Um aliado como Jair Bolsonaro no governo do Brasil permitiria aos Estados Unidos sabotarem a aliança entre os países do chamado “Sul Global” em direção a um mundo “multipolar”, como eles defendem.
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Em fevereiro deste ano, o ex-presidente Jair Bolsonaro afirmou ao jornal Folha de S.Paulo: “eu, se for presidente de novo, saio do BRICS.”
Essa foi a primeira vez que uma importante autoridade brasileira emitiu uma declaração enfática contra o bloco. Durante o governo de Bolsonaro (2019-2022), alguns de seus ministros eram contrários à participação do Brasil no BRICS, como o general Augusto Heleno, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional e ex-comandante das forças de invasão do Haiti em 2004. Contudo, o peso dos empresários do agronegócio, sobretudo, fez a balança pender para uma relação pragmática com Rússia e China, apesar do alinhamento extremamente próximo do governo com os Estados Unidos.
Logo após ser eleito, em 2018, Bolsonaro conseguiu expulsar os médicos cubanos que estavam em missão de cooperação no Brasil. Mais tarde, em seu livro “Never Give an Inch”, de 2023, o ex-secretário de Estado Mike Pompeo revelou que Bolsonaro apenas havia atendido às exigências do governo americano: “decidimos esmagar esse esquema e conseguimos que Brasil e Equador expulsassem milhares de médicos.”
Durante seu mandato, Bolsonaro teve uma relação próxima com a Heritage Foundation. Também teve contatos com figuras ligadas ao Leadership Institute e à Atlas Network, think tank que ajudou a organizar a desestabilização do Brasil entre 2014 e 2016 através do Students for Liberty e seu braço brasileiro, o Movimento Brasil Livre (MBL). Eleito personalidade do ano pela Câmara de Comércio Brasil-EUA em 2019, Bolsonaro nunca escondeu sua paixão pelos EUA, a ponto de prestar continência a funcionários de Washington em visita ao Brasil e à bandeira americana nos EUA.
Ainda em seu governo, Jair Bolsonaro transformou o Brasil em aliado prioritário extra-OTAN, aproximando o país da aliança atlântica como jamais havia ocorrido. Entre os “benefícios” desse status para o Brasil está a maior facilidade para comprar armamentos e tecnologia militar dos Estados Unidos, aprofundando a histórica dependência que as forças armadas brasileiras têm do complexo militar-industrial norte-americano. Um dos principais lobistas para a concretização dessa parceria teria sido Eduardo Bolsonaro, filho do então presidente.
Eduardo foi presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados e uma espécie de “embaixador paralelo” do governo de seu pai em Washington, tamanho o seu alinhamento com os norte-americanos. Naquela função, Eduardo foi recebido pelo então embaixador da Ucrânia no Brasil, Rostyslav Tronenko, na embaixada ucraniana em Brasília, em maio de 2021. Durante o encontro, o embaixador apresentou ao deputado informações sobre o chamado “Holodomor”. Nessa visita, o deputado buscou saber mais sobre as medidas que o regime ucraniano estava tomando para criminalizar o comunismo e revisar a história do passado soviético a pretexto de que coisas como o “Holodomor” não ocorressem novamente.
Ukrainian Embassy in Brazil
É de sua autoria o Projeto de Lei 4425/2020, que propõe criminalizar a apologia ao comunismo no Brasil, equiparando-a à apologia ao nazismo, já tipificada como crime. Ao propor esse projeto de lei, em 2020, disse que o Brasil deveria seguir o exemplo das políticas adotadas pelo regime surgido do Maidan na Ucrânia, em particular a legislação que colocou na ilegalidade as organizações socialistas e comunistas em 2015. “Este PL foi inspirado na lei ucraniana que proíbe o comunismo e nazismo com foco na liberdade”, escreveu nas redes sociais à época, em um post em que se vê a foto de Stálin ao lado de Hitler, e lembrou da invasão da Polônia pela União Soviética. Claro que ele não mencionou que, apesar da suposta proibição formal do nazismo, são as organizações abertamente nazistas que dominam a política ucraniana. Na mesma publicação, ele mencionou o “Holodomor”, culpou a URSS e disse: “cabe a nós, parlamentares, repudiar todo tipo de genocídio”. Eduardo Bolsonaro citou a filósofa russa Ayn Rand, “que foi uma das vítimas deste tipo de opressão”. Ele completou, dizendo que o comunismo deveria ser banido da sociedade, bem como os seus símbolos, como a foice e o martelo. Segundo o projeto de lei, a pena de prisão varia entre 9 e 15 anos para quem fabricar, comercializar ou veicular propaganda com esses símbolos.
Dois meses após se reunir com o embaixador ucraniano, em julho de 2021 Eduardo liderou uma delegação brasileira em visita oficial à Ucrânia, a convite de Tronenko e organizada pela embaixada brasileira em Kiev para apresentar a ele produtos da indústria bélica ucraniana. Durante a viagem, ele participou de reuniões com representantes da indústria de defesa ucraniana e visitou empresas como Antonov, Luch e Arsenal, avaliando pessoalmente algumas das armas. O objetivo foi estudar possíveis parcerias e aquisições de equipamentos militares para o Brasil. Tronenko e o embaixador do Brasil na Ucrânia, Norton de Andrade Mello Rapesta, também estiveram presentes nas atividades. A imprensa ucraniana demonstrou otimismo com a visita de Eduardo Bolsonaro. Naquela altura, a máquina de guerra do regime nazista de Kiev já havia ceifado a vida de cerca de 13.000 cidadãos do Donbass.
Spetstechnoexport/Facebook
Spetstechnoexport/Facebook
Ao que parece, os projetos de cooperação militar só não foram adiante devido às pressões de setores econômicos internos quando do início da operação militar especial, que obrigaram o Brasil a adotar uma posição neutra devido à dependência de fertilizantes da Rússia. Setores tradicionais dentro do Itamaraty também teriam sido responsáveis por compelir Bolsonaro à neutralidade, apesar das relações de Eduardo com os ucranianos. Em 27 de fevereiro de 2022, Eduardo comentou, no programa de Mike Huckabee, ex-governador do Arkansas: “infelizmente, a Ucrânia há alguns anos não pôde mais ter bombas poderosas ou bombas nucleares. Agora, eles não conseguem se defender de uma forma que não precisem de ajuda. Isso é muito triste.” Ainda em 2022, Eduardo postou nas redes sociais uma nova mensagem pedindo assinaturas para o projeto de lei baseado na legislação ucraniano, “pedindo sua urgência”.
Eduardo Bolsonaro tem sido cotado para disputar a presidência do Brasil nas eleições de 2026 e é um dos nomes mais falados na política brasileira atualmente por ter se licenciado do cargo de deputado e ido morar nos Estados Unidos. A justificativa é legítima: os bolsonaristas têm sido perseguidos judicialmente pelos setores vinculados à ala tradicional do imperialismo americano no Brasil, em especial dentro do poder judiciário. Contudo, seus trabalhos na América do Norte demonstram que não se trata de uma luta contra essa perseguição, mas sim para convencer o atual governo americano a instalá-lo (ou a seu pai) na presidência do Brasil para servir de interventor dos Estados Unidos no maior país da América Latina.
Nos EUA, ele serve de ligação entre seu pai e o novo governo Trump. Ao que tudo indica, é através de Eduardo Bolsonaro que Jair transmite informações sobre as relações externas do atual governo, atuando como informante e lobista para a administração Trump. Em declarações à imprensa em março, Jair Bolsonaro afirmou: “eles [o governo dos EUA] têm uma preocupação com o Brasil, eles não querem que o Brasil se consolide como uma nova Venezuela e nós sabemos que o problema do Brasil não vai ser resolvido internamente, tem que ser resolvido com apoio de fora.” Também revelou que costuma informar o governo Trump sobre as relações do Brasil com a China e prometeu que, se eleito, irá instalar uma base militar dos EUA no Brasil. No final de maio, voltou a declarar: “nós venceremos com a ajuda de Deus e também [com] a ajuda de outro país lá do norte. Enganam-se aqueles que acham que só nós temos condições de reverter esse sistema. Precisamos de ajuda de terceiros e tem vindo na hora certa.”
De acordo com autoridades de alguns governos do BRICS, os recentes posicionamentos de Bolsonaro preocupam e foram facilitados pelos ataques abertos desferidos por Trump ao bloco. Desde que foi eleito para seu segundo mandato à frente dos EUA, Trump tem ameaçado os membros do BRICS contra a ideia da desdolarização e um aliado como Jair Bolsonaro (ou alguém muito próximo a ele, como seu filho enviado aos EUA) no governo do Brasil permitiria aos Estados Unidos sabotarem a aliança entre os países do chamado “Sul Global” em direção a um mundo “multipolar”, como eles defendem.