para si e para a sua visão dos EUA.

E Trump, os EUA actuais, como olham para estas “diversões” dos líderes europeus?

A nomenclatura Trump não parece muito preocupada com estas diversões, retirando delas vantajosos resultados, admitindo eu que até possa haver algum nível de coordenação subterrânea com alguns “líderes” europeus que lhe são fiéis. Não podemos esquecer que alguns políticos convocados por Macron são de famílias políticas similares à da Trump, como o caso de Meloni, do próprio Dirk Shoof dos Países Baixos, Donald Tusk também não andará muito longe (veja-se as suas posições sobre as migrações), mas também outros como Kurz na Austria, Orban na Hungria, ou mesmo Fico que, sendo de centro esquerda, opta coerentemente por uma relação pacífica e pragmática com a Federação Russa.

Isto quer dizer que Trump tem, para já, alguns aliados no próprio seio da EU e pode vir a ter ainda mais. Assim, não é líquido que esta acção tenha o papel subversivo que muitos tentam atribuir-lhe, estando mais em linha, na minha opinião, com mais uma operação de circo cujas vítimas serão os próprios europeus, que continuarão com o futuro adiado.

Esta posição, aparentemente beligerante e irredutível do gaulês Macron e da sua EU, dá também jeito a Trump, no quadro das negociações com Vladimir Putin. Transmitir a ideia de que a Federação Russa tem de fazer concessões se quer trazer a EU a bordo e que a entrada desta no processo é essencial, constituirá, também, uma forma de exercer pressão negocial sobre o oponente. Se Putin e os seus serão sensíveis à pressão, tenho dúvidas. Menos dúvidas tenho de que Trump tente usar este instrumento.

Desta forma, Trump e a sua facção no poder continuarão impávidos e serenos, pois para além da vingança que serviu à EU de von der Leyen, vê aqueles que disseram estar contra ele, comprar-lhe o gás mais caro que há para comprar e, sobretudo, prometer duplicar-lhe a venda de armas, tal como o próprio havia exigido, pessoal e através de interposta pessoa. Enquanto Macron e a EU andarem neste circo, Trump estará confiante de que os 5% do PIB serão atingidos. Aliás, sendo o PIB da EU na casa dos 18 milhões de milhões de euros, 5% deste valor são 900 mil milhões de euros. Em 2026, como referi anteriormente, a EU espera despender mais de 600 mil milhões, sem contar com o aumento massivo proposto por von der Leyen e Baerbock e com os aumentos de cada um dos estados membros para a OTAN.

Concluindo, as posições não são tão contraditórias como se possa pensar à primeira vista. Os “líderes” europeus eram obrigados a reagir e a mostrar algum nível e autonomia. Mas não é a Ucrânia que Macron e os seus tentam salvar… Nunca foi, como sabemos.  O que tentam salvar é o negócio das armas, naquele que é o investimento mais brutal desde a segunda guerra mundial. E como quem investe em armas, terá de as utilizar…

Teremos uma europa à mercê de um canibal complexo militar-industrial, com os danos que conhecemos na história europeia e os danos que conhecemos, sofridos pelo povo norte americano, à mercê do mesmo complexo que agora muda a sua agulha para o outro lado do atlântico!

“Líderes” europeus querem salvar o jackpot militar multimilionário

Escreva para nós: info@strategic-culture.su

É mesmo assim: as crianças deslocaram-se à Eurodisney a Paris, os adultos foram a Riade, à Arábia Saudita. A colagem parece exagerada, mas não é, porque a grande questão que se coloca perante esta atitude dos “líderes” europeus, é a seguinte: em que medida, a resistência ao processo diplomático iniciado entre EUA e Federação Russa, não passará de uma mera manobra de diversão, de um circo, com o intuito de uma vez mais, justificar os avultados investimentos militares anunciados, congelar a situação de conflito e a tensão subjacente, bem como, salvar a face dos “líderes” europeus?

Na primeira das reuniões, Macron convocou os pesos pesados da EU. França, Alemanha, Reino Unido, Itália, Espanha, Polónia, Países Baixos, Dinamarca (por causa da Groenlândia?) e os dois apêndices António Costa e von der Leyen. Os resultados, já se sabe, foram classificados na imprensa nacional como “decepcionantes”, não tendo esta gente logrado obter um consenso.

Não se convencendo, Macron, na segunda das reuniões, convocou estados mais secundários, mas, com excepção da Bélgica, estados com algum tipo de proximidade à Federação Russa, geográfica, cultural ou económica. Os escolhidos foram a Noruega, Canadá, Estados Bálticos, República Tcheca, Grécia, Finlândia, Romênia, Suécia e Bélgica. Portugal ficou de fora, colocado ao nível de Malta, Chipre, Irlanda, Eslovénia ou Croácia. Eslováquia e Hungria não contam para estas coisas. Tivesse tido sucesso e Macron ainda voltaria à carga com uma terceira leva de estados “europeus” de terceira categoria.

Não se tratou, na minha opinião, de declaradamente tentar boicotar o processo de paz ou as negociações entre dois competidores directos, um deles inimigo declarado, outro, o ainda comandante deste grande navio ocidental. Trata-se de muito mais do que isso, num intrincado de objectivos que vão da salvação pessoal à salvação política, como instrumentos de salvação de toda uma dinâmica de interesses associados ao conflito ucraniano e que não desapareceram com a eleição de Trump.

Durante três anos, estes “líderes” venderam que tudo se tratou de uma “brutal invasão em larga escala e não provocada” da Ucrânia, operada pela Federação Russa; o ocidente liderado pelos EUA não teve nenhuma responsabilidade ou provocou tal “invasão”; a “invasão” foi responsabilidade exclusiva de um “ditador” terrível chamado Vladimir Putin; um “isolado” e “acossado” Putin, que encontrou por parte do ocidente uma resposta decisiva, unida e determinada. Ainda hoje, contra todas as evidências, Zelensky diz que Trump quer retirar a Rússia do “isolamento internacional”, não se apercebendo que, com tal discurso, aliena, ele próprio, as relações internacionais do país que tiraniza.

A alimentação da lógica da ameaça russa, associada à incapacidade de fornecer à Ucrânia as armas de que esta necessitava, foi construindo, no espaço mediático, a guilhotina que colocada sobre as nossas cabeças, justificou o aumento dos gastos militares, repercutida, por exemplo, na proposta europeia de utilizar fundos comunitários europeus, para constituir um verdadeiro complexo militar-industrial, desdizendo regras que antes eram tidas como estáveis e que assentavam na ideia de que os fundos estruturais da EU se destinavam à coesão, ao desenvolvimento e à construção europeia. O jackpot resultante deste processo de escalada psicológica situa-se na casa dos milhões de milhões de euros e representa o maior aumento do investimento militar desde a segunda guerra mundial, num espaço económico em crise profunda, política, cultural e de identidade.

Se há uns meses já haviam sido previstos por von der Leyen enormes aumentos no financiamento da defesa, atingindo os 326 mil milhões em 2024, depois de um aumento de 31% em relação a 2023, prevê-se que, até 2026, através do sistema de coordenação europeu para a defesa, se atinja o montante anual de 614 mil milhões de euros, e com tendência para subir. Estamos apenas a falar da União Europeia, que destina para os fundos estruturais cerca de um milhão de milhões de euros, ou seja, pouco mais de 30% do montante que se prever gastar anualmente em defesa, mas para 7 anos. A EU pretende gastar em cada ano, só para a defesa, quase o mesmo que gasta para o desenvolvimento e coesão em 7 anos, ou 3 ou 4 vezes mais do que gasta para o Fundo Social Europeu que trata da desigualdade e combate à pobreza. E isto sucede num quadro de crescente austeridade económica, declínio nas condições de vida dos povos e descida nos padrões europeus de desenvolvimento.

Tendo sido atirada para um canto, von der Leyen após a reunião com Peter Hegseth em Bruxelas, aparece agora queer dar prova de vida ao anunciar um “aumento massivo nos gastos com a defesa”, prevendo a alteração das regras burocráticas para facilitar o esbanjamento descarado. Como se gritasse “Sr. Trump, olhe para mim que lhe compro muitas armas”.  Não admira que o WSJ venha reportar um aumento do valor das acções ligadas ao sector europeu da defesa, após as conversações para o aumento das despesas militares no quadro da NATO. É, portanto, fácil de ver o que está por detrás de toda esta emergência de Macron.

Para se perceber a gravidade da situação, a loucura que guia os pensamentos e percepções desta gente e o papel miserável que cumprem, Analena Baerbock deu-nos um vislumbre do que vai nas suas mentes doentias ao anunciar “um pacote de ajuda nunca visto”, à Ucrânia, no valor de 700 mil milhões de euros! Para matar e morrer, aplica-se o mesmo valor que esta gente aprovou, para toda a União Europeia, como instrumento de recuperação do Covid-19 para 5 anos!

Ora, tendo como perspectiva o que está realmente em causa, podemos resumir em quatro ideias muito simples o que pretendem Macron e os “líderes” europeus, com toda esta azáfama e a tentativa de fazer entrar em cena uma “força europeia de Paz”:

  1. Manter as tensões com a Federação Russa, como forma de manter em aberto um conflito e justificar o jackpot armamentista

Mesmo sabendo a EU que neste momento não pode enfrentar a Federação Russa, sabendo que sem a “liderança” dos EUA, dificilmente a EU teria da NATO o apoio necessário a um empreendimento desta natureza e sabendo estar a europa, e a EU, a ser relegada para um lugar secundário nesta história, lugar esse que sempre ocupou, muito investimento foi prometido, ao longo do tempo, em armamento, envolvendo as maiores empresas e conglomerados industriais europeus. Os quais, como sabemos, têm profundas relações de capital com interesses norte americanos.

Perante a vitória da facção Trump, a facção democrata, chefiada por Biden, viu relegada para um plano secundário a sua importância nos negócios multimilionários na área da defesa. Neste momento, a facção trumpista direcciona os seus fundos para os sectores que o apoiaram, tendo aberto uma guerra ao próprio pentágono. Quer dizer isto que se vai gastar menos na defesa? Não! Quer dizer que Trump irá criar os seus circuitos de confiança e apoio, nos quais os europeus terão de se integrar. Macron e Starmer já têm reunião marcada para coordenar esses e outros aspectos.

Para os “investidores” por detrás da facção democrata e por detrás da nomenclatura de “líderes” europeus filiados ideologicamente no que hoje representa o Partido Democrata dos EUA, o dinheiro prometido é visto como já estando nos seus bolsos, porventura até tendo servido já de base para investimentos em futuros e derivados. Tudo tem de ser feito para que esses negócios nãos e percam. É este o papel destes “líderes”.

Não se pode também afastar a possibilidade de muitos destes “investidores” pretenderem congelar a realidade europeia, numa espécie de suspensão, passando ao conflito latente, aproveitando o negócio imediato, mas perspectivando que, daqui a 4 anos, seja possível voltar à confrontação com a Federação Russa, país onde está tradicionalmente depositada a salvação das economias europeias ocidentais.

  1. Salvar a face política dos “líderes” europeus perante os povos que dizem representar

Considerando que a Federação Russa rejeitou a presença de tropas de paz na Ucrânia, a verdade é que a construção desta exigência representava essa intenção de boicote do plano de paz. Contudo, penso que esta pretensão não surge porque a Europa e Macron têm uma visão própria sobre o assunto. Estes “líderes” necessitam, sobretudo, de uma narrativa que não os deixe desarmados perante os seus eleitores, seja para se cumprir o primeiro objectivo, justificando os avultados investimentos militares, seja porque não podem, agora, simplesmente, deixar avançar a paz, quando andaram três anos a vender a guerra.

Vejamos, estamos a falar de líderes que há uns dias não tinham qualquer dúvida de que a guerra deveria continuar e que negociar com Vladimir Putin era inaceitável. Estes “líderes”, mesmo após a tomada de posse de Trump, mantinham a esperança de que a guerra continuaria, que o iriam convencer, com a compra de armas e com as reservas minerais prometidas pelo usurpador de Kiev, a abandonar a ideia de colocar um fim no conflito.

Para estes “líderes”, falar de envio de uma força europeia de paz, a qual sabem ser inaceitável para a Federação Russa, representava já, para que souber ler, um sinal de assumida derrota. Para fora e para o espaço mediático, ficaria sempre a narrativa de que “a europa” impôs a Putin, uma força europeia na Ucrânia, que representa uma presença efectiva da NATO, o que constitui o principal motivo da guerra. Era a “derrota” de Putin que estes “líderes” necessitavam de apresentar. Contudo, a divisão da europa é tão profunda que, à falta do denominador comum representado pelo partido democrata, logo se desfez o consenso.

Depois de tanto negarem que eram os EUA e o clã Biden quem estava por detrás do conflito, aceitarem sacrificar a economia europeia e agravarem tudo, com a imposição e gastos militares impensáveis, vem agora Trump desfazer toda a narrativa, colocando os EUA na frente das negociações, tratando os “líderes” europeus como acessórios. Trump saberá que não passam de meros procuradores dos interesses dos EUA e trata-os como tal, determinando, até o momento em que subirão ao barco das negociações.

A Ucrânia era o campo de batalha em que se confrontariam três competidores, do qual só estava previsto que saísse um vencedor, os EUA. Passados três anos, parece que só será derrotado, a EU.

  1. Garantir a sobrevivência do projecto globalista, hegemónico preconizado pelos EUA

A tentativa dos “líderes” europeus em substituir o investimento norte-americano na Ucrânia, tal como já havia programado a facção Biden, comprova o caracter subalterno da EU em toda esta trama. A EU e as “lideranças” europeias continuam a cumprir as directrizes iniciais, aplicando no terreno as orientações estabelecidas pela Casa Branca de Biden. Cabe à EU e à Europa aguentar toda a “democracia” ocidental, enquanto passa o furacão Trump. Após a sua passagem, será novamente “Business as Usual”. Há que resistir até que seja reposto, mantendo, o mais possível, a normalidade da situação.

Desta “normalidade” depende a sobrevivência da própria União Europeia, cuja “união” foi reforçada à custa do foco ucraniano. Deixar desaparecer este foco é demasiado perigoso, quer para a EU, quer para os projectos globalistas que contam com uma EU submissa a Washington e avessa ao projecto euroasiático, projecto esse, que uma vez concretizado, mataria de morte certa o projecto hegemónico dos EUA.

Para tal desiderato, a manutenção das tensões com a Federação Russa é absolutamente essencial para não deixar morrer o próprio projecto globalista, pós-humanista e mundial federalista dos EUA, ou seja, da facção democrata e néocon. A sobrevivência desse projecto depende da polarização do discurso, da manutenção da dualidade ideológica que era típica da guerra fria e que muitos pensaram ser obra da URSS.

A dualidade ideológica da guerra fria, assente no socialismo versus capitalismo, foi substituída pela dualidade “democracias contra autocracias”, uma invenção idealista, sem adesão material, que é mais virada para conter os de dentro, do que afastar os de fora. Visa sobretudo arregimentar, uma vez mais, todos os que se consideram “democracias”, instrumentalizando a sua acção sob a liderança do partido democrata dos EUA e da ala néocon do partido republicano. Esta divisão de águas, que se julgou acabada com o fim da URSS, é fundamental para o projecto hegemónico, como forma de delimitar a sua área de influência e conter, primeiro, para cercar, depois, a área de influência que se pretender destruir e tomar.

Ainda hoje, toda esta loucura despesista, absolutamente contrastante com a austeridade que defendem para tudo o que implica garantir condições de vida dignas aos povos e com o “equilíbrio orçamental” que requerem quando se trata de investir no bem-estar e no desenvolvimento, parte muito da ideia de “overspending”, ou seja, de gastar mais do que o oponente, arrastando-o para gastos desmesurados que o desequilibrarão e farão colapsar. Acontece no armamento, nos semicondutores, em todas as tecnologias e sectores decisivos. Comos e provará, trata-se de um projecto anacrónico, que choca com a realidade mundial actual, cujas economias estão intrincadamente relacionadas, ao invés de isoladas, como foi possível fazer à URSS.

Quem assistiu ao que se passou em Munique, não deixou de perceber o confronto entre visões. Quem assistiu ao que se passou no Fórum Económico Mundial, não terá deixado de reparar o quão vivo está o projecto mundial federalista e hegemónico, identitário, individualista e globalista, defendido pelas elites europeias, pró-ocidentais, norte americanas sob liderança do partido democrata, hoje ostracizadas, do partido democrata e dos néocons dos dois partidos de poder. O que não quer dizer que Trump não tenha pretensões hegemónicas.

  1. Colocar uma farpa no processo negocial com a Federação Russa, afirmando a importância da EU e NATO, por oposição ao unilateralismo de Trump

Até há uns dias, duas organizações absolutamente proeminentes na estratégia de “contenção” das “autocracias”, encontram-se agora totalmente secundarizadas, em função desta visão mais nacionalista, bilateralista e multilateral, a que parece aderir a nova administração norte-americana. Não se pense, no entanto, que se trata de prescindir do destino manifesto e do papel liderante dos EUA. Muito pelo contrário. O reconhecimento da multipolaridade não implica a sua instrumentalização e o ganho de vantagens, bloco a bloco, através da negociação bilateral, pretendendo obter “melhores” relações com cada um dos blocos do que os blocos entre si.

Tão pouco se pode pensar que a administração Trump não preconiza também uma espécie de hegemonia, no sentido em que pretende manter o papel do dólar intocado, da influência financeira, agregando-lhe a capacidade industrial. O que se passa é que, ao contrário do projecto hegemónico mundial federalista democrata, que apostava tudo na criação  de estruturas globais, no soft power (USAID e ONG, estruturas multilaterais como a ONU, OMS e multinacionais deslocalizadas em “mercados abertos” dominados pela finança dos EUA e apoiados pelo FMI e Banco Mundial) ou hard power (bases militares e projecção militar através de porta aviões e marinha), à custa da degradação interna dos próprios EUA, o projecto Trump representa, a meu ver, um retorno ao início, um reset, um recuo a um momento em que os EUA se fortaleceram como nação, criaram estruturas internas sólidas, fizeram o seu povo acreditar no projecto e projectaram essa crença para fora, exportando-a, com o sucesso que conhecemos.

Acredito ser este o projecto Trumpista, o que se coaduna com este desprezo face à EU, à NATO, partindo de uma lógica mais unilateralista, primeiro os EUA, depois os outros. Não se pode, contudo, pensar que Biden não queria primeiro favorecer os EUA. Mas os EUA de Biden e do partido democrata são uns EUA mais urbanos, cosmopolitas, sofisticados, transnacionais, multinacionais. Os EUA do Partido Democrata são a versão para exportação. A versão Trump é para consumo interno, mais ligada ao mundo rural, às indústrias extractivas, ao operariado desempregado, aos estados-unidos profundos. De alguma forma, o partido democrata envergonha-se profundamente com esses EUA que estão no poder, os EUA que foram deixados para trás no projecto globalista, os EUA que ficaram sem emprego, os EUA brancos, cristãos, conservadores. Os EUA de Trump são aqueles estados unidos que o partido democrata quer esconder ao mundo. Daí a fragmentação interna, projectada para fora, de um partido democrata identitário, “defensor” da agenda climática, da agenda Soros, por oposição ao fechamento, proteccionismo e tradicionalismo de Trump.

Identificando-se mais com os EUA de Biden, do que com os de Trump, a EU e a NATO têm de gritar bem alto que ainda existem e fazem-no através destas reuniões e exigências que sabem ser inaceitáveis no âmbito de um diálogo sério. Trump trata-os com desprezo porque, em sentido inverso, a EU representa os EUA com que ele não se identifica. O que não quer dizer que não possa daí retirar dividendos para si e para a sua visão dos EUA.

E Trump, os EUA actuais, como olham para estas “diversões” dos líderes europeus?

A nomenclatura Trump não parece muito preocupada com estas diversões, retirando delas vantajosos resultados, admitindo eu que até possa haver algum nível de coordenação subterrânea com alguns “líderes” europeus que lhe são fiéis. Não podemos esquecer que alguns políticos convocados por Macron são de famílias políticas similares à da Trump, como o caso de Meloni, do próprio Dirk Shoof dos Países Baixos, Donald Tusk também não andará muito longe (veja-se as suas posições sobre as migrações), mas também outros como Kurz na Austria, Orban na Hungria, ou mesmo Fico que, sendo de centro esquerda, opta coerentemente por uma relação pacífica e pragmática com a Federação Russa.

Isto quer dizer que Trump tem, para já, alguns aliados no próprio seio da EU e pode vir a ter ainda mais. Assim, não é líquido que esta acção tenha o papel subversivo que muitos tentam atribuir-lhe, estando mais em linha, na minha opinião, com mais uma operação de circo cujas vítimas serão os próprios europeus, que continuarão com o futuro adiado.

Esta posição, aparentemente beligerante e irredutível do gaulês Macron e da sua EU, dá também jeito a Trump, no quadro das negociações com Vladimir Putin. Transmitir a ideia de que a Federação Russa tem de fazer concessões se quer trazer a EU a bordo e que a entrada desta no processo é essencial, constituirá, também, uma forma de exercer pressão negocial sobre o oponente. Se Putin e os seus serão sensíveis à pressão, tenho dúvidas. Menos dúvidas tenho de que Trump tente usar este instrumento.

Desta forma, Trump e a sua facção no poder continuarão impávidos e serenos, pois para além da vingança que serviu à EU de von der Leyen, vê aqueles que disseram estar contra ele, comprar-lhe o gás mais caro que há para comprar e, sobretudo, prometer duplicar-lhe a venda de armas, tal como o próprio havia exigido, pessoal e através de interposta pessoa. Enquanto Macron e a EU andarem neste circo, Trump estará confiante de que os 5% do PIB serão atingidos. Aliás, sendo o PIB da EU na casa dos 18 milhões de milhões de euros, 5% deste valor são 900 mil milhões de euros. Em 2026, como referi anteriormente, a EU espera despender mais de 600 mil milhões, sem contar com o aumento massivo proposto por von der Leyen e Baerbock e com os aumentos de cada um dos estados membros para a OTAN.

Concluindo, as posições não são tão contraditórias como se possa pensar à primeira vista. Os “líderes” europeus eram obrigados a reagir e a mostrar algum nível e autonomia. Mas não é a Ucrânia que Macron e os seus tentam salvar… Nunca foi, como sabemos.  O que tentam salvar é o negócio das armas, naquele que é o investimento mais brutal desde a segunda guerra mundial. E como quem investe em armas, terá de as utilizar…

Teremos uma europa à mercê de um canibal complexo militar-industrial, com os danos que conhecemos na história europeia e os danos que conhecemos, sofridos pelo povo norte americano, à mercê do mesmo complexo que agora muda a sua agulha para o outro lado do atlântico!

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É mesmo assim: as crianças deslocaram-se à Eurodisney a Paris, os adultos foram a Riade, à Arábia Saudita. A colagem parece exagerada, mas não é, porque a grande questão que se coloca perante esta atitude dos “líderes” europeus, é a seguinte: em que medida, a resistência ao processo diplomático iniciado entre EUA e Federação Russa, não passará de uma mera manobra de diversão, de um circo, com o intuito de uma vez mais, justificar os avultados investimentos militares anunciados, congelar a situação de conflito e a tensão subjacente, bem como, salvar a face dos “líderes” europeus?

Na primeira das reuniões, Macron convocou os pesos pesados da EU. França, Alemanha, Reino Unido, Itália, Espanha, Polónia, Países Baixos, Dinamarca (por causa da Groenlândia?) e os dois apêndices António Costa e von der Leyen. Os resultados, já se sabe, foram classificados na imprensa nacional como “decepcionantes”, não tendo esta gente logrado obter um consenso.

Não se convencendo, Macron, na segunda das reuniões, convocou estados mais secundários, mas, com excepção da Bélgica, estados com algum tipo de proximidade à Federação Russa, geográfica, cultural ou económica. Os escolhidos foram a Noruega, Canadá, Estados Bálticos, República Tcheca, Grécia, Finlândia, Romênia, Suécia e Bélgica. Portugal ficou de fora, colocado ao nível de Malta, Chipre, Irlanda, Eslovénia ou Croácia. Eslováquia e Hungria não contam para estas coisas. Tivesse tido sucesso e Macron ainda voltaria à carga com uma terceira leva de estados “europeus” de terceira categoria.

Não se tratou, na minha opinião, de declaradamente tentar boicotar o processo de paz ou as negociações entre dois competidores directos, um deles inimigo declarado, outro, o ainda comandante deste grande navio ocidental. Trata-se de muito mais do que isso, num intrincado de objectivos que vão da salvação pessoal à salvação política, como instrumentos de salvação de toda uma dinâmica de interesses associados ao conflito ucraniano e que não desapareceram com a eleição de Trump.

Durante três anos, estes “líderes” venderam que tudo se tratou de uma “brutal invasão em larga escala e não provocada” da Ucrânia, operada pela Federação Russa; o ocidente liderado pelos EUA não teve nenhuma responsabilidade ou provocou tal “invasão”; a “invasão” foi responsabilidade exclusiva de um “ditador” terrível chamado Vladimir Putin; um “isolado” e “acossado” Putin, que encontrou por parte do ocidente uma resposta decisiva, unida e determinada. Ainda hoje, contra todas as evidências, Zelensky diz que Trump quer retirar a Rússia do “isolamento internacional”, não se apercebendo que, com tal discurso, aliena, ele próprio, as relações internacionais do país que tiraniza.

A alimentação da lógica da ameaça russa, associada à incapacidade de fornecer à Ucrânia as armas de que esta necessitava, foi construindo, no espaço mediático, a guilhotina que colocada sobre as nossas cabeças, justificou o aumento dos gastos militares, repercutida, por exemplo, na proposta europeia de utilizar fundos comunitários europeus, para constituir um verdadeiro complexo militar-industrial, desdizendo regras que antes eram tidas como estáveis e que assentavam na ideia de que os fundos estruturais da EU se destinavam à coesão, ao desenvolvimento e à construção europeia. O jackpot resultante deste processo de escalada psicológica situa-se na casa dos milhões de milhões de euros e representa o maior aumento do investimento militar desde a segunda guerra mundial, num espaço económico em crise profunda, política, cultural e de identidade.

Se há uns meses já haviam sido previstos por von der Leyen enormes aumentos no financiamento da defesa, atingindo os 326 mil milhões em 2024, depois de um aumento de 31% em relação a 2023, prevê-se que, até 2026, através do sistema de coordenação europeu para a defesa, se atinja o montante anual de 614 mil milhões de euros, e com tendência para subir. Estamos apenas a falar da União Europeia, que destina para os fundos estruturais cerca de um milhão de milhões de euros, ou seja, pouco mais de 30% do montante que se prever gastar anualmente em defesa, mas para 7 anos. A EU pretende gastar em cada ano, só para a defesa, quase o mesmo que gasta para o desenvolvimento e coesão em 7 anos, ou 3 ou 4 vezes mais do que gasta para o Fundo Social Europeu que trata da desigualdade e combate à pobreza. E isto sucede num quadro de crescente austeridade económica, declínio nas condições de vida dos povos e descida nos padrões europeus de desenvolvimento.

Tendo sido atirada para um canto, von der Leyen após a reunião com Peter Hegseth em Bruxelas, aparece agora queer dar prova de vida ao anunciar um “aumento massivo nos gastos com a defesa”, prevendo a alteração das regras burocráticas para facilitar o esbanjamento descarado. Como se gritasse “Sr. Trump, olhe para mim que lhe compro muitas armas”.  Não admira que o WSJ venha reportar um aumento do valor das acções ligadas ao sector europeu da defesa, após as conversações para o aumento das despesas militares no quadro da NATO. É, portanto, fácil de ver o que está por detrás de toda esta emergência de Macron.

Para se perceber a gravidade da situação, a loucura que guia os pensamentos e percepções desta gente e o papel miserável que cumprem, Analena Baerbock deu-nos um vislumbre do que vai nas suas mentes doentias ao anunciar “um pacote de ajuda nunca visto”, à Ucrânia, no valor de 700 mil milhões de euros! Para matar e morrer, aplica-se o mesmo valor que esta gente aprovou, para toda a União Europeia, como instrumento de recuperação do Covid-19 para 5 anos!

Ora, tendo como perspectiva o que está realmente em causa, podemos resumir em quatro ideias muito simples o que pretendem Macron e os “líderes” europeus, com toda esta azáfama e a tentativa de fazer entrar em cena uma “força europeia de Paz”:

  1. Manter as tensões com a Federação Russa, como forma de manter em aberto um conflito e justificar o jackpot armamentista

Mesmo sabendo a EU que neste momento não pode enfrentar a Federação Russa, sabendo que sem a “liderança” dos EUA, dificilmente a EU teria da NATO o apoio necessário a um empreendimento desta natureza e sabendo estar a europa, e a EU, a ser relegada para um lugar secundário nesta história, lugar esse que sempre ocupou, muito investimento foi prometido, ao longo do tempo, em armamento, envolvendo as maiores empresas e conglomerados industriais europeus. Os quais, como sabemos, têm profundas relações de capital com interesses norte americanos.

Perante a vitória da facção Trump, a facção democrata, chefiada por Biden, viu relegada para um plano secundário a sua importância nos negócios multimilionários na área da defesa. Neste momento, a facção trumpista direcciona os seus fundos para os sectores que o apoiaram, tendo aberto uma guerra ao próprio pentágono. Quer dizer isto que se vai gastar menos na defesa? Não! Quer dizer que Trump irá criar os seus circuitos de confiança e apoio, nos quais os europeus terão de se integrar. Macron e Starmer já têm reunião marcada para coordenar esses e outros aspectos.

Para os “investidores” por detrás da facção democrata e por detrás da nomenclatura de “líderes” europeus filiados ideologicamente no que hoje representa o Partido Democrata dos EUA, o dinheiro prometido é visto como já estando nos seus bolsos, porventura até tendo servido já de base para investimentos em futuros e derivados. Tudo tem de ser feito para que esses negócios nãos e percam. É este o papel destes “líderes”.

Não se pode também afastar a possibilidade de muitos destes “investidores” pretenderem congelar a realidade europeia, numa espécie de suspensão, passando ao conflito latente, aproveitando o negócio imediato, mas perspectivando que, daqui a 4 anos, seja possível voltar à confrontação com a Federação Russa, país onde está tradicionalmente depositada a salvação das economias europeias ocidentais.

  1. Salvar a face política dos “líderes” europeus perante os povos que dizem representar

Considerando que a Federação Russa rejeitou a presença de tropas de paz na Ucrânia, a verdade é que a construção desta exigência representava essa intenção de boicote do plano de paz. Contudo, penso que esta pretensão não surge porque a Europa e Macron têm uma visão própria sobre o assunto. Estes “líderes” necessitam, sobretudo, de uma narrativa que não os deixe desarmados perante os seus eleitores, seja para se cumprir o primeiro objectivo, justificando os avultados investimentos militares, seja porque não podem, agora, simplesmente, deixar avançar a paz, quando andaram três anos a vender a guerra.

Vejamos, estamos a falar de líderes que há uns dias não tinham qualquer dúvida de que a guerra deveria continuar e que negociar com Vladimir Putin era inaceitável. Estes “líderes”, mesmo após a tomada de posse de Trump, mantinham a esperança de que a guerra continuaria, que o iriam convencer, com a compra de armas e com as reservas minerais prometidas pelo usurpador de Kiev, a abandonar a ideia de colocar um fim no conflito.

Para estes “líderes”, falar de envio de uma força europeia de paz, a qual sabem ser inaceitável para a Federação Russa, representava já, para que souber ler, um sinal de assumida derrota. Para fora e para o espaço mediático, ficaria sempre a narrativa de que “a europa” impôs a Putin, uma força europeia na Ucrânia, que representa uma presença efectiva da NATO, o que constitui o principal motivo da guerra. Era a “derrota” de Putin que estes “líderes” necessitavam de apresentar. Contudo, a divisão da europa é tão profunda que, à falta do denominador comum representado pelo partido democrata, logo se desfez o consenso.

Depois de tanto negarem que eram os EUA e o clã Biden quem estava por detrás do conflito, aceitarem sacrificar a economia europeia e agravarem tudo, com a imposição e gastos militares impensáveis, vem agora Trump desfazer toda a narrativa, colocando os EUA na frente das negociações, tratando os “líderes” europeus como acessórios. Trump saberá que não passam de meros procuradores dos interesses dos EUA e trata-os como tal, determinando, até o momento em que subirão ao barco das negociações.

A Ucrânia era o campo de batalha em que se confrontariam três competidores, do qual só estava previsto que saísse um vencedor, os EUA. Passados três anos, parece que só será derrotado, a EU.

  1. Garantir a sobrevivência do projecto globalista, hegemónico preconizado pelos EUA

A tentativa dos “líderes” europeus em substituir o investimento norte-americano na Ucrânia, tal como já havia programado a facção Biden, comprova o caracter subalterno da EU em toda esta trama. A EU e as “lideranças” europeias continuam a cumprir as directrizes iniciais, aplicando no terreno as orientações estabelecidas pela Casa Branca de Biden. Cabe à EU e à Europa aguentar toda a “democracia” ocidental, enquanto passa o furacão Trump. Após a sua passagem, será novamente “Business as Usual”. Há que resistir até que seja reposto, mantendo, o mais possível, a normalidade da situação.

Desta “normalidade” depende a sobrevivência da própria União Europeia, cuja “união” foi reforçada à custa do foco ucraniano. Deixar desaparecer este foco é demasiado perigoso, quer para a EU, quer para os projectos globalistas que contam com uma EU submissa a Washington e avessa ao projecto euroasiático, projecto esse, que uma vez concretizado, mataria de morte certa o projecto hegemónico dos EUA.

Para tal desiderato, a manutenção das tensões com a Federação Russa é absolutamente essencial para não deixar morrer o próprio projecto globalista, pós-humanista e mundial federalista dos EUA, ou seja, da facção democrata e néocon. A sobrevivência desse projecto depende da polarização do discurso, da manutenção da dualidade ideológica que era típica da guerra fria e que muitos pensaram ser obra da URSS.

A dualidade ideológica da guerra fria, assente no socialismo versus capitalismo, foi substituída pela dualidade “democracias contra autocracias”, uma invenção idealista, sem adesão material, que é mais virada para conter os de dentro, do que afastar os de fora. Visa sobretudo arregimentar, uma vez mais, todos os que se consideram “democracias”, instrumentalizando a sua acção sob a liderança do partido democrata dos EUA e da ala néocon do partido republicano. Esta divisão de águas, que se julgou acabada com o fim da URSS, é fundamental para o projecto hegemónico, como forma de delimitar a sua área de influência e conter, primeiro, para cercar, depois, a área de influência que se pretender destruir e tomar.

Ainda hoje, toda esta loucura despesista, absolutamente contrastante com a austeridade que defendem para tudo o que implica garantir condições de vida dignas aos povos e com o “equilíbrio orçamental” que requerem quando se trata de investir no bem-estar e no desenvolvimento, parte muito da ideia de “overspending”, ou seja, de gastar mais do que o oponente, arrastando-o para gastos desmesurados que o desequilibrarão e farão colapsar. Acontece no armamento, nos semicondutores, em todas as tecnologias e sectores decisivos. Comos e provará, trata-se de um projecto anacrónico, que choca com a realidade mundial actual, cujas economias estão intrincadamente relacionadas, ao invés de isoladas, como foi possível fazer à URSS.

Quem assistiu ao que se passou em Munique, não deixou de perceber o confronto entre visões. Quem assistiu ao que se passou no Fórum Económico Mundial, não terá deixado de reparar o quão vivo está o projecto mundial federalista e hegemónico, identitário, individualista e globalista, defendido pelas elites europeias, pró-ocidentais, norte americanas sob liderança do partido democrata, hoje ostracizadas, do partido democrata e dos néocons dos dois partidos de poder. O que não quer dizer que Trump não tenha pretensões hegemónicas.

  1. Colocar uma farpa no processo negocial com a Federação Russa, afirmando a importância da EU e NATO, por oposição ao unilateralismo de Trump

Até há uns dias, duas organizações absolutamente proeminentes na estratégia de “contenção” das “autocracias”, encontram-se agora totalmente secundarizadas, em função desta visão mais nacionalista, bilateralista e multilateral, a que parece aderir a nova administração norte-americana. Não se pense, no entanto, que se trata de prescindir do destino manifesto e do papel liderante dos EUA. Muito pelo contrário. O reconhecimento da multipolaridade não implica a sua instrumentalização e o ganho de vantagens, bloco a bloco, através da negociação bilateral, pretendendo obter “melhores” relações com cada um dos blocos do que os blocos entre si.

Tão pouco se pode pensar que a administração Trump não preconiza também uma espécie de hegemonia, no sentido em que pretende manter o papel do dólar intocado, da influência financeira, agregando-lhe a capacidade industrial. O que se passa é que, ao contrário do projecto hegemónico mundial federalista democrata, que apostava tudo na criação  de estruturas globais, no soft power (USAID e ONG, estruturas multilaterais como a ONU, OMS e multinacionais deslocalizadas em “mercados abertos” dominados pela finança dos EUA e apoiados pelo FMI e Banco Mundial) ou hard power (bases militares e projecção militar através de porta aviões e marinha), à custa da degradação interna dos próprios EUA, o projecto Trump representa, a meu ver, um retorno ao início, um reset, um recuo a um momento em que os EUA se fortaleceram como nação, criaram estruturas internas sólidas, fizeram o seu povo acreditar no projecto e projectaram essa crença para fora, exportando-a, com o sucesso que conhecemos.

Acredito ser este o projecto Trumpista, o que se coaduna com este desprezo face à EU, à NATO, partindo de uma lógica mais unilateralista, primeiro os EUA, depois os outros. Não se pode, contudo, pensar que Biden não queria primeiro favorecer os EUA. Mas os EUA de Biden e do partido democrata são uns EUA mais urbanos, cosmopolitas, sofisticados, transnacionais, multinacionais. Os EUA do Partido Democrata são a versão para exportação. A versão Trump é para consumo interno, mais ligada ao mundo rural, às indústrias extractivas, ao operariado desempregado, aos estados-unidos profundos. De alguma forma, o partido democrata envergonha-se profundamente com esses EUA que estão no poder, os EUA que foram deixados para trás no projecto globalista, os EUA que ficaram sem emprego, os EUA brancos, cristãos, conservadores. Os EUA de Trump são aqueles estados unidos que o partido democrata quer esconder ao mundo. Daí a fragmentação interna, projectada para fora, de um partido democrata identitário, “defensor” da agenda climática, da agenda Soros, por oposição ao fechamento, proteccionismo e tradicionalismo de Trump.

Identificando-se mais com os EUA de Biden, do que com os de Trump, a EU e a NATO têm de gritar bem alto que ainda existem e fazem-no através destas reuniões e exigências que sabem ser inaceitáveis no âmbito de um diálogo sério. Trump trata-os com desprezo porque, em sentido inverso, a EU representa os EUA com que ele não se identifica. O que não quer dizer que não possa daí retirar dividendos para si e para a sua visão dos EUA.

E Trump, os EUA actuais, como olham para estas “diversões” dos líderes europeus?

A nomenclatura Trump não parece muito preocupada com estas diversões, retirando delas vantajosos resultados, admitindo eu que até possa haver algum nível de coordenação subterrânea com alguns “líderes” europeus que lhe são fiéis. Não podemos esquecer que alguns políticos convocados por Macron são de famílias políticas similares à da Trump, como o caso de Meloni, do próprio Dirk Shoof dos Países Baixos, Donald Tusk também não andará muito longe (veja-se as suas posições sobre as migrações), mas também outros como Kurz na Austria, Orban na Hungria, ou mesmo Fico que, sendo de centro esquerda, opta coerentemente por uma relação pacífica e pragmática com a Federação Russa.

Isto quer dizer que Trump tem, para já, alguns aliados no próprio seio da EU e pode vir a ter ainda mais. Assim, não é líquido que esta acção tenha o papel subversivo que muitos tentam atribuir-lhe, estando mais em linha, na minha opinião, com mais uma operação de circo cujas vítimas serão os próprios europeus, que continuarão com o futuro adiado.

Esta posição, aparentemente beligerante e irredutível do gaulês Macron e da sua EU, dá também jeito a Trump, no quadro das negociações com Vladimir Putin. Transmitir a ideia de que a Federação Russa tem de fazer concessões se quer trazer a EU a bordo e que a entrada desta no processo é essencial, constituirá, também, uma forma de exercer pressão negocial sobre o oponente. Se Putin e os seus serão sensíveis à pressão, tenho dúvidas. Menos dúvidas tenho de que Trump tente usar este instrumento.

Desta forma, Trump e a sua facção no poder continuarão impávidos e serenos, pois para além da vingança que serviu à EU de von der Leyen, vê aqueles que disseram estar contra ele, comprar-lhe o gás mais caro que há para comprar e, sobretudo, prometer duplicar-lhe a venda de armas, tal como o próprio havia exigido, pessoal e através de interposta pessoa. Enquanto Macron e a EU andarem neste circo, Trump estará confiante de que os 5% do PIB serão atingidos. Aliás, sendo o PIB da EU na casa dos 18 milhões de milhões de euros, 5% deste valor são 900 mil milhões de euros. Em 2026, como referi anteriormente, a EU espera despender mais de 600 mil milhões, sem contar com o aumento massivo proposto por von der Leyen e Baerbock e com os aumentos de cada um dos estados membros para a OTAN.

Concluindo, as posições não são tão contraditórias como se possa pensar à primeira vista. Os “líderes” europeus eram obrigados a reagir e a mostrar algum nível e autonomia. Mas não é a Ucrânia que Macron e os seus tentam salvar… Nunca foi, como sabemos.  O que tentam salvar é o negócio das armas, naquele que é o investimento mais brutal desde a segunda guerra mundial. E como quem investe em armas, terá de as utilizar…

Teremos uma europa à mercê de um canibal complexo militar-industrial, com os danos que conhecemos na história europeia e os danos que conhecemos, sofridos pelo povo norte americano, à mercê do mesmo complexo que agora muda a sua agulha para o outro lado do atlântico!

The views of individual contributors do not necessarily represent those of the Strategic Culture Foundation.

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