Os EUA deveriam ouvir a mãe de Decarlos Brown e criar instituições às quais gente como ela confiasse de bom grado a vida do seu filho.
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No primeiro final de semana do mês de setembro, o Twitter foi inundado por cenas de um assassinato despropositado num trem da Carolina do Norte. As câmeras de segurança flagraram o momento em que Decarlos Brown, um negro feio com inúmeras passagens pela polícia, esfaqueou, do nada, Iryna Zarutska, uma bela refugiada ucraniana de apenas 23 anos. A divulgação das imagens ocorreu a conta-gotas: primeiro, a imagem do crime. Depois, a imagem da moça encolhida, com uma expressão de pavor, enquanto os demais passageiros, também negros, permanecem alheios. Circulou também uma gravação com som na qual Decarlos Brown dizia “peguei a menina branca” – o que é estranho, já que as demais gravações do crime eram sem som. Aparentemente, só o Hindustan Times se deu ao trabalho de noticiar o viral e desmenti-lo.
A direita, então, entrou num surto histérico no Twitter: o sistema judicial, a mídia, o mundo, quer exterminar brancos e considerar negros inimputáveis. Contas grandes, seguidas por gente influente, divulgaram defesas de Apartheid e guerra racial sem suscitar veemente reprovação da direita. (Particularmente, eu não só não vi direitistas americanos rechaçando o racismo, como vi direitistas de língua espanhola fazendo campanhas contra negros, para minha surpresa.)
É claro que os EUA têm mil e um problemas causados por ONGs neoliberais que pretendem cortar gastos com serviços públicos e inventam incontáveis maluquices para desfinanciar a polícia e acabar com presídios. O tuíte de JD Vance, feito durante a indignação coletiva, acerta quase por completo: “A grande mentira que os Democratas contaram sobre o crime violento é que ele é ‘sistêmico’, e portanto ninguém é responsável de verdade. Se se deve culpar o ‘sistema’, então financia-se um punhado de ONGs que não fazem nada além de dar empregos a radicais desqualificados. A realidade é que a esmagadora maioria dos crimes violentas é cometida por um diminuto número de pessoas e deveríamos jogá-las nas prisões.”
Tudo o que ele falou dos Democratas e ongueiros é correto. No entanto, Vance não vai abordar um calcanhar de Aquiles da direita neoliberal, em especial a dos EUA: a saúde pública. É muito fácil pintar Decarlos Brown como um homem mau que precisa de cadeia, já que a direita prega “law and order”. No entanto, desde a Antiguidade, entende-se que alienados mentais – os loucos – não são responsáveis pelas suas próprias ações. Segundo relatam o New York Post e a CNN, entre as prisões de Decarlos Brown conta-se uma por falsa comunicação à polícia: quando os policiais lhe fizeram uma visita de rotina, ele informou que lhe havia sido entregue um artefato que controlava a sua alimentação, sua fala e seu caminhar. Os policiais consideraram tratar-se de um problema médico e não resolveram o problema do artefato. Inconformado, ele discou 911 para denunciar o artefato e acabou preso por falsa comunicação.
No Post, lemos que sua própria mãe já havia dito à imprensa local que ele não pode ficar solto pelas ruas, pois é um esquizofrênico diagnosticado. Na CNN, aprendemos que ele explicou à irmã que esfaqueou Iryna Zarutska porque ela estava lendo a mente dele.
O homem é um doido. Qual é o plano dos EUA, como país, para ele? Aparentemente, prendê-lo por ser doido para em seguida soltá-lo por ser doido (ou por ser negro, pobre etc). No máximo, os Republicanos irão prendê-lo por mais tempo – embora seja necessária muita criatividade para manter preso, um esquizofrênico que ligou para a polícia para reclamar do aparelho que lia os seus pensamentos.
É digno de nota que algumas das prisões de Brown estavam relacionada a drogas. Brown tem 34 anos, portanto nasceu em 1991 ou no final de 1990. Brown nasceu no mundo revolucionado pela contracultura, onde é normal exaltar as drogas como um meio de conhecer a si próprio, ou rebelar-se contra o sistema. A normalização das drogas foi um projeto de Estado dos EUA – vide o MK Ultra.
As drogas favorecem o surgimento de doenças mentais, e é razoável levantarmos a possibilidade de Brown ter desenvolvido a esquizofrenia por causa do uso de maconha. No que depender dos Democratas, mais e mais pessoas desenvolverão doenças mentais, porque eles valorizam a “liberdade” e glamourizam as drogas. Quanto aos Republicanos, é verdade que eles pregam a guerra às drogas – mas é muito questionável se têm alguma solução para os inúmeros danos psiquiátricos já causados pelas drogas. O que fazer com tantos viciados? Com Brown, Trump já resolveu: pena de morte.
Os Estados Unidos precisam, claramente, gastar dinheiro público com instituições manicomiais. Como tanto Democratas quanto Republicanos são neoliberais, ambos os lados têm interesse em transformar o caso de Iryna Zarutska numa insolúvel guerra racial, que é gratuita e mobiliza as bases. Os Democratas dirão que Decarlos Brown é uma vítima da sociedade que merece compaixão, e estarão dispostos a sacrificar inúmeras vítimas no altar do movimento antimanicomial. O atual estado de coisas foi incitado por eles, e é impossível remediá-lo sem violar seus dogmas woke. Quanto aos Republicanos, resta pintar como violência racial aquilo que é caso psiquiátrico.
Dado que os EUA deixam seus loucos perigosos nas ruas, e dado que os EUA ainda são um país de maioria branca, só podemos imaginar que esquizofrênicos brancos matem brancos. O crime de Brown ocorreu dia 22 de agosto, e só duas semanas depois foi publicado no Twitter. É difícil não imaginar que o caso foi escolhido a dedo porque se trata de um homem negro fazendo uma maldade muito violenta contra uma bela moça branca.
Nessa história, os EUA deveriam ouvir a mãe de Decarlos Brown e criar instituições às quais gente como ela confiasse de bom grado a vida do seu filho: um ambiente salubre onde os loucos recebessem tratamento digno e não oferecessem risco à vida de gente inocente como Iryna Zarutska.