Português
Carlos Branco
October 6, 2023
© Photo: Public domain

Moscovo está ciente de que uma solução temporária só beneficia Kiev, permitindo-lhe recuperar forças e adiar a continuação do conflito para quando se encontrar em melhores condições.

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Fomos confrontados recentemente com as declarações de Stian Jenssen, Chefe de Gabinete do Secretário-Geral da NATO, sobre uma possível solução para o conflito na Ucrânia. Numa conferência em Arendal, na Noruega, Jenssen defendeu que uma forma possível de terminar a guerra poderia ser a adesão da Ucrânia à NATO cedendo em troca os territórios presentemente ocupados pela Federação da Rússia. Perante o coro de críticas, Jenssen recuou, fez uma autocrítica e admitiu ter cometido um erro. Será difícil acreditar que não tivesse cobertura do Secretário-Geral para dizer o que disse.

Não o sendo, o futuro de Jenssen estaria comprometido. Não parece ser o caso. A reação suave do seu chefe perante um “erro” tão grosseiro sugere cumplicidade e autorização. O arrependimento discreto de Jenssen mostra que estava a trabalhar com rede. Stoltenberg limitou-se a repetir os slogans conhecidos: a NATO apoia a soberania e integridade territorial da Ucrânia enquanto for necessário. Será difícil não ver nesta história a “mão invisível” de Washington e a ligação direta de Washington a Stoltenberg, ultrapassando a consulta dos Estados-membros.

Este tipo de declarações não está previsto na descrição de funções do Chefe de Gabinete do Secretário-Geral, uma vez que não tem responsabilidades políticas. É um burocrata responsável por organizar, entre outras coisas, a agenda do Secretário-Geral e as reuniões do NAC (North Atlantic Council), que não é coisa pouca, mas que não lhe confere o direito de fazer comentários sobre como terminar o conflito na Ucrânia. Exatamente por não ter essas responsabilidades encontra-se numa excelente posição para testar as águas e apurar possíveis reações sem sofrer danos catastróficos. As do lado ucraniano foram muito iradas. Seria um erro pensar que as afirmações de Jenssen foram um “erro”.

O modo como terminará a guerra na Ucrânia não tem sido um tema incluído na agenda das reuniões do NAC e, como tal, não discutido pelos Estados-membros, não havendo, por isso, qualquer decisão da Aliança sobre essa matéria. Nem tem de haver. A NATO não será um mediador e essa questão terá de ser discutida sempre com a Rússia. De certo modo, os Estados-membros foram ultrapassados, mas tanto quanto pude apurar nenhum manifestou publicamente incómodo com o sucedido, o que não deixa de ser esclarecedor sobre a relação de forças no interior da Aliança, e a quem o Secretário-Geral efetivamente responde.

Recentemente, numa conferência organizada pelo Atlantic Council, Anders Rasmussen, o anterior Secretário-Geral da NATO, e agora assalariado do Governo ucraniano, veio sugerir uma solução muito parecida com a de Jenssen. Sobre a aplicação do artigo 5.º à Ucrânia, o criativo Rasmussen lembrou que há precedentes para resolver este tipo de problemas, dando como exemplo o caso da Alemanha, que quando aderiu à NATO, em 1955, estava dividida entre Oeste e Leste. O artigo 5.º só cobria o território da Alemanha Ocidental sob o controlo do Governo de Bona. “Podíamos usar exatamente a mesma fórmula na Ucrânia.”

Estas e outras tergiversações evidenciam três factos: 1) a admissão de que a Ucrânia não vai ganhar esta guerra, sendo necessário começar a pensar em soluções que não a militar; 2) passados mais de 18 meses do conflito, os EUA ainda não desistiram de incorporar a Ucrânia na NATO, seja com que configuração for; 3) estas propostas ignoram ou fingem ignorar a questão central desta guerra. A integração da Ucrânia na NATO, independentemente do formato e da porção de território ucraniano que viesse a controlar, não significaria para Moscovo uma solução de compromisso, mas sim a capitulação.

Estes factos não deixam de nos sobressaltar. Parecem mostrar que Washington ainda não percebeu que o leitmotiv desta guerra se prende com o alargamento da NATO na Ucrânia, que tem de ser esclarecido antes de qualquer discussão de paz, e não com o Donbass, um dano colateral de um problema ainda não resolvido. O conflito não terminará enquanto aquela questão incontornável não for decidida. Por isso, não deixa de ser confrangedor, e ao mesmo tempo preocupante, as propostas infantis de quem se espera elevada maturidade e sageza política.

Num artigo na “Foreign Affairs“, Richard Raass e Charles Kupchan interrogam-se se não será a hora de uma paragem negociada dos combates, sugerindo o congelamento do conflito. Dificilmente o Kremlin aceitará essa solução, porque sabe que as atuais limitações da base industrial e tecnológica de defesa ocidental para apoiar a Ucrânia são apenas temporárias. Não vai incorrer novamente no erro de assinar um novo Minsk e dar tempo à Ucrânia para sarar as feridas e preparar-se para uma nova confrontação. Moscovo está ciente de que uma solução temporária só beneficia Kiev, permitindo-lhe recuperar forças e adiar a continuação do conflito para quando se encontrar em melhores condições.

Washington tem de perceber, uma vez por todas, que o reconhecimento da “necessidade de criar estabilidade na periferia da Rússia” – leia-se, deixar cair a adesão da Ucrânia à NATO, em troca do consentimento russo de um maior protagonismo e influência norte-americana na Ásia Central com vista a cercar a China –, uma solução encaminhada para o Kremlin através da diplomacia informal conduzida por Haas e Kupchan, não passa de um exercício fútil muito difícil de ser aceite por Moscovo.

Ensaiando soluções para a guerra na Ucrânia (jornaleconomico.pt)

The views of individual contributors do not necessarily represent those of the Strategic Culture Foundation.
Ensaiando soluções para a guerra na Ucrânia

Moscovo está ciente de que uma solução temporária só beneficia Kiev, permitindo-lhe recuperar forças e adiar a continuação do conflito para quando se encontrar em melhores condições.

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Fomos confrontados recentemente com as declarações de Stian Jenssen, Chefe de Gabinete do Secretário-Geral da NATO, sobre uma possível solução para o conflito na Ucrânia. Numa conferência em Arendal, na Noruega, Jenssen defendeu que uma forma possível de terminar a guerra poderia ser a adesão da Ucrânia à NATO cedendo em troca os territórios presentemente ocupados pela Federação da Rússia. Perante o coro de críticas, Jenssen recuou, fez uma autocrítica e admitiu ter cometido um erro. Será difícil acreditar que não tivesse cobertura do Secretário-Geral para dizer o que disse.

Não o sendo, o futuro de Jenssen estaria comprometido. Não parece ser o caso. A reação suave do seu chefe perante um “erro” tão grosseiro sugere cumplicidade e autorização. O arrependimento discreto de Jenssen mostra que estava a trabalhar com rede. Stoltenberg limitou-se a repetir os slogans conhecidos: a NATO apoia a soberania e integridade territorial da Ucrânia enquanto for necessário. Será difícil não ver nesta história a “mão invisível” de Washington e a ligação direta de Washington a Stoltenberg, ultrapassando a consulta dos Estados-membros.

Este tipo de declarações não está previsto na descrição de funções do Chefe de Gabinete do Secretário-Geral, uma vez que não tem responsabilidades políticas. É um burocrata responsável por organizar, entre outras coisas, a agenda do Secretário-Geral e as reuniões do NAC (North Atlantic Council), que não é coisa pouca, mas que não lhe confere o direito de fazer comentários sobre como terminar o conflito na Ucrânia. Exatamente por não ter essas responsabilidades encontra-se numa excelente posição para testar as águas e apurar possíveis reações sem sofrer danos catastróficos. As do lado ucraniano foram muito iradas. Seria um erro pensar que as afirmações de Jenssen foram um “erro”.

O modo como terminará a guerra na Ucrânia não tem sido um tema incluído na agenda das reuniões do NAC e, como tal, não discutido pelos Estados-membros, não havendo, por isso, qualquer decisão da Aliança sobre essa matéria. Nem tem de haver. A NATO não será um mediador e essa questão terá de ser discutida sempre com a Rússia. De certo modo, os Estados-membros foram ultrapassados, mas tanto quanto pude apurar nenhum manifestou publicamente incómodo com o sucedido, o que não deixa de ser esclarecedor sobre a relação de forças no interior da Aliança, e a quem o Secretário-Geral efetivamente responde.

Recentemente, numa conferência organizada pelo Atlantic Council, Anders Rasmussen, o anterior Secretário-Geral da NATO, e agora assalariado do Governo ucraniano, veio sugerir uma solução muito parecida com a de Jenssen. Sobre a aplicação do artigo 5.º à Ucrânia, o criativo Rasmussen lembrou que há precedentes para resolver este tipo de problemas, dando como exemplo o caso da Alemanha, que quando aderiu à NATO, em 1955, estava dividida entre Oeste e Leste. O artigo 5.º só cobria o território da Alemanha Ocidental sob o controlo do Governo de Bona. “Podíamos usar exatamente a mesma fórmula na Ucrânia.”

Estas e outras tergiversações evidenciam três factos: 1) a admissão de que a Ucrânia não vai ganhar esta guerra, sendo necessário começar a pensar em soluções que não a militar; 2) passados mais de 18 meses do conflito, os EUA ainda não desistiram de incorporar a Ucrânia na NATO, seja com que configuração for; 3) estas propostas ignoram ou fingem ignorar a questão central desta guerra. A integração da Ucrânia na NATO, independentemente do formato e da porção de território ucraniano que viesse a controlar, não significaria para Moscovo uma solução de compromisso, mas sim a capitulação.

Estes factos não deixam de nos sobressaltar. Parecem mostrar que Washington ainda não percebeu que o leitmotiv desta guerra se prende com o alargamento da NATO na Ucrânia, que tem de ser esclarecido antes de qualquer discussão de paz, e não com o Donbass, um dano colateral de um problema ainda não resolvido. O conflito não terminará enquanto aquela questão incontornável não for decidida. Por isso, não deixa de ser confrangedor, e ao mesmo tempo preocupante, as propostas infantis de quem se espera elevada maturidade e sageza política.

Num artigo na “Foreign Affairs“, Richard Raass e Charles Kupchan interrogam-se se não será a hora de uma paragem negociada dos combates, sugerindo o congelamento do conflito. Dificilmente o Kremlin aceitará essa solução, porque sabe que as atuais limitações da base industrial e tecnológica de defesa ocidental para apoiar a Ucrânia são apenas temporárias. Não vai incorrer novamente no erro de assinar um novo Minsk e dar tempo à Ucrânia para sarar as feridas e preparar-se para uma nova confrontação. Moscovo está ciente de que uma solução temporária só beneficia Kiev, permitindo-lhe recuperar forças e adiar a continuação do conflito para quando se encontrar em melhores condições.

Washington tem de perceber, uma vez por todas, que o reconhecimento da “necessidade de criar estabilidade na periferia da Rússia” – leia-se, deixar cair a adesão da Ucrânia à NATO, em troca do consentimento russo de um maior protagonismo e influência norte-americana na Ásia Central com vista a cercar a China –, uma solução encaminhada para o Kremlin através da diplomacia informal conduzida por Haas e Kupchan, não passa de um exercício fútil muito difícil de ser aceite por Moscovo.

Ensaiando soluções para a guerra na Ucrânia (jornaleconomico.pt)