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A questão do Essequibo e o papel geopolítico da Guiana tornaram-se tema debatido internacionalmente uma vez mais em dezembro do ano passado, quando vieram à tona informações sobre a possibilidade de abertura de bases militares estadunidenses na região do Essequibo e a Venezuela reagiu levantando o tom de sua reivindicação histórica em relação a esse território.
As tensões entre Venezuela e Guiana cresceram, atiçadas também pelos EUA, enquanto o governo de Nicolás Maduro organizava um referendo consultivo sobre a posição do povo venezuelano em relação ao Essequibo. 95% dos participantes dos 10 milhões de votantes votaram em favor da reivindicação da região, e movimentações de tropas de ambos os lados da fronteira fizeram muitos crer que um conflito militar era iminente.
Não obstante, o encontro entre Maduro e Irfaan Ali, Presidente da Guiana, pareceu arrefecer os ânimos e confirmou que ambas partes estão interessados em uma solução diplomática para essa controvérsia territorial de longa data.
Apenas para recordar brevemente, a controvérsia remonta ao período colonial, quando após tomarem dos holandeses a margem leste do Rio Essequibo, os britânicos incitaram colonos e missionários a se assentarem do outro lado do, na margem oeste, região até então reivindicada legitimamente pela Espanha. Como a região tinha baixa densidade populacional, os britânicos gradualmente foram conseguindo assumir o controle dessa zona através dessa instrumentalização da imigração.
É esse cenário com o qual se depara Simón Bolívar após a independência. E anos se passaram em tentativas infrutíferas de negociações até que a questão foi levada a um tribunal arbitral internacional criado ad hoc. O mesmo estaria constituído por dois juízes venezuelanos, dois juízes britânicos e um juiz de um país neutro.
Mas as manobras diplomáticas britânicas conduziram à substituição dos juízes venezuelanos por juízes estadunidenses – o que a Venezuela aceitou por causa da crença na doutrina do pan-americanismo tão enfatizada por Washington, de modo que se acreditava em Caracas que por causa do histórico de guerras de independência contra metrópoles europeias, os EUA estariam mais identificados com a Venezuela do que com a Grã-Bretanha.
A Venezuela passou o século XX tentando reverter a decisão injusta e foi ludibriada, uma vez mais, pela “pérfida Albion” quando após prometer rediscutir a questão do Essequibo, Londres simplesmente deu a independência à Guiana em 1966 e afirmou que o assunto não era mais de sua conta. A Venezuela, por sua vez, reconheceu a independência da Guiana, mas reconheceu tão somente o território a leste do Rio Essequibo como pertencente ao novo país.
Essa questão, porém, não deixou de permear toda a política venezuelana desde então, de modo que a reivindicação do Essequibo está entranhada em seu ordenamento jurídico e constitui, de fato, um consenso. Nem mesmo a oposição venezuelana, de linha atlantista, ousa abrir mão da reivindicação histórica do Essequibo.
Mas enquanto a Venezuela retomava discussões sobre a questão buscando a mediação da ONU em respeito aos Acordos de Genebra de 1966, e discutia a reclamação levada perante a Corte Internacional de Justiça, a Guiana iniciava uma estreita colaboração com o SOUTHCOM, bem como começava a se abrir para a ExxonMobil.
E é nos meses que sucederam a reunião entre Nicolás Maduro e Irfaan Ali que vemos que o que está em jogo na região não é um desentendimento entre dois Estados nacionais soberanos, mas a pressão de uma megacorporação transnacional. E isso podemos deduzir a partir do fato de que já em fevereiro de 2024, apenas 2 meses após a reunião entre Maduro e Ali, que reduziu as tensões entre os países, a ExxonMobil anunciou unilateralmente a intenção de começar a explorar poços de petróleo nos mares do Essequibo.
A situação é vista como uma de ameaça à soberania nacional venezuelana porque, de fato, os limites marítimos entre a Venezuela e a Guiana nunca foram firmados. Nesse sentido, a ExxonMobil se aproveitaria de uma situação de “zona cinzenta” para implementar a sua práxis extrativista.
Na mesma semana, o vice-assessor de segurança nacional dos EUA, Jon Finer, e o diretor-sênior do Secretário de Estado para o Hemisfério Ocidental, Juan González, se encontraram com autoridades do governo da Guiana para acordar o fornecimento de armas e diversos equipamentos militares para o país caribenho, envolvendo aviões, helicópteros, drones militares e radares.
Como justificativa, apontou-se para supostos exercícios militares venezuelanos perto da região do Essequibo, mas as próprias movimentações militares venezuelanas se deram em resposta ao fato de que o SOUTHCOM realizou manobras na Guiana, inclusive com voos realizados perto do Essequibo já em dezembro de 2023.
Nesse sentido, o que parece é que a ExxonMobil e o SOUTHCOM se aproveitaram do diálogo entre os presidentes da Venezuela e da Guiana, e dos sinais de desescalada que isso indicava, para acelerar com seus planos de militarização da Guiana e de expropriação das riquezas do Essequibo.
Essa tese é fortalecida pelo fato de que enquanto a Venezuela buscou retornar ao diálogo bilateral nos termos dos Acordos de Genebra, os EUA intensificaram as suas provocações contra a Venezuela, atacando o seu processo eleitoral e, ao mesmo tempo, avançando com a militarização da questão do Essequibo.
Em maio, por exemplo, enquanto aviões F/A-18F sobrevoavam a capital da Guiana para demonstrar a sua tutela sobre a região, no espírito da Doutrina Monroe, a diretora de estratégia, política e planos do SOUTHCOM, a Major-General Julie Nethercot, visitava a Guiana ampliar o grau de cooperação e coordenação militar entre os países, em face da Venezuela.
No mesmo mês, a Guiana participou do Tradewinds 2024, um exercício militar caribenho guiado pelos EUA, e que busca reforçar o papel do Caribe como “Mare Nostrum” hegemonizado pela hiperpotência atlantista.
Uma possível estratégia dos EUA é embaralhar sinergicamente as eleições venezuelanas com a questão do Essequibo, no sentido de utilizar uma deslegitimação das eleições venezuelanas para fortalecer no âmbito internacional a impugnação de qualquer reivindicação venezuelana (ainda que meramente diplomática e/ou comercial) em relação ao território hoje ocupado pelo governo de Georgetown e pela ExxonMobil.
Na medida em que essas investidas atendem a interesses estratégicos do Deep State dos EUA, correspondendo às movimentações necessárias para que os EUA evitem a transição multipolar e retenham preponderância suficiente para seguir reivindicando um papel de liderança global, elas devem permanecer independentemente de quem triunfe nas próximas eleições presidenciais em Washington.