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A General Laura Richardson esteve de volta à América do Sul no final de agosto, confirmando que, hoje, essa região é uma área de interesse mais imediatamente vital para os EUA do que era há 20 anos, por exemplo. Como já comentamos em outras ocasiões, nunca um comandante do SOUTHCOM dos EUA fez tantas visitas ao continente quanto Richardson.
Dessa vez, a passagem de Laura Richardson, que esteve acompanhada do General Charles Q. Brown, da Força Aérea dos EUA, se concentrou no Chile, onde o evento principal de sua agenda foi a participação na Conferência Sul-Americana de Defesa (Southdec).
Esse evento anual, patrocinado pelo SOUTHCOM, visa discutir questões de defesa e segurança coletiva da América do Sul… sob a tutela dos EUA. Nesse sentido, por trás do discurso oficial que justifica o evento, quando se fala em “questões de defesa e segurança coletiva da América do Sul” deve-se interpretar como dizendo respeito àquelas questões que os EUA (e não os países da região) consideram prioritárias.
Não por acaso, apesar do tema oficial do evento ter sido o de “novas tecnologias”, com enfoque na sua instrumentalização para a “defesa da soberania hemisférica” (conceito que deve ser traduzido como “defesa da soberania dos EUA no hemisfério ocidental), a General Richardson lançou-se em uma cansativa e repetitiva diatribe contra “governos comunistas autoritários” que estariam se “infiltrando” na América do Sul para espalhar corrupção, desinformação, cibercrimes e violações dos direitos humanos.
É um discurso extemporâneo, excessivamente reminiscente da Guerra Fria, mas é o tom que os sátrapas ocidentais usam com os seus clientes na América do Sul. Esses comentários delirantes que apelam a uma “ameaça vermelha”, fazendo referência discreta, mas clara, à China e à Rússia, se somam aos ataques diretos contra a Venezuela, cujo presidente Nicolás Maduro foi acusado por Laura Richardson de “sabotar a vontade democrática do povo venezuelano” e de ser o responsável pela crise migratória em seu país.
Naturalmente, não houve qualquer menção à política hostil de sanções que os EUA impuseram à Venezuela, e os possíveis efeitos que essa política pode ter tido sobre os fluxos migratórios venezuelanos.
Apesar de não mencionar termos clássicos como “ameaças híbridas”, Richardson faz referência a diversos elementos das concepções mais contemporâneas de guerra, que envolvem engajamentos em múltiplas dimensões, mencionando especificamente o uso de inteligência artificial e o controle do espaço.
Quanto ao segundo ponto, nos parece óbvio que ele está voltado contra a crescente cooperação espacial entre a China e os países ibero-americanos, bem como contra projetos conjuntos de satélites, tal como o satélite meteorológico sino-brasileiro que será lançado em 2028 – e iniciativas semelhantes que a China tem tentado desenvolver em parceria com outros países da região.
Tudo isso empacotado em uma retórica infanto-juvenil de “defesa da democracia”, a qual estaria representada pelos EUA e pelos países que colaboram com os EUA no âmbito da SOUTHCOM.
Os países em questão, que se fizeram presentes na Southdec são Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Guiana, Paraguai, Peru, Suriname e Uruguai – além de observadores do Canadá, França e Reino Unido. Os países sul-americanos indicados, correspondendo a todos com exceção da Bolívia e da Venezuela, constituem aqueles nos quais os EUA têm investido com objetivo de atraí-los para uma posição de colaboracionismo com o atlantismo no hemisfério ocidental, em um resgate da Doutrina Monroe.
Naturalmente, isso se dá com diferentes graus de sucesso, com o Equador e a Argentina aparecendo como os países em que a estratégia estadunidense foi mais eficaz.
Mas o Chile não fica muito atrás.
Quase simultaneamente com essa conferência, os EUA e o Chile realizaram dois exercícios militares, o Southern Fenix 2024, em que os exércitos de ambos países treinaram no Deserto do Atacama (região rica em lítio), e o UNITAS LXV, um exercício marítimo envolvendo 24 países e que dessa vez foi sediado no Chile.
A General Laura Richardson, porém, na ocasião anterior em que visitou o Chile esteve em lugares estratégicos como Punta Arenas, uma zona importante tanto por causa do Estreito de Magalhães, que permite passar do Atlântico ao Pacífico, quanto pelo acesso à Antártida.
Essa visita, bem como a aceleração da colaboração militar entre o Chile e os EUA, indicam os limites geopolíticos do “esquerdismo” liberal-progressista de Gabriel Boric, que parece satisfeito em manter o seu país como apêndice dos EUA, desde que isso se dê com respeito aos “direitos humanos”, à “democracia” e à “ideologia de gênero”.