A Rússia sai mais preparada desta guerra, como potência militar, económica e política, assumindo uma posição de liderança e partilhando um papel cimeiro na tomada de decisões a nível mundial.
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“E se Putin ganhar?” perguntava a cadeia Bloomberg há uns dias. Mas, o lançamento desta simples questão não pode ser tomado de forma leviana ou simplista. Não se trata de um simples exercício especulativo, trata-se, sim, de alerta vermelho! Um alerta, desesperado, alicerçado numa realidade cada vez mais inexorável: existe cada vez mais Rússia nas fronteiras da NATO; existe cada vez menos NATO, nas fronteiras da Rússia! Assim, sem mais nem menos!
“Se Putin”, diziam, atribuindo ao presidente russo um poder absoluto, “queria menos NATO” nas fronteiras russas, conseguiu efectivamente o contrário. Os propagandistas do costume referiam-se ao facto de “a NATO estar mais unida que nunca” e de a Finlândia e a Suécia terem aderido à Aliança. À data, diziam coisas como “se não queria a NATO nas suas fronteiras, Putin tem agora o contrário do que sempre quis”. Ou seja, atribuindo a Putin uma pretensão óbvia, a propaganda ocidental, acusava-o de haver conseguido, objectivamente, o contrário do que queria. Davam o circo como acabado. A NATO tinha ganho, podíamos todos descansar porque a aliança atlântica estava forte e vigorosa como nunca. Putin cairia, nunca sobreviveria às “sanções do inferno” ou às inúmeras doenças mortais que lhe foram atribuindo.
Acabasse a contenda no primeiro ano de Operação Militar Especial e teríamos de admitir que as coisas não tinham, de facto, corrido bem à Rússia. Superficialmente falando, claro. Se adicionássemos a crença quasi religiosa de que a “Ucrânia estava a ganhar a guerra”, as forças russas andavam descalças, combatiam com pás, em massas humanas desarmadas e nem combustível tinham para os seus veículos ultrapassados… Para agravar ainda mais o quadro dantesco, a “CEO” da Comissão Europeia – estrutura burocrática usada pelos EUA para gerir os seus interesses no espaço europeu –, Úrsula von der Leyen, chegou mesmo a argumentar que “os militares russos estão a retirar chips de máquinas de lavar louça e frigoríficos, para consertar o seu equipamento militar, porque ficaram sem semicondutores. A indústria russa está em frangalhos.”
Entretanto, a Rússia tinha retirado de Kherson e da região de Kharkov, como forma de consolidar e solidificar a sua linha defensiva. No mundo fantasioso em que consiste o ocidente mediático, esta operação de reagrupamento foi vista como uma “devastadora derrota” infringida pelas tropas leais ao regime de Kiev, apresentadas como o exemplo acabado de bravura e proficiência militar. Quem baseava a sua análise na realidade concreta vivia num inferno asfixiante. Os propagandistas do regime não se continham de tanta adrenalina e vilipendiavam brutalmente quem tentasse trazê-los ao mundo real. Na CNN Portugal comentadores do regime pediam, em directo, a expulsão liminar dos colegas que deles destoavam. Jornalistas, Generais e analistas foram classificados, no mínimo, de “propagandistas de Putin”.
Mas, como em tudo o que tem a ver com o ocidente colectivo, a ilusão rapidamente dá origem à desilusão e a promessa rapidamente resulta em dívida. Prisioneiro de uma visão de curto prazo, alicerçada numa lógica de sobrevivência política a qualquer custo, em que o poder se justifica, apenas e tão só, pela sua própria conquista ou manutenção…. É, hoje, comum assistirmos ao ocidente colectivo cair nesta armadilha oportunista. Daí que, não fosse necessário esperar muito para que a realidade se começasse a impor à narrativa.
A mesma comunicação social corporativa que, antes, havia esquecido que a Ucrânia pós Maidan se havia transformado num paraíso da extrema direita, do fascismo e do nazismo, foi a mesma que celebrou, de forma efusiva, o “slava Ukraini” de Stepan Bandera. Por mais paradoxal que possa parecer, é também a mesma que, hoje, diz “não haver esperança para a Ucrânia sem a ajuda dos EUA” e que, “sem financiamento suplementar” rapidamente se esgotará a “capacidade de ajudar a Ucrânia a responder às urgentes exigências operacionais que tem.”
Tais paradoxos, traduzidos politicamente, só podem dar mau resultado. E o mau resultado já se começa a antever no horizonte. Aos poucos, esta mesma elite governativa subserviente, mimada, arrogante e desligada da vida comum, começa a assumir o contrário do que sempre disse: “Autoridades ocidentais alertam que a Ucrânia “certamente fracassará” contra a Rússia se os EUA não fornecerem mais ajuda”, diz a CNN.
Mas não se fica por aqui! A cadeia Bloomberg noticiou que “mais Ucranianos estão prontos para concessões territoriais à Rússia”. Ou seja, aos poucos, vão-se multiplicando as mensagens derrotistas na comunicação social dominante, o que equivale a dizer que, alguém muito importante deu a ordem para preparar o público para o pior. O próprio general Pat Ryder, num briefing no Pentágono, reconheceu que, no caso de persistir o desacordo quanto ao apoio financeiro à Ucrânia “em última análise, os Estados Unidos terão de escolher entre a sua própria prontidão para o combate e o fornecimento de armas à Ucrânia devido ao esgotamento dos fundos para apoiar Kiev.”
Entretanto, foi o próprio New York Times que publicou um artigo em que, directa ou indirectamente, reconheceu que: a maioria das empresas estrangeiras permanece na Rússia, não querendo perder os seus investimentos; as empresas que foram vendidas agora são espelhadas, ou seja, assumidas por outras quase iguais, não se sentido muita diferença; Putin estava preparado para a saída de empresas ocidentais, pois havia controlo apertado de fluxos de capital; a Rússia emergiu da crise, estabilizou-se a economia em 2022 e as empresas ocidentais, pelo contrário, perderam um total de mais de 103 mil milhões de dólares ao deixarem a Federação Russa.
Acresce que, para além das perdas em território russo, ainda há a considerar o enfraquecimento relativo, da Europa ocidental, em relação à Federação Russa. As perdas para a indústria europeia, decorrentes da explosão do Nord Stream, dos irracionais 12 pacotes de sanções e de toda uma automutilação económica interna, prescindindo de ou encarecendo a energia, matérias primas, derivados e componentes vindos da Rússia, enfraqueceram as economias europeias, retirando-lhes competitividade. Se a Rússia já crescerá 3,5% em 2023, a EU crescerá apenas 0,5%. No terceiro trimestre de 2023, a economia russa cresceu 5,5% e os salários 5,1%.
Ora, o resultado matemático é muito simples e fácil de atingir: se, no início da Operação Militar Especial, a utilização da Ucrânia pela NATO, e a sua instrumentalização, fez acreditar muita gente que haveria mais NATO junto à Rússia… Hoje, cada vez mais, seremos forçados a considerar que será ao contrário. Com efeito, o que haverá é mais Rússia junto à NATO! E tal inversão sucede pelas seguintes razões:
- A Rússia integrou 4 novas regiões no seu território (para já), avançando geograficamente a sua fronteira em direcção aos países da NATO;
- Estando objectivamente em vantagem na guerra, esta região tampão, que a Ucrânia constituía, e que protegia, quer Rússia, quer NATO, passará a ser de menor dimensão ou até a não existir como estado viável, o que torna menos confiável a fronteira da NATO com a Rússia, com maior desconforto para o ocidente, face à maior impreparação e falta de coesão militar;
- A derrota do projecto Ucraniano do ocidente, não apenas demonstrará ao mundo a obsolescência da NATO e a sua incapacidade para defender os seus aliados, como deixará Rússia numa posição de força e maior credibilidade em matéria político-militar, tendo razões para se sentir mais confortável com a aproximação da sua fronteira, à fronteira da NATO;
- A Rússia, simplesmente, sai mais preparada desta guerra, como potência militar, económica e política, assumindo uma posição de liderança e partilhando um papel cimeiro na tomada de decisões a nível mundial; ao invés, a NATO sairá descredibilizada, com os arsenais vazios e as armas maravilha desacreditadas;
- Com a superioridade militar Russa, demonstrada no campo de batalha e não na propaganda, o que antes constituiria uma tentativa de cerco, como a adesão da Finlândia e Suécia à NATO, passa a constituir um perigo maior para os dois países; estes países, antes neutros, passarão a constar da linha de tiro das armas russas – provadas superiores – sem que possam beneficiar da prometida capacidade da NATO para as defender – trocaram a neutralidade e a paz, pela insegurança;
- Face ao fortalecimento económico da Rússia, o enfraquecimento da EU e a alteração da relação de forças entre os dois blocos, será a Federação Russa quem sairá em vantagem desta relação, por ter provado ser capaz de viver e prevalecer com independência e sem se submeter aos ditames dos EUA/EU/NATO; será o ocidente colectivo quem terá de aprender a viver num mundo partilhado em que a Rússia é actor principal, uma vez que a Rússia aproveitou a guerra para fazer, com sucesso, esse caminho;
- Considerando a vitória – desde início esperada e presumida – da Rússia, ficará provado, à saciedade, de que não existe supremacia militar da NATO, que a sua força é falível e que é, de facto, uma aliança sem projecto e sem futuro, incapaz de proteger quem quer que seja; desta forma, será a Rússia que sairá por cima, o que constituirá uma pressão sem precedentes sobre a EU, primeiro e sobre os EUA depois, que perdem a aura de protectores do “mundo livre”;
- O prestígio angariado pela Rússia neste processo trará, a este país, inúmeras vantagens negociais (soft power), quer com o resto do mundo, quer com as futuras relações com a EU, uma vez que, uma europa que se queira recuperar, não se poderá dar ao luxo de prescindir da Rússia, como entidade parceira.
Assim, escolhendo o confronto e a provocação, será a EU quem terá de conviver com “mais Rússia” nas suas fronteiras, serão os EUA que terão de aprender a lidar com um mundo com “mais Rússia”. Ao contrário do que tão alarvemente propagandearam no início!
É que os jogos não se ganham no início, ganham-se no fim!