Hoje, o império onde o sol nunca se punha não passa de nostalgia. Como os britânicos são muito arrogantes, ainda acham que o resto do mundo é uma multidão de súditos. O apoio subserviente aos EUA lhes garante apenas alguma sobrevivência, mas poucos privilégios.
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A vitória na Segunda Guerra Mundial foi o canto do cisne do império britânico. O que vimos depois daquilo foi uma decadência desenfreada, que só não chegou ao fundo do poço porque os britânicos se agarraram aos americanos para se salvar. Como consequência, tornaram-se um apêndice do império americano. Isso começou com a própria Guerra. Antes dela, britânicos e americanos competiam pelos mercados mundiais. Na própria América Latina, a competitividade britânica só foi vencida pelos Estados Unidos após o início da Segunda Guerra. Na sequência, a Coroa perdeu centenas de milhões de súditos com a independência de cerca de 50 colônias tornadas nações nas três décadas seguintes.
Hoje, o império onde o sol nunca se punha não passa de nostalgia. Como os britânicos são muito arrogantes, ainda acham que o resto do mundo é uma multidão de súditos. O apoio subserviente aos EUA lhes garante apenas alguma sobrevivência, mas poucos privilégios. Quando Bush invadiu e devastou o Iraque, as companhias britânicas ficaram com o bagaço da laranja, cujo suco foi todo consumido pelas multinacionais americanas. Mas os sucessores de Tony Blair mantiveram a sua política de abutre (mesmo que o Chilcot Inquiry tenha considerado ilegal a participação na invasão ao Iraque) e há mais de um ano bombardeiam o Iêmen em conjunto com os americanos, em nome de libertar os mares para a navegação… dos EUA, que desbancaram Londres como a grande potência marítima há muito tempo.
Mas isso não significa que o decadente e dependente Império Britânico não seja nocivo ao restante do mundo. Os afegãos sofreram na pele a agressão anglo-franco-americana e os talibãs se vingaram dela ao os expulsar em 2021, exibindo caixões com as suas bandeiras nas manifestações comemorativas da vitória. Entretanto, os imperialistas britânicos voltaram à carga ao conspirar com os EUA para derrubar Bashar al-Assad e neste momento o MI6 trabalha intensamente junto com a CIA para chantagear os terroristas transformados em popstars e os turcos a expulsarem os russos das bases militares de Latakia e Tartous. Já indicaram que não haverá estabilidade enquanto a Rússia estiver em território sírio. Só os eleitores mais ingênuos acreditaram que Sir Keir Starmer adotaria uma política diferente da dos conservadores que governaram o país por uma década e meia. O genocídio em Gaza copatrocinado por Washington, Londres e o Ocidente está aí para todos verem.
Não é somente pelas armas que o imperialismo britânico atua para desestabilizar e tomar o controle da pequena fatia que os EUA lhe permitem ter. As bandeiras britânicas que tremulavam nas mãos de manifestantes mascarados em Hong Kong entre 2019 e 2020 explicitaram a ingerência em suas ex-colônias.
Como a China é o grande inimigo dos Estados Unidos – ainda mais que a Rússia, para a maior parte do establishment norte-americano –, uma ampla rede de contenção está sendo criada na Ásia-Pacífico. E os britânicos, obviamente, fazem parte dela. O AUKUS, estabelecido em 2021, apenas oficializou o pacto que permite a americanos e britânicos utilizarem a Austrália como um instrumento de agressão contra os chineses. As bases militares ocidentais nas ilhas do Pacífico fazem parte da rede e possibilitam um forte controle sobre aquelas pequenas nações, que estão sendo jogadas contra a China pelos angloamericanos – e cujos dados de seus cidadãos constam nos arquivos da CIA e do MI6, graças à Five Eyes Alliance.
Contudo, o principal mecanismo pelo qual Londres ainda consegue se provar útil aos seus amos de Washington é financeiro. Uma característica fundamental da colonização europeia na Ásia, África e América Latina foi o roubo do ouro nativo e o seu depósito nos bancos da Inglaterra. Isso era feito até mesmo por outras potências da época, como Portugal e Espanha.
A tradição espoliadora se manteve e ainda hoje muitos países do chamado “Sul Global” enviam parte de suas reservas internacionais de ouro aos bancos ingleses.
Mas isso tem um preço maior do que se imagina. Como parte da campanha golpista contra Nicolás Maduro, o Banco da Inglaterra reteve US$ 1,95 bilhão em reservas de ouro de Caracas em 2020. E nunca os devolveu, mesmo após as denúncias da Venezuela e de parte da comunidade internacional. Javier Milei parece não se importar com a possibilidade de que a Argentina sofra o mesmo destino e já retirou US$ 1 bilhão em reservas do Banco Central (estimadas em US$ 4,6 bilhões) para enviá-las aos britânicos. Calcula-se que 60% das reservas argentinas de ouro tiveram Londres como destino nos últimos anos.
Esse é um dos motivos pelos quais The Economist – órgão da City de Londres – publicou uma entrevista com Milei, um artigo assinado pelo presidente argentino e três podcasts elogiando o “milagre econômico argentino” no mês de novembro. Afinal de contas, o sonho de Milei, como ele mesmo já declarou várias vezes, é fazer a Argentina retroceder ao tempo em que era praticamente uma colônia do Reino Unido (mais do que dos próprios EUA!), quando, de tanto controle que detinha sobre a economia e a política argentinas, muitos militares argentinos passaram a apoiar a Alemanha nazista na Segunda Guerra apenas para se livrarem dos britânicos, caso estes perdessem.
Certa vez, Juan Domingo Perón contou uma anedota para demonstrar o nível de subjugação da Argentina. Os britânicos haviam tomado o controle das ferrovias – construídas pelos próprios argentinos, e não por eles, como era de costume – e os argentinos tinham de pagá-los para transportar a carne do campo para a cidade e os portos. A anedota era sobre um frigorífico instalado pelos britânicos em 1905:
“Os ingleses trouxeram como capital de inversão 1 milhão de libras esterlinas, isto é, 11 milhões de pesos ao câmbio da época. Após instalarem suas máquinas, pediram ao Banco de la Nación um crédito que foi sucessivamente ampliado até 100 milhões de pesos. Dessa maneira, sobre os 100 milhões de pesos, o capital estrangeiro era de apenas 10%. Mas na primeira remessa financeira foram para Londres os 10% do capital instalado. Com isso, repatriaram todo o capital aplicado e durante os próximos cinquenta anos nos descapitalizaram à razão de 10 milhões por ano, num total de 500 milhões de pesos.”
As pequenas ilhas caribenhas demonstram ter mais dignidade e soberania que o governo de um dos gigantes latino-americanos. Barbados conquistou a independência da Coroa britânica e adotou o sistema republicano em 2021. A Jamaica, onde africanos foram escravizados e levados para lá pelos britânicos, agora exige US$ 10 bilhões em indenizações. No total, as nações do Caribe querem que o Reino Unido as compensem em US$ 33 trilhões pela escravidão e a espoliação colonial. Seria apenas uma devolução de parte da riqueza que foi roubada e permitiu que o Império enriquecesse ainda mais.
Londres vai indenizá-las com o petróleo sírio e o ouro argentino?