Leonídio Paulo Ferreira
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Com as atenções centradas na Ucrânia, que desde fevereiro de 2022 resiste à invasão pela Rússia, há o risco de passar despercebido um outro conflito no antigo espaço soviético, aquele que opõe o Azerbaijão aos separatistas arménios do Nagorno-Karabakh e que está prestes a terminar com uma vitória total do Exército Azeri. A grande dúvida é se será uma vitória que, garantindo a soberania integral das autoridades de Baku sobre o seu território internacionalmente reconhecido, vem acompanhada do respeito pelos direitos das minorias, no caso uma população cristã de língua indo-europeia num país de maioria islâmica e de língua túrquica.
O conflito no Nagorno-Karabakh dura há mais de três décadas, coincidindo com o fim do regime comunista em Moscovo e a desagregação da União Soviética. No Cáucaso do Sul – onde hoje coexistem Arménia, Azerbaijão e Geórgia – as populações sempre foram muito misturadas nas cidades e abundam, ainda hoje, os casos de enclaves étnicos. Na era soviética as tensões entre comunidades eram controladas com mão de ferro pelo Kremlin, mas as fronteiras que ficaram como legado revelaram-se conflituosas logo no momento das independências. Numa primeira fase, no Nagorno-Karabakh, os separatistas arménios apoiados pela Arménia impuseram-se aos azeris, alargaram o território e até proclamaram a República do Artsakh. Em 2020, uma ofensiva azeri resultou numa derrota dos separatistas que agora, depois de nova ofensiva-relâmpago, parece total. Mesmo a Arménia não vem em socorro do Nagorno-Karabak, porque a prioridade é defender a sua viabilidade como Estado. Em três décadas, o Azerbaijão tornou-se mais populoso e mais rico (graças ao petróleo), enquanto a Arménia perdeu habitantes e viu a sua economia crescer pouco. A vantagem militar dos azeris é hoje tremenda, com Turquia a ser o grande aliado e Israel um grande fornecedor de armas.
Tropas russas estão no Nagorno-Karabakh para proteger os arménios e, apesar das críticas a Moscovo de que falhou na missão, é a Rússia a maior garantia de que a minoria arménia não foge ou é expulsa, o que resultaria numa limpeza étnica a que a comunidade internacional não pode ficar indiferente. Os arménios contam com a mobilização da sua importante diáspora, e com a solidariedade de países como Estados Unidos ou França, mas são os russos que estão perto e podem fazer a diferença.
Envolvida na Ucrânia há ano e meio, e com interesse em manter boas relações com o Azerbaijão e o seu patrono Turquia, a Rússia tem sido acusada de mostrar ou falta de vontade ou falta de meios para cumprir a proteção dos arménios no Nagorno-Karabakh. Moscovo também não terá gostado da recente aproximação entre a Arménia e os Estados Unidos, que até envolveu exercícios militares conjuntos. Veremos como funciona a sua mediação nos próximos dias, sobretudo depois de o Azerbaijão ter pedido desculpa pela morte de cinco soldados russos confundidos com separatistas arménios.
Povo com uma história tão longa como trágica, os arménios são hoje mais na Europa Ocidental e na América do que na sua terra de origem, que em tempos abrangia partes do Cáucaso e da Anatólia. Sofreram muito na fase final do Império Otomano, uma violência reconhecida até pela moderna República da Turquia, que recusa, porém, a acusação de genocídio. Hoje, no Nagorno-Karabakh, os tempos são sombrios para a população arménia. Alguns, relativizando o conflito e esquecendo o mais importante, dirão que o Cáucaso do Sul é Ásia, não Europa. É Europa sim (e mesmo que não fosse!), do ponto de vista geopolítico, e também cultural. Foi o antigo reino da Arménia, no século IV, que se tornou o primeiro no mundo a adotar o cristianismo como religião de Estado. E o francês Charles Aznavour (ou Aznavourian) foi um dos grandes nomes da diáspora. O “nosso” Calouste Gulbenkian, outro.