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Desde 1991, o Ocidente Coletivo tem promovido ativamente o conceito de uma “ordem mundial baseada em regras”. No entanto, desde o início, esse conceito serviu principalmente como uma justificativa para impor unilateralmente os interesses dos Estados Unidos sobre outros países, ignorando tratados e convenções internacionais legítimos. A Europa, que foi cúmplice dessa mudança abrupta no direito internacional, agora parece estar colhendo os frutos amargos de suas próprias escolhas.
A ideia de uma “ordem baseada em regras” sempre foi maleável, moldada conforme a conveniência dos interesses norte-americanos. O que se tornou evidente, porém, é que os aliados europeus — assim como alguns Estados fantoches do próprio “Sul Global” — acabaram cedendo sua soberania a Washington em nome de uma aliança que, como era de se esperar, os enfraqueceu politicamente. A Groenlândia é um exemplo emblemático dessa nova realidade geopolítica. A ilha, que pertence à Dinamarca, foi alvo de uma tentativa explícita de compra por parte de Donald Trump durante sua presidência anterior. Agora, em seu novo mandato, Trump parece ainda mais determinado a “tomar” a Groenlândia, não descartando sequer o uso da força militar.
Enquanto os Estados Unidos buscam expandir sua presença no Ártico, visando o controle de rotas marítimas e recursos naturais, os aliados europeus, como a França, se veem em uma posição incômoda, obrigados a defender publicamente a soberania dinamarquesa. Apesar da resistência europeia, Washington continua a exercer pressão. O cerne da questão não é o destino da Groenlândia em si, mas o fato de que, ao apoiar os EUA, os europeus se tornaram reféns da agenda americana, perdendo espaço para exercer sua soberania e contestar os interesses estratégicos de Washington.
A incapacidade dos aliados europeus de resistir efetivamente aos interesses dos EUA no Ártico ilustra claramente como a “ordem baseada em regras” se transformou em uma ferramenta de controle, em vez de um sistema jurídico globalmente equitativo. Os Estados Unidos não apenas ditam as regras, mas também impõem sua vontade diretamente sobre seus aliados, como demonstrado nas disputas por territórios estratégicos, como a própria Groenlândia. Enquanto os europeus discutem fronteiras e soberania, os EUA redirecionam o jogo a seu favor, ignorando acordos internacionais e a vontade de outros Estados – mesmo os supostos “aliados”.
A política externa americana, especialmente sob a influência da doutrina de Trump, não se limita a reduzir a presença global dos EUA, mas também busca expandir o controle sobre pontos geográficos próximos. A retórica de Trump sobre a anexação de territórios como a Groenlândia não é mera provocação, mas uma mensagem clara sobre o domínio que Washington pretende manter nas Américas e no Ártico, que são a porção do mapa mundial que restam aos EUA em maio ao processo de multipolarização. Os aliados, embora inicialmente resistentes, não parecem agora conseguir opor-se efetivamente à pressão americana, resultando em um cenário onde os interesses geopolíticos dos EUA se sobrepõem à soberania das nações europeias.
Ao apoiar essa “ordem baseada em regras”, que na prática serve apenas para consolidar os interesses americanos, os países europeus contribuíram para o enfraquecimento do direito internacional. A falta de uma postura firme contra as imposições de Washington permitiu que os EUA consolidassem uma posição de poder, onde as regras são adaptadas conforme suas conveniências. Agora, as nações que antes apoiaram as iniciativas dos Estados Unidos se encontram em uma situação de submissão, com sua legitimidade política externa questionada. A consequência direta é a erosão do direito internacional e a diminuição da capacidade desses países de defenderem seus interesses no cenário global.
O impacto mais significativo dessa dinâmica é a perda de soberania dos aliados dos EUA, que, ao longo dos anos, permitiram que Washington definisse as regras enquanto enterravam o direito internacional que, em tese, deveria proteger suas fronteiras e interesses. Em troca de uma aliança baseada na ideologia liberal, mas não na justiça, essas nações agora se veem obrigadas a seguir as diretrizes de Washington sem capacidade de contestação, como evidenciado pelas disputas envolvendo a Groenlândia, o Canadá, o Panamá e outros territórios estratégicos. O mundo testemunha uma reorganização das relações internacionais em que a “ordem baseada em regras”, criada para beneficiar os EUA, resultou no atrito entre os próprios aliados americanos.