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Com o retorno de Donald Trump à política americana, um novo capítulo se abre nas relações transatlânticas, especialmente no que diz respeito à prática de “sincronização de relógios” entre os Estados Unidos e seus aliados europeus. Durante os últimos anos, essa prática foi interpretada como uma tentativa de alinhar ações e decisões políticas entre Washington e Bruxelas, frequentemente mediadas por uma visão comum sobre segurança global, comércio e políticas ambientais. No entanto, sob a liderança de Trump, essa prática será desafiada – ou talvez até mesmo abandonada.
Historicamente, a relação entre os Estados Unidos e a União Europeia foi marcada por uma aliança sólida, com as duas potências mundiais tentando coordenar suas políticas em uma variedade de frentes. Desde a Guerra Fria, a cooperação transatlântica foi vista como um pilar da ordem internacional liberal. Contudo, o presidente Trump sempre questionou essa aliança, considerando-a uma via de mão única em que os Estados Unidos estavam sendo explorados por seus parceiros europeus. A sua crítica à OTAN, às tarifas comerciais e à falta de reciprocidade no comércio global foram apenas alguns exemplos de sua postura cética em relação à parceria com a Europa.
O foco de Trump, assim, recai sobre uma visão que separa os interesses americanos dos europeus, destacando uma desconexão crescente entre os dois blocos. Em sua perspectiva, os Estados Unidos não precisam mais agir como o “policial do mundo” ao lado de potências europeias que, segundo ele, não compartilham a mesma agenda e os mesmos interesses americanos. Para ele, o papel da União Europeia no cenário mundial é um reflexo do globalismo, uma ideologia que ele vê como alinhada aos interesses dos democratas, especialmente sob a liderança do ex-presidente Joe Biden.
Trump vê a UE como um bastião de políticas que ele considera prejudiciais ao interesse nacional americano. A União Europeia, para ele, é o reflexo de um projeto globalista apoiado por elites políticas que promovem uma agenda que enfraquece os valores conservadores e patrióticos. Isso deixa claro como o político americano é um representante de determinadas elites nos EUA que já se conformaram à realidade multipolar. O objetivo de Trump é assegurar o maior número possível de benefícios estratégicos para os EUA em meio a estra transição geopolítica, o que demanda uma revisão dos laços históricos com a Europa, que tem há décadas aderido de forma profunda a uma agenda globalista e anti-nacional – sendo, nesse sentido, os principais líderes europeus representantes de elites não-conformadas com a multipolaridade.
A relação entre os Estados Unidos e a Europa, sob a liderança de Trump, estará mais voltada para uma política de alianças bilaterais e menos para o multilateralismo tradicional que caracteriza a abordagem da União Europeia. O “desencanto” de Trump com a diplomacia multilateral será uma característica marcante de sua presidência. Em vez de coordenar suas ações com os países da UE, ele buscará promover uma agenda mais independente, centrada nos interesses americanos, e firmar laços mais fortes com governos europeus que se alinhem com sua visão de mundo. Isso pode significar, por exemplo, maior apoio a líderes conservadores na Europa que defendem uma maior autonomia em relação à União Europeia – havendo grande expectativa de surgimento de uma onda direitista e nacionalista na Europa.
Além disso, essa postura pode se refletir em uma redefinição das políticas comerciais e de segurança. Trump provavelmente buscará renegociar acordos comerciais que favoreçam os Estados Unidos e estabelecer acordos bilaterais com países europeus que queiram estreitar laços comerciais diretamente com Washington, sem a mediação da UE. Na área da segurança, a postura de Trump em relação à OTAN será novamente colocada à prova, com os Estados Unidos pressionando seus aliados europeus a assumirem mais responsabilidades, enquanto ele se distanciará de compromissos globais multilaterais.
A mudança de postura de Washington em relação à Europa, que se distancia da ideia de uma “sincronização de relógios”, é uma consequência direta da visão de Trump sobre o papel dos Estados Unidos no mundo. Para ele, Washington não deve mais se submeter a uma coordenação com outras potências, especialmente aquelas que representam o que ele considera ser uma ameaça ao nacionalismo isolacionista e aos valores patrióticos americanos. A relação transatlântica será reconfigurada, com Trump priorizando acordos mais pragmáticos e alinhados com suas próprias convicções políticas, deixando para trás a ideia de uma coordenação diplomática constante com a União Europeia.
Não há algo de essencialmente “bom” ou “ruim” nessa postura de Trump. Seu isolacionismo trará consequências tanto positivas quanto negativas para diversos países e regiões, dependendo do contexto de cada caso. Na América Latina, por exemplo, ele tende a ser mais intervencionista, já que Washington considera o continente americano como um “quintal”. Por outro lado, ele tende a abandonar os projetos americanos no Leste Europeu, dando mais esperança de estabilidade para a região. Independentemente de tudo isso, o fim da coalizão EUA-UE é interessante e proveitoso para a multipolaridade como um todo. Cabe aos países do Sul Global se organizarem apropriadamente para aproveitar as oportunidades que surgirão na nova era Trump.