Israel parecerá triunfar depois de encerrar a sua campanha genocida em Gaza e na Cisjordânia. Apoiado pelos Estados Unidos, alcançará o seu objetivo insano. A ofensiva assassina e violência genocida exterminarão os palestinos ou os limparão etnicamente. O sonho de um Estado exclusivamente judeu, no qual os palestinos sobreviventes seriam despojados de seus direitos básicos, será realizado. Israel poderá deleitar-se com a sua sangrenta vitória. Celebrará seus criminosos de guerra. O seu genocídio será apagado da consciência pública e atirado no enorme buraco negro da amnésia histórica de Israel. Os israelenses com consciência serão silenciados e perseguidos.
Chris Hedges
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Mas quando Israel conseguir dizimar Gaza – Israel fala em meses de guerra – terá assinado a sua própria sentença de morte. A fachada de civilidade, suposto respeito ao Estado de Direito e à democracia, a história mítica de um corajoso exército israelense e a génese milagrosa da nação judaica, serão reduzidos a cinzas. O capital social de Israel será consumido. Será revelado como um regime de apartheid repressivo e carregado de ódio, alienando as gerações mais jovens de judeus americanos. O seu protetor, os Estados Unidos, à medida que novas gerações chegarem ao poder, irá distanciar-se de Israel, como atualmente se distanciam da Ucrânia. O apoio popular, já corroído nos Estados Unidos, virá de fascistas cristianizados que veem o domínio de Israel sobre antigas terras bíblicas como um prenúncio da Segunda Vinda e veem a escravização dos árabes como uma forma de racismo e supremacia branca.
O sangue e o sofrimento dos palestinos – dez vezes mais crianças foram mortas em Gaza do que em dois anos de guerra na Ucrânia – abrirão caminho para que Israel seja esquecido. As dezenas, senão centenas de milhares, de fantasmas se vingarão. Israel se tornará sinónimo de suas vítimas como os turcos com os arménios, os alemães com os namibianos e mais tarde com os judeus, os sérvios com os bósnios. A vida cultural, artística, jornalística e intelectual de Israel será aniquilada. Israel será uma nação estagnada onde fanáticos religiosos, sectários e extremistas judeus dominarão o discurso público. Encontrará aliados entre outros regimes despóticos. A repugnante supremacia racial e religiosa de Israel será a sua principal característica, explicando por que os supremacistas brancos mais retrógrados dos Estados Unidos e da Europa, incluindo filosemitas como John Hagee, Paul Gosar e Marjorie Taylor Greene, apoiam fervorosamente Israel. A chamada luta contra o antissemitismo é uma celebração mal disfarçada do poder branco.
Os despotismos podem sobreviver por muito tempo ao seu declínio. Mas são doentes terminais. Não é preciso ser um estudioso bíblico para ver que a sede de sangue de Israel é contrária aos valores fundamentais do judaísmo. A instrumentalização cínica do Holocausto, inclusive fazendo os palestinos parecerem nazistas, é de pouca utilidade quando se trata de perpetrar genocídio contra 2,3 milhões de pessoas presas num campo de concentração.
As nações precisam de mais do que força para sobreviver. Precisam de uma dimensão mística. Esta última dá um propósito, um senso de responsabilidade cívica e até mesmo uma nobreza que inspira os cidadãos a se sacrificarem pela nação. A dimensão mística é um farol de esperança para o futuro. Dá sentido e é fonte de identidade nacional.
Quando as místicas implodem, quando suas mentiras são reveladas, o próprio fundamento do poder estatal entra em colapso. Relatei a morte de místicas comunistas em 1989 durante as revoluções [NR] na Alemanha Oriental, Checoslováquia e Roménia. A polícia e o exército decidiram que não havia mais nada a defender. A decadência de Israel gerará a mesma sensação de cansaço e apatia. Não será capaz de recrutar cúmplices locais, como Mahmoud Abbas e a Autoridade Palestina – desprezada pela maioria dos palestinos – para fazer o trabalho dos colonizadores. O historiador Ronald Robinson menciona o fracasso do Império Britânico em recrutar aliados indígenas para reverter a não-cooperação, um momento decisivo para o início da descolonização. Uma vez que a não cooperação das elites nativas se transformou em oposição ativa, explicou Robinson, o “recuo acelerado” do Império estava assegurado.
Resta a Israel uma escalada de violência, incluindo a tortura, para acelerar o seu declínio. Essa violência generalizada funciona no curto prazo, como foi o caso da guerra da França na Argélia, a “guerra suja” da ditadura militar argentina e o conflito britânico na Irlanda do Norte. Mas, a longo prazo, ela é suicida.
“Pode-se dizer que a batalha de Argel foi vencida com o uso da tortura”, observou o historiador britânico Alistair Horne, “mas a guerra, a guerra da Argélia, foi perdida”.
O genocídio em Gaza tornou os combatentes do Hamas heróis no mundo muçulmano e no Sul Global. Israel pode eliminar a liderança do Hamas. Mas assassinatos passados e atuais de um grande número de líderes palestinos pouco fizeram para diminuir a resistência. O bloqueio e o genocídio de Gaza geraram uma nova geração de jovens profundamente traumatizados e enfurecidos, cujas famílias foram mortas e comunidades destruídas. Eles estão prontos para tomar o lugar dos líderes caídos. Israel empurrou as ações de seus adversários para a estratosfera.
Israel já estava em guerra consigo mesmo antes de 7 de outubro. Os israelenses manifestavam-se para impedir que o primeiro-ministro Netanyahu abolisse a independência do Sistema Judiciário. Os fanáticos religiosos e extremistas, atualmente no poder, haviam lançado um ataque determinado ao laicismo israelense. A unidade de Israel tem sido precária desde o ataque. É negativa. Baseia-se apenas no ódio. E nem mesmo esse ódio é suficiente para impedir que os manifestantes denunciem o abandono pelo governo dos reféns israelenses em Gaza.
O ódio é uma mercadoria política perigosa. Uma vez terminado um inimigo, aqueles que atiçam o ódio partem em busca do próximo. Os “animais” palestinos, uma vez erradicados ou subjugados, serão substituídos por apóstatas e traidores judeus. O grupo demonizado nunca pode ser redimido ou curado. Uma política de ódio cria instabilidade permanente que é explorada por aqueles que procuram destruir a sociedade civil.
Em 7 de outubro, Israel embarcou nesse caminho ao promulgar uma série de leis que discriminam os não-judeus semelhantes às Leis racistas de Nuremberg que privavam os judeus de direitos na Alemanha nazi. A Lei de Reconhecimento das Comunidades permite que povoações exclusivamente judaicas excluam outros requerentes de residência com base na “adequação com os princípios fundamentais da comunidade”.
Muitos jovens israelenses mais qualificados deixaram o país para países como Canadá, Austrália e Reino Unido, um milhão deles partiu para os Estados Unidos. A Alemanha viu um influxo de cerca de 20 mil israelenses nas duas primeiras décadas deste século. Cerca de 470 mil israelenses deixaram o país desde o 7 de outubro. Em Israel, defensores dos direitos humanos, intelectuais e jornalistas – tanto israelenses como palestinos – são taxados de traidores em campanhas de difamação patrocinadas pelo governo, colocados sob vigilância do Estado e submetidos a prisões arbitrárias. O sistema educacional de Israel é uma máquina de doutrinação para o exército.
O professor universitário israelense Yeshayahu Leibowitz alertou que, se Israel não separar Igreja e Estado e acabar com a ocupação dos palestinos, dará origem a um rabinato corrupto que transformará o judaísmo em num culto fascista. “Israel não merecerá mais existir e não fará sentido preservá-lo”, disse.
A mística global dos Estados Unidos, após duas décadas de guerras desastrosas no Médio Oriente e a invasão do Capitólio em 6 de janeiro, está tão contaminada quanto a de Israel. O governo Biden, no seu fervor em apoiar incondicionalmente Israel e apaziguar o poderoso lobby israelense, contornou o processo de verificação do Congresso com o Departamento de Estado para aprovar a transferência de 14 mil obuses para Israel. O secretário de Estado, Antony Blinken, argumentou que “circunstâncias de emergência exigem a transferência imediata dessas munições”. Ao mesmo tempo, cinicamente pediu a Israel que minimizasse as baixas civis.
Israel não tem intenção de minimizar as baixas civis. Já matou 18 800 palestinos, ou 0,82% [NT] da população de Gaza – o equivalente a cerca de 2,7 milhões de americanos. Outros 51 mil ficaram feridos. Metade da população de Gaza está passando fome, de acordo com as Nações Unidas. Todas as instituições e serviços palestinos essenciais à vida – hospitais (apenas 11 dos 36 hospitais de Gaza ainda estão “parcialmente” operacionais), estações de tratamento de esgoto, redes elétricas, sistemas de esgoto, habitação, escolas, edifícios governamentais, centros culturais, sistemas de telecomunicações, mesquitas, igrejas, pontos de distribuição de alimentos da ONU – foram destruídos. Israel assassinou pelo menos 80 jornalistas palestinos, bem como dezenas de seus familiares e mais de 130 trabalhadores humanitários da ONU com familiares. As vítimas civis são o principal. Esta não é uma guerra contra o Hamas. Esta é uma guerra contra os palestinos. O objetivo é matar ou expulsar 2,3 milhões de palestinos de Gaza.
A morte de três reféns israelenses que aparentemente escaparam de seus captores e foram mortos a tiro depois de se aproximarem das forças israelenses de peito nu, agitando uma bandeira branca e pedindo ajuda em hebraico não é apenas trágica, fornece informações sobre as regras da intervenção de Israel em Gaza. Essas regras são: matar tudo o que se move.
Como escreveu o major-general aposentado israelense Giora Eiland, que chefiou o Conselho de Segurança Nacional de Israel, no Yedioth Ahronoth
“O Estado de Israel não tem escolha a não ser transformar Gaza num território temporária ou permanentemente impróprio para viver (…) Criar uma grave crise humanitária em Gaza é um meio necessário para alcançar esse objetivo”.
“Gaza irá tornar-se num lugar onde nenhum ser humano pode existir”.
“Não haverá eletricidade nem água, apenas destruição. Queriam o inferno, vão consegui-lo”, acrescentou.
A presidência Biden, que, ironicamente, pode ter assinado seu próprio atestado de óbito político, está enraizada no genocídio israelense. Tentará distanciar-se retoricamente, mas, ao mesmo tempo, fornece milhões de dólares em armas solicitados por Israel – incluindo 14,3 mil milhões de dólares em ajuda militar adicional para complementar os 3,8 mil milhões em ajuda anual – para “terminar o trabalho”. É um parceiro de pleno direito no projeto de genocídio israelense.
Israel é um Estado pária. Isso foi exibido publicamente em 12 de dezembro, quando 153 Estados-membros da Assembleia Geral da ONU votaram a favor de um cessar-fogo, com apenas 10 Estados – incluindo Estados Unidos e Israel – opondo-se e 23 abstenções. A política de “terra arrasada” de Israel em Gaza significa que a paz não será alcançada. Não haverá solução de dois Estados. O apartheid e o genocídio caracterizarão Israel. Isso prenuncia um longo conflito, que o Estado judeu não será capaz de vencer a longo prazo.
[NR] O que de facto houve nos países mencionados, considera resistir.info, foram contra-revoluções – independentemente dos erros cometidos pelos dirigentes dos ditos países.
[NT] Dados disponíveis em 17/Dezembro/23. Em 02 de janeiro registavam-se mais de 22 mil mortes.
[*] Jornalista, estado-unidense.
Publicado originalmente por resistir.info