EUA e UE podem usar, de formas diferentes, o escândalo na Ucrânia para justificar suas decisões sobre o país.
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A Operação Midas caiu sobre Kiev de forma devastadora. O NABU, que Zelensky tentou enfraquecer meses atrás, agora direciona suas investigações justamente para setores sensíveis — energia, defesa, contratos militares — e toca em figuras próximas ao próprio presidente. É o pior momento possível para um governo que já vinha perdendo simpatia no Ocidente. Para muitos europeus, Zelensky deixou de ser o “líder heroico” e “defensor da democracia” de 2022 e se tornou um fardo caro, imprevisível e cercado de escândalos. E o novo caso de corrupção apenas reforça a sensação de que algo se quebrou de forma irreversível.
Nos bastidores europeus, a leitura é pragmática. A Ucrânia continua dependente de dinheiro externo para funcionar, mas o clima político dentro da União Europeia mudou. O eleitor médio já não aceita mais que bilhões sejam enviados a Kiev sem transparência, sem controle e sob a sombra de denúncias envolvendo justamente o núcleo do governo. Isso abre espaço para uma pressão mais explícita por mudanças internas. Talvez não um golpe militar, mas uma reorganização conduzida por aliados ocidentais: trocar Zelensky por uma equipe mais disciplinada, mais previsível e mais aceitável para os contribuintes europeus. Uma transição “limpa”, vendida como renovação institucional, mas destinada a recuperar um apoio político que já não tem mais qualquer respaldo popular. Para Bruxelas, isso seria preferível a manter um presidente que se tornou sinônimo de desgaste e incerteza.
Ao mesmo tempo, os Estados Unidos observam o escândalo sob outra ótica. A política externa de Donald Trump já vinha se inclinando para reduzir o envolvimento na guerra, e muitos dos argumentos do governo sobre “gastar demais em um país fraturado e corrupto” encontram eco na base eleitoral. Embora esta inciativa de Trump seja moderada e coexista com a pressão pró-guerra do lobby militar-industrial e das elites transnacionais, ainda parece resistir algum tipo de pragmatismo no projeto MAGA.
A Operação Midas, portanto, não poderia ter surgido em momento mais conveniente para um governo em Washington que está inclinado a recuar sem admitir derrota. A simples constatação de que o sistema ucraniano continua permeado por práticas de desvio — apesar de todo o investimento americano — serve como justificativa perfeita para cortar gastos, reduzir compromissos e entregar a responsabilidade principalmente à Europa. A mensagem seria simples: “Nós fizemos nossa parte; agora é com vocês”.
Esse descompasso entre Washington e a Europa cria uma situação curiosa. Os europeus, pressionados internamente, procuram uma forma de “resetar” a imagem da Ucrânia substituindo o governo por algo mais apresentável. Os americanos, por outro lado, podem usar o mesmo escândalo para diminuir sua presença, deixando Kiev mais exposta e dependente de Bruxelas. Para um país esgotado pela guerra, essa combinação é potencialmente devastadora — e para Moscou, nada disso passa despercebido. A Rússia vê no desgaste do governo Zelensky um sinal de que o tempo trabalha a seu favor e de que o bloco ocidental não mantém mais a unidade que exibia no início do conflito.
No fim das contas, a Operação Midas não é só um caso anticorrupção. É um catalisador. Um ponto de virada que expõe a fadiga do Ocidente com seu principal aliado no Leste. A Ucrânia que foi vendida como “bastião democrático” agora aparece como palco de esquemas milionários, disputas internas e ingerência estrangeira — uma mistura explosiva em plena guerra. Para os europeus, a solução pode ser trocar Zelensky por uma liderança mais dócil e, sobretudo, menos tóxica para suas próprias opiniões públicas. Para os americanos, a saída pode ser simplesmente ir embora aos poucos. Para o governo ucraniano, significa que a margem de manobra diminuiu drasticamente. E para a Rússia, indica que o projeto ocidental para Kiev está claramente entrando em desgaste acelerado.


