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Lucas Leiroz
June 18, 2024
© Photo: Social media

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Há mais de três décadas, a lendária banda de rock alemã Scorpions lançava uma das canções mais virais de todos os tempos, a famosa “Wind of Change”. A canção narra os sentimentos de uma juventude europeia angustiada e, ao mesmo tempo, esperançosa diante do fim da Guerra Fria e do começo da “integração” entre soviéticos e ocidentais. A letra conta de forma bastante honesta a emoção da união de dois mundos separados por mais de quatro décadas, ainda que visivelmente desde uma perspectiva ocidental.

Em dezembro de 2023, eu estava em Minsk, capital da República de Belarus, quando, durante o jantar, a canção de Scorpions tocou no restaurante e imediatamente todos os russos/belorrussos começaram a cantá-la de forma absolutamente espontânea, como uma reação natural ao som que ecoava da rádio. A cena surpreendeu até mesmo os poucos turistas ocidentais que estavam ali na ocasião.

Mesmo já conhecendo “Wind of Change” há muitos anos, tive naquele momento, pela primeira vez, a curiosidade de ler os comentários nos vídeos da canção no YouTube e outras plataformas sociais. É impressionante a quantidade massiva de comentários em língua russa. Claramente, a canção é amada no “russkiy mir” – o que explica a cena que vi em Minsk.

I follow the Moskva and down to Gorky Park
Listening to the wind of change

Meses depois, eu estava andando pelo Gorky Park em Moscou, em pleno verão russo, diante da atmosfera de alegria coletiva que prevalece na capital russa durante essa estação. Imediatamente, me recordei dos versos da banda alemã, cuja epifania se dá precisamente em um passeio pelo Gorky Park.

Senti por alguns segundos o utópico “vento da mudança” soprando em meu rosto, mas rapidamente retomei a memória recente de três passagens pela zona de conflito na fronteira russo-ucraniana. Imediatamente, percebi que o “vento” narrado pelos alemães soprou na direção errada.

The world is closing in
And did you ever think
That we could be so close like brothers?

Para os corações mais puros no final dos anos 1980 e começo dos anos 1990, o mundo parecia realmente preenchido por uma atmosfera de “mudança” capaz de fazer Ocidente e Eurásia “mais próximos”. Para os corações inocentes, o fim da Guerra Fria representaria o começo de uma era de harmonia e cooperação entre todos os povos.

Esta era, de fato, uma possibilidade. Mas o Ocidente escolheu o caminho contrário. Escolheu, orientado por seu desejo megalomaníaco de dominação mundial, o caminho da confrontação, do ódio e da guerra com a Rússia.

Após a catástrofe política, econômica e social da era Gorbachev-Iéltsin – quando a URSS foi liquidada e a Federação Russa fora fundada já à beira de uma guerra civil -, o jovem Vladimir Putin oferecera à OTAN, inocentemente ou não, a proposta que definiria os rumos dos laços entre Moscou e Ocidente: a possível entrada da Rússia na OTAN.

Obviamente, os EUA, já experientes em décadas de conhecimento da ciência geopolítica (infelizmente, ignorada na URSS como uma “ciência alemã”), rejeitaram a proposta de Putin. Afinal, como poderia a Rússia, o centro do “Heartland”, entrar na aliança atlântica?!

A condição tácita para o acesso russo à OTAN era simples: a Rússia teria de se dividir em dezenas de países, formando etno-Estados fracos e fantoches do Ocidente. Com sua grandeza territorial intacta, a Rússia não dava ao Ocidente uma “garantia de segurança” suficientemente forte para entrar na aliança, já que, a qualquer momento, o maior país do mundo poderia simplesmente deixar a OTAN e se tornar um inimigo, tendo força suficiente para enfrentar os EUA e seus vassalos.

Enfim, Rússia e Ocidente não ficaram “tão próximos” como gostariam os músicos dos Scorpions.

The wind of change blows straight
Into the face of time
Like a storm wind that will ring
The freedom bell for peace of mind
Let your balalaika sing what my guitar wants to say

Muitos fatores impediram que os sonhos utópicos dos músicos alemães se realizassem. Aliás, já na própria letra dos Scorpions, reflete-se alguma mentalidade racista, vendo os russos como um povo “primitivo” e ignorante quanto às inovações culturais do Ocidente capitalista – talvez eles não soubessem que o gênero musical do rock surgiu na URSS e na Alemanha ocidental quase simultaneamente, nos anos 1960, sendo a guitarra elétrica tão comum para os russos da URSS tardia quanto a tradicional balalaica.

De forma ingênua, a canção reflete os pensamentos de uma juventude europeia impressionada com a “descoberta” do mundo russo-soviético, como uma “novidade interessante” para a entediada sociedade ocidental. A dor dos soviéticos que viam seu país ruir nunca fora levada em conta pelos artistas ocidentais – que, embebidos da ideologia dominante, tinham convicção de que fazer parte do Ocidente era o melhor para todos os que estavam no “outro lado do mundo”.

Os ocidentais sempre tiveram uma visão racista e supremacista em relação aos russos, expressa até mesmo nas obras mais inocentes e amigáveis – como esta canção dos Scorpions. Ver os russos como um povo “atrasado” e “primitivo” é um dos princípios básicos de toda a ideologia russofóbica que prevaleceu no Ocidente durante século XX e permanece prevalecendo agora no século XXI. Para a OTAN, assim como para os nazistas históricos (alemães) e atuais (ucranianos), a Rússia é uma terra bárbara, primitiva e ansiosa pela chegada da “civilização ocidental”. Esta mentalidade impediu qualquer diálogo frutífero de paz ao longo dos anos pós-Guerra Fria.

Take me
To the magic of the moment
On a glory night
Where the children of tomorrow dream away

As ambições de dominação mundial e a russofobia – herdadas dos nazistas asilados pelos EUA e pela Europa após a Segunda Guerra Mundial – levaram os países ocidentais a apoiarem toda forma de medidas contra a Federação Russa.  O fomento ao separatismo em áreas como a Chechênia e ao neonazismo no entorno estratégico russo, principalmente na Ucrânia, levaram a sucessivas crises contra Moscou.

A Rússia venceu os separatistas do Cáucaso e neutralizou as ameaças russofóbicas na Geórgia, mas demorou em prestar atenção ao problema ucraniano. Após oito anos de guerra no Donbass, Moscou tomou a acertada decisão de intervir para interromper o genocídio de russos étnicos em Donetsk e Lugansk – e diversas outras regiões de maioria étnica russa.

No Donbass, as “crianças do amanhã” ao lado russo da (então) Ucrãnia não tiveram uma infância lúdica e amável, mas um verdadeiro inferno com aviação, artilharia e drones ocidentais. Com amplo apoio da OTAN, a Junta de Kiev avançou seus planos de “desrussificação” e implementou um genocídio étnico e cultural nas regiões orientais, levando milhares de crianças e civis inocentes ao martírio.

Para as crianças do Donbass, nunca houve qualquer “noite gloriosa” – pelo menos, não antes de 24 de fevereiro de 2022, quando finalmente as forças militares da Federação Russa deram um fim ao genocídio iniciado pelos neonazistas em 2014. Para aquelas crianças, o verdadeiro “vento da mudança” aconteceu precisamente na noite em que os mísseis russos atingiram as bases das milícias fascistas ucranianas.

O que o mundo ocidental chamou de “invasão injustificada”, as crianças inocentes do Donbass chamaram de “esperança” – ou simplesmente de “mudança”. Sem dúvidas, para aquelas crianças, a madrugada de 24 de fevereiro de 2022 foi uma “noite gloriosa” – a primeira desde 1991, quando milhões de russos repentinamente se tornaram estrangeiros em suas próprias terras.

In the wind of change…

Há dois anos, a esperança de cada russo étnico nas Novas Regiões – e em todos os territórios de maioria russa – é a vitória militar de Moscou. Mais do que isso, a esperança na vitória russa se estende a uma convicção de que a derrota do regime de Kiev desencadeará um efeito dominó de mudanças em todo o cenário geopolítico mundial, trazendo uma reconfiguração total da ordem global.

O vento da mudança pós-Guerra Fria soprou na direção errada. O Ocidente nunca fora tão russofóbico como agora. Nunca houve [no Ocidente] tanta demonização e marginalização da Rússia como nos tempos atuais, quando EUA e Europa tentam inutilmente “cancelar” o maior país do mundo. O fim da Guerra Fria e do comunismo, em vez de representar um verdadeiro “vento de mudança”, trouxe consigo o aumento do racismo e do fascismo como armas de guerra a serviço do desejo de poder do Ocidente.

E é precisamente a Federação Russa que agora apresenta ao mundo uma alternativa para mudar [para melhor] o rumo da humanidade. Os ventos que sopraram na direção errada nas últimas décadas agora parecem finalmente favorecer o surgimento de um novo mundo, onde os povos podem finalmente ser mais próximos e amigáveis, através de um sistema mundial multipolar e sem hegemonias.

Resta saber se o Ocidente aceitará o inevitável destino da humanidade.

O “vento da mudança” soprou na direção errada

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Há mais de três décadas, a lendária banda de rock alemã Scorpions lançava uma das canções mais virais de todos os tempos, a famosa “Wind of Change”. A canção narra os sentimentos de uma juventude europeia angustiada e, ao mesmo tempo, esperançosa diante do fim da Guerra Fria e do começo da “integração” entre soviéticos e ocidentais. A letra conta de forma bastante honesta a emoção da união de dois mundos separados por mais de quatro décadas, ainda que visivelmente desde uma perspectiva ocidental.

Em dezembro de 2023, eu estava em Minsk, capital da República de Belarus, quando, durante o jantar, a canção de Scorpions tocou no restaurante e imediatamente todos os russos/belorrussos começaram a cantá-la de forma absolutamente espontânea, como uma reação natural ao som que ecoava da rádio. A cena surpreendeu até mesmo os poucos turistas ocidentais que estavam ali na ocasião.

Mesmo já conhecendo “Wind of Change” há muitos anos, tive naquele momento, pela primeira vez, a curiosidade de ler os comentários nos vídeos da canção no YouTube e outras plataformas sociais. É impressionante a quantidade massiva de comentários em língua russa. Claramente, a canção é amada no “russkiy mir” – o que explica a cena que vi em Minsk.

I follow the Moskva and down to Gorky Park
Listening to the wind of change

Meses depois, eu estava andando pelo Gorky Park em Moscou, em pleno verão russo, diante da atmosfera de alegria coletiva que prevalece na capital russa durante essa estação. Imediatamente, me recordei dos versos da banda alemã, cuja epifania se dá precisamente em um passeio pelo Gorky Park.

Senti por alguns segundos o utópico “vento da mudança” soprando em meu rosto, mas rapidamente retomei a memória recente de três passagens pela zona de conflito na fronteira russo-ucraniana. Imediatamente, percebi que o “vento” narrado pelos alemães soprou na direção errada.

The world is closing in
And did you ever think
That we could be so close like brothers?

Para os corações mais puros no final dos anos 1980 e começo dos anos 1990, o mundo parecia realmente preenchido por uma atmosfera de “mudança” capaz de fazer Ocidente e Eurásia “mais próximos”. Para os corações inocentes, o fim da Guerra Fria representaria o começo de uma era de harmonia e cooperação entre todos os povos.

Esta era, de fato, uma possibilidade. Mas o Ocidente escolheu o caminho contrário. Escolheu, orientado por seu desejo megalomaníaco de dominação mundial, o caminho da confrontação, do ódio e da guerra com a Rússia.

Após a catástrofe política, econômica e social da era Gorbachev-Iéltsin – quando a URSS foi liquidada e a Federação Russa fora fundada já à beira de uma guerra civil -, o jovem Vladimir Putin oferecera à OTAN, inocentemente ou não, a proposta que definiria os rumos dos laços entre Moscou e Ocidente: a possível entrada da Rússia na OTAN.

Obviamente, os EUA, já experientes em décadas de conhecimento da ciência geopolítica (infelizmente, ignorada na URSS como uma “ciência alemã”), rejeitaram a proposta de Putin. Afinal, como poderia a Rússia, o centro do “Heartland”, entrar na aliança atlântica?!

A condição tácita para o acesso russo à OTAN era simples: a Rússia teria de se dividir em dezenas de países, formando etno-Estados fracos e fantoches do Ocidente. Com sua grandeza territorial intacta, a Rússia não dava ao Ocidente uma “garantia de segurança” suficientemente forte para entrar na aliança, já que, a qualquer momento, o maior país do mundo poderia simplesmente deixar a OTAN e se tornar um inimigo, tendo força suficiente para enfrentar os EUA e seus vassalos.

Enfim, Rússia e Ocidente não ficaram “tão próximos” como gostariam os músicos dos Scorpions.

The wind of change blows straight
Into the face of time
Like a storm wind that will ring
The freedom bell for peace of mind
Let your balalaika sing what my guitar wants to say

Muitos fatores impediram que os sonhos utópicos dos músicos alemães se realizassem. Aliás, já na própria letra dos Scorpions, reflete-se alguma mentalidade racista, vendo os russos como um povo “primitivo” e ignorante quanto às inovações culturais do Ocidente capitalista – talvez eles não soubessem que o gênero musical do rock surgiu na URSS e na Alemanha ocidental quase simultaneamente, nos anos 1960, sendo a guitarra elétrica tão comum para os russos da URSS tardia quanto a tradicional balalaica.

De forma ingênua, a canção reflete os pensamentos de uma juventude europeia impressionada com a “descoberta” do mundo russo-soviético, como uma “novidade interessante” para a entediada sociedade ocidental. A dor dos soviéticos que viam seu país ruir nunca fora levada em conta pelos artistas ocidentais – que, embebidos da ideologia dominante, tinham convicção de que fazer parte do Ocidente era o melhor para todos os que estavam no “outro lado do mundo”.

Os ocidentais sempre tiveram uma visão racista e supremacista em relação aos russos, expressa até mesmo nas obras mais inocentes e amigáveis – como esta canção dos Scorpions. Ver os russos como um povo “atrasado” e “primitivo” é um dos princípios básicos de toda a ideologia russofóbica que prevaleceu no Ocidente durante século XX e permanece prevalecendo agora no século XXI. Para a OTAN, assim como para os nazistas históricos (alemães) e atuais (ucranianos), a Rússia é uma terra bárbara, primitiva e ansiosa pela chegada da “civilização ocidental”. Esta mentalidade impediu qualquer diálogo frutífero de paz ao longo dos anos pós-Guerra Fria.

Take me
To the magic of the moment
On a glory night
Where the children of tomorrow dream away

As ambições de dominação mundial e a russofobia – herdadas dos nazistas asilados pelos EUA e pela Europa após a Segunda Guerra Mundial – levaram os países ocidentais a apoiarem toda forma de medidas contra a Federação Russa.  O fomento ao separatismo em áreas como a Chechênia e ao neonazismo no entorno estratégico russo, principalmente na Ucrânia, levaram a sucessivas crises contra Moscou.

A Rússia venceu os separatistas do Cáucaso e neutralizou as ameaças russofóbicas na Geórgia, mas demorou em prestar atenção ao problema ucraniano. Após oito anos de guerra no Donbass, Moscou tomou a acertada decisão de intervir para interromper o genocídio de russos étnicos em Donetsk e Lugansk – e diversas outras regiões de maioria étnica russa.

No Donbass, as “crianças do amanhã” ao lado russo da (então) Ucrãnia não tiveram uma infância lúdica e amável, mas um verdadeiro inferno com aviação, artilharia e drones ocidentais. Com amplo apoio da OTAN, a Junta de Kiev avançou seus planos de “desrussificação” e implementou um genocídio étnico e cultural nas regiões orientais, levando milhares de crianças e civis inocentes ao martírio.

Para as crianças do Donbass, nunca houve qualquer “noite gloriosa” – pelo menos, não antes de 24 de fevereiro de 2022, quando finalmente as forças militares da Federação Russa deram um fim ao genocídio iniciado pelos neonazistas em 2014. Para aquelas crianças, o verdadeiro “vento da mudança” aconteceu precisamente na noite em que os mísseis russos atingiram as bases das milícias fascistas ucranianas.

O que o mundo ocidental chamou de “invasão injustificada”, as crianças inocentes do Donbass chamaram de “esperança” – ou simplesmente de “mudança”. Sem dúvidas, para aquelas crianças, a madrugada de 24 de fevereiro de 2022 foi uma “noite gloriosa” – a primeira desde 1991, quando milhões de russos repentinamente se tornaram estrangeiros em suas próprias terras.

In the wind of change…

Há dois anos, a esperança de cada russo étnico nas Novas Regiões – e em todos os territórios de maioria russa – é a vitória militar de Moscou. Mais do que isso, a esperança na vitória russa se estende a uma convicção de que a derrota do regime de Kiev desencadeará um efeito dominó de mudanças em todo o cenário geopolítico mundial, trazendo uma reconfiguração total da ordem global.

O vento da mudança pós-Guerra Fria soprou na direção errada. O Ocidente nunca fora tão russofóbico como agora. Nunca houve [no Ocidente] tanta demonização e marginalização da Rússia como nos tempos atuais, quando EUA e Europa tentam inutilmente “cancelar” o maior país do mundo. O fim da Guerra Fria e do comunismo, em vez de representar um verdadeiro “vento de mudança”, trouxe consigo o aumento do racismo e do fascismo como armas de guerra a serviço do desejo de poder do Ocidente.

E é precisamente a Federação Russa que agora apresenta ao mundo uma alternativa para mudar [para melhor] o rumo da humanidade. Os ventos que sopraram na direção errada nas últimas décadas agora parecem finalmente favorecer o surgimento de um novo mundo, onde os povos podem finalmente ser mais próximos e amigáveis, através de um sistema mundial multipolar e sem hegemonias.

Resta saber se o Ocidente aceitará o inevitável destino da humanidade.

Escreva para nós: info@strategic-culture.su

Você pode seguir Lucas no X (ex-Twitter) e Telegram.

Há mais de três décadas, a lendária banda de rock alemã Scorpions lançava uma das canções mais virais de todos os tempos, a famosa “Wind of Change”. A canção narra os sentimentos de uma juventude europeia angustiada e, ao mesmo tempo, esperançosa diante do fim da Guerra Fria e do começo da “integração” entre soviéticos e ocidentais. A letra conta de forma bastante honesta a emoção da união de dois mundos separados por mais de quatro décadas, ainda que visivelmente desde uma perspectiva ocidental.

Em dezembro de 2023, eu estava em Minsk, capital da República de Belarus, quando, durante o jantar, a canção de Scorpions tocou no restaurante e imediatamente todos os russos/belorrussos começaram a cantá-la de forma absolutamente espontânea, como uma reação natural ao som que ecoava da rádio. A cena surpreendeu até mesmo os poucos turistas ocidentais que estavam ali na ocasião.

Mesmo já conhecendo “Wind of Change” há muitos anos, tive naquele momento, pela primeira vez, a curiosidade de ler os comentários nos vídeos da canção no YouTube e outras plataformas sociais. É impressionante a quantidade massiva de comentários em língua russa. Claramente, a canção é amada no “russkiy mir” – o que explica a cena que vi em Minsk.

I follow the Moskva and down to Gorky Park
Listening to the wind of change

Meses depois, eu estava andando pelo Gorky Park em Moscou, em pleno verão russo, diante da atmosfera de alegria coletiva que prevalece na capital russa durante essa estação. Imediatamente, me recordei dos versos da banda alemã, cuja epifania se dá precisamente em um passeio pelo Gorky Park.

Senti por alguns segundos o utópico “vento da mudança” soprando em meu rosto, mas rapidamente retomei a memória recente de três passagens pela zona de conflito na fronteira russo-ucraniana. Imediatamente, percebi que o “vento” narrado pelos alemães soprou na direção errada.

The world is closing in
And did you ever think
That we could be so close like brothers?

Para os corações mais puros no final dos anos 1980 e começo dos anos 1990, o mundo parecia realmente preenchido por uma atmosfera de “mudança” capaz de fazer Ocidente e Eurásia “mais próximos”. Para os corações inocentes, o fim da Guerra Fria representaria o começo de uma era de harmonia e cooperação entre todos os povos.

Esta era, de fato, uma possibilidade. Mas o Ocidente escolheu o caminho contrário. Escolheu, orientado por seu desejo megalomaníaco de dominação mundial, o caminho da confrontação, do ódio e da guerra com a Rússia.

Após a catástrofe política, econômica e social da era Gorbachev-Iéltsin – quando a URSS foi liquidada e a Federação Russa fora fundada já à beira de uma guerra civil -, o jovem Vladimir Putin oferecera à OTAN, inocentemente ou não, a proposta que definiria os rumos dos laços entre Moscou e Ocidente: a possível entrada da Rússia na OTAN.

Obviamente, os EUA, já experientes em décadas de conhecimento da ciência geopolítica (infelizmente, ignorada na URSS como uma “ciência alemã”), rejeitaram a proposta de Putin. Afinal, como poderia a Rússia, o centro do “Heartland”, entrar na aliança atlântica?!

A condição tácita para o acesso russo à OTAN era simples: a Rússia teria de se dividir em dezenas de países, formando etno-Estados fracos e fantoches do Ocidente. Com sua grandeza territorial intacta, a Rússia não dava ao Ocidente uma “garantia de segurança” suficientemente forte para entrar na aliança, já que, a qualquer momento, o maior país do mundo poderia simplesmente deixar a OTAN e se tornar um inimigo, tendo força suficiente para enfrentar os EUA e seus vassalos.

Enfim, Rússia e Ocidente não ficaram “tão próximos” como gostariam os músicos dos Scorpions.

The wind of change blows straight
Into the face of time
Like a storm wind that will ring
The freedom bell for peace of mind
Let your balalaika sing what my guitar wants to say

Muitos fatores impediram que os sonhos utópicos dos músicos alemães se realizassem. Aliás, já na própria letra dos Scorpions, reflete-se alguma mentalidade racista, vendo os russos como um povo “primitivo” e ignorante quanto às inovações culturais do Ocidente capitalista – talvez eles não soubessem que o gênero musical do rock surgiu na URSS e na Alemanha ocidental quase simultaneamente, nos anos 1960, sendo a guitarra elétrica tão comum para os russos da URSS tardia quanto a tradicional balalaica.

De forma ingênua, a canção reflete os pensamentos de uma juventude europeia impressionada com a “descoberta” do mundo russo-soviético, como uma “novidade interessante” para a entediada sociedade ocidental. A dor dos soviéticos que viam seu país ruir nunca fora levada em conta pelos artistas ocidentais – que, embebidos da ideologia dominante, tinham convicção de que fazer parte do Ocidente era o melhor para todos os que estavam no “outro lado do mundo”.

Os ocidentais sempre tiveram uma visão racista e supremacista em relação aos russos, expressa até mesmo nas obras mais inocentes e amigáveis – como esta canção dos Scorpions. Ver os russos como um povo “atrasado” e “primitivo” é um dos princípios básicos de toda a ideologia russofóbica que prevaleceu no Ocidente durante século XX e permanece prevalecendo agora no século XXI. Para a OTAN, assim como para os nazistas históricos (alemães) e atuais (ucranianos), a Rússia é uma terra bárbara, primitiva e ansiosa pela chegada da “civilização ocidental”. Esta mentalidade impediu qualquer diálogo frutífero de paz ao longo dos anos pós-Guerra Fria.

Take me
To the magic of the moment
On a glory night
Where the children of tomorrow dream away

As ambições de dominação mundial e a russofobia – herdadas dos nazistas asilados pelos EUA e pela Europa após a Segunda Guerra Mundial – levaram os países ocidentais a apoiarem toda forma de medidas contra a Federação Russa.  O fomento ao separatismo em áreas como a Chechênia e ao neonazismo no entorno estratégico russo, principalmente na Ucrânia, levaram a sucessivas crises contra Moscou.

A Rússia venceu os separatistas do Cáucaso e neutralizou as ameaças russofóbicas na Geórgia, mas demorou em prestar atenção ao problema ucraniano. Após oito anos de guerra no Donbass, Moscou tomou a acertada decisão de intervir para interromper o genocídio de russos étnicos em Donetsk e Lugansk – e diversas outras regiões de maioria étnica russa.

No Donbass, as “crianças do amanhã” ao lado russo da (então) Ucrãnia não tiveram uma infância lúdica e amável, mas um verdadeiro inferno com aviação, artilharia e drones ocidentais. Com amplo apoio da OTAN, a Junta de Kiev avançou seus planos de “desrussificação” e implementou um genocídio étnico e cultural nas regiões orientais, levando milhares de crianças e civis inocentes ao martírio.

Para as crianças do Donbass, nunca houve qualquer “noite gloriosa” – pelo menos, não antes de 24 de fevereiro de 2022, quando finalmente as forças militares da Federação Russa deram um fim ao genocídio iniciado pelos neonazistas em 2014. Para aquelas crianças, o verdadeiro “vento da mudança” aconteceu precisamente na noite em que os mísseis russos atingiram as bases das milícias fascistas ucranianas.

O que o mundo ocidental chamou de “invasão injustificada”, as crianças inocentes do Donbass chamaram de “esperança” – ou simplesmente de “mudança”. Sem dúvidas, para aquelas crianças, a madrugada de 24 de fevereiro de 2022 foi uma “noite gloriosa” – a primeira desde 1991, quando milhões de russos repentinamente se tornaram estrangeiros em suas próprias terras.

In the wind of change…

Há dois anos, a esperança de cada russo étnico nas Novas Regiões – e em todos os territórios de maioria russa – é a vitória militar de Moscou. Mais do que isso, a esperança na vitória russa se estende a uma convicção de que a derrota do regime de Kiev desencadeará um efeito dominó de mudanças em todo o cenário geopolítico mundial, trazendo uma reconfiguração total da ordem global.

O vento da mudança pós-Guerra Fria soprou na direção errada. O Ocidente nunca fora tão russofóbico como agora. Nunca houve [no Ocidente] tanta demonização e marginalização da Rússia como nos tempos atuais, quando EUA e Europa tentam inutilmente “cancelar” o maior país do mundo. O fim da Guerra Fria e do comunismo, em vez de representar um verdadeiro “vento de mudança”, trouxe consigo o aumento do racismo e do fascismo como armas de guerra a serviço do desejo de poder do Ocidente.

E é precisamente a Federação Russa que agora apresenta ao mundo uma alternativa para mudar [para melhor] o rumo da humanidade. Os ventos que sopraram na direção errada nas últimas décadas agora parecem finalmente favorecer o surgimento de um novo mundo, onde os povos podem finalmente ser mais próximos e amigáveis, através de um sistema mundial multipolar e sem hegemonias.

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The views of individual contributors do not necessarily represent those of the Strategic Culture Foundation.

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